Apresentação
Faustino Teixeira
PPCIR/UFJF
O espelho das almas simples insere-se entre as mais singulares obras da literatura espiritual. É não só o “mais antigo texto místico da literatura francesa”, como igualmente a “autêntica obra prima da literatura mística de todos os tempos”[1]. Despercebida pelos históricos da heresia medieval, a obra veio até recentemente atribuída a uma beata dominicana e húngara. A descoberta de sua autoria ocorreu em 1944, por intermédio da estudiosa italiana, Romana Guarnieri, que tornou pública a questão em artigo no L´Osservatore Romano de 16 de junho de 1946.
Sobre a autora da obra, Marguerite Porete, as informações são escassas. Não há muita notícia sobre a sua vida, a não ser pelos autos do processo inquisitório que a levou à morte, em 1310, condenada como “herética recidiva, ´relapsa` e impenitente”. Presume-se que tenha nascido por volta de 1260, no condado de Hainaut, pertencente à cidade de Valenciennes, nos atuais limites entre a França e Bélgica. Pela abordagem de sua obra, constata-se que Porete tinha uma inegável cultura teológica e literária, um indicativo de sua vinculação à classe superior, ou mesmo à aristocracia de seu tempo. Não há como afirmar com certeza que a autora tenha sido uma beguina, no sentido clássico do termo, mas é correto dizer que ela manteve ao longo da vida um “estilo de vida béguine, de mendicância e errância”[2].
Há que situar Marguerite Porete no clima de efervescência religiosa de seu tempo. A espiritualidade cristã nos séculos XIII viveu um período singular de revificação religiosa, de busca intensiva de vida apostólica. Inúmeras eram as mulheres que buscavam inserção na vida religiosa institucional, em tempos de crescente urbanização da Idade Média. Os conventos femininos dos cistercienses, premonstratenses, dominicanos e franciscanos não conseguiam responder a tal demanda, nem abrigar todas as mulheres que buscavam uma vida religiosa regular. Tiveram que fechar suas portas para conter essa impressionante busca. Importantes núcleos de mulheres que não conseguiram ingressar na vida religiosa, acabaram agrupando-se em comunidades pias, ganhando o reconhecimento de beguinas, em torno do ano de 1230. Como assinala Michael Sells, as beguinas “não eram nem monjas nem seculares. Viviam em residências privadas chamadas beguinages e levavam uma vida de pobreza e contemplação, embora não fizessem votos formais e eram livres para abandonar sua condição”[3]. A sedução do “estilo béguine” tocou Marguerite Porete. Ela era uma mulher de intensa vida religiosa, de grande familiaridade com os textos bíblicos e com vocação profunda para a oração, a ascese e a contemplação. Não se contentava, porém, com a vida teórica. Seu desejo mais profundo estava no domínio da prática. Daí ter se lançado de corpo e alma numa duríssima ascese, em busca de uma mais radical experiência mística. O livro do Miroir é uma expressão viva dessa busca, sendo fruto de uma “experiência mística pessoal de Marguerite”. Como sinaliza Romana Guarniere, o Miroir, “sob o travestimento de um tratado didático – ou de um guia, uma ´mistagogia`- esconde em realidade uma autobiografia mística”[4].
É provável que o Miroir de Porete tenha sido escrito em meados de 1290, quando sua autora estava em plena atividade intelectual. Logo que se tornou público, o livro sofreu um primeiro processo, diocesano, por parte do bispo de Cambrai, Guy de Colmieu, entre os anos de 1290 e 1306. Apesar da condenação, Porete continuou a pregar sua doutrina e a difundir sua obra, tendo enviado exemplares para a avaliação de três autoridades teológicas que o aprovaram, apesar de algumas ressalvas: Goffredo da Fontaines (faculdade teológica da Sorbonne), Franco (um cisterciense da famosa abadia brabantina de Villers) e John di Querayn (um franciscano inglês). Um segundo processo vem aberto pelo novo bispo de Cambrai, Philip de Marigny. A autora acabou sendo conduzida a Paris, ficando sob a custódia do famoso inquisidor dominicano, Guglielmo Humbert de Paris, de infame atuação no processo contra os Templários. Porete permaneceu na prisão parisiense por quase um ano e meio, sempre resistindo às investidas do tribunal eclesiástico francês, que queria evitar novas condenações à fogueira. Para que houvesse um ato de clemência, a autora deveria confessar seus “erros” e “desvios”. Em estrita coerência com seu pensamento espiritual, Porete refuta radicalmente qualquer movimento de retratação. Segue fielmente o que está escrito no Miroir sobre a liberdade da alma:
A herança dessa Alma é a perfeita liberdade, cada uma de suas partes tem o seu brasão de nobreza. Ela não responde a ninguém a menos que queira, se ele não é de sua linhagem; pois um nobre não se digna a responder a um vilão que o chama ou o convida ao campo de batalha. Portanto, quem chama uma tal Alma não a encontra; seus inimigos não conseguem dela nenhuma resposta.[5]
No início de 1309, o inquisidor Guglielmo Humbert encaminha a obra para a avaliação de alguns consultores, que acabam indicando como problemáticas quinze proposições presentes no texto. Segundo Romana Guarniere, as teses que constam nas atas do processo não soam assim tão dissonantes: são teses defendidas por “inumeráveis místicos e místicas, entre os quais numerosos santos, e que hoje ninguém sonharia em enunciá-las como heréticas”[6]. Em abril do mesmo ano, as quinze proposições são julgadas e condenadas por uma comissão de 21 teólogos, entre os quais canonistas, bispos e representantes das Ordens mendicantes. Seis desses teólogos estarão presentes, anos depois, no Concílio de Viena (1311-1312), quando serão condenados 8 erros dos begardos e beguinos (DzH 891-899)[7]. No dia 31 de maio de 1310, um domingo de Pentecostes, uma comissão de canonistas-regentes declara Marguerite Porete herege relapsa e a entregam para o braço secular, que executa a sentença de morte. Em sessão pública e solene, realizada no dia 10 de junho de 1310, na praça de Grève (Paris), Porete vem queimada na fogueira, e junto com ela o seu Miroir. Segundo a posição do grande inquisidor, todos aqueles que tivessem o livro condenado, tinham a obrigação de entregá-lo às autoridades competentes no prazo de um mês, sob pena de excomunhão.
Apesar das ameaças da inquisição, o Miroir conseguiu escapar ao cerco e ganhou uma difusão internacional inusitada. Diversos exemplares, tanto na versão original francesa (picarda) como na versão latina foram salvos, mas a autoria ficou desconhecida, até o século XX. Outras versões se seguiram, como a do italiano antigo e do inglês médio, fazendo do Miroir o “escrito de maior sucesso da mística feminina mais antiga”[8]. Dentre as edições contemporâneas, destacam-se a edição diplomática, editada em 1965 por Romana Guarniere e republicada no Corpus Christianorum, em edição crítica sobre os cuidados de Paul Verdeyen (1986). Há também as traduções inglesa (Clare Kirchberger - 1927), alemã (L. Gnädinger - 1987), francesa (M. Huot de Longchamp - 1984) e italiana (Giovanna Fozzer - 1994)[9].
O Miroir é fundamentalmente um “tratado místico”, um livro de “instrução religiosa”. A obra tem um caráter iniciático, revelando uma experiência mística pessoal da autora. Sua linguagem é muitas vezes alusiva, traduzindo dimensões singulares de uma experiência que é interior. A exposição da autora deixa transparecer acenos velados, de uma mensagem revestida de alegorias peculiares, que rompem com as rotas conhecidas do conhecimento tradicional. Já no prólogo vem indicado o necessário “entendimento interior sutil” para a adequada percepção da obra (M1:11). Através da personagem Alma, Porete sinaliza que a compreensão do livro só é acessível para aqueles que estão regidos pelo Amor Cortês (M53:20-21). Assim como Jesus só se revelou aos que a ele estavam mais intimamente vinculados, seus amigos especiais (M75:24-25), também o Miroir escapa à compreensão daqueles que agarrados à palha deixam perder o grão (M75:21). Os que estão presos às formas e mediações, ao campo das determinações, não conseguem captar a canção da Alma (M122:85-94).
O livro tem uma estrutura dialógica, com personagens que são centrais e outros que são secundários. Os interlocutores principais são a dama Amor, a Alma e a Razão, todas figuras femininas. Há outros interlocutores que aparecem: a Santa Igreja a Grande e a Santa Igreja a Pequena, a Fé, o Temor, a Cortesia, a Discrição, as Virtudes, a Tentação. Alguns deles aparecem uma única vez ou incidentalmente. Ocorre também personagens que são variações daqueles principais: o Entendimento da Razão, a Alma estupefata, a Alma liberada. E também personalizações da divindade: a Verdade, Deus o Pai, o Espírito Santo[10].
Como indicado no próprio titulo[11], o tema central da obra gira em torno do caminho gradual de libertação da alma e de sua união mística com Deus. A autora “junta a linguagem do amor cortês, transformada pelas béguines místicas do século XIII numa linguagem de êxtase, com os paradoxos apofáticos da união mística”[12]. O itinerário espiritual da alma e o processo da apófase do desejo são defendidos pelos dois personagens centrais, o Amor e a Alma, tendo como antagonista a Razão. Na abertura do livro, Porete adverte:
Teólogos e outros clérigos,
Aqui não tereis o entendimento
Ainda que tenhais as idéias claras
Se não procederdes humildemente;
E que o Amor e fé conjuntamente
Vos façam suplantar a Razão,
Pois são as damas da Mansão[13].
O Amor é o grande protagonista da obra, e o horizonte visado é o despojamento radical da Alma em seu processo de ruptura com todos os vínculos que impedem o exercício da verdadeira humildade e de encontro com Deus. A riqueza maior da vida não está em nenhuma posse, mas no exercício do amor e na conformidade com Deus. Tendo como referência o evangelho de Mateus (Mt 6,21), Porete sinaliza na voz da Alma um traço que é central em sua reflexão: “Lá onde está o mais de meu amor, é onde está o mais de meu tesouro” (M32:20-21).
No caminho gradual de sua libertação, a Alma deve passar por três mortes: a morte do pecado, da natureza e do espírito. Nesse itinerarium, a Alma deve percorrer sete estados fundamentais. No primeiro, que corresponde à morte do pecado, a Alma vem tocada pela graça de Deus e busca observar seus mandamentos, sobretudo o amor a Deus e ao próximo. Mas ainda vive segundo o imperativo da Razão (M118:10-16). No segundo, que corresponde à morte da natureza, a Alma vive na dinâmica de imitação de Cristo e na observância dos conselhos evangélicos e das virtudes, visando uma vida espiritual de despojamento (M118:30-40). No terceiro estado, a Alma vem aquecida no seu desejo de puro amor. Para tanto, faz-se necessário romper com a centralidade da vontade e radicalizar o despojamento do eu: “É necessário pulverizar-se, rompendo-se e suprimindo-se, para alargar o lugar onde Amor gostaria de estar, e aprisionar-se em vários estados, para liberar-se de si mesmo e alcançar o seu estado” (M118;65-68). No quarto estado, a Alma vive um momento de delicadeza especial, atenta aos toques do Amor dileto. Concentra-se agora no exercício da meditação e contemplação. É um momento de embriaguez espiritual, quando a visão vem embaralhada pela claridade do Amor (M118:70-90). No quinto estado se dá a mudança mais essencial, que corresponde à terceira morte. É sobre ele que mais fala o Miroir. A Alma vem agora “raptada” pela luz divina e toma consciência de que Deus é e que ela não é. Trata-se de uma experiência de “centelha” divina, que se abre e fecha, acenando para a Alma os mistérios do sexto estado. A obra da centelha “não é senão a demonstração da glória da Alma. Isso não permanece por muito tempo em nenhuma criatura, exceto somente no espaço de seu movimento” (M58:32-34). A Alma alcança o mistério da profundidade e da humildade: “Agora essa Alma é nada, pois vê seu nada por meio da compreensão divina, que a faz nada e a coloca no nada” (M118:136-138). É o momento em que a Alma “descansa nas profundezas, onde não há mais fundo, e por isso é profundo. Essa profundeza lhe faz ver muito claramente o verdadeiro Sol da altíssima bondade, pois ela não tem nada que lhe impeça essa visão” (M118:153-156). O sexto estado marca um momento de perfeição espiritual, quando a Alma deixa de ver a si mesma, mas é Deus mesmo “que se vê nela por sua majestade divina” (M118:184-185). Tudo o que existe passa a ser percebido como diafania de Deus. A Alma está agora “liberada de todas as coisas”, não consegue ver nada que não seja Deus mesmo: “Aquele que é, no qual todas as coisas são” (M118:186-187). Mas essa alma “liberada” não é ainda a alma “glorificada”. A alma só vive sua glorificação no sétimo estado, que acontece na glória eterna. É aqui que se coroa o grande itinerário da alma: “A alma, tocada por Deus e despojada do pecado no primeiro estado de graça, é elevada pelas graças divinas ao sétimo estado de graça, no qual tem a plenitude de sua perfeição pela fruição divina no país da vida” (MI:2-5). É possível viver no tempo esse estado de glória, que traduz o estado da vida divina da alma unida a Deus. Isso se dá segundo um modo específico de sua percepção, que não é o da eternidade. A experiência da “centelha” ou “clarão” revela o ponto de contato entre o tempo e a eternidade. É como um istmo que vincula o criado e o incriado[14].
Não há autêntico ardor amoroso para Porete senão quando a Alma vem inundada pela potência do Amor. É mediante a terceira morte, a morte do espírito, que se rompem os limites que impedem o abraço amoroso da Divindade (M64:6-8). Em toda sua obra, Porete sublinha o embaraço das mediações na trajetória da Alma para Deus. As mediações são vínculos que embaçam o acesso ao Mistério. Estão sob o jugo desse limite todos aqueles que se deixam dominar pela Razão, que ainda buscam a Deus nas criaturas, que tomam a palha e deixam o grão. Na visão de Porete, essa gente “tem pés sem caminho, e mãos sem obra, e tem boca sem palavras, e olhos sem claridade, ouvidos sem audição, e tem razão sem razão, e corpos sem vida, e coração sem entendimento, no que concerne aos que tocam esse estado” (M86:9-12). Não se dá acesso ao amor interior quando há fixação na razão humana e no humano sentir (M119:19-20).
Entre os que se encontram sob o domínio da Razão está a Santa Igreja, a Pequena (M19:12-13). Enquanto instituição definida e delimitada, esta Igreja não alcança o mistério das almas aniquiladas. Não capta igualmente a medula que habita o fundo da alma, pois ali não pode entrar nada de determinado[15]. Daí o auxílio fundamental exercido pela Santa Igreja, a Grande, que vem constituída pelas almas animadas e preenchidas pelo Amor: as almas aniquiladas. É essa Igreja que sustenta a fé da Santa Igreja, a Pequena (M17:24-27). Essa posição de Porete a respeito das duas Igrejas causou dificuldades e conflitos, em razão de suas ressonâncias gnósticas e joaquimistas. Mas como bem sublinhou Romana Guarniere, em nenhum momento Porete manifesta intenção de romper com a instituição, mas vem marcada pelo desejo de permanecer ligada a ela[16]. Mas é bem consciente dos limites que acompanham as mediações, incluindo a Igreja e a Escritura.
Na visão de Porete, a Alma que bebe a lição divina capta a riqueza que está em seu próprio coração (M75:26-27). Mas para que isso ocorra é necessário um exercício de grande humildade, que haure sua razão de ser na própria divindade e que escapa ao domínio da vontade que busca as virtudes (M34:13-17 e M88:18-21). Essa Alma vem radicalmente transformada em Deus, refletindo a simplicidade do Uno. A partir do momento que a Alma vem destacada de sua particularidade, ela toca o fundo, que é o divino mesmo. Nesse “espaço” opera-se uma fundamental “transformação do Amor”, onde o amigo e o Amado perdem suas particularidades para dar lugar ao fogo do Amor. Envolvida no Uno a Alma não conhece mais distinção. A Alma,
liberada em todos os seus aspectos, perde seu nome, pois se ergue em soberania. E portanto ela perde seu nome nele com o qual se funde e se dissolve por meio dele e nele e por ela mesma. Assim ela seria como um corpo de água que flui do mar, que tem algum nome, como se poderia dizer Aise ou Sena, ou qualquer outro rio; e quando essa água ou rio retorna ao mar, perde seu curso e o nome com qual flui em muitos países realizando sua tarefa (M82:34-42).
Ao entrar no afluente do Amor, a Alma vem revestida de um “mais”, que é irradiação daquele “Amor ultra-divino”. Para sinalizar esta transformação, Porete faz recurso à imagem do ferro que, revestido pelo fogo, perde sua própria forma, pois o “mais” do fogo transforma o ferro em si mesmo. Assim também acontece com a Alma, que vem revestida com o “mais” de Deus (M52:7-22). Na perspectiva aberta pelo Miroir, a Alma se liquefaz no centro da medula do Divino Amor (M80:38-39). Não há como atingir a medula do alto cedro senão passando pelo alto mar e afogando em suas ondas a própria vontade (M80:7-12).
Essa profunda comunhão com Deus por intercâmbio do amor não implica uma recusa criatural, como pode dar a entender o olhar superficial. Trata-se de um mergulho no Uno que proporciona um brilho singular ao canto das coisas. É uma imersão que suscita um novo olhar para a presença de Deus em todas as coisas (M26:5). Como bem sinaliza Marco Vannini, a meta proposta pelo Miroir não é um “pais estrangeiro, um paraíso fora desta terra, um Deus ´outro`e distante, mas ao contrário, a nossa verdadeira morada (...)”[17]. A mística de Porete desdobra-se num sentimento de “profunda unidade com todas as criaturas”. Não há lugar desabitado pela presença do Amor. Ele está em toda parte e suscita admiração e acolhida a todas as coisas (M30:8-11). No Miroir, Deus vem apresentando como o Longeperto (Loingprés), como um amor simultaneamente distante e próximo (M1:24-25), ou também um clarão que se abre e fecha (M58:26-27). Mas está sempre presente, é o sempre-já-aí que oferece a todos a “delícia de seu amor” (M122:82). Ele pode ser encontrado e adorado em todo lugar, e não apenas nas igrejas e nos mosteiros (M69: 39-46).
A perspectiva espiritual de Marguerite Porete terá um influxo substantivo na tradição mística posterior. Vale ressaltar a sua influência sobre Meister Eckhart, Tauler, Ruusbroec e outros[18]. Sua presença na tradição mística ocidental é de importância essencial e o contato com o seu Miroir abre veredas que são inusitadas. Como lembrou Romana Guarniere,
Marguerita permanecerá na memória como uma grande escritora e mística substantiva, enamorada do Esposo da sua alma, aquele Deus-todo-amor que nos pede uma única coisa: ser amado como Ele nos ama e amou: uma mulher corajosa, de pensamento arrojado e vigoroso, que ousou transpor os limites do indizível e do impensável, naquela terra de ninguém, onde ortodoxia e heresia, como num fio de navalha (...) se roçam, confrontam, se afrontam, e às vezes se confundem, sim, que o ´poder` - também aquele eclesiástico – pode ser tentado a interferir com a ´justiça`, até transformar-se a si mesmo em ´summa iniuria` [19].
(Publicado No livro: Marguerite PORETE. O Espelho das almas simples e aniquiladas e que permanecem somente na vontade e no desejo do amor. Petrópolis: Vozes, 2008, pp. 17-29)
[1] Romana GUARNIERI. Donne e chiesa tra mistica e istituzioni (secoli XIII-XV). Roma: Edizioni di storia e letteratura, 2004, pp. 241-293 (aqui pp. 247 e 290).
[2] Silvia SCHWARTZ. A béguine e al-Shaykh. Um estudo comparativo da aniquilação mística em Marguerite Porette e Ibn´Arabi. Tese de doutorado. Universidade Federal de Juiz de Fora – Departamento de Ciência da Religião, março de 2005, p. 30.
[3] Michael SELLS. Tres seguidores de la religión del amor: Nizām, Ibn´Arabi y Marguerite Porete. In: Pablo BENEITO & Lorenzo PIERA & Juan José BARCENILLA (Eds). Mujeres de luz. Madrid: Trotta, 2001, p. 144.
[4] Romana GUARNIERI. Donne e chiesa..., p. 265. Ver também pp. 271.
[5] Margherita PORETE. Lo specchio delle anime semplici. Cinisello Balsamo: San Paolo, 1994, p. 347 (85:6-11). As demais citações do Miroir virão sempre abreviadas no texto, com a letra maiúscula M, seguida do número do capítulo e do número correspondente à linha da edição original francesa. As citações do Miroir, em português, serão fieis à tradução feita por Sílvia Schwartz para a presente edição da Vozes.
[6] Romana GUARNIERI. Donne e chiesa..., p. 254.
[7] A estudiosa R.Guarniere assinala que o dossier do processo contra Porete foi levado ao Concílio de Viena e abundantemente utilizado na elaboração dos erros atribuídos aos beguinos: cf. Romana GUARNIERI. Donne e chiesa..., p. 276.
[8] Kurt RUH. Storia della mistica occidentale. V. II. Mistica femminile e mistica francescana delle origini. Milano: Vita e Pensiero, 2002, p. 356.
[9] Ibidem, p. 350; Romana GUARNIERI. Donne e chiesa..., pp. 247-248.
[10] Kurt RUH. Storia della mistica occidentale, p. 355.
[11] Titulo que vem sinalizado na própria obra, expresso pelo personagem Amor: M13:17-18.
[12] Silvia SCHWARTZ. A béguine e al-Shaykh, p. 32.
[13] Margherita PORETE. Lo specchio delle anime semplici, p. 125.
[14] Ver a respeito a reflexão tecida por Max Huot de Longchamp em nota da edição francesa do Miroir: Marguerite PORETE. Le miroir des ames simples et anéanties. Paris: Albin Michel, 1984, pp. 254-255 (n. 58).
[15] Para Porete, é necessário, inclusive, libertar-se do Deus determinado para alcançar a comunhão maior com Deus (M92:10). Trata-se de uma antecipação de Eckhart, que diz num de seus sermões: “Se um dia Deus quiser olhar ali dentro, isso deve lhe custar todos os seus nomes divinos e sua propriedade de pessoas”: Mestre ECKHART. Sermões alemães. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 51 (Sermão 2).
[16] Romana GUARNIERI. Donne e chiesa..., p. 265.
[17] Marco VANNINI. Saggio filosófico-teologico. In: Margherita PORETE. Lo specchio delle anime semplici, p. 78.
[18] Ibidem, pp. 101-104; Romana GUARNIERI. Donne e chiesa..., p. 148; Kurt RUH. Meister Eckhart. Brescia: Morcelliana, 1989, pp. 141-170.
[19] Romana GUARNIERI. Donne e chiesa..., p. 267.
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