PEREGRINOS DO DIÁLOGO
Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF
“O diálogo religioso requer uma atitude de busca
profunda, uma convicção de que estamos caminhando
sobre solo sagrado, de que arriscamos nossa vida”
(R.Panikkar)
Introdução
É motivo de grande alegria poder participar desta obra coletiva em homenagem a Paulo Meneses. Na apresentação do livro que recolheu alguns de seus significativos artigos[1], Henrique Cláudio de Lima Vaz, um velho amigo que acompanhou grande parte de sua trajetória, traduziu a riqueza de seu perfil: “filósofo nato, poeta de alta inspiração, escritor brilhante, todos estes dotes que fazem de Paulo Meneses uma presença excepcionalmente rica no panorama da cultura brasileira”. Sua atuação ocorreu sobretudo no campo da filosofia, mas também marcou presença no âmbito da antropologia, com trabalhos singulares abordando temas relacionados à diversidade cultural, ao etnocentrismo e o desafio da alteridade. Tivemos a ocasião de participar com ele num seminário de estudos organizado pelo programa de pós-graduação em ciência da religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, em outubro de 1996. O seminário versava sobre o tema do diálogo inter-religioso como afirmação da vida.[2] A conferência de Paulo Meneses foi sobre a questão da tolerância e religiões, e visava fornecer um fundamento filosófico para a abertura dialogal entre as religiões.
Uma chave importante de sua reflexão estava no reconhecimento do valor da alteridade e da riqueza da diversidade. Assinala que, infelizmente, o preconceito etnocentrista buscou sempre barrar a singularidade do “outro”, confirmando uma dinâmica de superioridade apoiada na tônica da violência. Este dado da violência etnocentrista não constitui, felizmente, a única nota do processo histórico. Meneses sublinha, com base em Lévi-Strauss, a força e a riqueza da interpenetração das diversas culturas e sua mútua fencudação.[3] Não há nada mais letal do que o ensimesmamento de um povo ou de um indivíduo. É no processo de abertura, de troca, reconhecimento e aprendizado mútuo que se dá o crescimento das grandes civilizações. Esta temática vem hoje retomada nas acirradas críticas de Edward Said às teses relacionadas ao “choque de civilizações”. Em sua crítica a autores como Samuel Huntington e Bernard Lewis, Said reitera que as civilizações não podem ser compreendidas como monolíticas ou homogêneas, o que significaria não só uma primária simplificação do mundo em que vivemos, mas também um incentivo aos dispositivos mortíferos dos nacionalismos. As culturas e civilizações não podem ser representadas como entidades fixas e reificadas, pois são realidades dinâmicas e sempre turbulentas. Segundo Said, “não existem culturas ou civilizações ilhadas. Qualquer tentativa de separá-las nos compartimentos estanques propostos por Huntington causa danos em sua variedade, diversidade e total complexidade de elementos, em sua hibridez radical. Quanto mais insistirmos na separação de culturas e civilizações, mais imprecisos seremos sobre nós mesmos e os outros”[4].
Em sua conferência no seminário de Juiz de Fora, Paulo Meneses lembrou que historicamente as religiões tornaram-se muitas vezes um campo propício para as práticas de intolerância, sobretudo em razão das convicções absolutas defendidas e do apego às ortodoxias. Advertiu, porém, que isto não faz parte da natureza das religiões, mas “constitui antes um desvio grave do humanismo que elas implicam”[5]. Manifestou sua grande esperança no ecumenismo planetário, definido como condição essencial para a sobrevivência da própria humanidade.
O diálogo inter-religioso emerge hoje como um dos desafios mais importantes do novo milênio, mas há ainda muito caminho a trilhar neste campo. Permanecem vivas e atuantes as forças contrárias à dinâmica dialogal, que se afirmam vigorosamente em certas tradições religiosas, sobretudo com o crescimento dos diversos matizes de fundamentalismos. As religiões são, de fato, marcadas por ambiguidades e enigmas, implicando a presença de um dualismo que pode possibilitar tanto a afirmação de humanidade, como o acirramento da violência. Mas não se pode concluir daí que todos os esforços no sentido do ecumenismo ou do diálogo inter-religioso traduzem simplesmente uma “estratégia de sobrevivência” ou uma busca de “racionalizar a própria competição na situação pluralista”[6]. Há experiências dialogais que são profundamente generosas, abertas à provocação da alteridade e pioneiras na afirmação de um novo modo de viver a identidade religiosa no espaço plural. A intenção que moveu a redação deste breve artigo foi a de partilhar com os leitores pontuais experiências dialogais que animaram a vida de alguns buscadores cristãos. Dentre as diversas e significativas experiências neste campo, escolhemos três nomes representativos: Henri Le Saux, no campo do diálogo com o hinduísmo; Louis Massignon, em sua experiência de mergulho no islã e Thomas Merton, em sua busca de comunhão inter-religiosa sobretudo com o budismo no campo do monaquismo. Para introduzir a reflexão sobre estes buscadores, faremos uma breve incursão na questão das formas de diálogo, visando caracterizar o significado do diálogo da experiência religiosa.
1. O diálogo da experiência religiosa
O diálogo inter-religioso traduz um relacionamento positivo e construtivo entre fiéis de religiões diferentes. Na dinâmica das relações inter-religiosas processa-se uma comunicação, partilha de vida, experiência e reflexão entre pessoas e comunidades de confissões religiosas distintas. O processo é lento e complexo, mas radicalmente transformador. É o caminho seguro para a remoção de preconceitos, pois envolve uma sensibilidade nova na aproximação da alteridade, que passa a ser reconhecida na sua singularidade e riqueza específicas. Esta abertura dialogal não significa ruptura ou quebra da experiência religiosa anterior, pois mantém aceso e vivo o compromisso e o enraizamento na própria fé, mas certamente revela novas e inusitadas dimensões da mesma fé, dimensões de uma profundidade desconhecida anteriormente. O diálogo, como demonstrou Raimon Panikkar, não traduz unicamente um conhecimento mútuo, mas possibilita um melhor conhecimento de si mesmo.[7] Não há como conhecer em profundidade uma religião privando-se do intercâmbio com outros universos religiosos. Mas esta travessia é sempre um processo delicado e difícil, pressupondo um ato de despojamento religioso pessoal em favor de uma realidade mais ampla e desafiante. Este diálogo “requer uma atitude de busca profunda, uma convicção de que estamos caminhando sobre um solo sagrado, de que arriscamos nossa vida. Não se trata de uma atitude de curiosidade intelectual nem de uma bagatela, mas de uma aventura arriscada e exigente. Faz parte daquela peregrinação pessoal para a plenitude de nós mesmos, que se obtém ultrapassando as fronteiras de nossa tradição”.[8] O diálogo inter-religioso visa ampliar a compreensão do outro e ao enriquecimento mútuo, mas também o comprometimento comum em favor da promoção e defesa dos valores eco-humanos. Implica ainda a partilha da experiência religiosa, levando seus participantes a níveis de intensa profundidade no encontro com o mistério totalmente outro.
O diálogo é, acima de tudo, uma atitude e um espírito que devem animar o comportamento das pessoas. O diálogo traduz um novo estilo de relação, marcado pela humildade, respeito, atenção e escuta. É o espírito dialogal que favorece a acolhida do outro, de seu mistério irredutível e irrevogável, de seu enigma que sempre transforma o interlocutor. Segundo Gadamer, o diálogo vem animado por uma “força transformadora”, estando em grande proximidade com a amizade. É uma conversação que deixa sempre uma marca: “o que perfaz um verdadeiro diálogo não é termos experimentado algo de novo, mas termos encontrado no outro algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência do mundo”[9]. Há formas distintas de diálogo inter-religioso. Há o diálogo de vida, um diálogo existencial que traduz o espírito de abertura que anima a convivência de pessoas de tradições religiosas diversas. Há o diálogo da colaboração mútua em favor da promoção humana. Há o diálogo doutrinal ou teológico, que envolve os especialistas e peritos,visando o aprofundamento, confronto e enriquecimento dos respectivos patrimônios religiosos. E, por fim, o diálogo das experiências religiosas.
Nesta última forma de diálogo inter-religioso penetramos um “nível mais profundo”, onde homens e mulheres “radicados nas próprias tradições religiosas podem compartilhar as suas experiências de oração, de contemplação, de fé e de compromisso, expressões e caminhos da busca do Absoluto”[10]. No processo de partilha das experiências e métodos de caminhada espiritual, como a oração, a meditação e a ascese, busca-se compreender o outro a partir mesmo de sua experiência interna, e os resultados são enriquecedores para todos. As diferenças, de fato existentes, não constituem obstáculos para a aventura comum de busca do Mistério que é gratuidade, e que é sempre maior do que os vínculos dão a entender. O diálogo experiencial, diferentemente do diálogo doutrinal, tem uma sedução particular: toca dimensões internas e abre horizontes novos, criando uma sintonia para a abertura e a compreensão recíprocas. Não há quem possa escapar do fascínio que envolve uma tal experiência inter-religiosa. Um dos pioneiros no diálogo cristão com o zen budismo, Kakichi Kadowaki, escreveu um importante trabalho onde relata sua experiência cristã de integração com o zen. Relata que sua experiência do zen, e a tranquilidade mental dela decorrente, favoreceram uma abertura inédita para a compreensão do significado espiritual da Bíblia. Relata em seu livro que com a prática dos retiro zen conseguiu compreender melhor a Bíblia e descobrir o significado de passos que até então permaneciam completamente desconhecidos.[11]
Há ainda no campo católico-romano muitas dificuldades de abertura às riquezas presentes nesta forma de diálogo da experiência religiosa. Há um temor de que a difusão e prática de métodos orientais de oração e meditação possam provocar um “pernicioso sincretismo”. O que para muitos traduz um fascínio e desejo de despojamento para o enriquecimento recíproco, para outros significa o risco da perda da identidade. Um exemplo deste temor encontramos no documento da Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo cardeal Joseph Ratzinger, que aborda alguns aspectos da meditação cristã. Trata-se de uma carta aos bispos da igreja católica, dada a conhecer em 15 de outubro de 1989.[12] Em todo o documento percebe-se a preocupação de apontar os riscos e erros que, na visão da Congregação, estariam acompanhando as tentativas de articulação da meditação cristã com a não cristã e indicar os “critérios seguros” para a prática da oração, em conformidade com a tradição da igreja católico-romana.[13]
Ao contrário do que se pode temer, o diálogo da experiência religiosa, quando marcado pela autenticidade e pelo respeito à identidade de cada tradição, não implica em dispersão sincretizante, mas favorece o aprofundamento da própria fé e a sua abertura para novas dimensões.[14] No diálogo experiencial o testemunho recíproco vem facilitado. O aprofundamento da espiritualidade favorece um despojamento que se traduz em “prontidão para se deixar transformar pelo encontro”. No processo de partilha da experiência pessoal ou comunitária, a religião do outro revela a sua autêntica profundidade.
2. Nos caminhos do diálogo
Fixando-nos especificamente na forma de diálogo da experiência religiosa, vamos apresentar aqui de forma sintética a trajetória de alguns buscadores cristãos do diálogo inter-religioso neste nível. Partimos do pressuposto de que a experiência concreta fala muito mais forte do que qualquer teorização. A idéia deste trabalho nasceu com a leitura da obra de Jacques Vidal sobre a igreja e as religiões, publicada na França em 1992.[15] Jacques Vidal foi eminente professor no Institut de science et de théologie des religions (ISTR), ligado ao Institut Catholique de Paris. Participou do comitê de redação do importante dicionário das religiões organizado por Paul Poupard. Em sua mencionada obra, Jacques Vidal menciona o seu desejo de oferecer um seminário no Instituto Católico de Paris sobre o tema dos buscadores de diálogo (chercheurs de dialogue). Seria um seminário restrito a pequeno número de alunos, voltado para a aventura destes buscadores de diálogo que, em sua visão, prefiguraram os desenvolvimentos da religião comparada. Tinha em vista trabalhar com alguns dos seguintes nomes: Jules Monchanin, Henri Le Saux, Bede Griffiths, Raimon Panikkar, Éric de Rosny e Yves Raguin. Sua proposta não resultou efetiva, pois faleceu em setembro de 1987. Foi motivado pela intenção de Vidal, que decidi apresentar de forma breve três buscadores de diálogo que, a partir do cristianismo, viveram a aventura do encontro com o hinduísmo (Henri Le Saux), islamismo (Louis Massignon) e budismo (Thomas Merton).
a. Henri Le Saux: a sedução da outra margem
Um dos testemunhos mais impressionantes em favor do diálogo inter-religioso foi vivenciado por Henri Le Saux (1910-1973), um monge beneditino francês que decidiu responder ao forte apelo de viver sua experiência cristã em comunhão com a tradição religiosa do hinduísmo. Todo o itinerário vital de Henri Le Saux é marcado por particular arrojo e audácia, conjugados com grande humildade, empatia e sensibilidade à alteridade. Trata-se de alguém que viveu intensamente uma vocação monástica simultaneamente cristã e hindu. Originário da Bretanha, Henri Le Saux nasceu no dia 30 de outubro de 1910, numa família de oito irmãos. Sua vocação para o sacerdócio veio cedo, tendo realizado os seus estudos no seminário de Rennes. Depois de decidir tornar-se monge, aos 19 anos, entra na abadia beneditina de Sainte-Anne de Kergonan, fazendo sua profissão solene em 1931 e ordenando-se em 1935, O interesse pela espiritualidade indiana não demora a surgir no jovem beneditino, acontecendo simultaneamente com a maturação de uma forte intuição sobre a inefabilidade do mistério de Deus, para além de toda categoria ou forma. Em um artigo de revista toma conhecimento da atuação e obra de Jules Monchanin[16] no sul da Índia e logo percebe a sintonia de ideais. Em carta de 1947, endereçada a Monchanin, Le Saux expõe com simplicidade a chama de sua vocação, amadurecida ao longo de sua vida religiosa, e se dispõe a colaborar com ele na realização destes ideais. A partida para a Índia acontece em agosto de 1948, quando começa então uma nova fase de sua existência. A experiência será forte e duradoura. Ele não mais retornará à França, e assumirá em 1960 a nacionalidade indiana. O fascínio pela Índia e pela experiência de comunhão com o hinduísmo o acompanhará até sua morte, ocorrida em 1973. É neste espaço que encontrará a resposta, para ele reveladora, do mistério da interioridade.
Henri Le Saux vem apresentado nos diversos relatos biográficos como alguém dotado de forte personalidade e grande cultura. Na abadia beneditina de Kergonan ganhou boa formação filosófica e teológica[17], mas afirmou-se igualmente como autodidata, sobretudo no campo do aprofundamento e extensão da vida espiritual. Toda a sua vida foi pontuada pela sede e busca do Mistério Absoluto. Em seus trabalhos e, particularmente, no seu diário encontaremos uma impressionante sede de autenticidade na busca da experiência espiritual. Para Panikkar, Le Saux revela-se como “um dos espíritos ´ocidentais´ mais autênticos que aportaram em nossas costas para se expor à verdadeira experiência indiana”[18]. O diário de Henri Le Saux indica que o autor amava escrever, e o fazia com facilidade. Toda a sua trajetória na Índia, de 1948 a 1973, está relatada no diário, publicado com um título dado por Raimon Panikkar: La montée au fond du coeur.[19]
Para os que nos interessamos pelo diálogo inter-religioso, há que sublinhar o traço pioneiro de Henri Le Saux neste campo. O início de sua experiência na Índia precede 15 anos ao evento do concílio Vaticano II (1962-1965), ganhando assim contornos singulares e de vanguarda no processo de abertura dialogal que será deslanchado posteriormente. O clima do período, como indica Jacques Dupuis, era ainda muito reticente na questão do diálogo com outras tradições religiosas. Não havia na ocasião nenhum movimento litúrgico na Índia, e nem se pensava na possibilidade de adaptação da liturgia cristão à cultura do país. Os residuais esforços dialogais concentravam-se na esfera intelectual, sem repercussão positiva no âmbito da experiência religiosa[20].
A intenção de Le Saux era disponibilizar-se ao aprendizado da experiência indiana nos campos da contemplação e da renúncia, sem romper, porém, com o quadro do monaquismo cristão. Acreditava na possibilidade de uma presença autêntica da igreja cristã na região, mas animada pela assimilação da incessante busca do Absoluto, típica da tradição religiosa da Índia. Na busca de resposta a tal apelo, realiza uma experiência original, juntamente com Jules Monchanin, de fundação do ashram de Shantivanam[21], no ano de 1950. Esta “morada da paz” ficava a poucos quilômetros a oeste da cidade de Tiruchirapalli, no sul da Índia. A experiência vem inaugurada no dia de São Bento, com missa solene. Os dois padres fundadores já tinham revestido o hábito de sannyâsa, expressão de ascetismo e de renúncia completa a tudo, e assumido os novos nomes hindus: swami Paramarubyananda (Jules Monchanin) e swami Abhisiktananda (Henri Le Saux).[22] Os dois swamis buscaram traduzir esta experiência de integração monástica em obra comum, publicada em 1956 com o nome: Eremitas do Saccidananda.[23]
A experiência de Henri Le Saux junto à fundação monástica de Shantinavam não conseguiu responder de forma mais radical aos apelos que queimavam em seu coração. Assim como foi concebida, a fundação traduzia de forma ainda muito imperfeita ao que Le Saux intuia como necessário no caminho espiritual. Assinala em seu diário que a jovem fundação suscitava impressão de irrealidade. Somavam-se outros problemas, como a dificuldade de encontrar residentes permanentes, de obtenção de vistos para os europeus e as oposições renitentes contra o empreendimento. Outra questão importante era o contraste que distinguia Henri Le Saux de Monchanin. Para Monchanin era mais difícil viver a radicalidade da experiência da alteridade. Estava tão estreitamente vinculado à cultura grega e à tradição cristã que não conseguia vislumbrar a possibilidade de assumir a perspectiva hindu. Explicitava sua dificuldade com respeito às formas de pensamento que animavam o hinduísmo, que para ele se revelavam “confusas”. Resistia ainda ao processo de mútua assimilação religiosa, que a seu ver corria o risco de facultar o sincretismo.[24] De forma distinta, Henri Le Saux optou pela ousadia de ir mais além, não se detendo diante das diferenças. Animado pelo contato com os sábios orientais e a leitura dos Upanishades[25], destaca-se das fontes judias do cristianismo e do influxo grego veiculado pelos padres da igreja. Registra em seu diário, no ano de 1952: “o cristianismo é profundamente ´enterrado´ no antropomorfismo judeu, o qual manifesta-se insuportável em numerosos salmos”[26]. O caminho por ele escolhido vai na linha de uma profunda “indianização”, entendida como canal de acesso para a contemplação da Realidade. Esta opção não significou para ele uma ruptura com o cristianismo, mas uma maior liberdade de vivê-lo como gratuidade, purgando-o daquilo que não é essencial e captando sua dimensão de profundidade.[27] Sua vocação cristã permanecerá viva, mas enriquecida pelo alimento que vem de outra margem. Os sinais advindos desta outra margem provocaram desarranjos e tremores, dúvidas e indagações, sem, porém, significar uma ruptura em sua fidelidade à presença do Espírito. Mas foi através de sua leitura e vivência dos Upanishades que ele encontrou o verdadeiro sentido de seu cristianismo. Em carta escrita a Panikkar em fevereiro de 1967 afirmou: “Creio que se deva retornar às fontes hindus para conseguir abeberar-se das fontes mais profundas do cristianismo”[28]. O seu testemunho “passa indubitavelmente pela Índia, que lhe permite não somente adquirir uma consciência profunda, mas também uma pureza metafísica mais autêntica”.[29] Liberta-se da visão missionária tradicional, voltada para a conversão individual, e busca o desnudamento de sua experiência anterior, mediante o processo por ele denominado de “desidolatrização” ou “desintoxização”. Como resultado desta travessia encontrará uma purificação de sua vocação, agora mais verdadeira. O seu testemunho será o caminho de sua evangelização.[30]
No processo de crescimento interior de Le Saux foi muito importante o contato de meses e anos com o monaquismo indiano. Não foi um acesso teórico, mas vivo, incandescente e desconcertante: “encontrou o hinduísmo nos seus rituais, penetrando no coração dos templos de pedra; o encontrou no coração dos eremitas e dos sadhu (monges errantes) que buscam o Absoluto; mais ainda, o visualizou na obra dos autênticos místicos hindus, dos quais recebeu ensinamento.”[31] Dois mestres o marcaram de forma particular. Em primeiro lugar, Ramana Maharshi, com o qual estabeleceu contato seis meses após sua chegada à Índia, acompanhado por Monchanin. Muitos o consideravam o santo moderno do hinduísmo. A visita foi breve mas profunda e deixou marcas em Le Saux. Este não pôde aproveitar de toda a riqueza do encontro, pois era ainda “muito noviço na ciência da interioridade”. Estava ainda muito apegado aos condicionamentos de sua formação pregressa: da hereditariedade cristã, da linguagem, dos hábitos, dos “nós do coração” e dos vínculos que o atavam à dinâmica exclusivamente cristã.[32] Por intermédio de Maharshi tem acesso ao segredo da montanha santa de Arunachala. Foi nos contornos desta montanha de silêncio e mistério que Le Saux viverá sua experiência de explosão da interioridade, marcada por intensidade e luz. Para Le Saux, esta montanha sagrada, dedicada a Shiva, tornar-se-á mais do que um simples local geográfico, mas um “guru implacável” de iniciação à vida interior. Em anotação de seu diário, em novembro de 1956, afirma: “Eu vim aqui (na Índia) para Te fazer conhecer aos meus irmãos hindus, e fostes Tu (Jesus) que fizestes conhecer a mim aqui por intemédio deles, sob os rastros desconcertantes de Arunachala”[33]. O outro mestre que o marcou foi swami Gnanananda, ao qual estará ligado por laços de grande força espiritual. Receberá dele preciosos ensinamentos, a partir de inícios de 1956, quando já estava mais amadurecido, e o reconhecerá como mestre indispensável no caminho para sua iniciação no misticismo hindu. O contato com estes dois grandes gurus, associado ao alimento espiritual das escrituras sagradas do hinduísmo, foi essencial para a sua formação e uma ajuda imprescindível para sua inserção na “outra margem”, que traduz uma dimensão inusitada de profundidade. A partir de então surgirão nele novas e penetrantes questões, bem como novos caminhos de resposta para indagações antigas.
O sentimento de sedução da Índia e os apelos da “outra margem” envolvem cada vez mais o peregrino Henri Le Saux. Ele percebe que é este o caminho indicado para o acesso à dimensão de profundidade. A resposta ao seu apelo mais profundo começa a se delinear quando visita os eremitas que viviam nos contornos da montanha de Aranachala. Encantado pela beleza do lugar e pela radicalidade da vida espiritual ali presente, decide dar um salto em sua vida pessoal, tornando-se eremita. Abre-se com esta opção a oportunidade de um maior adensamento de sua vida espiritual, de apreensão mais refinada do real e de integração universal. No silêncio duradouro de sua gruta pode então refletir sobre a gravidade de sua escolha. Com ela se inicia uma nova aventura: buscar o mistério da unidade a partir do silêncio e da solidão. Escreverá em seu diário, no ano de 1952: “A graça da Índia é essencialmente uma graça de interiorização”.[34] Para Le Saux não era suficiente assimilar elementos culturais indianos às expressões do mistério cristão. O desafio estava em avançar numa dimensão de maior profundidade. Tratava-se de “viver em si mesmo o encontro da experiência religiosa das duas tradições, deixar estas últimas interagirem na própria pessoa, permanecendo totalmente aberto ao que o choque de um encontro, que até então não havia ainda ocorrido na profundidade desejada, poderia produzir”.[35] Esta escolha não aconteceu sem angústia ou dúvida. Era a “noite escura” pela qual todo peregrino autêntico deveria passar. Mas Le Saux aceita viver esta tensão irredutível mas fecunda, para além das conciliações teóricas. Assinala em carta de 1970 a importância de manter as duas formas de uma fé que é única em extrema tensão, até que possa aparecer a aurora.
Uma chave de resposta às indagações angustiantes foi encontrada por Le Saux na experiência do advaita revelada nos Upanishades. Trata-se da grande intuição indiana da não-dualidade que desoculta a idéia de relação. Esta experiência não traduz uma superação do cristianismo, mas sua compreensão em nível de profundidade. Daí ser essencial para qualquer compreensão do diálogo. A imagem gráfica da esfera serve bem como exemplo. A nível da superfície as distâncias são imensas, mas à medida que se penetra na profundidade, faculta-se a aproximação. A unidade e o encontro das religiões não ocorre apagando suas diferenças, que são irredutíveis e irrevogáveis, mas mediante o acesso à sua dimensão de profundidade. A experiência do advaita, da não-dualidade, implica um “radical esvanecimento de tudo aquilo que não é Absoluto: quando a consciência do Aham (Eu) absoluto emerge no vidente, este nela precipita-se”.[36] Esta experiência constitu uma verdadeira kénose, entendida como radical esvaziamento do sujeito humano e seu potenciamento para poder perceber a transparência do Absoluto transcendente (e inexprimível) no mundo dos fenômenos.
O caminho espiritual de Le Saux vai lhe desvelando os contornos de uma intuição que sempre o acompanhou: a inefabilidade do mistério de Deus, que é um-sem-segundo (ekam advitiyam). A partir do horizonte espiritual hindu, consegue captar a posição budista sobre o anatman (não eu), e do esvaziamento e “abismo sem fundo” da mística cristã de Meister Eckhart. Indica em seu diário, em março de 1953, que é somente no eclipse da consciência que transparece o real que habita o seu interior: “não sou eu que apreendo o fundo, é o fundo mesmo que se revela no dissolver-se deste eu (periférico). O que é essencial para o homem é penetrar no fundo de sua alma, de encontrar o seu fundo”.[37] A experiência do advaita conduzirá Le Saux a compreender a cristologia em chave cósmica. Jesus Cristo vem identificado como um sadguru, ou seja, um verdadeiro guru, cujo ensinamento se dá mediante a via exterior da palavra e a via interior do espírito. Jesus emerge como aquele que anuncia o mistério, que é manifestação do mistério, mas que não o exaure, pois só a auto-consciência de Deus pode exaurir a divindade.[38]
O longo período de tensão e angústia vivido por Le Saux, este “barqueiro” que navegou entre duas margens, enquanto monge do Ocidente e do Oriente, encontrou uma aurora reconfortante no final da vida. Após sofrer uma grave crise cardíaca, em julho de 1973, Le Saux viveu, paradoxalmente, momentos de grande felicidade. Em seu diário íntimo relata a “maravilhosa aventura espiritual” da “grande semana” que vai do dia 10 a 18 de julho deste mesmo ano. Relata ter encontrado neste período a “equação maravilhosa” buscada ansiosamente em toda sua vida. Trata-se para ele de um despertar movido pela graça, a descoberta do Graal. Sublinha que a busca do Graal não é senão a busca do Si, uma busca que é unica e que pontua a trajetória feita por todos através dos mitos e dos símbolos.[39] Para alguém que ja havia atravessado a “morte” do esvaziamento de si, não foi difícil afrontar a “pequena morte”, ocorrida no dia 07 de dezembro de 1973. Os grandes místicos, das mais diversas tradições, afirmam que a tarefa mais árida e complexa é “morrer antes de morrer”.
b. Louis Massignon: a hospitalidade dialogal
Outro testemunho cristão singular em favor do diálogo inter-religioso, desta vez com o islã, foi dado por Louis Massignon (1883-1962). Na visão de Henri Teissier, ele representou para a igreja católica o papel de “precursor incontestável, artesão incansável e testemunho extraordinário do empenho evangélico em favor da solidariedade espiritual com o islã e mais em geral com todos aqueles que buscam o absoluto no nosso tempo”.[40] Louis Massignon nasce no dia 25 de julho de 1883, na cidade de Nogent-sur-Marne (França), sendo filho de um conhecido escultor agnóstico e de uma mãe católica praticante. Recebe sua educação religiosa em Paris, mas num ambiente marcado pela laicidade. O interesse pelo Oriente nasce por ocasião de seus estudos secundários no Liceu Montaigne e Louis-le-Grand, quando então faz contato com Henri Maspéro e a biblioteca de seu pai, o conhecido egiptólogo Gaston Maspéro. As primeiras angústias metafísicas o acompanham desde este período. Termina o bacharelado em 1900 e se inscreve na universidade onde faz seus estudos de letras e história. Faz sua primeira viagem em terras muçulmanas (Argélia) em 1901, quando tinha 17 anos. A escolha do tema de seus estudos na universidade[41] cria as condições para outras viagens aos países muçulmanos. Durante o período em que faz o serviço militar, nos anos 1902 e 1903 em Rouen, perde a fé cristã de sua infância. Em 1906 diploma-se em árabe na Escola de Linguas Orientais, sendo igualmente nomeado no mesmo ano membro do Instituto Francês de Arqueologia Oriental no Cairo, o que favoreceu sua dedicação em tempo integral ao estudo da arte e da civilização árabe. Durante uma missão arqueológica na Mesopotâmia, nos anos 1907-1908, vem aprisionado no rio Tigre pela polícia turca e acusado de espião. A experiência suscita uma forte crise religiosa, que culminou em tentativa de suicídio, em 3 de maio de 1908. Foram feitas na ocasião inúmeras especulações sobre sua saúde.[42] É no contexto desta dolorosa experiência que se dá o processo de conversão de Massignon, identificada pelo evento da “visita do Estrangeiro”. Sobre este episódio, Massignon guardou segredo por muito tempo, só revelando o seu significado em texto publicado sete anos antes de sua morte: “Ele acendeu um fogo no meu coração onde a faca havia falhado, cicatrizando o meu desespero que Ele havia lacerado, como a fosforescência de um peixe ressurgido do fundo das águas abissais”.[43] Este evento transfigura o universo para Massignon, proporcionando-lhe novo alento vital. Para a retomada de sua fé foi de fundamental importância a hospitalidade que encontrou junto a alguns amigos muçulmanos. Em carta de 1938 assinala o lugar que teve o islã em sua conversão: “É bem verdade que sou crente, profundamente cristão, católico. E não é menos verdade que se retornei à minha crença, há trinta anos, depois de cinco anos de incredulidade, deve-se aos amigos muçulmanos de Bagdá (...). É em árabe que falaram de mim a Deus, suplicando-lhe, e de Deus a mim; é em árabe que pensei e vivi minha conversão, em maio-junho de 1908 (...). Daí o meu profundo reconhecimento ao islã, do qual dou testemunho em meus trabalhos científicos”.[44]
Louis Massignon percebe no caminho do Oriente a possibilidade de retomada do coração. Não mais lhe satisfaz o deserto frio e estéril do racionalismo, mas a riqueza viva e emotiva do universo simbólico do islã. O conhecimento do árabe favoreceu-lhe o acesso aos escritores, poetas, filósofos e sobretudo os místicos árabes (sufis). Mediante a leitura do grande místico persa Farid ud din Attar (sec. XII) toma conhecimento de outro grande nome do sufismo, Hussayn Mansur al Hallaj (857-922), que se tornará seu grande objeto de reflexão e estudo. Assim que tomou conhecimento da obra de al Hallaj, em 24 de março de 1907, Massignon decidiu dedicar seu doutorado em letras ao estudo do grande mártir místico do islã. Comunica sua decisão ao pai em abril do mesmo ano, em carta onde fala do encanto que lhe produz a cor intensa e o andamento trágico do martírio de al Hallaj.[45]
Em razão de sua comprovada competência no campo dos estudos islâmicos, Massignon encontrará um amplo espaço na carreira universitária e acadêmica. Em junho de 1919 vem proposto como sucessor de A.Chatelier no Collège de France, na cadeira de sociologia e sociografia muçulmanas, permanecendo como docente de forma ininterrupta até o ano de 1954. Em 1933 vem nomeado como diretor dos estudos em ciências religiosas na Ecole Pratique des Hautes Etudes, bem como presidente do Instituto de Estudos Iranianos. Teve um papel importante na direção da Revue du monde musulman, com a produção de inúmeros artigos. Atuou igualmente no Annuaire du Monde Musulman, respondendo pelas edições de 1926, 1929 e 1954. Atuou ainda em prestigiosas instituições acadêmicas e científicas tanto no mundo ocidental como do mundo árabe-muçulmano. Foram também inúmeros os convites para professor visitante nos Estados Unidos, Canadá, Egito e Irã. Sua atuação não se restringe, porém, ao âmbito acadêmico. É conhecida a sua atuação social em favor dos mais pobres, dos emigrados e dos prisioneiros. Estava sempre antenado com os problemas de seu tempo. Vale lembrar o seu papel na criação do Instituto Dar Es Salam (a casa da paz), ocorrida em 1947 no Cairo e sua presença nas obras de misericórdia no núcleo dos amigos de Gandhi. Na visão de Edward Said, esta atuação prática e humanista era o que para ele havia de melhor em Massignon: “Massignon era um lutador incansável em defesa da civilização muçulmana e, como demonstram seus numerosos ensaios e cartas após 1948, em defesa dos direitos dos árabes muçulmanos e cristãos na Palestina contra o sionismo (...)”.[46]
Massignon deixa rastros importantes também no âmbito da vida espiritual. Juntamente com Mary Kahil[47], funda em fevereiro de 1934 a Badaliya[48], um espaço garantido para a vida de oração e a hospitalidade do coração. Tratava-se de um lugar de acolhida do outro, do estrangeiro. Na Badaliya “toma forma um modelo de espiritualidade interconfessional que suscita uma concepção teológica-mística do ´diálogo` para além dos modelos sócio-culturais evocados pela cultura humanista”.[49] Em pacto concluído na ocasião pelos dois na igreja franciscana de Damiette, local onde São Francisco apresentou-se ao sultão al-Malik al Kâmil, decidem fazer o oferecimento de suas vidas aos muçulmanos. Não para que se convertessem ao cristianismo, mas “para que a vontade de Deus pudesse ser feita para eles e por eles”. A experiência da Badaliya é assumida pelos dois como um “voto de substituição”e um convite a viver a santidade em meio aos muçulmanos. Traduzindo ao padre jesuíta Bonneville, no Cairo, a força da opção realizada pelos dois, Mary Kahil assim se expressa: “Queremos fazer nossas as suas orações, nossas as suas vidas, apresentando-as ao Senhor”.[50] A partir de 1934, ano da fundação da Badalliya, Massignon vai se aproximando cada vez mais da comunidade católica melquita, de rito bizantino, até fazer sua transferência definitiva para ela em 1949, sob autorização de Pio XII. Era o passo que faltava para sua maior comunhão, enquanto cristão, com os árabes. Em janeiro de 1950 vem ordenado sacerdote na igreja grego melquita Sainte-Marie-de-la-Paix.
Para o crescimento espiritual de Massignon foi muito importante a presença de duas pessoas especiais: Gandhi (1869-1948) e Charles de Foucauld (1858-1916). A leitura dos textos de Gandhi exerceu grande impacto na pessoa e no projeto de vida de Massignon. O contato com Gandhi deu-se através dos muçulmanos, que o fizeram conhecer seus ideais mais profundos, entre os quais o valor da hospitalidade sagrada. Um breve encontro pessoal ocorreu também em Paris, em dezembro de 1931. A propósito de Gandhi escreveu: “Talvez pela primeira vez no mundo, um homem pôde exercer tal influência nas pessoas de outras religiões... Na Europa, perdemos o senso do sagrado (...), mas através de pessoas como Gandhi, nós o poderemos reencontrar.”[51] A admiração suscitada em Massignon por Gandhi deve-se sobretudo à sintonia das escolhas nos âmbitos moral e espiritual. Há também comunhão no campo da espiritualidade, fundada em valores semelhantes como a oração, o jejum e a peregrinação, bem como no âmbito da opção comum pelos pobres. Não há como desconhecer a presença de Gandhi na inspiração da dinâmica de compaixão-substituição presente em Massignon, em particular na sua atenção para com os oprimidos e na sua ampla solidariedade.[52]
No caso de Charles de Foucauld, este foi decisivo no processo pessoal de afirmação da vocação espiritual e solidária de Massignon em favor do islã. Os dois sempre estiveram unidos por uma grande e profunda amizade, apesar da diferença de idade de 25 anos. Foucauld torna-se para Massignon um intercessor, confidente e amigo: um autêntico “diretor espiritual”. A intimidade espiritual entre os dois está registrada na correspondência regular mútua que se inicia em novembro de 1908, e que soma cerca de 80 cartas. Em clara proposta de vida monástica, Foucauld faz em setembro de 1909 um convite a Massignon para prosseguir seus estudos teológicos junto a ele no deserto. Ainda que seduzido pela proposta, Massignon acaba optando pelo matrimônio, que veio a realizar-se em 27 de janeiro de 1914, em Bruxelas. O caminho escolhido por Massignon ganha a acolhida carinhosa de Foucauld. No mesmo mês do casamento, uma bela carta de Foucauld a Massignon expressava o valor da nova e maravilhosa opção realizada pelo amigo, de uma vocação dada por Deus para viver a santidade do matrimônio no mundo.[53] São três os aspectos que unem o pensamento de Massignon a Charles de Foucauld: a visão comum sobre a responsabilidade da França com respeito aos países colonizados; a partilha da hospitalidade, entendida como valor sagrado; a percepção da dignidade única de cada ser humano, sobretudo dos mais abandonados e excluídos, nos quais pulsa uma experiência vital do sagrado.[54] .
A visão dialogal de Massignon está toda ela fundada na importante noção de hospitalidade. Trata-se, como vimos, de uma palavra chave na compreensão da personalidade de Massignon. A hospitalidade (diyâfa) é para ele um dever sagrado que deve se estender a todos os domínios, incluindo o religioso e místico. Este apelo da hospitalidade foi fruto de seu aprendizado com os árabes, que lhe ensinaram que o dever de hospitalidade vem exercitado em nome de Deus; um apelo que se enraíza no projeto de Abraão, o grande precursos das tradições religiosas semíticas, que instaura a hospitalidade celebrada na acolhida do estrangeiro (Gn 18,1-16). Com os muçulmanos Massignon conseguiu captar o mistério essencial de um Deus de hospitalidade.[55]
O apelo da hospitalidade em Massignon abre um espaço singular para a acolhida do outro em sua especificidade, enquanto “proprium”, enquanto “alter” (e não “aliud”), enquanto alguém que é mistério impenetrável e irrepetível. Não é possível para ele captar o seu significado senão mediante o gesto da aproximação desarmada de preconceitos. Exige-se para tanto mais do que simples boa vontade, mas o gesto ousado de “penetrar através do logos no mithos do outro”, hospedando-se no seu interior. Todo o trabalho de pesquisa e, sobretudo, o estilo de sua vida espiritual estará marcado por este “método interiorista”, que indica que uma tradição religiosa só pode ser verdadeiramente conhecida a partir de dentro: “Entrando na casa do islã pela porta privilegiada da mística, ele conseguiu conhecer intimamente a religião dos filhos de Ismael; do alto da santidade, encarnada sobretudo por Hallaj, pôde estender o seu olhar, tornado agudo e penetrante em razão da própria experiência religiosa, para a imensa e contrastante terra do islã, e dela oferecendo em seus escritos um importante afresco”.[56] A abertura ao islã possibilitou a Massignon descobrir com maior profundidade algumas dimensões inusitadas do mistério divino . O seu catolicismo não ficou enfraquecido com o diálogo, mas enriquecido com a nova visada: tornou-se mais exigente. Ao oferecer uma visão mais amorosa e interna do islã, contribuiu decisivamente para uma mudança de perspectiva na visão católico-romana sobre o tema, abrindo o caminho para a colaboração e o diálogo islamo-cristão. Há hoje um reconhecimento explícito sobre o influxo exercido por Massignon em textos decisivos do concílio Vaticano II que tratam das religiões não cristãs, em especial do islamismo. Tanto o número 16 da Constituição Dogmática Lumen Gentium, sobre a igreja, como o texto da Declaração sobre as religiões não cristãs, Nostra Aetate, refletem esta influência. Há que recordar os laços de grande amizade que uniam Massignon a Paulo VI.[57]
c. Thomas Merton: Diálogo e comunhão
A abertura e o diálogo constituem os dois caminhos privilegiados seguidos por Thomas Merton (1915-1968) em sua experiência religiosa. Sua opção em favor da vida contemplativa não significou um distanciamento do mundo, mas um mergulho ainda mais decisivo na dinâmica policromática e conflitiva da realidade. Merton buscou uma linguagem nova para a vida de oração, que pudesse estar envolvida e marcada pela abertura aos outros e sintonizada com os apelos do tempo. A vida contemplativa não podia ser para ele uma “clausura” que destaca o humano da história, mas sobretudo vida, abertura, crescimento e desenvolvimento. Em sua visão, “restringir o monge contemplativo a um conjunto de estreitos horizontes e preocupações esotéricas seria, em realidade, condená-lo à esterilidade espiritual e intelectual”.[58] Em carta escrita ao papa João XXIII, em novembro de 1958, sublinha a importância de uma experiência contemplativa vinculada ao resto do mundo e não fechada na solidão: “este pobre mundo tem direito a um lugar na minha solidão”.[59]
Em razão de sua visão do mundo, de seu testemunho concreto e do modo peculiar como atuou sua vida contemplativa, Merton afirmou-se como um “personagem desconcertante”. Não se limitou a explorar os meandros da experiência religiosa no âmbito de sua própria tradição cristã. Ele ousou mais. Acreditava que os contatos feitos com outras tradições religiosas levariam ao aprofundamento de sua própria consciência cristã. Vislumbrava no processo de abertura às grandes religiões da Ásia uma oportunidade única de aprendizado sobre as potencialidades das próprias tradições ocidentais.[60] Assim como Le Saux e Massignon, foi um dos grandes precursores do diálogo inter-religioso. Seus textos e diários revelam alguém apaixonado pela dinâmica da alteridade, pela contribuição que hindus, sufis muçulmanos e, sobretudo os budistas das tradições zen e tibetana, poderiam oferecer à cultura monástica como tal.
Tornou-se uma das figuras mais impressionantes e influentes na igreja católico-romana do século XX. Foram poucos os contemplativos que provocaram semelhante impacto no âmbito de sua ordem religiosa, como igualmente na igreja e na sociedade como um todo. Revelou-se como alguém desconcertante, polêmico, provocador. Sua atuação dividiu opiniões. O seu itinerário espiritual rompe com os padrões habituais e normalmente aceitos: consegue articular a experiência rigorosa da Trapa com o budismo zen; sua experiência contemplativa e a luta contra o racismo e em favor da não violência; reage violentamente contra a guerra do Vietnam e outras atrocidades de seu tempo. Toda a sua vida foi marcada pela busca da autenticidade e pela sede do Mistério de Deus.[61]
Thomas Merton nasce em Prades, nos Pirineus franceses, em 31 de janeiro de 1915. Seu pai era de Nova Zelândia e sua mãe americana. Ambos eram artistas. Recebeu sua formação na França, Inglaterra e Estados Unidos. Depois de uma temporada no College de Cambridge, na Inglaterra, Merton fixa-se na cidade de Nova York, inscrevendo-se aos vinte anos na Columbia University. Nesta universidade, situada no coração de Nova York, seguirá muitos cursos: espanhol, alemão, geologia, direito constitucional e literatura francesa. Obtém alí, em 1938, a láurea em literatura inglesa, com um trabalho sobre o poeta e místico William Blake. A retomada do cristianismo, após um período de flerte com o comunismo, aconteceu por volta de 1938. A leitura de um livro de Étienne Gilson sobre o Espírito da filosofia medieval, realizada um pouco antes, desperta o seu olhar para o cristianismo místico e, sobretudo, para o Deus misericordioso. Acende-se em Merton a vontade de completar o trabalho de conversão, de união e de paz: “Desejei logo dedicar minha vida a Deus, ao seu serviço”.[62] Será igualmente importante o seu encontro com o monge hindu Bramachari, em 1938, ao qual dedica algumas páginas de seu diário.[63] Algo de comum os unia, sobretudo a busca de um gênero de vida no qual Deus pudesse ocupar um lugar central. Do guru indiano Merton receberá um conselho desconcertante: “Existem belíssimos livros místicos escritos pelos cristãos. Você devia ler as Confissões de Santo Agostinho e A imitação de Cristo.”[64] Curiosamente, a atenção de Merton para o Oriente provocava, como retorno, um convite ao maior aprofundamento da tradição mística ocidental. A decisão de Merton pelo sacerdócio aconteceu simultaneamente ao processo do aprofundamento de sua vida religiosa. Depois de tomar conhecimento das várias ordens religiosas, optou pelos franciscanos. Este projeto não teve, porém, continuidade. Sua vocação religiosa acabou encontrando guarita entre os trapistas[65] em Kentucky, na abadia de Nossa Senhora de Gethsêmani. Ali chega no ano de 1941, permanecendo na comunidade até 1968, sendo que os últimos três anos como eremita.
Durante os vinte e seis anos em que permaneceu vinculado aos trapistas, foram raras as ocasiões em que conseguiu permissão para sair da abadia. Já nos últimos anos de sua vida, no ano de 1968, consegue permissão para fazer uma viagem no Extremo Oriente. Passa por Bangkoc, Calcutá, Nova Deli, até chegar aos Himalaias, objeto maior de seu desejo espiritual. Na ocasião visita vários mosteiros da tradição budista, entra em contato por mais de uma vez com o Dalai Lama e outros grandes rimpoches, fala para representantes de outras tradições religiosas etc. Toda a riqueza da viagem encontra-se descrita na última obra de Merton: Diário da Ásia, publicada após sua morte.[66] Merton encontrou a morte, de forma repentina e inesperada, no dia 10 de dezembro de 1968. Ele estava em Bangkoc, onde proferiu uma conferência sobre o tema do marxismo e perspectivas monásticas durante a manhã. Durante o descanso, após o almoço, morreu eletrocutado por um ventilador elétrico em seu quarto.[67]
Uma das contribuições mais significativas e novidadeiras de Thomas Merton ocorreu no campo do diálogo inter-religioso. A profundidade e radicalidade de sua abertura às outras tradições religiosas foi se firmando sobretudo nos últimos anos de vida. A pouco menos de três meses de sua viagem ao Oriente, em carta a Ernesto Cardenal[68], Merton assinala: “Tenho a claríssima sensação de que um novo horizonte esteja se delineando, embora não saiba minimamente do que se trate”.[69] A sensibilidade dialogal já havia nele se instalado há anos, desde o primeiro encontro com Brachamari, a leitura das obras de D.T. Suzuki e a amizade duradoura que se estabeleceu entre os dois, os contatos enriquecedoras com a tradição sufi, a abertura ao Tao na receptividade aos textos de Chuang Tzu[70], além de tantas outras leituras e encontros dialogais. Mas a experiência da Ásia foi decisiva e única para Merton, pois instaurou em seu coração um “diálogo de profundis”, uma nova convicção, alimentada agora pela força de um encontro vital com a alteridade. Afirmava-se com vigor a realidade de um “autêntico ecumenismo transconfessional”.[71]
A visita de Merton aos mosteiros budistas e o seu encontro com grandes personalidades religiosas desta tradição exerceram sobre ele um grande impacto transformador. Sublinhou em seu último diário a riqueza dos encontros realizados com os monges da tradição budista tibetana:
São gente maravilhosa. Muitos dos mosteiros, tailandeses e tibetanos, parecem ter a mesma vida que foi vivida, por exemplo em Cluny, na Idade Média: erudição, bom treinamento, com muita liturgia e ritual. Mas também são especialistas em meditação e contemplação. Isto é o que mais me atrai. Não se pode calcular o valor do contato direto com gente que, na realidade trabalhou durante a vida inteira treinando a mente e se libertando da paixão e da ilusão.[72]
Com Dalai Lama teve três longos encontros, realizados em Dharamsala, no alto dos Himalaias . Os dois falaram quase exclusivamente sobre a vida de meditação. Tratou-se também das formas superiores de oração no misticismo tibetano. Para Merton foi um grande aprendizado. Permaneceu em Dharamsala por oito dias: lendo, meditando e conversando com o povo da região, que definiu como “o povo mais rezador que já vi”. Nas intensas e longas conversas que teve com Dalai Lama, Merton concluiu que ele captou a realidade da meditação, que “certamente a penetrou de modo muito completo e profundo”. Revelou-se para Merton como “um homem de alta realização”.[73] Este reconhecimento foi recíproco. Dalai Lama saiu igualmente marcado pela força da presença de Merton, no qual reconheceu um “ser humano pleno de bondade”, marcado por uma profunda experiência interior.[74] Thomas Merton encontrou ainda outros tibetanos impressionantes em sua viagem, como o rimpoche Chatral: um mestre bem próximo da “grande percepção do real”. Criou-se também com ele uma tal afinidade espiritual, que Merton chegou a afirmar que se tivesse que se estabelecer com algum guru tibetano, ele escolheria Chatral.[75] Foi muito difícil para Merton avaliar o que significou para ele esta exposição à Ásia. Em sua percepção, o que houve de mais rico foi o grau de comunicação estabelecido e a partilha da “experiência essencialmente espiritual do ´budismo`”.[76]
O interesse de Merton estendia-se igualmente ao budismo zen. Sobre o tema escreveu dois importantes livros[77], onde fala sobre as lições do zen budismo para o misticismo cristão. Merton acreditava que o zen tinha muito a dizer não somente aos cristãos, mas ao mundo moderno. Os seus traços concretos, diretos e existenciais seriam importantes instrumentos para o enfrentamento da vida em seu próprio âmago.[78] Mesmo reconhecendo a impossibilidade de colocar o cristianismo e o zen budismo lado a lado, e sem negar a peculiaridade e irredutibilidade de cada um, Merton sublinhou a presença de analogias e correspondências entre os dois sistemas de espiritualidade, que indicam caminhos possíveis para uma “melhor compreensão mútua”.[79] A relação estabelecida entre Merton e D.T. Suzuki, uma das maiores autoridades mundiais do zen budismo, foi um importante fator para o incentivo e o aprofundamento feitos por Merton nesta área. As primeiras leituras de Merton sobre a obra de Suzuki, remontam aos anos 1956. A correspondência entre os dois iniciou-se três anos depois, selando uma amizade duradoura. Merton solicita a Suzuki, em 1959, a redação de um prefácio ao seu livro sobre os padres do deserto. O mestre zen aceita, mas os censores da ordem cisterciense impedem a sua publicação. O clima ainda fechado do período interdita o processo relacional.[80] Mediante uma autorização especial, Merton conseguiu encontrar-se com Suzuki em Nova York, em 1964. O mestre zen estava na ocasião com 94 anos de idade, e Merton não podia perder a ocasião de ver e tocar alguém que considerava extraordinário e ao mesmo tempo marcado por grande simplicidade. Merton teve ainda outro encontro importante, três anos depois, com o monge e poeta zen budista, Thich Nhat Hanh, que marcou uma presença de resistência crítica no Vietnam. O monge passa dois dias na abadia de Kentuck, e entre ele e Merton ocorre uma notável semelhança espiritual.
Uma visão sintética da visão dialogal de Merton pode ser encontrada nas notas que tinha preparado para uma conferência que daria em Calcutá, no mês de outubro de 1968, por ocasião de um encontro de monjas e monges beneditinos e trapistas dos mosteiros asiáticos.[81] Para Merton, em razão do clima de abertura facultado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), o monacato católico estaria em boa posição para dialogar com a Ásia. O seu maior interesse reside no diálogo da experiência religiosa, onde pessoas de tradições diversas buscam “penetrar o terreno fundamental de suas crenças através de uma transformação da consciência religiosa”.[82] Verifica que neste nível existem “grandes semelhanças e analogias”, uma “semelhança existencial”.[83] Acredita na possibilidade efetiva de realização neste campo de contatos reais e significativos. Sublinha em suas notas que veio à Ásia não como um pesquisador, mas como “peregrino ansioso” em busca das antigas fontes de visão e experiência monásticas. Acredita firmemente na possibilidade de uma “comunicação em profundidade” entre contemplativos de tradições diferentes. A seu ver, a abertura dialogal não significa uma ruptura com o compromisso monástico cristão, mas uma ampliação de seu leque, um aperfeiçoamento da disciplina e da experiência da própria vida monástica. Trata-se de uma abertura que acaba favorecendo a renovação monástica em âmbito ocidental. O diálogo verdadeiro não resulta num “sincretismo fácil”, e o seu exercício só pode ocorrer no respeito profundo às diferenças que pontuam cada tradição religiosa. O diálogo implica, simultaneamente, o empenho com a própria tradição e a disponibilidade de abertura. Na visão de Merton, o diálogo contemplativo não se resume a uma conversação vazia, daí ser necessário que os seus interlocutores tenham, de fato, “penetrado com a máxima seriedade em sua própria tradição monástica”, facultando, assim, a tranquilidade necessária para a requerida abertura à vida e à experiência que advém com o encontro.
Conclusão
Não há melhor caminho para mostrar a riqueza do diálogo inter-religioso do que o relato da experiência viva de “peregrinos” que viveram a radicalidade de uma busca autêntica e de uma abertura ao outro gratuita e desarmada. O diálogo torna-se hoje cada vez mais indispensável e essencial para a paz no mundo. Não é uma tarefa fácil, mas um processo arriscado e ousado, que movimenta as cordas mais profundas do humano, suscitando mudança permanente e disponibilidade de acolhida do inusitado. Há que reconhecer como evidente que as culturas e religiões não são mônadas isoladas, e que para crescerem necessitam umas das outras. E o necessitam também para que possam permanecer fiéis ao que há de melhor nelas mesmas. As outras tradições religiosas, como bem lembrou Merton, apresentam para nós cristãos, a possibilidade efetiva e maravilhosa de um aprendizado único sobre nossas próprias potencialidades[84], muitas vezes escondidas, abafadas ou mesmo desconhecidas. Nada mais nobre do que o exercício da hospitalidade e da acolhida ao outro, do conhecimento mútuo e do recíproco enriquecimento facultado pela dinâmica dialogal. Mas talvez um dos maiores segredos do diálogo inter-religioso, captado pelos três peregrinos que foram objeto deste trabalho, é a sua dimensão espiritual. Sem dúvida alguma, é no nível espiritual que o diálogo encontra sua chave de abertura e compreensão mais refinada. O diálogo verdadeiro, como mostrou Panikkar, é um ato religioso, pressupondo a confiança numa realidade que transborda infinitamente as partes, envolvendo-as num processo de fecundação mútua. Os bispos asiáticos, sempre empenhados no diálogo com os “amigos” de fé diferente, captaram o significado e a força desta Presença maior de um Mistério que atua no interior de cada interlocutor: “É uma verdade incontornável que o Espírito de Deus está agindo em todas as religiões tradicionais. Dialogar é então uma viagem em companhia do Espírito para descobrir de onde vem e para onde vai a sua graça. O que explica por que se trata de um ato espiritual e que só se pode efetuar essa viagem estando aberto ao Espírito e sensível à sua voz”.[85]
Faustino Teixeira
Nasceu em Juiz de Fora (MG-Brasil) em 1954. Teólogo leigo, formado em Filosofia, Ciência da Religião e Teologia. Doutorou-se em Teologia Dogmática na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, em 1985, com tese sobre as Comunidades Eclesiais de Base no Brasil. Retornou à mesma Universidade nos anos de 1997-1998 para o pós-doutorado, sob a orientação de Jacques Dupuis. Lecionou no Departamento de Teologia da PUC do Rio de Janeiro, entre os anos 1978-1982 e 1986-1992. Desde 1989 é professor adjunto de Teologia das Religiões no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora. É também consultor do Instituto de Estudos da Religião ( ISER/Assessoria ) no Rio de Janeiro. Publicações, entre outras: A gênese das CEBs no Brasil (S. Paulo, 1988); A espiritualidade do seguimento (S.Paulo, 1994); Teologia das religiões: uma visão panorâmica (S. Paulo, 1995); Os encontros intereclesiais de CEBs no Brasil (S.Paulo, 1996).
[1] Paulo MENESES. Unidade e diversidade. Recife: UNICAP, 2001 (coleção Neal – 2).
[2] Posteriormente saiu publicado em livro: Faustino TEIXEIRA (Org.). O diálogo inter-religioso como afirmação da vida. São Paulo: Paulinas, 1997.
[3] Paulo MENESES. Tolerância e religiões. In: Faustino TEIXEIRA (Org.). O diálogo inter-religioso como afirmação da vida. Op.cit., p. 48.
[4] Edward SAID. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 334. Para Said, “as culturas são em geral mais naturalmente elas mesmas quando entram em parceria com outra” : ibidem, p. 330.
[5] Paulo MENESES. Tolerância e religiões. In: Op.cit., p. 50.
[6] Monique AUGRAS. Tolerância: os paradoxos. In: Faustino TEIXEIRA (Org.). O diálogo inter-religioso como afirmação da vida. Op.cit., p. 90; Peter BERGER. O dossel sagrado. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 153.
[7] Raimon PANIKKAR. Prologo. In: James W.Heisig. Filosofos de la nada. Un ensayo sobre la Escuela de Kioto. Barcelona: Herder, 2002, p. 10.
[8] Raimon PANIKKAR. Religion (Dialogo intrarreligioso). In: Casiano FLORISTAN & Juan Jose TAMAYO. Conceptos fundamentales del cristianismo. Madrid: Trotta, 1993, p. 1149.
[9] Hans-Georg GADAMER. Verdade e método II. Complementos e índice. Petrópolis: Vozes/Universidade São Francisco, 2002, p. 247.
[10] SECRETARIADO para os não-cristãos. A igreja e as outras religiões. Diálogo e missão. São Paulo: Paulinas, 2001, n. 35 (o documento original foi publicado em 1984, sendo talvez um dos mais abertos documentos do magistério eclesial sobre o tema).
[11] J.Kakichi KADOWAKI. Lo Zen e la Bibbia. Cinisello Balsamo: Paoline, 1984, p. 7. Ver também: Bernard SENÉCAL. Jésus le Christ à la rencontre de Gautama le Boudha. Paris: Cerf, 1998, p. 153-155.
[12] CONGREGAÇÃO para a Doutrina da Fé. Alguns aspectos da meditação cristã. Petrópolis: Vozes,1990.
[13] Há casos concretos de estudiosos cristãos, que depois de anos dedicados ao diálogo inter-religioso, foram tomados de vertigem e pânico diante dos desdobramentos possíveis da relação com as tradições religiosas do Extremo Oriente, fechando-se numa posição mais conservadora. É o caso do estudioso H.Van Straelen, que nos últimos anos vem publicando obras bem reticentes com respeito ao diálogo inter-religioso: H.VAN STRAELEN. Le Zen démystifié. Paris: Beauchesne, 1985 e Id. L´Église et les religions non chrétiennes aul seuil du XXI siècle. Paris: Beauchesne, 1994. Este tipo de receio foi questionado por Panikkar: “Contentar-se em dizer que devemos encontrar em nossa própria tradição tudo o que buscamos e que apenas nos bastaria conhecê-la com maior profundidade não é nem suficiente nem demasiado convincente. Sem um diálogo externo, ou seja, sem um intercâmbio constante com outras pessoas, as religiões se afogam”: Raimon PANIKKAR. Religion (dialogo intrarreligioso). In: Casiano FLORISTAN & Juan Jose TAMAYO. Conceptos fundamentales del cristianismo. Madrid: Trotta, 1993, p. 1148.
[14] PONTIFÍCIO Conselho para o Diálogo Inter-Religioso. Diálogo e anúncio. Petrópolis: Vozes, 1991, n. 50.
[15] Jacques VIDAL. L´Église e les religions. Paris: Albin Michel, 1992.
[16] Jules Monchanin, nascido em abril de 1895 em Fleurie (França), foi um dos grandes pioneiros do diálogo do cristianismo com o hinduísmo. Após sua ordenação como diocesano em 1922, foi ganhando força em sua vida o insaciável apelo da sabedoria milenar do hinduísmo. Em 1939 surge a ocasião de realizar o seu desejo de partir para a Índia, dedicando-se à original experiência de uma vida cristã inserida nos modos de vida, oração e contemplação próprios da cultura indiana. Uma de suas obras importantes foi Mystique de l´Inde, Mystère chrétien. Paris: Fayard, 1974. Sua morte ocorreu em 10 de outubro de 1957.
[17] Há que assinalar que a sede que movia Henri Le Saux não podia ser respondida no clima monástico cristão do período, que estava envolvido por significativa estreiteza monástica, sob o influxo de um tomismo reducionista. Cf. Marie-Madeleine DAVY. Henri Le Saux: le passeur entre deux rives. Paris: Albin Michel, 1997, p. 228-230.
[18] Raimon PANIKKAR. Lettera ad Abhisiktananda. In: H.Le Saux et all. Alle sorgenti del Gange: pellegrinaggio spirituale. Milano: Cens, 1994, p. 108.
[19] Henri LE SAUX. La montée au fond du coeur: le journal intime du moine chrétien-sannyasi (1948-1973). Paris: OEIL, 1986 (com introdução e notas de R. Panikkar). Infelizmente, parte do manuscrito do diário – entre os anos de 1966 a 1973 – se perdeu. O discípulo de Le Saux, Marc Chaduc, com o qual partilhou profunda comunhão espiritual nos últimos dois anos de vida, faz uma seleção própria e joga o restante do Ganges. Ver a propósito: Maria-Madeleine DAVY. Henri Le Saux: le passeur entre deux rives. Paris: Albin Michel, 1981, p. 101 e 263 n. 2 (e para a relação de Le Saux com Marc Chaduc, p. 205-212). Ver ainda: Raimon PANIKKAR. Lettera ad Abhisiktananda. In: Op.cit., p. 107.
[20] Jacques DUPUIS. Gesù Cristo incontro alle religioni. 2 ed. Assisi: Cittadella Editrice, 1991, p. 93.
[21] O termo “ashram” tem sua raiz no sânscrito e significa busca total, dedicação plena. Os ashrams constituem lugares de “ousadas experiências espirituais”, marcados por intenso recolhimento na busca da Presença inefável do Mistério sempre maior. Iniciativas importantes de ashrams indianos aconteceram já no século XIX, como no exemplo do Ashram Ramakrishna de Swami Vivekananda (1897). Outras experiências aconteceram posteriormente com os ashrams Santiniketan de Rabindranath Tagore (1901) e Satyagraha de Mahatma Gandhi (1915). Os ashrams de iniciativa cristã começaram na década de 20, influenciados pelos ashrams sociais de Tagore e Gandhi. Para maiores detalhes cf. Sebastian PAINADATH. Ashrams:um movimento de integração espiritual. Concilium, v. 254, n. 4, 1994, p. 55-68.
[22] Henri Le Saux era sempre conhecido na Índia como Svamiji.
[23] Na tradução portuguesa: Eremitas do Saccidananda. Belo Horizonte: Itatiaia, 1959. Outro peregrino cristão do diálogo que viveu neste ashram, depois de 1955, foi Beda Griffits. Assim como Le Saux, veio da tradição beneditina. Era alguém que articulava sua grande capacidade intelectual com uma generosidade e abertura sem limites. Abraçou igualmene o hinduísmo com grande intensidade. Dizia: “No nível mais profundo, não encontro nada de incompatível (com o cristianismo). Quanto mais você se aprofundar no hinduísmo ou no budismo, mais perceberá a unidade fundamental com o cristianismo. Na superfície, existem inúmeras diferenças e contradições, e, mesmo um pouco abaixo, alguns problemas. Mas quanto mais se desce, mais se converge para o Um. Eis a minha visão do futuro: em toda religião, quanto mais profundo nela se penetrar, mais se converge para a Fonte original”: Beda GRIFFITHS. Santa simplicidade: o estilo do sábio. In: Renée WEBER. Diálogo com cientistas e sábios. São Paulo: Cultrix, 1997, p. 210.
[24] Maria-Madeleine DAVY. Henri Le Saux: le passeur entre deux rives. Op.cit., p. 86, 88 e 247. Como assinala Panikkar, Monchanin não intencionava tornar-se nem hindu, nem indiano. Buscava duas coisas: compreender o hinduísmo em profundidade e viver o cristianismo de forma encarnada. Com o passar dos anos tornou-se, como indica Le Saux em carta, “cada vez mais cético sobre a possibilidade de armonizar o vedanta com o cristianismo”: Henri LE SAUX. Alle sorgenti... Op.cit., p. 111. Ele não chegou a colocar para si as questões levantadas por Le Saux. Cf. Raimon PANIKKAR. Entre Dieu et le cosmos. Paris: Albin Michel, 1998, p. 23.
[25] Os Upanishads constituem textos de especulação religiosa e metafísica do hinduísmo sobre o Ser supremo, sobre o ser humano e sobre o cosmos. Os textos mais antigos remontam à literatura védica, em torno do VI século aC.
[26] Maria-Madeleine DAVY. Henri Le Saux... Op.cit., p. 86.
[27] Ibidem, p. 87 e 132.
[28] Henri LE SAUX. Alle sorgenti... Op.cit., p. 91.
[29] Maria-Madeleine DAVY. Henri Le Saux... Op.cit., p. 156-157.
[30] Ibidem, p. 88-89.
[31] Jacques DUPUIS. Gesù Cristo... Op.cit., p. 95.
[32] Maria-Madeleine DAVY. Henri Le Saux... Op.cit., p. 45.
[33] Ibidem, p. 44. Ver também p. 42-43.
[34] Ibidem, p. 171.
[35] Jacques DUPUIS. Gesù Cristo... Op.cit., p. 91. Em seu trabalho maior, Jacques Dupuis sublinha que a experiência concreta vivida por Le Saux confirma a plausibilidade de realização de um “cristianismo composto (a trait-d´union)”, o que de um ponto de vista teorético e absoluto poderia parecer impossível. Cf. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 518. Esta dupla pertença é igualmente admitida por Claude Geffré na ordem da experiência espiritual: Profession théologien. Paris: Albin Michel, p. 242.
[36] Jacques DUPUIS. Gesù Cristo... Op.cit., p. 83. Como sublinha Amaladoss, a perspectiva indiana do advaita (não dualidde) supera a tendência verificada entre os ocidentais de privilegiar a separação e a contradição. O que vem enfatizado é a dinâmica de integração e de complementaridade. Busca-se afirmar a unidade da realidade na pluralidade de suas manifestações. Trata-se de uma perspectiva que nos ajuda a captar a realidade de Deus como a de um “Eu” mais profundo. Cf. Michael AMALADOSS. Théologie indienne. Etudes, n. 3783, mars 1999, p. 349-350.
[37] Henri LE SAUX. Alle sorgenti del gange. Op.cit., p. 87.
[38] Jacques DUPUIS. Gesù Cristo... Op.cit., p. 107 e 112; Cornelius J.A. THOLENS. Incontro di un monaco tra Oriente e Ocidente. Milano: Ancora, p. 91-94.
[39] Jacques DUPUIS. Gesù Cristo... Op.cit., p.102; Marie-Madeleine DAVY. Henri Le Saux. Op.cit., p. 214-217.
[40] Henri TEISSIER. Prefazione. Louis Massignon um precursore, um artigiano e un testimone del dialogo interreligioso. In: Jacques KERYELL. Il giardino di Dio. Con Louids Massignon incontro all`islam. Bologna: EMI, 1997, p. 10.
[41] O tema escolhido foi “Tableau géografique du Maroc d´après Léon l´Africain”. Apresenta o seu trabalho no ano de 1904, sendo o mesmo publicado em 1906 na Argélia. O seu trabalho chega ao conhecimento de Charles de Foucauld, em seu eremitério de Beni-Abbès, na Argélia, abrindo espaço para uma amizade que o acompanhará em toda vida.
[42] Falou-se em turbamento de consciência, crise de demência, crise aguda de malária e congestão cerebral. Cf. Jacques KERYELL. Il giardino di Dio. Op.cit., p. 89, 93, 100, 101; Daniel MASSIGNON. Le voyage en Mésopotamie et la conversion de Louis Massignon en 1908. Paris: Cerf, 2001, p. 10, 28-30, 53ss.
[43] Louis MASSIGNON. L´hospitalité sacrée. Paris: Nouvelle cité, 1987, p. 40.
[44] Ibidem, p. 204 (carta a A.M. Noureddin Beyum – 26 de fevereiro de 1938). Ver também sua carta a P.Claudel, em fevereiro de 1911: In: Jaques KERYELL. Il giardino di Dio. Op.cit., p. 57. P. Claudel (1868-1955) foi um grande confidente e interlocutor de Massignon após o evento de sua conversão. São inúmeras as cartas que traduzem e testemunham a grande amizade espiritual selada entre os dois amigos.
[45] Jacques KERYELL. Il giardino di Dio. Op.cit., p. 53. Relata também o papel central de al Hallaj em sua vida, em carta à sua mulher: cf. Louis MASSIGNON. L´hospitalité sacrée. Op.cit., p. 60. A tese de doutorado de Massignon sobre al Hallaj foi apresentada na Sorbone em maio de 1922. O atraso ocorreu em razão da guerra, mas também devido a um incêndio em Louvain (1914), que destruiu uma parte de seu manuscrito. A volumosa tese teve como título: La passion di Husayn Mansûr al-Hallaj: martyr mystique de l´islâm exécuté à Bagdad le 26 mars 922 (a tese foi publicada em dois volumes pela editora Geuthner de Paris, em 1922. Uma nova edição foi posteriormente publicada em 4 volumes pela Gallimard de Paris, em 1975). Como tese complementar ele apresentou o Essai sur les origines du lexique technique de la mystique musulmane (publicada inicialmente em Paris em 1922, pela editora Geuthner. Mais recentemente recebeu nova edição: Paris: Editions du Cerf, 1999).
[46] Edward SAID. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 274-275.
[47] Tendo conhecido Massignon em 1912-1913, Mary Kahil (1889-1979) viverá uma experiência de intensa comunhão espiritual com Massignon. Os dois exerceram grande influência no diálogo islamo-cristão. Para maiores detalhes cf. Louis MASSIGNON. L´hospitalité sacrée. Op.cit., p. 77ss.
[48] cujo significado em árabe é “substituição”.
[49] Giuseppe RIZZARDI. L.Massignon... Op.cit., p. 150.
[50] Louis MASSIGNON. L´hospitalité sacrée. Op.cit.,p. 101.
[51] Ibidem, p. 66.
[52] Giuseppe RIZZARDI. L.Massignon... Op.cit., p. 60-61. É conhecido o texto de Massignon onde ele apresenta a exemplaridade singular de Gandhi: Louis MASSIGNON. Parole donnée. Paris: Seuil, 1983, p. 130-139.
[53] Charles de FOUCAULD. Opere spirituali. Roma: Paoline, 1984, p. 722,
[54] Giuseppe RIZZARDI. L.Massignon... Op.cit., p. 60. Para Massignon, Foucauld representava um “arco voltado para o Absoluto”. O que mais o seduzia no amigo era a sua “ciência experimenal da compaixão”: Louis MASSIGNON. Parole donnée. Op.cit., p. 64.
[55] Roger ARNALDEZ. Sa spiritualité. In: Louis MASSIGNON. Mystique en dialogue. Paris: Albin Michel, 1992, p. 102.
[56] Domenico CANCIANI. L´altro volto dell´islam. In: Louis MASSIGNON. La suprema guerra santa dell´islam. Troina: Città Aperta, 2003, p. 12.
[57] Louis MASSIGNON. L´hospitalité sacrée. Op.cit., p. 141; Id. Ciencia de la compasión. Madrid: Trotta, 1999, p. 40, n. 3 (em nota de Jesús Moreno Sanz).
[58] Thomas MERTON. Reflexões de um espectador culpado. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 9.
[59] Thomas MERTON. Il coraggio della verità. Casale Monferrato: Piemme, 1997, p. 16 (introdução de Mirco Scaccabarozzi).
[60] Gilles FARCET. Thomas Merton, un trappiste face à l`Orient. Paris: Albin Michel, 1990, p. 19 (Prefácio de Maria-Madeleine Davy).
[61] Ibidem, p. 31-32.
[62] Thomas MERTON. A montanha dos sete patamares. 6 ed. São Paulo: Mérito, 1958, p. 226.
[63] Ibidem, p. 214-219.
[64] Ibidem, p. 219.
[65] A Ordem dos Cistercienses de estreita observância.
[66] Thomas MERTON. Diário da Ásia. Belo Horizonte: Vega, 1978.
[67] Thomas MERTON. Diário da Ásia. Op.cit.,p. 270-272.
[68] Ernesto Cardenal (1925- ) é um grande poeta místico Nicaraguense. Thomas Merton foi seu grande guia, enquanto mestre de noviços em Gethsêmani. Por questões de saúde Cardenal teve que deixar a abadia de Kentuck e fundou uma das mais ricas experiências contemplativas da América Latina em Solentiname, no Lago da Nicaragua. A grande e rica correspondência entre os dois acaba de ser publicada na Espanha pela editora Trotta.
[69] Thomas MERTON. Il coraggio della verità. Op.cit., p. 261 (carta de 21 de julho de 1968). Nesta mesma carta, Merton expressa sua intenção de ir a Solentiname, visitar a experiência de Cardenal.
[70] Chuang Tzu (séc. III a.C) vem reconhecido como um dos mais espirituais filósofos chineses e maior representante do taoismo. O interesse e abertura de Merton para os textos deste filósofo começam por volta de 1960. Por incentivo de um amigo, John Wu, Merton acabou reunindo alguns textos de Chuang Tzu para publicação, resultando no belo livro A via de Chuang Tzu, publicado em 1965 (e traduzido no Brasil pela editora Vozes). Na apresentação do livro, Merton sublinha: “Eu simplesmente gosto de Chuang Tzu porque ele é o que é, sinto-me sem nenhuma necessidade de justificar esta admiração, a mim mesmo ou a qualquer outra pessoa. Ele é grande demais para necessitar de qualquer explicação de minha parte. Se S. Agostinho pôde ler Plotino, se S. Tomás pôde ler Aristóteles e Averróis (...), e se Teilhard de Chardin pôde fazer um amplo uso de Marx e Engels em sua síntese, acho que me podem desculpar estas minhas relações com um recluso chinês, que compartilha do clima e da paz da minha própria solidão, e que é o meu tipo característico de pessoa”: Thomas MERTON. A via de Chuang Tzu. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 14.
[71] Fernando Beltrán LLAVADOR. Thomas Merton y la identidad del hombre nuevo. In: Luce LÓPEZ-BARALT & Lorenzo PIETRA. El sol a medianoche. Madrid: Trotta, 1996, p. 120-121.
[72] Thomas MERTON. Diário da Ásia. Op.cit.,p. 254.
[73] Ibidem, p. 253.
[74] Dalai Lama afirmou, ao saber da morte de Merton, que havia perdido um de seus melhores amigos. Cf. Gilles FARCET. Thomas Merton... Op.cit., p. 151. Ver ainda: O Dalai Lama fala de Jesus. Rio de Janeiro: Fissus, 1999, p. 6-7, 52-53.
[75] Thomas MERTON. Diário da Ásia. Op.cit., p. 111.
[76] Patrick HART & Jonathan MONTALDO (Eds). Merton na intimidade. Sua vida em seus diários. Rio de Janeiro: Fissus, 2001, p. 409. Diversamente dos jesuítas de St. Joseph, e sua proposta de criação de estabelecimentos católico-contemplativos na Índia, Merton sublinhou que caso se tornasse eremita na Índia, o faria em condições distintas: mais semelhante à experiência de Henri Le Saux.
[77] Thomas MERTON. Zen e as aves de rapina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972; Id. Místicos e mestres zen. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.
[78] Thomas MERTON. Zen e as aves de rapina. Op.cit., p. 34.
[79] Ibidem, p. 44.
[80] Gilles FARCETT. Thomas Merton... Op.cit., p. 132. Merton irá expressar em carta a Jacques Maritain o seu descontentamento com os censores de sua ordem. Na visão dos censores, abrir espaço para um tal prefácio seria dar ensejo a uma communicatio cum infideli. A polêmica chegou ao superior geral de Merton, que também manifestou-se criticamente sobre um tal diálogo, temendo um possível escândalo em meios católicos e o risco de indiferentismo. Cf. Thomas MERTON. Il coraggio della verità. Op.cit., p. 82-83.
[81] Este encontro de 1968 foi precursor de uma série de outros encontros monásticos inter-religiosos. Alguns anos depois, em 1973, aconteceu outro encontro, desta vez em Bangalore, agora envolvendo diversos representantes do monaquismo não cristão: tibetanos, budistas, swami hindus, jainistas. Era o monaquismo mundial interessando-se pelo encontro entre Oriente e Ocidente. Para maiores detalhes cf. Cornelius J.A. THOLENS. Incontri di um monaco tra Oriente e Ocidente. Milano: Ancora, p. 122-127.
[82] Thomas MERTON. Diário da Ásia. Op.cit., p. 245. O texto completo das notas de Merton encontra-se nas páginas 243-249, de onde foram retiradas as próximas citações.
[83] De acordo com David Tracy, Merton vivenciou em profundidade uma conversação com o zen, disponibilizando-se ao “risco” da abertura e transformação. Mediante sua experiência concreta pôde verificar a existência real de profundas “semelhanças na diferença” entre as duas tradições. Cf. David TRACY. Pluralidad y ambiguedad. Hermenéutica, religión, esperanza. Madrid: Trotta, 1987, p. 143 e tb 141.
[84] Ibidem, p. 267.
[85] FABC. O que o Espírito diz às Igrejas. Sedoc, v. 33, n. 281, p. 46. Ver igualmente Raimon PANIKKAR. Entre Dieu et le cosmos. Op.cit., p. 150.
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