Orações Interreligiosas








A idéia de publicar essas orações interreligiosa ilustradas nasceu de uma parceria minha com meu irmão, o artista plástico Pulika (de Brasília). Elas estavam alocadas no portal do Mosteiro da Paz e agora estão no portal do IHU (Instituto Humanitas da Unisinos )





O Inominado
Não se pode dizer que és belo.
És único.
Tua face ameaçaria nosso olhar.
Tocas as telas do visível,
Permaneces no limiar das tendas.
Se te aproximas,
Transbordam os celeiros
Para nossas mãos, pequenas.
À tua imagem sucumbimos
E à ferida da distância.
Fonte: Dora Ferreira da SilvaUma via de ver as coisas. São Paulo: Duas Cidades, 1973, p. 96





Comigo na minha aldeia – Fernando Pessoa
“(…) O menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo o que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena (…).”
Fonte: Fernando PessoaObra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1992, pp. 210-211 (Do poema: Um guardador de rebanhos)




A-criatura-eternamente-humana
A criança eternamente humana  Fernando Pessoa
“(…) Um dia Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranços pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
À mim ensinou-me tudo.
Ensinou a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas (…).”
Fonte: Fernando PessoaObra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1992, pp. 209-210 (Do poema: O guardador de rebanhos)




Simples e Calmos – Fernando Pessoa
“(…) Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos! (…)”

Fonte: Fernando PessoaObra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1992, p. 208  (do poema: Guardador de Rebanhos).




Tamanho Momento
nossa senhora da luz
ouro do rio belém
que seja eterno esse dia
enquanto a sombra não vem.
Fonte: Paulo LeminskiO ex-estranho. São Paulo: Iluminuras, 2011, p. 39



TOCANDO A TERRA
Ande como se estivesse beijando a Terra com seus pés,
como se estivesse massageando a Terra.
As suas pegadas serão como marcas de um selo imperial
chamando o agora de volta ao aqui;
para que a vida esteja presente;
para que o sangue traga a cor do amor ao seu rosto;
para que as maravilhas da vida se manifestem,
e todas as aflições sejam transformadas em paz e alegria.
Thich Nhat Hanh



O coração inteiro -  Al Hallaj
Em meu coração ocupas
o coração inteiro,
não há nele outro lugar.
Meu espírito Te aconchega
entre a pele e os ossos.
Que seria de mim se Te perdesse?
Quando busco ocultar que Te amo,
sem querer o manifesto
com as lágrimas que escondo.
Fonte: Al HallajDivan. Barcelona: José J. de Olaneta, 2005, p. 73



Bênção
 – Rabindranath Tagore
Abençoa este coração
pequenino, esta alma branca que
arrebatou para a terra o beijo do céu.
Ele gosta da luz do sol, e se delicia em
contemplar o rosto de sua mãe.
Ainda não aprendeu a desprezar
o pó da terra nem a cobiçar o ouro.
Aconchega-o junto ao teu coração,
E dá-lhe a tua bênção.
Fonte: Rabindranath TagoreA lua crescente. 2 ed.3 São Paulo: Paulus, 1991, p. 36



Recreio (Rabindranath Tagore)
Quando era Você quem me divertia,
jamais indaguei quem era.
Desconhecia timidez ou medo;
minha vida era entusiasmada.
De manhã cedo, você me despertava
como um companheiro,
guiando-me a correr
pelas clareiras da floresta.
Naquelas dias, nunca procurei saber
o sentido das canções que Você me cantava:
minha voz entoava as melodias,
meu coração dançava cadenciado.
Agora que o recreio acabou,
que súbita visão é esta que aparece?
Com olhos deitados aos Seus pés,
o mundo se assombra
com as estrelas silenciosas.
Fonte: Rabindranath TagoreO coração de Deus. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p. 79




Oferenda com amor
Sabe também, ó Arjuna!
Que eu aceito toda a oferenda
que se me faça com amor:
seja uma folha, uma flor,
uma fruta ou apenas
gotas de água.
Eu não olho o valor da oferenda,
mas olho o coração
de quem a faz. 
Fonte: Bhagavad Gîtâ IX, 26






Arte da secreta viagem (Hemann Hesse)
 Os olhos que buscam com pressa
Apenas a destinação final da viagem
Nunca podem conhecer o doce vagar.
Florestas, rios e espetáculos maravilhosos,
Toda a imensidão de cada ponto do caminho
Estão fechados a eles.
Fonte: Shundo Aoyama RôshiPara uma pessoa bonita. São Paulo: Zen do Brasil/Palas Athena, 2002, p. 125






.
O tempo do cume – Li Po
Passo esta noite no Templo do cume.
Aqui eu poderia apanhar as estrelas com a minha mão.
Não ouso alçar a voz em meio ao silêncio,
com medo de perturbar os habitantes do céu.
Fonte: José Jorge de Carvalho. Os melhores poemas de amor da sabedoria religiosa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 50







Hai-Kai (Buson 1715-1783)
Chegado para ver as flores,
sobre elas dormirei
sem sentir o tempo.
Fonte: O livro dos Hai-Kais. São Paulo: Massao Ohno/Roswitha Kempf, 1980, p. 87








Musicar (Carlos Rodrigues Brandão)
Senhor,
faz de mim
um instrumento
de tua música.
Onde há silêncio
que eu leve o si.
Onde houver dor
que eu leve o dó.
Onde há a lágrima
que eu leve o lá.
E onde houver trevas
que eu leve o sol.

Fonte: Carlos Rodrigues Brandão. Orar com o corpo. Campinas: Verus, 2005, p. 86









Vivendo nas montanhas no verão“, de Yu Xuanji:
“Aqui, onde habitam os deuses, fiz minha morada

Bosques e arbustos misturam-se à revelia
Roupas lavadas penduro à menor das árvores

Sento-me à fonte; das pedras, nasce meu vinho
Abro as janelas à trilha dentre os bambus

Finas sedas tornaram-se embrulho de livros

Remando desço o rio, entre cantos à lua

Leva-me o vento ao retorno: e ainda recito”

Fonte: Poesia completa de Yu Xuanji. São Paulo: Unesp, 2011, p. 103











Secreta Mirada (Lya Luft)
Das coisas boas e belas que acabaram
nos vêm sempre uma luz
e uma capacidade de ver
o mais banal
com algum encantamento.
Essa é a secreta mirada
que todo mundo pode ter,
mas que o acúmulo de compromissos,
o excesso de deveres,
a exigência de sermos
cada vez mais competentes e eficazes.
Talvez nos roube um pouco.
 Fonte: Lya LuftSecreta Mirada. 6 ed. São Paulo: Mandarim, 2001, p. 42.










Mar (Sophia de Mello Breyner Andresen)

De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro
Fonte: Sophia de Mello Breyner Andresen. Poemas escolhidos. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 29)








Cantiga dos Pastores (Adélia Prado)
.
À meia noite no pasto,
guardando nossas vaquinhas,
um grande clarão no céu
guiou-nos a esta lapinha.
Achamos este Menino
entre Maria e José,
um menino tão formoso,
precisa dizer quem é?
Seu nome santo é Jesus,
Filho de Deus muito amado,
em sua caminha de cocho
dormia bem sossegado.
Adoramos o Menino
nascido em tanta pobreza
e lhe oferecemos presentes
de nossa pobre riqueza:
a nossa manta de pele,
o nosso gorro de lã,
nossa faquinha amolada,
o nosso chá de hortelã.
Os anjos cantavam hinos
cheios de vivas e améns.
A alegria era tão grande
e nós cantamos também:
Que noite bonita é esta
em que a vida fica mansa,
em que tudo vira festa
e o mundo inteiro descansa?
Esta é uma noite encantada,
nunca assim aconteceu,
os galos todos saudando:
O Menino Jesus nasceu!
.
Fonte: suplemento “Folhinha”, jornal Folha de São Paulo, edição de 25/12/99, fls.14.




A ilustração de hoje é de Paulo Sérgio Talarico.
Prece – Sophia de Mello Breyner Andresen
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
Fonte: Sophia de Mello Breyner AndresenPoemas escolhidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 103.



Solidão Sonora – Thomas Merton
“Quanto mais adentro na solidão,
tanto mais claramente vejo
a bondade de todas as coisas.
Para poder viver feliz em solidão,
tenho de ter um conhecimento
cheio de compaixão a respeito
da bondade dos outros,
um conhecimento reverente
sobre a bondade da criação inteira,
um conhecimento humilde
da bondade de meu próprio corpo
E de minha alma”
Fonte: Thomas MertonNa liberdade da solidão. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 92.



Blues Fúnebres
“Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.
Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto – um laço no pescoço –
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.
Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio dia, meia noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.
É hora de apagar estrelas – são molestas –
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo dorante.”
Fonte:  W. H. AudenPoemas. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 193.




Linguagem dos Pássaros
“Cantava o pássaro no vergel do Amado,
E veio o amigo e disse ao pássaro:
Se não nos compreendemos pela linguagem,
Compreendamo-nos pelo amor,
Pois teu canto revela aos meus olhos meu Amado”
Fonte: Raimundo LúlioLivro do amigo e do Amado. São Paulo: Loyola, 1989, p. 65



Canto de Umbanda a Xangô  (anônimo)

















A porta do céu abriu
A porta do céu abriu
Pai Xangô abençoe este sítio
Pai Xangô abençoe este gongá
Subi a serra
Acompanhando o Pai Xangô
No lugar aonde passa
Corre água e nasce flor.


Fonte:  José Jorge de Carvalho. Os melhores poemas de amor da sabedoria religiosa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 199















Canto do Exilado (Sl 137)
“Junto aos rios da terra amaldiçoada
de Babilônia, um dia nos sentamos,
com saudades de Sião amada.
As harpas nos salgueiros penduramos
e ao relembrarmos os extintos dias
as lágrimas dos olhos desatamos.
Os que nos davam cruas agonias
de cativeiro, ali nos perguntavam
pelas nossas antigas harmonias.
E dizíamos nós aos que falavam:
como em terra de exílio amargo e duro
cantar os hinos que ao Senhor louvavam?
Jerusalém, se inda num sol futuro,
eu desviar de ti meu pensamento
e teu nome entregar a olvido escuro,
A minha destra a frio esquecimento
votada seja; apegue-se à garganta
esta língua infiel, se um só momento
Me não lembrar de ti, se a grande santa
Jerusalém não for minha alegria
melhor no meio de miséria tanta.”
FonteDom Hugo B. de AraújoO aspecto religioso da obra de Machado de Assis. Rio: Cruzada da Boa Imprensa, 1939, p. 22. (Tradução do Salmo feita por Machado de Assis, do texto latino da Vulgata).



O Amado não partiu – Rûmî
“Vós que saístes a peregrinar!
voltai, voltai, que o Amado não partiu!
O Amado é vosso vizinho de porta,
por que vagar no deserto da Arábia?
Olhai o rosto sem rosto do Amado,
peregrinos sereis, casa e Kaaba.
De casa em casa buscastes resposta.
Mas não ousaste subir ao telhado.
Onde as flores, se vistes o jardim?
A pérola, além do mar de Deus?
Que descobristes em vossa fadiga?
O véu apenas, mas vós sois o véu.
Se desejas chegar à casa do alma,
buscai no espelho o rosto mais singelo”
FonteMarco LucchesiA sombra do Amado. Rio de Janeiro: Fisus, 2000, p. 39.



Amor que dá vida – Rûmî
“O amor eleva aos céus nossos corpos terrenos,
E faz até os montes dançarem de alegria!
Ó amante, foi o amor que deu vida ao Monte Sinai,
Quando ´o monte estremeceu e Moisés perdeu os sentidos`.
Se meu Amado apenas me tocasse com seus lábios,
Também eu, como a flauta, romperia em melodias”.
Fonte: F. Teixeira & V.BerkenbrockSede de Deus. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 276.



o Senhor Jesus – Angelus Silesius
“Aproximo-te de ti, Senhor, como do meu raio de sol
Que me dá luz, me aquece e me torna um ser vivo.
Se então de mim te aproximas como da terra,
Logo meu coração será a mais bela primavera.”
Fonte: F. Teixeira & V.BerkenbrockSede de Deus. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 277



A


Teu rosto – Rûmî
“Sou artista, pintor, desenho imagens,
nenhuma se compara a Teu fulgor.
Sei criar mil fantasmas, dar-lhes vida,
mas se vejo Teu rosto, dou-lhes fogo.
Serves Teu vinho ao ébrio na taberna
e abates toda casa que construo.
Nossa alma em Ti se dissolve: água na água,
vinho no vinho: sinto o Teu perfume.
Cada gota de meu sangue te implora:
´Faz-me Teu par e dá-me tua cor.`
Sofre minha alma na casa de argila:
´Entra, Amado, senão hei de partir!`”
Fonte: Marco LucchesiA sombra do Amado. Rio de Janeiro: Fisus, 2000, p .83
















Sensação (Arthur Rimbaud)
Nas tardes de verão, irei pelos vergéis
Picado pelo trigo, a pisar a erva miúda:
Sonhador, sentirei um frescor sob os pés
E o vento há de banhar-me a cabeça desnuda.
Calado seguirei, não pensarei em nada:
Mas infinito amor dentro do peito abrigo,
E como um boêmio irei, bem longe pela estrada
Feliz – qual se levasse uma mulher comigo.
Fonte: Arthur RimbaudPoesia completa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 41





Um novo dia está diante de nós   (Walter Rauschenbusch)

Mais uma vez um novo dia está diante de nós, nosso Pai.
Ao sairmos para o nosso trabalho,
E ao tocarmos com as nossas mãos
As mãos e a vida de nossos companheiros,
Faze de nós, pedimos-te,
Amigos de todo mundo.
Salva-nos de entristecer um coração
Com uma palavra de raiva
Ou com um ódio secreto.
Que não arranhemos o amor-próprio de ninguém
Como nosso desprezo ou malícia.
Ajuda-nos a alegrar, com nosso afeto,
Aqueles que estão sofrendo;
E a animar os que estão abatidos, com a nossa esperança,
E a fortalecer em todos
O sentido do valor e da alegria da vida.
Salva-nos de veneno mortal da arrogância de classse.
Permite que possamos olhar todas as pessoas face a face,
Com os olhos de um irmão.
Se alguém necessitar de nós,
Permite que o ajudemos sem relutância, se for possível.
E que possamos nos alegrar
Porque temos em nós este dom
De servir os nossos companheiros
 Fonte: F. Teixeira & V.BerkenbrockSede de Deus. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 239



As fontes
Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal
E calma subirei até às fontes.
Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora
E na face incompleta do amor.
Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser
Fonte: Sophia de Mello Breyner AndresenPoemas escolhidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 42.




O Todo e as partes (Marco Lucchesi)
Reclama o Todo
as suas devidas
partes
faminto de pro
fundas harmonias
em fogo se transmuta
ácido espelho
e a parte
contra
o Todo
se dissolve
se consome
e se estilhaça
Fonte: Marco LucchesiSphera. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 115



E esqueceu-se de partir (Rûmî)
Teu amor chegou a meu coração e partiu feliz.
Depois retornou e se envolveu com o hábito do amor,
Mas retirou-se novamente.
Timidamente, eu lhe disse: “Permanece dois ou três dias!”
Então veio, assentou-se junto a mim e esqueceu-se de partir.
Fonte: F. Teixeira & V.Berkenbrock. Sede de Deus. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 26



Bênção irlandesa
Que o caminho seja brando
A teus pés,
O vento sopre leve
Em teus ombros.
Que o sol brilhe cálido
Sobre tua face,
As chuvas caiam serenas
Em teus campos.
E até que eu
De novo te veja,
Que Deus te guarde
Na palma de sua mão
Fonte: F. Teixeira & V.BerkenbrockSede de Deus. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 22



Oração do abandono (Charles de Foucauld)
Meu Pai,
Entrego-me a vós,
Fazei de mim o que for de vosso agrado.
O que quiserdes fazer de mim, eu vos agradeço.
Estou pronto para tudo, aceito tudo,
Desde que vossa vontade se realize em mim,
Em todas as vossas criaturas,
Não desejo outra coisa, meu Deus.
Deponho minha alma em vossas mãos,
Eu vo-la dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração,
Porque vos amo
E porque, para mim, é uma necessidade de amor dar-me
E entregar-me em vossas mãos, sem medida,
Com uma confiança infinita, pois sois meu Pai
Fonte: F. Teixeira & V.Berkenbrock. Sede de Deus. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 25-26



Como um selo em teu coração  (Ct 8,6-7)
Grava-me,
Como um selo em teu coração,
Como um selo em teu braço;
Pois o amor é forte, é como a morte!
Cruel como o abismo é a paixão;
Suas chamas são chamas de fogo
Uma faísca de Iahweh!
As águas das torrentes jamais poder\ao
Apagar o amor,
Nem os rios afogá-lo.




A plena luz matinal - Alcorão 93,1-5
Pela plena luz matinal!
E pela noite, quando serena!
Teu Senhor não te abandonou
nem te odiou.
E, em verdade, a Derradeira
Vida te é melhor que a primeira.
E, em verdade, teu Senhor
dar-te-ás graças, e disso
te agradarás.
Fonte: Alcorão 93,1-5


Come teu pão com alegria – Livro do Eclesiastes, 9,7-9
Anda, como teu pão com alegria,
e bebe contente teu vinho,
porque Deus se agrada de tuas obras.
Usa sempre vestes brancas,
e não falte o óleo perfumado sobre tua cabeça!
Goza a vida com a mulher que amas,
todos os dias da vida fugaz
que Deus te concede debaixo do sol,
todos os teus dias fugazes, como são!
Fonte: Livro do Eclesiastes, 9,7-9

Dois Amores - Râbi´a
Amo-te com dois amores:
Um amor apaixonado
E um amor digno de Ti.
O amor apaixonado
É não pensar senão em Ti,
Com exclusão de qualquer outro,
Mas o amor de que só Tu és digno
É que Tu te desvendes a mim
E que eu Te veja.
Nenhum louvor para mim,
Tanto num como noutro;
Mas a Ti todo o louvor,
Tanto num como noutro.
Fonte: F.Teixeira & V.BerkenbrockSede de Deus. Petrópolis: Vozes, 2020, p. 128.




Tu sempre estás comigo – Thomas Merton
Senhor meu Deus,
não tenho idéia de aonde estou indo.
Não vejo o caminho diante de mim.
Não posso saber com certeza onde terminará.
Na verdade, nem sequer, em verdade, me conheço.
E o fato de eu pensar que estou seguindo tua vontade,
não significa que o esteja.
Mas acredito
que o desejo de te agradar te agrada, de fato.
E espero ter esse desejo em tudo que estiver fazendo.
Espero jamais vir a fazer alguma coisa
distante desse desejo.
E sei que, se agir assim,
tu hás de me levar pelo caminho certo,
embora eu possa nada saber sobre o mesmo.
Portanto, hei de confiar sempre em ti,
ainda que eu possa parecer estar perdido
e sob a sombra da morte.
Não hei de temer,
pois tu sempre estás comigo,
e nunca hás de deixar
que eu enfrente meus perigos sozinho.
Fonte: Thomas Merton


O fogo no mundo – Teilhard de Chardin
“Pleno da seiva do Mundo,
Subo para o Espírito que me sorri
para além de toda conquista,
vestido com o esplendor concreto do Universo.
E eu não saberia dizer,
perdido no mistério da Carne divina,
qual é a mais radiosa
dessas duas bem-aventuranças:
ter encontrado o Verbo para dominar a Matéria,
ou possuir a Matéria para alcançar
e submeter-me à luz de Deus”
FonteHino do Universo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 29.



ORAÇÃO – Teilhard de Chardin

“Vós, cuja fronte é de neve,
os olhos de fogo,
os pés mais brilhantes que o ouro em fusão;
Vós, cujas mãos aprisionam as estrelas;
Vós, que sois o primeiro e o último,
o vivente, o morto e o ressuscitado;
Vós, que reunis em vossa exuberante unidade
todos os encantos,
todos os gostos,
todas as forças,
todos os estados
Sois Vós que o meu ser chamava
com um desejo tão vasto quanto o Universo:
Vós sois verdadeiramente
o meu Senhor e o meu Deus”.
Fonte: Hino do Universo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 37
Oração



DA PEREGRINAÇÃO – Rainer Maria Rilke
“Apaga-me os olhos: eu posso ver-te!
Fecha-me os ouvidos: eu posso ouvir-te!
E sem pés posso ir ao teu encontro
e mesmo sem boca eu posso chamar-te!
Arranca-me os braços, e eu te seguro
com o coração, como com minhas mãos.
Pára meu coração, e em mim o cérebro
há de pulsar; e se puseres fogo
Em meu cérebro, eu te trarei no sangue”.
Fonte: O livro de horas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1993,p. 101



Buscando a Deus – Teresa de Ávila
Alma, buscar-te-ás em Mim,
E a mim buscar-me-ás em ti.

De tal sorte pôde o amor,
Alma, em mim te retratar,
Que nenhum sábio pintor
Soubera com tal primor
Tua imagem estampar.

Foste por amor criada,
Bonita e formosa, e assim
Em meu coração pintada,
Se te perderes, amada,
Alma, buscar-te-ás em Mim.

Porque sei que te acharás
Em meu peito retratata,
Tão ao vivo debuxada,
Que, em te olhando, folgarás
Vendo-te tão bem pintada.

E se acaso não souberes
Em que lugar me escondi,
Não busques aqui e ali,
Mas, se me encontrar quiseres,
A Mim, buscar-me-ás em ti.

Sim, porque és meu aposento,
És minha casa e morada;
E assim chamo, no momento
Em que de teu pensamento
Encontro a porta cerrada.

Buscar-me em ti, não por fora…
Para me achares ali,
Chama-me, que, a qualquer hora,
A ti virei sem demora
E a mim buscar-me-ás em ti.

Fonte: Obras completas de Teresa de Jesus. 2 ed. Edições Carmelitanas/
Loyola: São Paulo, 2002, p. 979.




BEBER – Carlos Rodrigues Brandão
Vê essa concha? São tuas mãos.
Aperta os dedos com jeito,
mas que um pouco de água te escape.
Antes de tomar dá de beber
a um grão do pó do chão, a um inseto
a uma folha seca, a um galho de canela
a um mito de outros povos, a um duende
a um fio do vento, a um ar do sol
a uma criança e a um velho.
E depois bebe.
O que sobrou é a tua parte
Bebe.
(*)  Fonte: Carlos Rodrigues BrandãoOrar com o corpo. Campinas: Verus, 2005, p. 71.


NA CHAMA DA VELA! -  Goethe
“Quero louvar o Vivente
Que aspira à morte na chama
No frescor das noites de amor.
És tomada de sentimento estranho
Quando luze a labareda silenciosa.
Não ficas mais fechada
Na sombra tenebrosa
E um desejo novo te leva
Em direção a mais alto himeneu.
E enfim, amante da luz,
Te vemos, ó borboleta,
consumida.
Corres voando fascinada,
E tanto não compreendeste
Este: morre e transforma-te!
Que és apenas hóspede obscuro
Sobre a terra tenebrosa”
Goethe. Le divan. In: Gaston Bachelard. A chama de uma vela. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2002, p. 53.


O MACHADO E A VIDA -  Ichonang-Tseu
Na região de Chiang-Shih, no estado de Song, há lindas florestas de plátanos, amoreiras e  ciprestes.
Acontece que, quando atingem dois ou três palmos de altura,
algumas dessas árvores são cortadas para servir de poleiros;
das que medem quatro ou cinco palmos,
há algumas que são cortadas para fazer estacas,
e, das que chegam aos sete e oito palmos,
muitas são serradas para tábuas de caixões.
Assim, nenhuma destas chegou ao termo natural da sua vida,
nem pôde desfrutar, do alto do seu cume
a imagem do mundo para a qual tinham sido criada
e, ao meio do seu destino, caiu sob os golpes do machado.
Este é o perigo de ser útil…
Fonte: António Alçada BaptistaO riso de Deus. 2 ed. Lisboa. Editorial Presença, 1994, p. 170.



OS SEGREDOS DA SABEDORIA -  Livro da Sabedoria
A sabedoria é mais ágil  que qualquer movimento,
e, por sua pureza, tudo atravessa e penetra.
Ela é o sopro do poder de Deus,
uma emanação pura da glória do
Todo Poderoso.
Por isso, nada de impuro pode
introduzir-se nela:
ela é reflexo da luz eterna,
espelho sem mancha do poder de Deus
e imagem de sua bondade.
Sendo uma só, tudo pode;
sem nada mudar, tudo renova;
e comunicando-se às almas santas
através das gerações,
forma os amigos de Deus e os profetas.
Pois Deus ama tão somente
aquele que convive com a Sabedoria.
De fato, ela é mais bela que o sol
e supera todas as constelações.
Comparada à luz, ela é mais brilhante:
pois à luz sucede a noite,
ao passo que, contra a Sabedoria,
o mal não prevalece
Sabedoria 7,24-30


Meditações de Sören Kierkegaard
“Um Deus que quando mostra sua face
não faz    tremer o mundo,
não é Deus – é uma fantasia” (1)
“Pai celeste! Quando o pensamento
sobre ti se desperta em nossa alma,
faze que não desperte como pássaro
amedrontado e desorientado que esvoaça
aqui e ali, mas como o menino que
acorda com seu sorriso celeste” (2)
“De tua mão, ó Deus, queremos aceitar
tudo. Tu a estendes e derrubas os
poderosos em sua estultícia. Abre tua
doce mão, e tudo o que vive se enche de
bênção” (3)
“Um Deus que quando mostra sua face
não faz    tremer o mundo,
não é Deus – é uma fantasia” (1)


A PAIXÃO DO INFINITO -  Santo Anselmo
Ó beleza inacessível de Deus altíssimo,
ó resplendor puríssimo da eterna luz,
ó vida que toda vida vivifica,
ó luz que toda luz iluminas,
e em perpétuo esplendor
milhares de luzes conservas,
que desde a primeira aurora
fulguram ante o trono da Tua Divindade!
Ó eterno e inacessível, claro e doce manancial
da fonte oculta aos olhos mortais,
cuja profundidade é sem fundo;
cuja altura sem termo;
cuja amplitude incircunscritível;
cuja pureza imperturbável”.
FonteMarco LucchesiA paixão do infinito. Niterói: Cromos, 1994, p. 124 n. 1 (tradução de Luis de Bona).
a paixão do infinito


A necessidade da vitória – Chuang Tzu
Quando um arqueiro atira sem alvo nem mira
Está com toda a sua habilidade.
Se atira para ganhar uma fivela de metal
Já fica nervoso.
Se atira por um prêmio em ouro
Fica cego
Ou vê dois alvos -
Está louco!
Sua habilidade não mudou. Mas o prêmio
Cria nele divisões. Preocupa-se.
Pensa mais em ganhar
Do que em atirar -
E a necessidade de vencer
Esgota-lhe a força.
Chuang Tzu. In: Thomas Merton. A via de Chuang Tzu. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 139
 a necessidade da vitoria



Aberto a todas as formas - Ibn´Arabî
Meu coração está aberto a todas as formas:
é uma pastagem para as gazelas,
e um claustro para os monges cristãos,
um templo para os ídolos,
A Caaba do peregrino,
As Tábuas da Torá,
e o livro do Corão.
Professo a religião do amor,
em qualquer direção que avencem Seus camelos;
a religião do Amor
será minha religião e minha fé.
Autor: Ibn´Arabî




ORAÇÃO DO OLHAR AMOROSO – Nicolau de Cusa
“O teu olhar, Senhor, é a tua face.
Por isso, quem te olha com face amorosa
não encontrará senão a tua face
a olhá-lo amorosamente.
E com quanto mais amor se esforçar por te olhar,
tanto mais amor descobrirá na tua face.
Quem te olhar com ira
descobrirá igual expressão na tua face.
Quem te olhar com alegria
descobrirá a tua face também alegre
como o é a daquele que te olha”.
Fonte: “A visão de Deus“. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 150.

oração do olhar amoroso, pulika


Estar apaixonado – Ernesto Cardenal
A alegria de estar apaixonado
como a descreverei?
É não ter já um coração só,
aquela habitação desabitada,
agora ocupada por quem a gente ama.
É que quem era um, já são dois.
Aquela noite
Aquela noite na ilha de Vancouver
abri a janelinha do motel
e ao ver as estrelas
quase chorei.
Eram tantas essa noite
e me beijavas em todas elas.
Ernesto Cardenal. Telescopio en la noche oscura. Madrid: Trotta, 1993.
estar enamorado, pulika


A RELIGIÃO DO AMOR -  Ibn Arabi

“Meu coração tornou-se capaz de qualquer forma:
é um pasto para gazelas e um convento para os monges Cristãos,
um templo para os ídolos e a Caaba do peregrino,
as tábuas da Tora e o Alcorão.
Sigo a religião do Amor: para onde quer que sigam seus camelos,
o Amor é a minha religião e minha fé.”
a religião do amor


Peregrinação – Dai Eki
Procurando a primavera o dia todo,
não a encontrei.
Apoiando-me em meu bastão,
atravessei montanhas e montanhas,
e voltando para casa
segurei um galho de ameixeira.
Ali a encontrei: florescia em sua ponta

Dai Eki
poeta chinês do período Sung  (960-1279)
Shundo Aoyama RôshiPara uma pessoa bonita: contos de uma
mestra zen
. São Paulo: Palas Athena, 2002, p. 82.
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A flauta e o vento – Historinha Zen
Perguntaram ao mestre Ikyu ( * ):
-  Onde vai o senhor?
-  Vou onde toca o vento.
-  E quando não há vento?
Tirando sua flautinha do bolso,
o mestre respondeu:
-  Então eu faço o vento.
E saiu tocando a flauta.
 (*)   Ikyu foi um grande mestre do Zen Budismo japonês. Nasceu em 1384 e faleceu em 1481.
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O guardador de rebanhos 

trechos do poema de Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz.
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeio raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedra aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores,
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas (…)
Fernando PessoaObra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992, p. 209-210.
o guardador de rebanhos - pulika


SEDUÇÃO – Marco Lucchesi
Teu rosto
acende meus sonhos
de reparação
algo me atinge me confunde e me arrebata.
sedução





MEU AMADO, AS MONTANHAS – João da Cruz
os vales solitários nemorosos,
as ilhas mais estranhas,
os rios sonorosos,
o sibilar dos ares amorosos;
a noite sossegada,
nos raios suavíssimos da aurora,
a musica calada,
a solidão sonora,
a ceia que deleita e enamora.
Fonte: Cântico Espiritual
meu amado pulika






BELEZA INSERIDA – Poema Sufi
Aquela encantadora menina permanecia
em seu quarto nupcial:
Uma amada amável na sua solidão
Jogava sozinha o jogo do amor;
Bebia solitária o vinho da própria beleza.
Ninguém sabia nada sobre ela.
Nenhum espelho havia revelado o seu semblante.
Mas a beleza não sabe manter-se encoberta longamente.
A graça não suporta o grilhão do ocultamento:
Se lhe fechas a porta,
Mostrará seu rosto na janela.

Assim, ela armou sua tenda fora dos recintos sagrados,
Revelando-se na alma e em toda a Criação.
Em cada espelho manifestou a sua imagem,
E a sua história foi contada em todo lugar.
Fonte: Virgínia Del Re McWEENY. Persia mystica. Poeti sufi dell´età classica. Pisa: Edizioni ETS, 2004, pp. 80-81.
sufi-pulika





Vida no amor  -  Ernesto Cardenal
Deus nos envolve por todas as partes como a atmosfera. E como a atmosfera está cheia de ondas visuais e sonoras, mas nós não podemos vê-las nem ouvi-las, se não as sintonizamos pelos canais devidos, assim também estamos rodeados por todas as partes das ondas de Deus mas não podemos percebê-Lo, se não o sintonizamos pelos canais devidos.
Quem vive somente no mundo das percepções sensíveis não pode captar essas ondas de Deus. (…) 
Mas Deus está também infinitamente longe de nós. Estamos separados d´Ele pelo infinito. E a união com Deus é sempre como a de dois enamorados separados por um vidro, beijando-se através do vidro. Olhamos a Deus na escuridão. (…)
Mas também a presença de Deus é vaga, velada, e se vai fazendo mais vaga à medida que Deus mais se aproxima. 
FONTE: Ernesto CardenalVida no amor. Rio de Janeiro: Civlização Brasileira, 1979, p. 32 (a).

vida no amor - pulika


.
Só as montanhas

Antes que eu penetrasse o Zen,
as montanhas nada mais eram senão montanhas
e os rios nada a não ser rios.
Quando aderi ao Zen,
as montanhas não eram mais montanhas
nem os rios eram rios.
Mas, quando compreendi o Zen,
as montanhas eram só montanhas
e os rios, só rios

(Sentença Zen, in: T. MertonZen e as aves da rapina. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1972, p. 129).






Pombinhas de San Nicolás – Ernesto Cardenal

“Somos como essas duas pombinhas
de San Nicolás
que quando uma corre
a outra vai atrás
e quando esta é a que foge
aquela a segue
mas uma nunca se afasta da outra
sempre estão em parelha.
Quando Tu de mim te vais
eu sigo atrás de ti
E quando sou em quem me vou
Tu vais atrás.
Somos como essas duas pombinhas
De San Nicolas”.
Fonte: Cântico Cósmico. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 391























A Hora da União (RûmÎ)


Cada nascer do sol oram junto
muçulmanos, cristãos, judeus.
Abençoado todo aquele em cujo coração
ressoa o grito celeste que chama: Vem
Limpa bem teus ouvidos
e recebe nítida essa voz
- o som do céu chega como um sussurro.
Não manches teus olhos
com a face dos homens
- vê que chega o imperador da vida eterna.
Se se turvaram os olhos,
lava-os com lágrimas,
pois nelas encontrarás
a cura de teus males.
Acaba de chegar do Egito
uma caravana de açúcar
- já se ouvem os sinos e os passos cansados
Silêncio!
Eis que chega o Rei
para completar o poema.
FonteJala ud-Din RumiPoemas místicos. São Paulo: Attar, 1996, p.
a hora da união pulika


Deus me persegue -   Joshua Heschel
Deus me persegue em toda parte
Tecendo sua teia em torno de mim,
Brilhando sobre minhas costas/cegas como o Sol.
Deus me persegue como uma floresta densa,
E eu, totalmente maravilhado, sinto meus lábios emudecerem
Como uma criança vagando por um antigo santuário.
Deus me persegue em toda parte, como um tremor
O desejo em mim é por descanso; ele me convocando diz: vem!
Percebo visões vagando como mendigos pelas ruas!
Eu vou com meus devaneios
Como num corredor através do mundo,
Ãs vezes, vejo suspensa sobre mim a face sem face de Deus.
Deus me persegue nos bondes e nos cafés.
Oy, é somente com a parte de trás dos olhos que posso enxergar
Como os mistérios nascem, como as visões aparecem.
Fonte: Alexandre Leone. Imagem Divina e o Pó da Terra, Humanitas, 2002, SP, FFLCH, p.69 e 70.
 Deus me persegue - pulika



O HOMEM HUMANO – Adélia Prado
Se não fosse a esperança de que me aguardas
com a mesa posta
o que seria de mim eu não sei.
Sem o Teu Nome
a claridade do mundo não me hospeda,
é crua luz crestante sobre ais.
Eu necessito por detrás do sol
do calor que não se põe e tem gerado meus sonhos,
na mais fechada noite, fulgurante lâmpadas.
Porque acima e abaixo e ao redor do que existe permaneces,
eu repouso meu rosto nesta areia
contemplando as formigas, envelhecendo em paz
como envelhece o que é de amoroso dono.
O mar é tão pequenino diante do que eu choraria
se não fosses meu Pai.
Ó Deus, ainda assim não é sem temor que Te amo,
nem sem medo.
Fonte: In: Adélia PRADO. Terra de Santa Cruz. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986, p. 77.
o homem humano pulika


DOCEMENTE UM – João da Cruz (1)
Entrou enfim a Esposa
no horto mais ameno desejado,
e a seu sabor repousa,
o colo reclinado
junto aos braços mais doces do Amado. (…)
Nosso leito florido,
de covas de leões entrelaçado,
de púrpura tecido
de paz edificado,
de mil escudos de ouro coroado. (…)
E na adega interior
do Amado meu bebi; quando eu saía,
de tanto resplendor,
já nada mais sabia
e meu gado perdi, que antes seguia.
(1)  Cântico Espiritual. In: Juan de la Cruz. Pequena antologia amorosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000, pp. 29-30 – (tradução de Marco Lucchesi).
docemente um, pulika


NO FUNDO DO VALE PASSA UM RIO – Omar Khayyan
Quando a dor te abater
e quando já não mais tiveres lágrimas,
Lembra-te do verdor que se espalha
depois que a chuva se acaba.
Quando o brilho do dia te cansar
e ansiares pela noite,
Pensa no despertar de uma criança
e espanta a tua angústia.
Rubaiyat. Rio de Janeiro/Belo Horizonte: Garnier, 1999, p. 97.
no fundo do vale - pulika