Enlaçados no Mistério: o diálogo entre cristãos e muçulmanos
Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF
“Tu nos fizeste um contigo.
Tu nos ensinaste que quando
Estamos abertos uns aos outros
Tu moras em nós”
Thomas Merton
Introdução
Nada mais essencial hoje em dia do que retomar a perspectiva dialogal entre as religiões abraâmicas: judaísmo, cristianismo e islã. E sobretudo captar o “fundo comum”, o “ponto luminoso” que irmana estas três grandes tradições religiosas e traduz o centro nevrálgico da esfera essencial da unidade. O grande orientalista Louis Massignon (1883-1962), um dos mais destacados buscadores do diálogo, acentuou com sabedoria que na origem destas religiões semíticas existe uma “hospitalidade sagrada”, que é a hospitalidade de Abraão. Esta “referência normativa à fé de Abraão” provoca uma emulação recíproca, uma “misteriosa complementaridade” entre as três religiões abraâmicas[1]. Com respeito ao diálogo com o islã, foi significativo o influxo da reflexão de Massignon na afirmação de um “espírito” dialogal que animou o Vaticano II (1962-1965). O seu pensamento encontra guarida em texto clássico da Lumen Gentium 16, onde se reconhece a dimensão salvífica do islã e o vínculo de unidade entre cristãos e muçulmanos em torno da adoração ao Deus único e misericordioso. Há também a passagem de Nostra Aetate 3, onde se fala da estima cristã para com a religião dos muçulmanos, e se lança o convite para a prática de uma “mutua compreensão” entre as duas tradições. Foi semelhante disposição dialogal que animou João Paulo II em seu discurso aos jovens muçulmanos do Marrocos, em agosto de 1985. O acento vem dado não nas diferenças que separam as duas tradições religiosas, mas nas “muitas coisas” que as irmanam, tanto no campo religioso como da ação social. De modo muito particular, a mesma herança abraâmica, com seu “modelo de fé” e a crença “no mesmo Deus, o único Deus, o Deus vivente, o Deus que cria os mundos e leva suas criaturas à perfeição”[2].
O diálogo inter-religioso envolve abertura ao outro, reciprocidade, respeito e amizade. O espaço que existe para a sua realização depende do espaço que concedemos a ele. Como assinalou Raimon Panikkar, o diálogo inter-religioso requer “uma atitude de busca profunda, uma convicção de que estamos caminhando sobre um solo sagrado, de que arriscamos nossa vida”[3]. Para apostar nesta empreitada é preciso ter um espírito singular, e também ousadia para navegar em novas possibilidades. E há vários âmbitos de sua realização, como as ações conjuntas no campo social, as partilhas a nível da experiência religiosa e contemplativa, e as interlocuções teológica. Neste último caso, o diálogo envolve peritos ou especialistas seja para “confrontar, aprofundar e enriquecer os respectivos patrimônios religiosos, seja para aplicar os recursos, aí contidos, aos problemas que se põem à humanidade no decurso de sua história”[4]. O objetivo desse breve artigo é apontar algumas possibilidades abertas pela reflexão teológica cristã nos últimos anos que ajudam a favorecer um clima de abertura para o diálogo com a tradição islâmica. Trata-se, portanto de uma contribuição que se situa no âmbito do diálogo dos intercâmbios teológicos.
1. Em torno do mesmo Deus
Em discurso aos representantes da comunidade judaica de Roma, em abril de 1986, o papa João Paulo II falou sobre o patrimônio comum que une judeus e cristãos e sobre a “vocação irrevogável” de Israel. O discurso rompe com certa concepção vigente na tradição cristã, que fala em abrogação ou revogação da antiga aliança em razão da novidade da nova aliança. A perspectiva anunciada é agora outra, de uma aliança “jamais revogada”[5], o que implica uma perspectiva de diálogo inovadora. Em analogia ao que há de “irredutível” em Israel, pode-se também falar com pertinência numa “especificidade irredutível do ismaelitismo do islã”, bem como de um “irredutível das grandes tradições religiosas da humanidade”[6].
Sem desconhecer as peculiaridades que distinguem o cristianismo do islã, somos hoje desafiados a perceber as “emulações recíprocas” que unem estas duas tradições religiosas. Como bem acentuou Claude Geffré, “nós adoramos o mesmo Deus, mas segundo uma inteligência diferente de sua unidade”[7]. A razão da discórdia relaciona-se a dois pólos defendidos pela comunidade cristã: o mistério da encarnação e o mistério trinitário. A tradição islâmica insiste na unicidade de Deus e exclui qualquer possibilidade de associar a Deus outros deuses. A clássica sura 112 do Corão, sobre a unicidade de Deus é bem clara a respeito: “Dize, ele é Deus, Ele é Um. Deus de plenitude[8]. Jamais gerou ou foi gerado, e não há ninguém igual a ele”. Há no Corão uma fórmula diversas vezes repetida que nega toda divindade “aquém de Deus”: min dūn Allāh.
Apesar de recusar a filiação divina de Jesus, a tradição islâmica tem por ele uma grande afeição, respeito e devoção. Jesus (´Isā) vem nomeado em 14 suras do Corão[9]. Ele vem reconhecido como mensageiro de Deus (rasūl Allāh – C61,6), Palavra de Deus (kalima min Allāh – C3,39), Espírito de Deus (rūh min Allāh - C4, 171) e Servo de Deus ( ´abd Allāh - C 19,30). Na perspectiva da tradição mística islâmica, e em particular na visão de Ibn ´Arabī (1165-1240), Jesus é visto como o “selo da santidade”. Numa de suas obras mais clássicas, Fusūs al-Hikam (os engastes da sabedoria), escrita ao final de sua vida, Ibn ´Arabī insere Jesus no âmbito da profecia universal, selando “o ciclo interior, que é a santidade de toda a humanidade”[10]. De forma similar a um engaste de um anel, Jesus – grande mestre espiritual - traz consigo uma pedra preciosa: o “sopro do Todo Misericordioso”[11].
O livro do Corão traz consigo uma “cristologia de valor profético-teocêntrico”[12]. É uma cristologia singular, bem diferente da cristologia clássica cristã, com sua doutrina da encarnação e da pré-existência de Cristo, que serviu de base para as críticas tecidas pela cristandade ao islã, desde os tempos de João Damasceno (séc. VIII). Mas há que reconhecer, tendo em vista o diálogo islamo-cristão, o valor de profecia que acompanha a insistência do islã na unicidade de Deus. Trata-se de uma importante advertência, entendida como “um convite a não negligenciar a parte judaica do cristianismo primitivo e a criticar certas facilidades verbais sobre a divindade de Jesus que riscam comprometer a transcendência absoluta de Deus”[13]. Inúmeros teólogos católicos já nos chamaram a atenção para riscos muito comuns na reflexão cristológica, que decorrem de uma desconsideração da historicidade de Jesus, em particular o risco do docetismo e do monofisismo. Uma advertência diversas vezes reiterada por Karl Rahner, ao insistir na “máxima radicalidade” da humanidade de Jesus, vivida em autonomia e liberdade. Para ele esta humanidade de Jesus não pode ser vista como “forma fenomênica de Deus”, ou mera “roupagem revestida por Deus”. Quando isso ocorre, a seu ver, firma-se uma “compreensão mitológica do dogma cristológico”[14].
Os cristãos, provocados pela advertência do islã, são convocados a refletirem de forma mais aprofundada sobre a “permanência judaica dentro do cristianismo”, sobre a judaicidade de Jesus. Enquanto judeu devoto, Jesus “adere a um rígido monoteísmo”[15]. Em nenhum momento de sua trajetória histórica refere-se a si mesmo como Deus, ou Filho de Deus. O Deus a quem Jesus cultua e se dirige permanentemente é o mesmo Deus da tradição judaica, o Deus de Abraão, Isaac e Jacó (Mc 12,26)[16], o Deus confessado por Israel na Shema (Mc 12,29), que é também o Deus de Ismael. O decisivo para Jesus é o reino de Deus e o Deus do reino. E o evangelho, como mostra Xavier Léon-Dufour, “evita sempre a cristolatria, o culto a Jesus. Jesus não é nada senão em relação com o Pai, em relação incessante: ´do mesmo amor com que o Pai me amou, eu também vos amei`(Jo 15,9)”[17]. Jesus vive uma relação de íntima proximidade com Deus, mas sempre como alguém que nos reenvia “a um Deus invisível”[18], ao “olho da fonte” onde habita o princípio da abundante generosidade divina e que é movimento permanente[19].
Tendo em vista o diálogo islamo-cristão, alguns teólogos católicos têm buscado recuperar dimensões muitas vezes esquecidas ou abafadas da cristologia, em razão da preponderância das especulações helenísticas. Na visão de Hans Küng, por exemplo, torna-se necessário recuperar dados captados pela moderna pesquisa exegético-teológica, que enfatiza a continuidade entre o judaísmo e o cristianismo, e em particular a retomada da reflexão cristológica das primitivas comunidades judaico-cristãs. Estas comunidades foram rapidamente “ignoradas, desprezadas e consideradas heréticas pelos cristãos de proveniência pagã e de formação clássica”, como Inácio de Antioquia e Irineu de Lyon[20]. A cristologia presente nestas primeiras comunidades expressava a idéia de Jesus como Servidor de Deus[21]. Em semelhante direção vai a reflexão de Claude Geffré, que busca – motivado pelo diálogo com o islã - resgatar a “cristologia narrativa de Jesus Servo de Deus”, atestada em particular nos Atos dos Apóstolos, bem distinta da cristologia descendente de corte helenístico. Na linha desta cristologia funcional, que vem confirmada nas mais antigas confissões de fé, a filiação divina de Jesus vem concebida não como uma geração física ou metafísica, mas como uma entronização por parte de Deus. Jesus vem entronizado como “Filho de Deus no sentido do Antigo Testamento, como o rei de Israel foi estabelecido filho de Javé pela entronização. Da mesma maneira, o crucificado é estabelecido Filho de Deus pela ressurreição e exaltação”[22]. A tese de Geffré vem corroborada pela perspectiva da hermenêutica narrativa defendida por Joseph Moingt. Com base no relato dos evangelhos, este teólogo busca mostrar, por exemplo, como o mistério da encarnação não pode ser concebido como uma “descida” de Deus, mas como um evento de amor, mediante o qual Deus exalta Jesus, convidando-o a partilhar com ele uma relação singular de Filho a Pai[23].
Assim como o islã adverte o cristianismo quanto ao risco de uma concepção da divindade de Jesus que acabe comprometendo a transcendência absoluta de Deus, o mesmo ocorre com respeito ao modo de abordar a trindade. Neste caso, a atenção incide sobre a afirmação de um Deus sempre maior (Allāh akbar). E teólogos católicos também chamam a atenção para o risco de certas formulações cristãs sobre a trindade que podem recair num certo triteísmo problemático. Fala-se, então na trindade como “três modos de presença” de Deus (Rahner) ou de sua existência na história (Schillebeeckx). O acento recai na trindade econômica, que resguarda a afirmação do único e mesmo Deus em ação histórico-salvífica[24]. Em esclarecedor artigo sobre a unicidade e trindade de Deus no diálogo com o islã, Karl Rahner sublinhou que a utilização do discurso das três pessoas ou da trindade não é “incondicionalmente necessário para expressar aquilo que o cristianismo entende propriamente dizer com tal doutrina trinitária”[25]. É correto dizer que o islã acentua a grandeza de Deus, sua radical transcendência e incomparabilidade (tanzih); mas acentua igualmente sua proximidade do humano (tasbih). Diz o Corão que dele estamos mais próximos que sua veia jugular (C 50,16). Trata-se, portanto, de uma concepção de transcendência que envolve proximidade. Se, por um lado, há uma provocação do islã com respeito ao cristianismo, no sentido de manter acesa a transcendência e unicidade de Deus; há também uma provocação que vem do cristianismo, no sentido de ressaltar a presença da diferença no coração mesmo desta transcendência, ou seja, uma complexificação da “lógica filosófica do Absoluto”, de forma a poder compreender Deus como um “mistério de comunicação”, aberto e sensível ao sussurro do plural[26].
2. O caminho de uma cristologia narrativa
Talvez um dos caminhos mais frutíferos para o diálogo teológico do cristianismo com o islã vai na linha da recuperação do terreno de uma cristologia narrativa, que seja fiel ao testemunho evangélico, recentrando a reflexão sobre a história de Jesus. Um discurso sobre Jesus que permaneça enredado nas nuvens metafísicas da tradicional reflexão cristológica, acaba não tocando a sensibilidade de nossos contemporâneos. Há que retomar o caminho que parte da narração da história de Jesus, assim como fazem os evangelhos. É deste caminho que emerge o Jesus como doador de vida, o mensageiro de Deus, o anunciador do reino; de Jesus como mestre de sabedoria, guia espiritual, libertador, curador, amigo compassivo dos pobres e excluídos[27]. E os cristãos são convidados a viver, experimentar, amar e proclamar esse Jesus descoberto nos evangelhos de uma maneira que evite excluir a riqueza contida nas experiências religiosas partilhadas pelos amigos de outras tradições de fé[28].
Ainda que o papa Ratzinger venha insistindo sobre a importância da herança grega para a manutenção da razoabilidade da fé e levante questionamentos sobre as tentativas de deselenização do cristianismo que vêm ocorrendo desde o período da Reforma Protestante, no século XVI[29], há que assinalar a plausibilidade de “distintas percepções da mesma fé num diverso contexto”[30]. Não há porque manter a idéia de que a problemática cristológica definida em Calcedônia seja normativa e definitiva para todo o encaminhamento da cristologia. Não há dúvida que este concílio significou um importante esforço de inculturação da fé, com o recurso das categorias gregas, mas não significou a clausura do exercício de interpretação criadora do cristianismo. Como indica Jacques Dupuis, a cristologia do evangelho de João, e em particular de seu prólogo, não podem transformar-se
“em modelo absoluto e exclusivo, alijando por completo a cristologia anterior do querigma primitivo. Infelizmente (...) isso aconteceu com certa intensidade e com conseqüências perigosas e negativas na história da cristologia, após o Concílio de Calcedônia, ainda que em relação indireta com ele. Ultimamente, verifica-se o contrário: inúmeros tratados cristológicos promovem uma reação maciça ao monopólio secular e unilateral do padrão cristológico ´do alto`”[31].
Temos hoje que reconhecer a insuficiência da terminologia empregada em Calcedônia. São limites que foram apontados por teólogos como Paul Tillich, Jacques Dupuis, Claude Geffré[32] e Roger Haight. Para este último teólogo, “uma critica comum de Calcedônia é que sua doutrina, a exemplo do modo teológico de pensar que a gerou, abandonou Jesus em categorias metafísicas abstratas ou gerais de natureza, pessoa, substância e ser. Quando essa espécie de linguagem domina o tema, compromete um enfoque imaginativo de Jesus de Nazaré”[33]. E esse enfoque é essencial para o diálogo com o islã. Como assinalou Léon-Dufour, as fórmulas tradicionais não oferecem senão uma “abertura necessariamente limitada sobre a imensa paisagem. Alargar as janelas, mudar as angulações, não significa destruir a paisagem, mas ao contrário, é torná-la mais ampla e viva”[34].
3. Palavras de Deus diferentes
O diálogo inter-religioso é sempre uma “aventura corajosa”, pois nele somos desafiados a provocar nossa própria auto-compreensão instalada e apropriar-nos de outras possibilidades. O diálogo nos disponibiliza a levar a sério as posições do outro, a escutar suas razões e chegar mesmo a reconhecer que o que antes era simplesmente diferente ou estranho pode ser considerado possível[35]. Tomar de fato a sério o outro em sua alteridade significa aceitar uma rica provocação em favor de uma “melhor inteligência de nossa própria identidade”[36]. No caso do diálogo com o islã, somos estimulados a ampliar nossa “credibilidade disponível” para captar o valor de palavra de Deus do Corão e a singularidade da profecia de Muhammad[37]. O teólogo Jacques Dupuis chegou a propor uma teologia das escrituras não bíblicas, tendo em vista a presença e a ação universal do Espírito, por meio do qual Deus pronuncia palavras diferenciadas. Indicou a necessidade de alargar a própria noção de “palavra de Deus” com base no “contexto ´ampliado`do envolvimento pessoal de Deus com a humanidade”[38]. São reflexões que incidem no aprofundamento do próprio conceito de revelação, que em sua singularidade não exclui palavras de Deus diferentes[39].
Como mostrou com pertinência Claude Geffré, a Palavra de Deus em si é sempre inacessível, assim como a Presença Espiritual, livre das ambigüidades do tempo. Esta Palavra ganha sua objetivação nas Escrituras. Mas ao ser integrada nas efetivações da vida, no tempo e no espaço, torna-se sempre fragmentária. Daí a dificuldade de absolutizar qualquer letra do texto sagrado, como se fosse idêntico à Palavra de Deus. Há sempre uma distância que permite novas visadas e o trabalho criativo da interpretação[40]. Não há porque desconhecer o valor de palavra de Deus das “escrituras das nações”, incluindo aí o livro do Corão. São escrituras “inspiradas por Deus”[41]. Há uma complementaridade entre as escrituras bíblicas e não bíblicas, como mostrou Jacques Dupuis, e inclusive a possibilidade destas últimas ressaltarem “aspectos do mistério divino com maior evidência do que fazem a Bíblia, inclusive o Novo Testamento”[42]. O livro do Corão, entendido como uma “palavra de Deus diferente”, traz consigo uma interpelação substantiva para a “consciência de todos os filhos de Abraão”[43].
Conclusão
A teologia cristã do pluralismo religioso nos faculta perceber com clareza em nosso tempo que antes mesmo que os seres humanos se dispusessem a buscar Deus em seus trajetos históricos, foi Deus mesmo quem os procurou primeiro, traçando para eles vias singulares para celebrar as riquezas multiformes de seu mistério. Esse mesmo Deus, que tem como um de seus atributos a cortesia e a delicadeza (al Latīf), nos convida a ampliar o olhar para perceber sua presença envolvente em todo canto. Os cristãos e muçulmanos representam hoje cerca de 55% de toda população mundial. Há que tratar com respeito e estima os irmãos e amigos da tradição islâmica que hoje somam em âmbito mundial cerca de 1 bilhão e trezentos milhões de adeptos. Como assinalou o príncipe da Jordânia, El Hassan bin Talal, “o Ocidente deve tratar o islã com o respeito que se deve a um mundo religioso que conta entre seus seguidores uma pessoa sobre cinco”[44]. Ao falar para os jovens muçulmanos do Marrocos, em 1985, o papa João Paulo II indicou que os caminhos de Deus não coincidem exclusivamente com os nossos caminhos, pois eles transcendem e transbordam nossas inserções, sempre imperfeitas[45]. Devemos sempre estar atentos às inúmeras riquezas que o Deus misericordioso “escondeu na criação e na história”. É mediante o diálogo que Deus se faz presente entre nós, pois enquanto nos abrimos uns aos outros no diálogo, nos “abrimos também a Deus”[46]. Esta nova sensibilidade ao mistério que habita o mundo do outro não se firma sem uma indispensável atenção ao trabalho interior e místico. É o elemento místico que nos faz despertar para a profundidade do mistério, a superar a visão limitada, particular e conjuntural de nossa inserção identitária, de forma a poder abraçar o horizonte vivo e continuado da presença de Deus na história.
(Publicado na Revista Convergência, v. 42, n. 404, julho/agosto 2007, pp. 365-374 )
[1] Claude GEFFRÉ. La portée théologique du dialogue islamo-chrétien. Islamochristiana, n. 18, 1992, pp. 7 e 9 (texto reproduzido, com mudanças, no livro do mesmo autor: De babel à pentecôte. Essais de théologie interreligieuse. Paris: Cerf, 2006, pp. 167-186).
[2] GIOVANNI PAOLO II. Ai giovani musulmani del Maroco. In: PONTIFICIO Consiglio per il Dialogo Interreligioso. Il dialogo interreligioso nel magistero pontifício (Documenti 1963-1993). Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1994, p. 345. Esta crença no mesmo Deus vem também reconhecida pelo Corão, na sura 29,46.
[3] Raimon PANIKKAR. Religion (Dialogo Intrareligioso). In: Casiano FLORISTAN & Juan José TAMAYO (Eds). Conceptos fundamentales del cristianismo. Madrid: Trotta, 1993, p. 1149.
[4] SECRETARIADO para os Não-Cristãos. A Igreja e as outras religiões. Diálogo e Missão. São Paulo: Paulinas, 2001, n. 33.
[5] GIOVANNI PAOLO II. A rappresentanti della comunità ebraica di Roma. In: PONTIFICIO Consiglio per il Dialogo Interreligioso. Il dialogo interreligioso nel magistero pontifício, p. 395.
[6] Claude GEFFRÉ. La portée théologique du dialogue islamo-chrétien, p. 8; Id. O lugar das religiões no plano da salvação. In: Faustino TEIXEIRA (Org.). O diálogo inter-religioso como afirmação da vida. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 133.
[7] Claude GEFFRÉ. La portée théologique du dialogue islamo-chrétien, p. 16.
[8] A expressão samad possibilita muitas traduções. Optou-se aqui pela tradução do francês Jacques Berque: “plenitude”. Mas caberia também dizer “impenetrável”.
[9] Jesus vem mencionado nas suras 2 (C2,87.136,253); 3 (C3,39.45.52.55.59.84); 4 (C4,157.163.171); 5 (C5,17.46.72.75.78.110.111.112.114.116); 6 (C6,85); 9 (C9,31); 19 (C19,27.30.34); 21 (C21,91); 23 (C23,50); 33 (C33,7); 42 (C42,13); 43 (C43,57.63); 57 (C57,27); 61 (C61,6.14).
[10] Stephen HIRTENSTEIN. O compassivo ilimitado. A vida e o pensamento espiritual de Ibn ´Arabī. Rio de Janeiro: Fissus, 2006, p. 92.
[11] Ibn ´ARABĪ. Le livre des chatons des sagesses. Beyrouth: Al-Bouraq, s/d, pp. 401 e 425 (Tome second).
[12] Hans KÜNG. Islam. Passato, presente e futuro. Milano: Rizzoli, 2005, p. 582.
[13] Claude GEFFRÉ. De babel à pentecôte, p. 180; id. O Deus uno do islã e o monoteísmo trinitário. Concilium, v. 289, n. 1, 2001, p. 95; Robert CASPAR. O significado permanente do monoteísmo do islã. Concilium, v. 197, n. 1, 1985, p.79.
[14] Karl RAHNER. Corso fondamentale sulla fede. 3 ed. Roma: Paoline, 1978, pp. 295-295. Para Rahner, “a autoconsciência humana de Jesus estava diante de Deus em distância criatural, livre, obediente e adorante, como qualquer outra consciência humana”: ibidem, p. 323. Ver também: Jacques DUPUIS. Introduzione alla cristologia. 3 ed. Casale Monferrato: Piemme, 1996, pp. 115 e 141; Edward SCHILLEBEECKX. Umanità la storia di Dio. Brescia: Queriniana, 1992, p. 219.
[15] Hans KÜNG. Islam, p. 584.
[16] Wolfhart PANNEMBERG. Teologia sistemática 1. Brescia: Queriniana, 1990, p. 294. E ainda: Hans KÜNG. Ebraismo. Milano: BUR, 1995, p. 347; Roger HAIGHT. Jesus, símbolo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 141. E não há dificuldade do islã com esse Jesus histórico: “o ´Jesus da história`não se disse Deus, nem Filho de Deus: foi o servidor obediente de que fala o Corão e cuja mensagem admirável pode ser acolhida com fruto pelo muçulmano”: Robert CASPAR. O significado permanente do monoteísmo do islã, p. 80.
[17] Xavier LÉON-DUFOUR. Dio se lascia cercare. Bologna: EDB, 2006, p. 141. Esta tradução singular feita por Léon-Dufour visa acentuar a “novidade” da natureza do amor que Jesus recebe do Pai e que vai vincular os discípulos entre si. Esta relacionalidade constitutiva de Jesus para com o reino de Deus e o Deus do reino vem acentuada por Jon Sobrino: O Jesus libertador. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 75 (I – A história de Jesus de Nazaré).
[18] Edward SCHILLEBEECKX. Umanità la storia di Dio, p. 236. Para este autor, não é a cristologia que tem a última palavra, mas a mística: ao bem aventurado silêncio diante do inexprimível.
[19] Xavier LÉON-DUFOUR. Dio se lascia cercare, p. 100. O místico al-Hallāj, da tradição sufi, fala em “ponto luminoso”, entendido como “centro nevrálgico da esfera da unidade”: Stéphane RUSPOLI. Le message de Hallāj l´expatrié. Paris: Cerf, 2005, pp. 148 e 264.
[20] Hans KÜNG. Islam, p. 58. E declaradas heréticas por não se adequarem “aos desenvolvimentos da sempre mais elevada e complicada cristologia helenística – dos cristãos de proveniência pagã e de formação clássica”. É o caso da critica de Inácio de Antioquia, no ano de 110 e de Irineu de Lyon, entre os anos 180 a 185 (a critica ao ebionismo): Hans KÜNG. Cristianesimo. Essenza e storia. Milano: Rizzoli, 1997, p. 111.
[21] E esta imagem judaico-cristã de Jesus terá afinidade com a imagem corânica. Hans Küng aventa a hipótese do Corão refletir a profetologia ebionita das primeiras comunidades cristãs: Hans KÜNG. Cristianesimo, p. 115 e tb 116-119.
[22] Claude GEFFRÉ. Crer e interpretar. A virada hermenêutica da teologia. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 222; id. O Deus uno do islã e o monoteísmo trinitário, p. 97; Hans KÜNG. Islam, p. 598.
[23] Joseph MOINGT. L´homme qui venait de Dieu. Paris: Cerf, 1993, p. 699.
[24] Karl RAHNER. Corso fondamentale sulla fede, pp. 186-187 e Edward SCHILLEBEECKX. Sono un teologo felice. Bologna: EDB, 1993, pp. 58-60.
[25] Karl RAHNER. Dio e rivelazione. Roma: Paoline, 1981, p. 176 (Nuovi Saggi VII).
[26] Claude GEFFRÉ. La portée théologique du dialogue islamo-chrétien, p. 17; id. O Deus uno do islã e o monoteísmo trinitário, p. 98-99.
[27] Estas e outras imagens de Jesus, que brotam dos métodos narrativos, foram destacadas nas singulares proposições apresentadas no Sínodo da Ásia, em 1998. Cf. Ecclesia in Ásia. Sedoc, v. 32, n. 278, jan./fev. 2000, pp. 448-449.
[28] FABC. O que o Espírito diz às Igrejas. Sedoc, v. 33, n. 281, jul./ago. 2000, p. 46.
[29] BENTO XVI. Fé, razão e universidade: memórias e reflexões. Discurso do papa Bento XVI na Universidade de Ratisbona - setembro de 2006 (Edição pro manuscripto das paróquias da Baixa Chiado).
[30] Jacques DUPUIS. Il cristianesimo e le religioni. Brescia: Queriniana, 2001, p. 484.
[31] Jacques DUPUIS. Introduzione alla cristologia, p. 110 (a tradução foi tomada da edição brasileira: Introdução à cristologia. São Paulo: Loyola, 1999, p. 103).
[32] Claude GEFFRÉ. Crer e interpretar, p. 224; Jacques DUPUIS. Introduzione alla cristologia, pp. 157-158; Paul TILLICH. Teologia sistemática. 5 ed. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2005, pp. 429-432.
[33] Roger HAIGHT. Jesus, símbolo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 336.
[34] Xavier LÉON-DUFOUR. Dio se lascia cercare, p. 89.
[35] David TRACY. Pluralidad y ambigüedad. Madrid: Trotta, 1997, pp. 141 e 143.
[36] Claude GEFFRÉ. Le Coran, une parole de Dieu différent? Lumière et Vie, n. 163, 1983, p. 21.
[37] Como sublinhou Hans Küng, Muhammad tem um significado muito importante, e não só para os muçulmanos. Foi um profeta legítimo que suscitou “inspiração, coragem e força para um novo caminho religioso”. O mesmo respeito que o Vaticano II concedeu aos muçulmanos, deve ser também hoje concedido ao profeta Muhammad, que ajudou multidões a amar com sinceridade o único Deus misericordioso: Hans KÜNG. Islam, pp. 148 e 157-158.
[38] Jacques DUPUIS. Il cristianesimo e le religioni, p. 258.
[39] Trata-se do conceito de “revelação diferenciada” proposta por Geffré em seu artigo sobre o Corão e acolhida por Dupuis em sua reflexão sobre o pluralismo religioso: Claude GEFFRÉ. Le Coran..., p. 28-29 e Jacques DUPUIS. Il cristianesimo e le religioni, p. 259.
[40] Claude GEFFRÉ. Le Coran..., p. 23.
[41] Jacques DUPUIS. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 344. E neste particular, o autor distancia-se na visão da Comissão Teológica Internacional, que em seu documento sobre o cristianismo e as religiões reservou o qualificativo de inspirados aos escritos do Primeiro e Segundo Testamentos, considerados pela tradição católica como livros canônicos: COMISSÃO Teológica Internacional. O cristianismo e as religiões. São Paulo: Loyola, 1997, n. 92.
[42] Jacques DUPUIS. Il cristianesimo e le religioni, pp. 260-261.
[43] Claude GEFFRÉ. Le Coran..., p. 28.
[44] El Hassan bin TALAL & Alain ELKANN. Essere musulmano. Milano: Bompiani, 2001, p. 68.
[45] GIOVANNI PAOLO II. Ai giovani musulmani del Maroco. In: PONTIFICIO Consiglio per il Dialogo Interreligioso. Il dialogo interreligioso nel magistero pontifício, p. 348.
[46] GIOVANNI PAOLO II. A rappresentanti delle varie religini dell´India. In: PONTIFICIO Consiglio per il Dialogo Interreligioso. Il dialogo interreligioso nel magistero pontifício, p. 385.
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