terça-feira, 13 de abril de 2010

A teologia do pluralismo religioso na América Latina

A teologia do pluralismo religioso na América Latina

 

Faustino Teixeira

PPCIR-UFJF

 

“Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

A mágica presença das estrelas”

(Mário Quintana)

 

Introdução  

 

A questão do pluralismo religioso vem cada vez mais se impondo na reflexão teológica contemporânea. Cresce a cada dia o consenso em torno da importância desta questão para a reflexão teológica no tempo atual. Na visão de Claude Geffré, desempenha hoje “o papel de um novo paradigma teológico”, afirmando-se como “horizonte da teologia no século XXI”[1]. E o novo desafio consiste em compreender tal pluralismo religioso não apenas como um fato contingencial ou passageiro, mas como uma realidade positiva inserida no desígnio misterioso de Deus. Como sublinha Geffré, “a pluralidade dos caminhos que levam a Deus continua sendo um mistério que nos escapa”[2]. Não há mais plausibilidade para pensar que uma única tradição religiosa seja capaz de dispor de toda a plenitude que envolve a realidade última. As tradições religiosas são “fragmentos” inacabados e contingenciais, que estão em permanente caminho de aperfeiçoamento e abertura. Elas partilham a experiência de uma interdependência que evita o risco do isolamento e  auto-suficiência, compondo a beleza de uma sinfonia que é sempre adiada.[3] E  cada fragmento é animado por uma singularidade ou verdade interna, irredutível e irrevogável. A percepção desta situação positiva do pluralismo religioso decorre do reconhecimento da influência salvífica universal de Deus.[4] As religiões são recordações vivas ou a anamnese desta vontade salvífica universal presente na história humana[5]. Cada uma é portadora de uma singularidade específica, capaz de favorecer visadas inéditas da realidade última, que muitas vezes escapam do patrimônio disponível numa tradição particular.

 

Este tema vem igualmente sensibilizando os teólogos latino-americanos nos últimos anos. Para Gustavo Gutiérrez, o pluralismo religioso representa um “território novo e exigente”, e traduz um apelo que vem das nações mais pobres do mundo[6]. Não há assim descompasso com a teologia da libertação, que se vê agora provocada a ampliar sua reflexão ao considerar a dimensão religiosa plural presente na situação de pobreza do continente. Vale registrar em particular o arrojado esforço dedicado pela comissão latino americana da  Associação Ecumênica de Teólogos e Teólogas do Terceiro Mundo (ASETT), de favorecer a elaboração de uma teologia do pluralismo religioso a partir das opções latino-americanas, de acolher a reflexão sobre o tema que vem sendo desenvolvida em outros continentes e de encetar um novo dialogo teológico. É o grande desafio de facultar a recepção da perspectiva interreligiosa pluralista na América Latina e desenvolver laços de interlocução com a teologia da libertação[7].

 

O objetivo deste artigo é tentar mapear a reflexão que vem sendo feita sobre o tema da teologia do pluralismo religioso na América Latina, sobretudo no Brasil; de apontar os teólogos que vêm se preocupando com o tema, dos institutos e revistas voltadas para a divulgação desta reflexão, e  lançar  algumas pistas de encaminhamento da reflexão no continente.

 

  1. O reconhecimento do desafio do pluralismo religioso

 

Há no momento atual da reflexão teológica latino-americana uma sensibilidade nova para o tema do pluralismo religioso. Vigora o comum reconhecimento da presença no continente de um rico e complexo mosaico de culturas e religiões e a necessidade de uma reflexão teológica mais sólida e arrojada para acolher e refletir sobre tal pluralidade. Fala-se sobre a urgência de um “novo olhar” sobre as religiões afro-brasileiras e dos povos originários, sem o qual não há possibilidades de um diálogo enriquecedor: “A sorte e a chance do diálogo e do intercâmbio entre as religiões dependem antes de tudo da qualidade e da simpatia do olhar, especialmente da parte daqueles que se consideram mestres e senhores nesses delicados domínios humanos”[8]. Fala-se também no imprescindível desafio da alteridade, do penoso confronto que a diferença envolve,  do outro como “mistério irredutível”, que convoca à ascese do “ver”, “escutar” e “acolher”. Trata-se do imperativo de manter a identidade aberta, e de aceitar a “alteridade” como “parte da própria identidade”[9].

 

É significativo perceber como o reconhecimento do valor do pluralismo vem acontecendo sobretudo entre os teólogos que estão envolvidos na reflexão e diálogo efetivo com outras tradições religiosas. Ao refletir sobre o  diálogo do cristianismo  com o candomblé, Volney Berkenbrock sinaliza o imprescindível reconhecimento da alteridade, o direito da religião singular “reservar um espaço intocável pelas demais”, a legitimidade de sua reivindicação de religião legítima. Para este autor, “a pluralidade das religiões não é nenhum fenômeno passageiro que deve ser superado, que deve desembocar necessariamente numa religião única”, mas uma “estrutura constante na história das religiões”. A recusa ao reconhecimento do valor do pluralismo leva ao risco de “fechamento diante do mistério de Deus”, ou seja, a negação do princípio da diversidade religiosa implica na desconsideração da própria compreensão de Deus[10]. 

 

No aprendizado e diálogo com as comunidades andinas, Diego Irarrazaval vem captando novas “rotas” para a percepção da presença de Deus como mistério maior. E sinaliza sua surpresa e maravilha diante das diversas buscas religiosas do sentido e do viver e em particular dos povos originários. Foi no encontro e diálogo com estes povos, com sua espiritualidade terrenal, que Diego foi aprofundando sua sensibilidade ao Mistério e sua abertura aos singulares modos de nomeá-lo e celebrá-lo. Este autor lamenta a dificuldade de abertura às riquezas religiosas do continente que marcou certo momento da teologia da libertação e propõe uma mudança de rumo, no sentido do reconhecimento de uma teologia do pluralismo religioso feita a partir dos povos originários. Mas isto significaria a necessidade de superação de uma certa linguagem “cristo-centrista” que dificulta ou mesmo impede a valorização de “outros modos de crer e ver a plenitude”[11].

 

Constata-se hoje na América Latina uma considerável ampliação de teólogos que vêm defendendo um pluralismo religioso de direito ou de princípio, em larga sintonia com autores que defendem esta questão em outras cercanias. Pode-se sublinhar alguns nomes entre os quais, José María Vigil, Marcelo Barros e Faustino Teixeira, que vêm trabalhando o tema de forma mais sistemática[12]. Mas a questão vem pontuando a reflexão de outros importantes autores da teologia da libertação como Leonardo Boff[13], Diego Irarrazaval[14], Ivone Gebara[15], Luiz E.Tomita[16], Benedito Ferraro[17], José Comblin[18], entre outros. Há inúmeras dissertações e teses sendo desenvolvidas no continente em torno deste tema[19]; bem como revistas e publicações específicas voltadas para a acolhida e divulgação desta reflexão[20].   

 

  1. A teologia latino americana diante do pluralismo religioso

 

a. Raízes de uma nova sensibilidade

 

Toda a dinâmica reflexiva da teologia da libertação voltou-se para a perspectiva do pobre e de sua libertação. A especificidade de seu trabalho hermenêutico foi a releitura da tradição cristã relacionando-a com as questões humanas básicas, em particular o direito de afirmação da vida das maiorias marginalizadas e excluídas. Em razão de uma atenção concentrada sobre o tema da libertação dos pobres, outros ângulos de reflexão acabaram não entrando na pauta da reflexão. Segundo Carlos Palácio, houve pontuais resistências para se avançar por novos caminhos, ou mesmo desconsideração por outras perspectivas, consideradas então de pouca relevância, por serem “aparentemente não-libertadoras, como a da modernidade, a das culturas ou a das religiões”[21]. Para Diego Irarrazaval, o que ocorreu foi “falta de coragem teológica” para refletir a fundo sobre “a eclesialidade numa América Latina pluri-religiosa”. A seu ver, “a teologia da libertação não foi ecumênica em termos cristãos (salvo exceções), tendo escassamente dialogado com os mundos religiosos do continente”[22].

 

A reflexão teológica latino-americana vem sofrendo mudanças nos últimos anos, ampliando claramente o leque de sua reflexão, sem perder o horizonte fundamental de sua visada. Uma nova sensibilidade para com a questão das religiões foi sendo alavancada, sobretudo a partir do final da década de 80, quando a teologia da libertação passa a responder de forma mais amadurecida ao desafio da acolhida da diversidade. As primeiras incidências desta abertura foram se dando entre os autores que trabalhavam a questão da teologia índia (ou dos povos originários da Ameríndia), da inculturação e das religiões afro-brasileiras[23]. Mas há que acrescentar também o influxo decisivo da espiritualidade da libertação[24], favorecendo a criação de um clima essencial de abertura e acolhimento da diversidade, de sensibilização à gratuidade e à disponibilidade ao dom do Deus sempre maior. 

 

Nesta transição vivida pela teologia da libertação foi de grande importância a inspiração de alguns “buscadores de dialogo”, que dedicaram sua vida ao diálogo com os diversos núcleos religiosos do continente. No campo do dialogo com as religiões indígenas, pode-se destacar as figuras de Bartolomé Meliá (sacerdote jesuíta paraguaio)[25], Xavier Albó (sacerdote jesuíta boliviano)[26] e Diego Irarrazaval (sacerdote chileno da Congregação de Santa Cruz)[27]. Em relato sobre sua experiência dialogal com os Guaranis, B. Meliá relatou que seu objetivo foi unicamente “buscar compreender, conviver com os índios, praticando a religião indígena”. O seu objetivo nunca foi o de uma evangelização explícita, mas ao contrário,  perceber a riqueza e profundidade da religião dos Guaranis[28]. Outras pioneiras no Brasil foram as Irmãzinhas de Jesus, discípulas de Charles de Foucauld, que se dedicaram ao cuidado dos índios Tapirapé desde 1952. Ao chegarem na aldeia Tapirapé, em 1952, encontraram um grupo de 47 índios em processo de declínio e extinção. Com a ajuda e o apoio das irmãzinhas, o núcleo Tapirapé viveu o milagre da recuperação de sua dignidade e a experiência missionárias das irmãzinhas serviu de paradigma para a antropologia[29].  No campo do diálogo com as religiões afro-brasileiras destaca-se o papel pioneiro do pe. François de l´Espinay (1918-1985). Sua experiência com as religiões afro começou no ano de 1974, quando se instalou na cidade de Salvador (Bahia). Aos poucos foi se introduzindo com cada vez maior profundidade nos caminhos de solidariedade e diálogo com os fiéis do candomblé. Depois de algum tempo foi escolhido como mogbá, membro do Conselho de Xangô[30]. Em arrojado artigo de 1987, l´Espinay fala de sua entrada radical no mundo da “alteridade de uma cultura diferente”. Lança na ocasião o decisivo convite à comunidade católica de um olhar mais positivo sobre as religiões afro:

 

“Bastaria sair de nossos limites fundados no exclusivismo, na certeza de possuir a única verdade, e admitir que Deus não se contradiz, que ele fala sob formas mui diferentes que se complementam uma à outra, e que cada religião possui um depósito sagrado: a Palavra de Deus lhe disse. Eis toda a riqueza do ecumenismo que não deve restringir-se ao diálogo entre cristãos”[31].

 

b. A emergência de novos aportes

 

Um importante aporte de acolhida do pluralismo religioso na teologia da libertação veio com o desenvolvimento da espiritualidade da libertação. Foi no bojo desta reflexão que se cunhou o conceito de macroecumenismo, que vem fazendo história na teologia da libertação desde o início dos anos 90. O termo apareceu pela primeira vez na obra espiritualidade da libertação (1992)[32], de Pedro Casaldáliga e José María Vigil. Em sua origem, o termo vinha associado a  um espírito de “abertura” e “acolhida”, presentes na espiritualidade libertadora, e que expressava a hospitalidade do Deus sempre maior, presente e disponível na história dos povos, mesmo antes da chegada dos missionários. Neste “ecumenismo integral”, Deus revela sua generosa universalidade: “Deus é ecumênico, não é racista, nem está ligado a nenhuma etnia nem a nenhuma cultura. Deus não se dá a ninguém com exclusividade”[33]. A expressão macroecumenismo ganha foro de cidadania durante a Primeira Assembléia do Povo de Deus, realizada em Quito (Equador) no ano de 1992. A expressão veio ali defendida em diversos momentos por Pedro Casaldáliga e vai aparecer no manifesto final do encontro. A idéia firmada no manifesto é a de que “o verdadeiro ecumenismo é maior que o ecumenismo”. Sem descartar a importância essencial do ecumenismo, o manifesto lança o desafio da abertura ao macroecumenismo: “uma palavra nova para exprimir uma realidade nova e uma consciência nova”. Trata-se do desafio de romper  com os preconceitos tradicionais para poder “abraçar com muito mais braços e muito mais corações o Deus Único e Maior”[34]. Para José María Vigil, a perspectiva aberta com o macroecumenismo latino-americano já antecipa, de certa forma, um espírito que é pluralista. Já se prenuncia a intuição de um “pluralismo de princípio”, embora não formulado explicitamente. Mas as amarras de um inclusivismo, ainda que moderado, permanecem vigentes na reflexão do período[35]. 

 

Outro importante aporte para a recepção do pluralismo religioso veio com os desdobramentos da abertura da teologia da libertação para a ecologia. Como resposta à grave crise ecológica do tempo atual, emergem vozes alternativas em favor de um novo paradigma, caracterizado por uma “nova forma de dialogação com a totalidade dos seres e de suas relações”[36]. Um porta voz desta reflexão na América Latina tem sido Leonardo Boff, com inúmeros trabalhos dedicados a pontuar a novidade e importância do tema para a teologia da libertação. Ao desenvolver a questão da nova sensibilização ecológica que vem responder criticamente à grave crise atual, este autor lança bases importantes para a reflexão da acolhida e valorização das diferenças, de uma “nova compaixão” para com todos os seres humanos. Temas que estão diretamente relacionados à acolhida do pluralismo religioso. Leonardo Boff lança pistas fundamentais para a afirmação de uma visão holística e de uma nova espiritualidade, marcada pelo imperativo da hospitalidade e da comunhão: “O conhecimento cordial, porque fundado na comunhão, gera comunidade aberta e inclusiva do diferente acolhido na sua diferença”[37]. Para este autor, a nova espiritualidade que brota de uma sensibilidade ecológica é acolhedora da pluralidade das tradições. Assim como existe uma grande biodiversidade na natureza, que requer do ser humano a sua preservação mediante o cuidado e o respeito, de forma a evitar sua irreversível extinção, há também a diversidade das religiões, que merecem semelhante respeito[38]. 

 

Deve-se igualmente sublinhar o influxo da teologia feminista na afirmação de uma nova sensibilidade à teologia do pluralismo religioso. Dentre as teólogas latino-americanas que vêm trabalhando a questão estão Ivone Gebara, Luiza Tomita, Silvia Regina e Wanda Deifelt. Há que destacar o papel pioneiro de Ivone Gebara para o debate do pluralismo religioso, ao enfatizar o desafio do feminismo latino-americano às religiões patriarcais e os absolutismos que se firmam em seu interior. Para esta autora, a perspectiva feminista identifica-se com a dinâmica pluralista, na medida em que trabalha desde o início em favor da cidadania da diferença. Ela reconhece a importância de levar a sério o pluralismo “e encontrar caminhos para conviver a partir dele e com ele no presente”[39]. A teologia feminista tem sobretudo elaborado uma crítica à linguagem religiosa tecida no bojo de uma cultura patriarcal excludente, que acaba desenvolvendo uma compreensão de divindade masculina que corrobora estruturas hierárquicas e serve de instrumento ao processo de colonização[40]. A reflexão teológica tem hoje insistido contra uma certa tendência de enquadrar a realidade divina em determinadas representações lingüísticas. Não há como caracterizar Deus por gênero masculino ou feminino. Como indicou Roger Haight, “não se pode atribuir nenhum peso ontológico ao gênero em Deus” em razão de sua transcendência[41]. A teologia feminista tem contribuído, assim, para superar uma tendência exclusivista do cristianismo, abrindo espaço para “uma noção de divindade que saiba colher as diversidades”[42]. Neste importante trabalho de critica ao androcentrismo, tem-se recuperado importantes reflexões tecidas no campo da espiritualidade feminina cristã da Alta Idade Média (sécs. XII a XV),  quando foram gestadas importantes metáforas femininas para a configuração de uma espiritualidade mais plural. Mesmo sem exibir uma agenda feminista consciente, místicas como Marguerite Porette (1250-1310), Hildegarde de Bingen (1098-1179), Mechtilde de Magdebourg (1208-1290) e Julienne de Norwich (1342-1420), deram importante contribuição para a relativização da linguagem teológica tradicional, um “parler-femme” que resguardou a dinâmica aberta e plural do inominável. Como lembrou Ivone Gebara, esta rica experiência das mulheres medievais antecipou a intuição hoje vigente de que “o princípio fundante já não pode ser só masculino. Sua expressão tem que ser múltipla, plural, infinita”[43]. 

 

  1. Os desconfortos diante do pluralismo religioso

 

Não há como desconhecer o lugar e a importância do pluralismo religioso no tempo atual. Mas é também um fato a grande dificuldade expressa pelas tradições religiosas em reconhecer sua positividade, na medida em que ele provoca uma condição de “incerteza permanente” e desestabiliza as “auto-evidências das ordens de sentido e valor”[44]. O pluralismo desperta resistência e desconforto nas identidades instauradas, pois implode as interpretações que se pretendem únicas e exclusivas. Ele é visto por muitos como uma ameaça na medida em que instaura insegurança em razão da ampliação das possibilidades de interpretação. Aqueles que “suportam” esta nova exigência são minorias, e Peter Berger identificou-os como os “virtuosos do pluralismo”.

 

Na América Latina, a discussão em torno da teologia do pluralismo religioso tem igualmente provocado controvérsias. Há grupos teológicos cristãos mais afinados e sensibilizados para os desafios do pluralismo religioso, e outros mais temerosos, resistentes ou críticos aos desdobramentos da reflexão. A maior dificuldade relaciona-se aos desconfortos que a discussão vem provocando na identidade crente: nos âmbitos da cristologia, eclesiologia, soteriologia e missiologia[45]. Com base na perspectiva cristocêntrica, há teólogos que resistem ao pluralismo de direito[46]. Outros expressam seu temor diante do risco do relativismo desorientador[47].  Os maiores embaraços encontram-se relacionados aos campos da cristologia e eclesiologia[48]. Mas não há dúvida de que a manutenção de atitudes e posicionamentos exclusivistas e mesmo inclusivistas torna-se no tempo atual rigorosamente problemática  e carente de plausibilidade[49]. A realidade do pluralismo convoca os cristãos a acolher o valor e o direito à diferença”, bem como a honrar a singularidade e especificidade das outras tradições religiosas. E para tanto torna-se necessário “redefinir os termos da compreensão da unicidade e singularidade de Jesus e de sua obra salvadora”[50]. Mas há ainda muitas resistências a este imperativo trabalho, mesmo no âmbito da teologia da libertação, como vem mostrando José Maria Vigil:

 

“A TL latino-americana clássica tem sido construída sobre o paradigma do inclusivismo/cristocentrismo. Recorra-se a qualquer tratado de cristologia da TL e será possível ver que, mesmo que nunca se coloque no paradigma exclusivista, em momento algum é questionado o paradigma inclusivista. É verdade que a TL é muito generosa em reconhecer a presença de Deus e da salvação fora dos limites da Igreja, e que neste sentido aproxima-se do que seria uma posição pluralista; mas essa salvação é sempre considerada em definitivo como ´cristã`, conseguida por Cristo” [51].

 

 Com a ampliação desta reflexão em outros continentes, a teologia latino-americana passa a levar mais a sério o tema, ainda que alguns o considerem um “ninho de vespas”. Há um grande horizonte pela frente, e em particular o desafio de elaborar uma “nova cristologia, não absolutista”[52]. Uma pista aberta pelo teólogo Roger Haight tem sido bem aceita entre teólogos do continente, que reforça uma acolhida positiva do pluralismo religioso, visto como um pluralismo de direito. Trata-se da tese que acolhe a normatividade de Jesus como válida para os cristãos, mas que não pode ser universalizada para todos. Para Haight, “os cristãos podem relacionar-se com Jesus como normativo da verdade religiosa acerca de Deus, do mundo e da existência humana, convictos, ao mesmo tempo, de que também existem outras mediações religiosas que são verdadeiras e, portanto, normativas”[53]. 

 

Conclusão

 

A acolhida do pluralismo religioso não significa uma violentação da perspectiva cristã, como alguns tendem a considerar. Como indica Leonardo Boff, “a fé cristã possui categorias que permitem alimentar uma atitude positiva frente ao pluralismo religioso”[54] Há todo um patrimônio de abertura inscrito nas escrituras cristãs, como a “aliança cósmica” estabelecida entre Deus e os humanos, antes mesmo da aliança com Abraão e Moisés (Gn 9,9-11);  a presença da ação iluminadora e universal do Logos ásarkos (não encarnado)[55], operante em toda a história humana desde o início da criação (Jo 1,9) e a ação ilimitada do Espírito, que traduz o reconhecimento da “secreta presença de Deus” e de sua graça entre as nações (AG 9). Há no coração do cristianismo uma convocação à hospitalidade, cortesia e aceitação da alteridade. Para o teólogo E. Schillebeeckx, “a aceitação da diversidade das religiões (...) está implicada na essência do cristianismo”. A mensagem de Jesus não foi auto-implicativa, mas uma mensagem aberta para o horizonte inusitado e mais amplo do mistério maior de Deus.[56] 

 

Nada mais essencial no tempo atual do que o dialogo entre as religiões. É neste desafio fundamental que se joga o futuro social das religiões. Como sinaliza Hans Küng, “as opções são claras: ou a rivalidade entre as religiões, o choque das culturas, a guerra das nações – ou o diálogo das religiões, como condição para a paz entre as nações!”[57]. As religiões e as teologias são provocadas a acender a chama de um “novo mundo possível”, pontuado pela hospitalidade, delicadeza e cortesia. Um singular poeta brasileiro indicou que “sonhar é acordar-se para dentro”[58]. Há que recuperar energias encobertas do mundo interior para favorecer e instaurar paisagens diferentes na história. E as religiões têm um papel importante neste renovamento espiritual, de forma a conferir e reforçar a vida em todos os setores da humanidade, bem como acender nos corações uma “fidelidade de fundo” e um “horizonte de sentido”[59].

 

(Publicado no livro organizado por José Maria VIGIL &  Luiza E. TOMIITA & Marcelo BARROS. Teologia pluralista libertadora intercontinental. São Paulo: Paulinas, 2007, pp. 21-40; Id. Por los muchos caminos de Dios IV. Quito: Abya-Yala, 2006, pp. 17-30)



[1] Claude GEFFRÉ. Crer e interpretar. A virada hermenêutica da teologia. Petrópolis: Vozes, 2004, pp. 26 e 134.

[2] Claude GEFFRÉ. A crise da identidade cristã na era do pluralismo religioso. Concilium, v. 311, n. 3, 2005, p. 21. Na visão de João Batista Libânio, o pluralismo religioso de direito é “a questão teológica mais aguda”: como pensar teologicamente o pluralismo religioso no desígnio salvífico de Deus: João Batista LIBÂNIO. Olhando para o futuro. Prospectivas teológicas e pastorais do cristianismo na América Latina. São Paulo: Loyola, 2003, p. 143 e também: Carlos PALÁCIO. O cristianismo na América Latina. Perspectiva Teológica, v. 36, n. 99, 2004, p. 179.

[3] Christian DUQUOC. L´unique Christ. La symphonie différée. Paris: Cerf, 2002, pp. 122, 129,239-40.

[4] Roger HAIGHT. Jesus símbolo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 485.

[5] Edward SCHILLEBEECKX. Umanità la storia di Dio. Brescia: Queriniana, 1992, p. 29.

[6] Gustavo GUTIÉRREZ. Situazione e compiti della teologia della liberazione. In: Rosino GIBELLINI (Ed.). Prospettive teologiche per il XXI secolo. Brescia: Queriniana, 2003, pp. 97-98.

[7] ASETT (Org.). Pelos muitos caminhos de Deus. Desafios do pluralismo religioso à teologia da libertação. Goiás: Rede, 2003, pp. 9-10 (simultaneamente publicada no Equador pela editora do Verbo Divino e  na Itália pela editora EMI em 2004); Esta é a primeira obra de uma coleção, chamada «Pelos muitos caminhos de Deus», de cinco volumes organizados pela Comissão Teológica da ASETT Latino-americana, previstos para publicação, dos quais outros três já foram publicados: Pluralismo e libertação        (São Paulo: Loyola, 2005), Teologia latinoamericana pluralista de la liberación  (Quito: Abya Yala, 2006) e este que o leitor tem em mãos. Ver também Juan José TAMAYO. Fundamentalismos y diálogo entre religiones.Madrid: Trotta, 2004, pp. 126-127 – onde  o autor resenha a primeira obra (também publicado no Equador pela editora do Verbo Divino em 2003 e na Itália, pela editora EMI em 2004).

[8] Frei Carlos JOSAPHAT. Evangelho e diálogo inter-religioso. São Paulo: Loyola, 2003, p. 127 (e também pp.113-114).

[9] Carlos PALÁCIO. Para uma pedagogia do diálogo. Perspectiva Teológica, v. 35, 2003, pp. 371-372.

[10] Volney BERKENBROCK. Diálogo e identidade religiosa: reflexões sobre a base teológica para um encontro positivo entre o candomblé e o cristianismo. REB, v. 56, n. 221, pp. 04-44. Ver também: Afonso M.L.SOARES. Interfaces da revelação. São Paulo: Paulinas, 2003, pp. 208-210. Em linha semelhante de reflexão, Roger Haight afirmou: “Acredito que as pessoas que não conseguem reconhecer a verdade salvífica de outras religiões podem implicitamente estar operando com uma concepção de Deus distante da criação”: Roger HAIGHT. Jesus símbolo de Deus, p. 479.

[11] Diego IRARRAZAVAL. Un cristianismo andino. Quito: Abya-Yala, 1999, pp. 83-84.

[12] José María VIGIL. Teologia del pluralismo religioso. Curso sistemático de teologia popular. Quito: Abya-Yala, 2005 (Igualmente publicado em Córdoba: El Almendro, 2005 e São Paulo: Paulus, 2006). ; Faustino TEIXEIRA. Teologia de las religiones. Una visión panorâmica. Quito: Abya-Yala, 2005 (e também São Paulo: Paulinas, 1995 e Barcelona: Claret, 2002); Marcelo BARROS. O sonho da paz. Petrópolis: Vozes, 1996.

[13] Leonardo BOFF. Post Scriptum. Numen, v. 5, n.1, 2002, pp. 37-40; Id. Prólogo. In: José Maria Vigil & Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS (Orgs.). Por los muchos caminos de Dios III. Teologia latinoamericana pluralista de la liberación. Quito: Abya-Yala, 2006.

[14] Diego IRARRAZAVAL. Epílogo. Rotas abertas e fechadas em direção a Deus. In: Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS & José Maria VIGIL (Orgs.). Pluralismo e libertação. Por uma teologia latino-americana pluralista a partir da fé cristã. São Paulo: Loyola, 2005, pp. 225-230; Epílogo. In: José Maria Vigil & Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS (Orgs.). Por los muchos caminos de Dios III. Op.cit.

[15] Ivone GEBARA. Pluralismo religioso: una perspectiva feminista. In: José Maria Vigil & Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS (Orgs.). Por los muchos caminos de Dios III. Op.cit., pp. 167-181.

[16] Luiza E. TOMITA. A contribuição da teologia feminista da libertação para o debate do pluralismo religioso. In: ASETT (Org.). Pelos muitos caminhos de Deus, pp. 108-118.

[17] Benedito Ferraro. O desafio da fé cristã num mundo plural. In: O atual debate da teologia do pluralismo religioso. Depois da “Dominus Iesus”. Servicios Koinonia, Libros Digitales: http://servicioskoinonia.org/LibrosDigitales/index.php (acessado em 17-03-2006).

[18] José Comblin. A teologia das religiões a partir da América Latina. In: Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS & José Maria VIGIL (Orgs.). Pluralismo e libertação,  pp. 47-70; Id. Cristologia en la teologia pluralista de la liberación. In: José Maria Vigil & Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS (Orgs.). Por los muchos caminos de Dios III. Op.cit.

[19] Dentre as quais podem ser mencionadas: Roberley PANASIEWICZ. Dialogo e revelação. Rumo ao encontro inter-religioso. Belo Horizonte: FUMEC / C/Arte, 1999 (dissertação de mestrado em ciência da religião da UFJF); Id. A virada hermenêutica da teologia e o pluralismo religioso. Tese de doutorado, PPCIR, UFJF, 2005 (no prelo das edições Paulinas); José Maria da SILVA. O cristianismo e o pluralismo religioso. Tese de Doutorado, PPCIR, UFJF, 2004; Cleusa Maria ANDREATTA. Experiência salvífica cristã e pluralismo religioso em E.Schillebeeckx. Tese de Doutorado, Departamento de Teologia, PUC-Rio, 2003; Eduardo Rosa PEDREIRA. Do confronto ao encontro. Uma análise do cristianismo em suas posições ante os desafios do diálogo inter-religioso. São Paulo: Paulinas, 1999 (dissertação de mestrado defendida na PUC-RJ); Paulo Agostinho Nogueira BATISTA. Dialogo e ecologia A teologia teoantropocósmica de Leonardo Boff. Dissertação de Mestrado, PPCIR, UFJF, 2001 (e que vem trabalhando no doutorado o tema da teologia cristã latino-americana do pluralismo religioso – PPCIR, UFJF). Há em Juiz de Fora, na Universidade Federal de Juiz de Fora, uma universidade pública, um programa de pós-graduação em ciência da religião (PPCIR), com um núcleo de pesquisa dedicado ao estudo da teologia do pluralismo religioso: http://www.ppcir.ufjf.br/

[20] Há que sublinhar, em particular, o trabalho pioneiro desenvolvido pelo teólogo José Maria Vigil no portal Servicios Koinonia, responsável pela Revista Electrónica Latinoamericana de Teologia (RELAT – http://servicioskoinonia.org/relat). Também sob sua organização, a coleção Tempo Axial, com publicações específicas sobre a questão da teologia do pluralismo religioso (http://latinoamericana.org/tiempoaxial), a iniciativa de organizacão dos livros digitais, igualmente voltados para a divulgação da temática (http://servicioskoinonia.org/LibrosDigitales/index.php) e o trabalho com a Agenda Latinoamericana, que em 2003 tratou o tema do diálogo entre as religiões: http://latinoamericana.org/2003/textos/index.html. Como canal de divulgação desta temática, pode-se ainda mencionar o trabalho realizado Rafael Aragon Marina, coordenador da revista Alternativas, publicada em Manágua (Nicarágua), com vários números dedicados ao desafio do pluralismo religioso.

[21] Carlos PALÁCIO. Trinta anos de teologia na América Latina. In. Luiz Carlos SUSIN (Org.). O mar se abriu. Trinta anos de teologia na América Latina. São Paulo: SOTER/Loyola, 2000, p. 63.

[22] Diego IRARRAZAVAL. Vertientes teológicas actuales. In: Luiz Carlos SUSIN (Org.). O mar se abriu, p. 101.

[23] Entre as obras pioneiras: Manuel MARZAL et alii. O rosto índio de Deus. Petrópolis: Vozes, 1989; Marcelo AZEVEDO. Comunidades eclesiais de base e inculturação da fé. São Paulo: Loyola, 1986; Carlos BRANDÃO et alii. Inculturação e libertação. São Paulo: Paulinas, 1986; Antônio Aparecido da SILVA. A antiga e a nova evangelização vistas pelos afro-americanos. In: Paulo SUESS (Org.). Queimada e semeadura. Petrópolis: Vozes, 1988. Para maiores detalhes cf.  Faustino TEIXEIRA. A interpelação do diálogo inter-religioso para a teologia. In: Luis Carlos SUSIN (Org.). Sarça ardente. Teologia na América Latina: prospectivas. São Paulo: SOTER/Paulinas, 2000, pp. 421-425; Id. O desafio do pluralismo religioso para a teologia latino-americana. In: ASETT (Org.). Pelos muitos caminhos de Deus, pp. 67-72; José María VIGIL. Teologia del pluralismo religioso. Quito: Abya-Yala, 2005, pp. 279-281.

[24] Pode-se mencionar três obras importantes sobre este tema: Gustavo GUTIÉRREZ. Beber no próprio poço. Itinerário espiritual de um povo. Petrópolis: Vozes, 1984; Jon SOBRINO. Espiritualidade da libertação. São Paulo: Loyola, 1992 (o original é de 1985); Pedro CASALDÁLIGA & José María VIGIL. Espiritualidade da libertação. Petrópolis: Vozes, 1993.

[25] Nascido em 1932, vem se dedicando desde 1969 ao estudo dos índios guaranis.

[26] Nascido em 1934, tendo-se dedicado à investigação e partilha de diálogo com as populações quéchua, aimara e guarani da Bolívia.

[27] Nascido em 1942, dedicou parte importante de sua vida à comunhão e trabalho com as comunidades indígenas aymaras em Puno (Peru). É hoje presidente da Associação Ecumênica de Teólogos e Teólogas do Terceiro Mundo (ASETT).

[28] Faustino TEIXEIRA (Org.). Teologia da libertação: novos desafios. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 101 (há neste livro depoimentos bem interessantes destes pioneiros do diálogo com as religiões indígenas).

[29] O RENASCER do povo Tapirapé. Diário das Irmãzinhas de Jesus de Charles de Foucauld. São Paulo: Editora Salesiana, 2002. Uma experiência semelhante à realizada por Maurice Leenhardt (1878-1954) por 25 anos juntos aos indígenas (canacas) na Nova Caledônia (de 1902 a 1927). Foi pioneiro o seu trabalho de etnólogo e missionário protestante, cujo objetivo fundamental foi redespertar nos nativos o “gosto pela vida”, ou seja, reconduzir os indígenas “a valorização de sua própria maneira de ser, de seus princípios fundamentais”: Maria Izaura PEREIRA DE QUEIROZ. Rumos do pensamento etnológico na França. A atualidade de Maurice Leenhardt. Religião e Sociedade, v. 14, n. 1, 1987, p. 66. Ver ainda: Eduardo Rosa PEDREIRA. Do confronto ao encontro, pp. 29-37. Como bem mostrou Eduardo Pedreira, “os missionários vão antecipar, no campo, realidades que só mais tarde viriam a ser discutidas nos círculos teológicos e conciliares”: Ibidem, p. 25.

[30] Heitor FRISOTTI. Passos no diálogo. Igreja católica e religiões afro-brasileiras. São Paulo: Paulus, 1996, pp. 62-65.

[31] François de L´ESPINAY. A religião dos Orixás – outra palavra do Deus único? REB, v. 47, n. 187, 1987, pp. 639-650 (a citação na p. 649). O autor reage à tendência das religiões acentuarem seus traços de divisão em vez de buscarem o que elas têm de comum: “Nós católicos, temos em demasia o complexo da ´totalidade`. Nada nos falta, Deus nos disse tudo. (...) Já não é tempo de respeitar um pouco o sopro criador do Espírito, sem nos tomarmos por Ele?”: ibidem, p. 649. Ver ainda: Id. Igreja e religião africana do candomblé no Brasil. REB, v. 47, n. 188, 1987, pp. 860-890.

[32] A primeira edição foi publicada em 1992 (Equador, Bolívia e Espanha). A edição brasileira saiu em 1993: Pedro CASALDÁLIGA & José María VIGIL. Espiritualidade da libertação. Petrópolis: Vozes, 1993 (na coleção Teologia e Libertação – n. 9). Para as diversas edições da obra cf. http://www.servicioskoinonia.org/pedro/obras/index.html

[33] Pedro CASALDÁLIGA & José María VIGIL. Espiritualidade da libertação, pp. 192-193. No âmbito da teologia das religiões, Raimundo Panikkar já havia defendido anteriormente o que chamou de “ecumenismo ecumênico”, de forma a expressar um ecumenismo mais amplo, de “abertura à toda família humana”: Raimundo PANIKKAR. Il dialogo intrareligioso. Assisi: Cittadella Editrice, 1988, p. 63; Id. La nuova innocenza. Sotto il Monte: Servitium, 1996, pp. 59-70 (verso un ecumenismo ecumenico).

[34] Faustino TEIXEIRA (Org.). O dialogo inter-religioso como afirmação da vida. São Paulo: Paulinas, 1997, pp. 149-150. Em artigo publicado neste mesmo livro, Pedro Casaldáliga expressa o sentido que guarda a nova expressão: “o macroecumenismo (...) não é uma organização nem um movimento propriamente dito; é sobretudo uma atitude, uma visão nova, uma espiritualidade ou o alargamento das respectivas espiritualidades, é uma mística. É uma atitude que a gente acredita ser agradável a Deus, ao Deus de todos os nomes, maior que todos eles...”: Pedro CASALDÁLIGA. O macroecumenismo e a proclamação do Deus da vida. In: Ibidem, p. 37.

[35] José María VIGIL. Macroecumenismo: teologia latino-americana das religiões. In: Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS & José Maria VIGIL (Orgs.). Pluralismo e libertação,  pp.85-86. Mas o conceito de macroecumenismo tem produzido resistências no continente. Veja por exemplo: Rudolf VON SINNER. Hermenêutica ecumênica para um cristianismo plural. Estudos Teológicos, v. 44, n. 2, 2004, p. 36 (que vê o risco de uma “espécie simplificadora de inclusão”; Edênio VALLE. Macroecumenismo e diálogo inter-religioso como perspectiva de renovação católica. Rever, v. 3, n. 2, 2003, pp. 4-5: http://www.pucsp.br/rever/rv2_2003/t_valle.htm (para este autor a adoção deste conceito pela teologia latino-americana não parece, a seu ver, muito feliz, sendo “problemática e polêmica”).

[36] Leonardo BOFF. Dignitas Terrae. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. 3 ed. São Paulo: Ática, 1999, p. 29.

[37] Leonardo BOFF. Viver uma atitude ecológica. In: Nancy Mangabeira UNGER. O encantamento do humano. Ecologia e espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1991, pp. 11-14. Em tese doutoral, ainda em fase de elaboração (Dialogo e Libertação: para uma teologia cristã latino-americana do pluralismo religioso – PPCIR, UFJF), o teólogo Paulo Agostinho Nogueira Batista, trabalha com a hipótese de que a virada ecológica do pensamento de Leonardo Boff foi essencial para sua abertura ao tema da teologia pluralista das religiões.

[38] Leonardo BOFF. Prólogo. Por los muchos caminos de Dios III, p. 2. Esta mesma idéia foi defendida por Diego Irarrazaval no epílogo desta mesma obra. Uma grande entusiasta francesa do pluralismo religioso, Simone Weil (1909-1943), afirmou em certa ocasião que se as outras tradições religiosas “desaparecessem da face da terra, seria uma perda irreparável. Os missionários já as fizeram desaparecer demasiadamente”: Simone WEIL. Carta a un religioso. Madrid: Trotta, 1998, p. 33.

[39] Ivone GEBARA. Pluralismo religioso: una perspectiva feminista. In: José Maria VIGIL & Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS (Orgs.). Por los muchos caminos de Dios III, p. 167.

[40] Wanda DEIFELT. Dios en el cuerpo. Análisis feminista de la revelación. In: José Maria VIGIL & Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS (Orgs.). Por los muchos caminos de Dios III, pp. 53-66. E também: Benedito FERRARO. El desafio de la fé en un mundo pluralista. In: Servicios Koinonia. El actual debate de la teologia del pluralismo después de la Dominus Iesus. Libros Digitales, 2005, p. 32.

[41] Roger HAIGHT. Jesus símbolo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 142. Ver ainda p. 127.

[42] Elizabeth GREEN. Al crocicchio delle strade. Teologia femminista all´inizio del XXI secolo. In: Rosino GIBELLINI (Ed.). Prospettive teologiche per il XXI secolo. Brescia: Queriniana, 2003, p. 181. As teologias feministas, “ao desconstruirem os discursos binários e mono-identitários abriram o caminho para um Deus provisório, pouco preciso, aberto e inclusivo demais...”, que não consegue mais se encaixar nos modelos  limitados do cristianismo tradicional: Nancy CARDOSO & Edla Eggert & André S. MUSSKOPT (Orgs.). A graça do mundo transforma Deus. Diálogos latino-americanos com a IX Assembléia do CMI. Porto Alegre, Editora Universitária Metodista, 2006, p. 6.

[43] Ivone GEBARA. Pluralismo religioso: una perspectiva feminista, p. 176. Ver também: Sílvia SCHWARTZ. Marguerite Porete: mística, apofatismo e tradição de resistência. Numen, v. 6, n. 2, 2003, pp. 109-126. Em seu artigo, Silvia assinala como o discurso apofático de Marguerite Porete favoreceu uma “nova configuração de gênero” à deidade, pontuada pelo “desdizer” do “Ele-Deus masculino, monotípico”. É uma mistica que inova a compreensão da Trindade, inserindo as presenças femininas da Dame Amour e da Alma Aniquilada: ibidem, pp. 120-121.

[44] Peter BERGER. Una gloria remota. Avere fede nell´epoca del pluralismo. Bologna: Il Mulino, 1994, p. 48; Id & Thomas LUCKMANN. Modernidade, pluralismo e crise de sentido. Petrópolis: Vozes, 2004, pp. 54 e 73.

[45] Em singular artigo voltado para o campo protestante, o teólogo presbiteriano Eduardo Rosa Pedreira falou sobre os desconfortos do “crer”, do “ser” e do “fazer” que acompanham as questões em torno do diálogo inter-religioso. No âmbito do “desconforto do crer” ele trabalha a tensão que o tema instaura no âmbito da afirmação cristológica da unicidade de Jesus, da afirmação hermenêutica da Bíblia como única palavra de Deus, da afirmação soteriológica de que só existe salvação em Jesus Cristo e da afirmação missiológica que convoca à universalidade da missão: Eduardo Pedreira ROSA. Os desconfortos e desafios trazidos pelo diálogo inter-religioso ao mundo protestante. Atualidade em debate. Caderno 46, 1996, pp. 30-36 (Centro João XXIII – IBRADES). Algumas das criticas que são tecidas à perspectiva teológica pluralista são apresentadas e resumidas por João Batista LIBÂNIO: Eu creio, nós cremos. Tratado da fé. São Paulo: Loyola, 2000, pp. 429-431.

[46] Veja por exemplo as reflexões de Mário de França Miranda: O cristianismo em face das religiões. São Paulo: Loyola, 1998, pp. 11-34 (um texto em grande sintonia com o documento da Comissão Teológica Internacional, da qual fez parte este autor: O cristianismo e as religiões. São Paulo: Loyola, 1997); Id. As religiões na única economia salvífica. Atualidade Teológica, v. 6, n. 10, 2002, pp. 9-26. Para Miranda, a discussão do pluralismo de direito é secundaria. O que existe a seu ver é um “único desígnio salvífico de Deus”, onde Jesus Cristo é o ponto culminante. As religiões entram não “para completar o que faltou”, mas para enriquecer a “apropriação” que se faz desta verdade: cf. ibidem, p. 26. Ver também: Francisco CATÃO. Falar de Deus. São Paulo: Paulinas, 2001 (onde questiona o pluralismo de direito e defende um “pluralismo de contingência”- veja pp. 211-212).

[47] Gottfried BRAKEMEIER. Fé cristã e pluralidade religiosa – onde está a verdade? Estudos Teológicos, v. 42, n. 2, 2002, pp. 23-47. Este teólogo luterano, professor de ecumenismo na Escola Superior de Teologia em São Leopoldo (RS), reitera o risco desorientador do pluralismo e propõe um “exclusivismo aberto”: cf. ibidem, pp. 29-30 e 39-40.

[48] Para a questão do embaraço eclesiológico cf. Faustino TEIXEIRA. Eclesiología en tiempos de pluralismo religioso. In: José Maria VIGIL & Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS (Orgs.). Por los muchos caminos de Dios III, pp. 96-108.

[49] Faustino TEIXEIRA. Uma cristologia provocada pelo pluralismo religioso. REB, v. 65, n. 258, 2005, pp. 311-312; Id. Karl Rahner e as religiões. In: P.R. OLIVEIRA & C. PAUL (Orgs.). Karl Rahner em perspectiva. São Paulo: Loyola, 2004, pp. 258-261.

[50] Leonardo BOFF. Prólogo. Por los muchos caminos de Dios III.

[51] José María VIGIL. Cristologia da libertação e pluralismo religioso, pp. 164-165. Ver também pp. 161.

[52] Id. Macroecumenismo: teologia latino-americana das religiões, pp. 87-88. Como sublinhou Marcelo Barros: “Não se trata de repensar a cristologia para ser aceita pelos judeus ou muçulmanos. O desafio é reformular a cristologia para nós, cristãos, para que nos ajude a abrir-nos ao outro e a perceber os teus muitos caminhos, ó Deus”: Cristologia afro-latíndia: discussão com Deus. In. Luiza E. TOMITA & Marcelo BARROS & José Maria VIGIL (Orgs.). Pluralismo e libertação, p. 172.

[53] Roger HAIGHT. Jesus, símbolo de Deus, pp. 464 e 455. Uma tese que vem acolhida por teólogos como Faustino Teixeira (Uma cristologia provocada pelo pluralismo religioso), José María VIGIL (Teologia del pluralismo religioso) e Benedito FERRARO (O desafio da fé cristã num mundo plural), entre outros.

[54] Leonardo BOFF. Prólogo. Por los muchos caminos de Dios III.

[55] Ver a propósito: Jacques DUPUIS. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, p. 413; Xavier LÉON-DUFOUR. Lettera dell´Evangelo secndo Giovanni (capitoli 1-4). Cinisello Balsamo: San Paolo, 1990, p. 165.

[56] Edward SCHILLEBEECKX. Umanità la storia di Dio, pp. 218, 152. Em sua visão, “os cristãos correm o risco de se esqueceram da focalização teocêntrica original do procedimento de Jesus, caindo numa jesuologia que pouco diz ou de reduzir Deus de tal sorte que seja absorvido em Cristo”: Ibidem, p. 167 (a tradução foi aqui tomada da tradução brasileira: História humana revelação de Deus. São Paulo: Paulus1994, p. 165).

[57] Hans KÜNG. O islamismo: rupturas históricas – desafios hodiernos. Concilium, v. 313, n. 5, 2005, p. 104.

[58] Mário QUINTANA. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 461.

[59] PARLAMENTO delle religioni mondiali. Dichiarazione per un´etica mondiale. In: Hans KÜNG & Karl JOSEF KUSCHEL. Per un´etica mondiale. Milano: Rizzoli, 1995, p. 24.

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