segunda-feira, 13 de junho de 2022

Gil no Roda Viva de maio de 2022

 Gil no Roda Viva de 23 de maio de 2022


Faustino Teixeira

IHU / Paz e Bem 

 

Foi uma experiência bonita assistir ao Gilberto Gil na Roda Viva de 23 de maio de 2022. Na beira de completar os 80 anos, em 26 de junho de 2022, Gil continua a brilhar e irradiar ternura e esperança. O programa foi todo marcado por uma delicadeza singular. Recém empossado na Academia Brasileira de Letras, Gil vive um momento de maturidade, mas também de muito atividade. Em junho, a partir do dia 24, teremos um evento bonito, uma série documental, na Amazon Prime Vídeo, abordando a experiência do compositor e cantor em “casa com os Gil”. A família Gil, que fez uma turnê por vários países, segue agora com apresentações no Brasil. Seremos ainda brindados proximamente com todo o acervo musical de Gil pelo Google, bem como a edição ampliada do livro com todas as letras de Gil, com comentários, organizado por Carlos Rennó.

 

Quero destacar nesse meu olhar sobre o programa Roda Viva com Gil duas questões que estiveram presentes: a questão religiosa e a questão política. Em primeiro lugar, a questão da fé. Gil sublinhou ao longo do programa que esse é um tema que vem refletindo muito no momento. Vem demonstrando uma preocupação com a “utilidade da fé”, para que ela serve? Sinalizou no programa que percebe hoje dois modos básicos de se colocar diante da fé: o modo da súplica e o modo da confiança. Confessou que, de vez em quando, o motivo da súplica ocorre na sua vida. Argumentou que de vez em quando há que se fazer um pedido qualquer: “Oh, meu Deus, me socorra!”. Falou também da intercessão de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Pontuou, porém, que o modo mais seguido por ele no momento relaciona-se com a confiança. 

 

Perguntado sobre o influxo das religiões em sua vida, falou sobre a presença do influxo oriental, em particular do Yoga, que vem o acompanhando desde a prisão. De sua atenção ao mundo da macrobiótica, bem como do influxo de reflexões vindas do Taoísmo e do Budismo. O programa refletiu um modo de ser peculiar de Gil, aberto e atento a todas as manifestações religiosas e contribuições recebidas da beleza da diversidade religiosa.

 

Uma segunda questão que pude observar tem a ver com o modo harmônico de Gil lidar com a questão política. Retomou no programa o mote que vem defendendo nos últimos tempos: “O justo meio está na igual possibilidade dos extremos”. É um mantra que o anima diante das questões concretas. Gil enfatiza que o fundamental é “estar aí”, com o olhar atento de observador. Sua intenção está sempre voltada para o diálogo, com seu espírito de mansidão e pacificação, num caminho que prioriza o entendimento e a conversa. Em casos concreto, não há dúvida, pode ocorrer, no terreno da ação política, uma decisão que exija a escolha por um extremo.

 

Ao falar sobre a morte, aquele momento de reconfiguração do corpo numa situação distinta, lembrou do céu. E sublinhou que mesmo ali, naquele momento derradeiro, quando chegar seu momento, estará diante de Deus e do Diabo, mantendo viva sua disposição de conversar com os dois.

 

Seu jeito, porém, é do compositor pacífico, consciente de sua pequenez e fragilidade, que requer de si a humildade essencial. Também a consciência viva de que nem sempre se ganha no jogo político ou em qualquer atividade humana. Faz parte do jogo, enfatiza, saber perder de vez em quando. O risco está sempre presente no caminho humano, e muitas vezes, como diz na canção, “há que morrer para germinar”. Gil enfatiza essa ideia de saber também abraçar a perda, pois todos os gestos humanos envolvem tanto a possibilidade do sim, como também do não. Trata-se de algo que também é fundamental na arte.

 

Um momento rico no programa foi quando ele pontuou o clima de “vaporização” que marca a sua perspectiva atual. Indicou para os participantes do programa que o que permanece vivo para ele hoje é “esse vapor”, que paira acima da solidez que marca as estruturas e pessoas nesse tempo da busca de eficiência. Reagiu contra essa tendência de petrificação, de idealização de tudo o que é útil ou importante, do que deve ser. Essa visão dicotômica do certo e do errado. Para ele, tudo isso vai ficando hoje mais vago.

 

Tais reflexões, maduras e serenas, me fizeram lembrar de trechos de sua música Ok Ok Ok, que partilho aqui:

 

"Já sei que querem a minha opinião

Um papo reto sobre o que eu pensei

Como interpreto a tal, a vil situação

Dos tantos que me preferem calado

Poucos deles falam em meu favor

A maior parte adere ao coro irado

Dos que me ferem com ódio e terror

Já para os que me querem mais ativo

Mais solidário com o sofrer do pobre

Espero que minh'alma seja nobre

O suficiente enquanto eu estiver vivo 

 

OK OK OK, OK OK OK (...)

 

Então não falo, músico e poeta

Me calo sobre as certezas e os fins

Meu papo reto sai sobre patins

A deslizar sobre os alvos e as metas"

 

Esse é o Gil, com sua humildade e nobreza. O cantor e compositor que nos encanta, celebrando sempre as alegria da vida e nunca perdendo a esperança. O Gil da Tropicália, da abertura permanente ao novo e ao diverso, sempre disponível para novos e instigantes desafios, sem perder a leveza jamais. Com ele, partilhamos a simplicidade dos tobogãs e essa bonita consciência de uma ligação maior com tudo o que existe, pois

 

“Nós também somos do mato 
Como o pato e o leão 
Aguardaremos 
Brincaremos no regato 
Até que nos tragam frutos 
Teu amor, teu coração”.