Salvação, entre e além das religiões
Faustino Teixeira
PPCIR/UFJF
O tema da salvação provoca na sensibilidade contemporânea reticências e perplexidades. Trata-se de uma palavra que evoca algo de paradoxal. A idéia de salvação que nos chegou através da tradição cristã traz uma densidade negativa, relacionada ao pecado e ao medo[1]. A compreensão de salvação esteve sempre muito vinculada à religião, entendida como o lugar específico onde sua realidade acontece. Trata-se de uma visão curta, que foi incapaz de perceber que a história da salvação não se exaure na história das religiões. Como sublinhou com acerto Edward Schillebeeckx, “na teologia clássica, o que estava em primeiro plano era o conteúdo da consciência, não a realidade da salvação. A salvação vinha percebida como realidade atuada diretamente pela palavra de Deus e acolhida na fé, vinculada à pregação da igreja e testemunhada na práxis sacramental”[2]. O exemplo mais impressionante a respeito encontramos em Fulgêncio de Ruspe (467-532), bispo norte africano e discípulo de Agostinho. Em seu livro sobre a fé, defende uma rígida posição sobre a necessidade da igreja para a salvação, que terá incidência direta na bula Cantate Domine do Concílio de Florença (1442)[3]. Em sua reflexão antipelagiana, Fulgêncio de Ruspe aplica o tradicional axioma “fora da igreja não há salvação” não apenas a hereges e cismáticos, mas também aos pagãos e judeus. Todo aquele que estivesse desligado da igreja, mesmo que em vida se desdobrasse em esmolas ou ações de solidariedade em nome de Cristo, não receberia a salvação, mas “o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos”[4].
A tese defendida por Fulgêncio de Ruspe vai marcar o pensamento comum dos cristãos ao longo da Idade Média, e o início de sua alteração só começa a ocorrer com a descoberta do “Novo Mundo” (1492). É a partir desse momento que uma nova reflexão sobre a salvação se inicia, abalando a antiga e rígida concepção sobre o tema. Deixa-se de sustentar a tese incondicional da necessidade da fé em Jesus Cristo e a adesão à Igreja como requisitos absolutos para a salvação, e abre-se espaço para a consideração de uma “fé implícita”.
1. A recuperação do significado vasto de salvação
A retomada da positividade da salvação
A reflexão teológica contemporânea nos mostra com agudeza que “a salvação existe fora e independentemente de sua consciência”[5]. Em sua brilhante tese doutoral, Clodovis Boff assinalou que o tema da salvação toca o “real” da teologia, tendo uma valência universal. A seu ver, o cristianismo não pode ser identificado como o lugar da salvação, nem mesmo seu instrumento exclusivo. O que o cristianismo possibilita é uma ocular específica sobre a dinâmica da salvação que cobre toda a história. Sua contribuição se dá no âmbito da interpretação da salvação e não de sua realização. Nada mais problemático do que identificar a salvação com sua consciência (revelação, fé, igreja). Isto traz como conseqüência a impossibilidade de se perceber “a presença e a prática salvadora de Deus fora das práticas explicitamente cristãs, e a fortiori fora das práticas eclesiásticas”[6]. Na verdade, é na prática do amor que se decide a salvação.
Tarefa essencial da teologia hoje é recuperar a dimensão positiva da salvação. Como sinaliza Adolphe Gesché, em seu sentido primário, a salvação remete a uma idéia positiva, simbolizada por termos como salvus (forte, sólido, sadio) e salvar (libertar, remir, resgatar, preservar). A salvação diz respeito a uma aspiração universal dos seres humanos: “conduzir alguém a realizar o sentido de sua existência” e encontrar o seu destino[7]. Trata-se de uma aspiração que envolve o ser humano como um sopro, como um “impulso vital”, incentivando-o a realizar-se como sujeito e pessoa. A salvação diz respeito à feliz condução da própria vida, de uma vida sensata e bem sucedida.
Mudanças substantivas ocorridas no tempo atual impulsionaram uma nova perspectiva teológica com respeito ao tema da salvação. Perde plausibilidade a concepção tradicional que identificava a salvação com a “redenção das almas”. Há hoje um novo redimensionamento da relação entre o espiritual e o temporal, bem como uma consciência singular do valor da alteridade. Não se pode mais conceber a salvação como uma realidade alheia ao agir humano na história. É no exercício de sua ação histórica que o ser humano realiza sua própria humanidade, e isso não é estranho ao dinamismo salvífico. Como apontou com acerto Yves Congar, a salvação diz respeito à “integridade do homem total”, envolvendo e abraçando em seu projeto a história global[8].
A consciência da salvação em curso na história
Firma-se hoje com clareza a idéia de implicação mútua entre salvação e libertação. Este foi um tema pioneiro da teologia da libertação, tendo ultrapassado continentes e se firmado na reflexão contemporânea. Já dizia Karl Barth que “quem renega as coisas terrenas dos homens, renega as coisas celestes de Deus”[9]. A história da salvação envolve a dinâmica libertadora humana. As religiões e igrejas são portadoras da tematização e verbalização de uma salvação que acontece em todo lugar. Elas não podem ser identificadas com a salvação, mas exercem o singular papel de anamnesi, ou seja, de recordação viva da vontade salvífica universal de Deus na história dos humanos[10]. Na verdade, a história das religiões é apenas um segmento de uma história bem mais abrangente, que constitui o fundamento básico da realidade salvífica. É no mundo que a salvação vem realizada ou negada, daí ser correto dizer com Schillebeeckx que “extra mundum nulla salus” (fora do mundo não há salvação)[11]. Querer vincular a salvação de forma exclusiva às religiões e igrejas é desconhecer a base profunda sobre a qual ela se apóia: o mundo e a história dos seres humanos. Isto levou com freqüência “a uma concepção intelectualista, idealista, sacramentalista e neoplatônico-hierárquica do plano salvífico de Deus, e ao mesmo tempo a uma concepção unilateral da salvação na interioridade”[12].
A salvação-de-Deus não se reduz ao âmbito das religiões, e isto porque a inteira história da humanidade já se desenrola sob o sopro de um Deus que cria e liberta suas criaturas. A terra inteira encontra-se banhada pelo hálito divino, estando “cheia do amor de Iahweh” (Sl 33,5). Antes mesmo da fundação do mundo, a Sabedoria de Deus (seu Logos) já cintilava a sua delicadeza e cuidado pela morada humana[13]. A Trindade já habitava o mundo como em sua casa, proclamando silenciosamente as “coisas ocultas” (Mt 13,35). É essa delicadeza do perfume divino que anima a espiritualidade de crentes e não crentes[14], facultando o desenvolvimento de qualidades excepcionais do espírito humano, como o amor, a delicadeza, a simplicidade, a compaixão, a paciência, o cuidado e a harmonia.
2. As religiões e a questão da salvação
A Presença Espiritual nas religiões
Em iluminada reflexão desenvolvida no terceiro volume de sua teologia sistemática, Paul Tillich fala na manifestação da Presença Espiritual na humanidade histórica. A humanidade nunca se encontra “abandonada por Deus”, mas vive permanentemente sob o “impacto da Presença Espiritual”. É uma irrupção que se “manifesta em toda história”, com poder salvífico e transformador. Isto não significa, porém, que toda história expressa essa Presença Espiritual, uma vez que ela vem permeada de ambigüidades e contingências. Na medida em que se integra nas efetivações ambíguas da vida, a Presença Espiritual sofre os efeitos de uma refração. Integradas no tempo e no espaço, as religiões captam apenas alusões dessa Presença Espiritual. As religiões são “fragmentos” que filtram, a seu modo e diversamente, as energias que procedem ininterruptamente da Presença Espiritual universal[15].
Um desafio que se coloca hoje para as religiões é o de saber “olhar” e “escutar” a dinâmica da Presença Espiritual que reverbera nas distintas tradições religiosas. Assim como Prigogine nos convida ao exercício de “escuta poética” do Kosmo, em favor de uma “nova aliança” do ser humano com o mundo envolvente, entendido como sua morada - da domiciliação do ser humano no “frêmito da contingência” -, somos também convidados ao novo e instigador exercício de escuta e cortesia para com as outras tradições religiosas.
A centralidade do Real
As religiões, como mostrou Clifford Geertz, constituem “sistemas de símbolos”[16]. Os símbolos podem ser palavras, relatos, gestos, objetos, pessoas e ações. E o ritual é um “símbolo religioso unificado”. Podemos encontrar em determinadas sociedades graus extraordinários de “elaboração de formulações simbólicas da realidade final”, e em outras, formulações menos complexas. Os símbolos religiosos, como indica Michael Amaladoss, são “mediadores da transcendência”. Estes símbolos religiosos “aludem ao Transcendente ou Supremo, ou a algo que esteja para além do que se pode apreender pelos sentidos. De certo modo, eles não são conhecidos por si mesmos, mas pelo impacto que causam em nossa experiência. (...) É na experiência e através dela que alcançamos essas realidades espirituais”[17]. Há que reconhecer que mesmo através de ações simbólicas diferentes, comunidades religiosas distintas são capazes de comunicar significados semelhantes. Mas para se poder compreender os símbolos faz-se necessário uma aproximação da tradição histórica na qual eles vêm gestados. Os símbolos não transmitem um mero conhecimento, mas uma experiência efetiva. Não há como interpretá-los de modo autêntico senão aproximando-se dessa experiência. De forma sábia, o documento Diálogo e Anúncio, do Pontifício Conselho Para o Diálogo Inter-religioso, ponderou que “uma justa avaliação das outras tradições religiosas supõe normalmente um estreito contato com elas”[18].
Os símbolos, porém, não constituem representações totalizantes do Real. Eles apenas aludem ao Real, e de forma sempre fragmentária e contingencial. Os símbolos são verdadeiros, mas limitados. Eles “não são representações competentes da realidade. (...) A realidade em si é muito mais do que dela conseguimos captar através do símbolo”[19]. Uma categoria que vem sendo hoje utilizada na teologia do pluralismo religioso para expressar o núcleo de incidência da Presença Espiritual é o Real, entendido como a fonte e o fundamento de tudo. Trata-se de uma realidade inefável, que não pode ser apreendida ou esgotada por nenhum sistema de crença particular. O Real não pode ser descrito como ele é em si mesmo, mas somente como é pensado e experimentado em termos humanos. Do ponto de vista humano pode ser caracterizado como bom, benigno ou gracioso: como o fundamento de toda transformação humana que conduz do autocentramento ao recentramento no mistério envolvente[20].
A categoria Real mostra-se mais pertinente para a dinâmica inter-religiosa por sua peculiar densidade macroecumênica. É um termo recorrente nas tradições religiosas hindu, judaico-cristã e islâmica. Na linguagem sânscrita, da tradição hindu, fala-se em sat (puro ser). No livro do Êxodo fala-se em Iahweh como “aquele que é” (Ex 3, 14). Na tradição islâmica fala-se em al-Haqq (real, verdadeiro). O mistério maior não se encontra, portanto, distanciado do mundo, mas é a “pura Realidade e a fonte de tudo o que é real”[21]. Ou em outra forma de expressão, o Real é o enigma ou mistério que permeia toda realidade: ele palpita incessantemente no coração da realidade.
Para John Hick, a idéia de salvação está implicada na preocupação central que move as religiões mundiais, no sentido de uma substantiva transformação da dinâmica existencial voltada para o “centramento-na-Realidade”. As distintas expressões religiosas tornam-se, a seu ver, contextos de salvação/libertação na medida em que produzem mudanças efetivas nos seres humanos, que podem ser identificadas por seus frutos morais. Trata-se de uma transformação que “leva do autocentramento para um recentramento naquilo que, em nossa inadequada terminologia humana, chamamos Deus, ou Realidade Última, ou Transcendente, ou ainda Real”[22].
O Real está sempre-aí, embora não se possa atribuir a ele “qualidades intrínsecas”. Dele não se pode dizer que é pessoal ou impessoal, um ou muitos, pleno ou vazio, masculino ou feminino. Ele é em si inacessível, escapa a todo alcance cognitivo. O seu mistério vem aludido por místicos de tradições distintas: Gregório de Nissa (335-394) distingue Deus em sua essência de Deus em suas operações na história[23]; Mestre Eckhart diferencia o Deus em si mesmo do “Deus” nas criaturas[24]; Gregorio Palamas (1296-1359) fala de Deus em sua essência (ousia) e em sua atividade (energeia); a tradição advaita, no hinduísmo, distingue o Deus em si do Deus dos namarupa (nomes e formas)[25] e Ibn ´Arabi (1165-1240), na tradição sufi, destaca a divindade absoluta da divindade das convicções dogmáticas[26]. Há que concordar com Paul Tillich quando afirma que “o Deus acima de Deus é o objeto de todo anelo místico”[27].
O Real é como a luz do sol que vem apreendida pelas distintas tradições religiosas de forma diversificada; é como a luz incolor que se transforma nas inumeráveis cores por ação do olhar das pessoas em suas existências delimitadas. Ele se traduz como o ponto de arranque essencial para uma transformação humana. E isto verificamos nas diversas tradições religiosas. Embora há que considerar a ambigüidade que marca estas tradições, que podem, muitas vezes, contrariar a dinâmica descentradora suscitada pelo Real[28]. A pista efetiva para verificar este movimento positivo é a “fragrância de espiritualidade” que as religiões vão deixando em seu caminho, ou seja, os “frutos visíveis” do Espírito que acompanham a prática das religiões, na linha do que fala são Paulo na carta aos Gálatas: os frutos do amor, alegria, paz, benignidade, bondade, fidelidade (Gl 5,22).
O que traduz para Gandhi a verdade de uma religião é a sua “fragrância de espiritualidade”, o seu potencial de amor efetivo em favor dos outros e de afirmação da paz[29]. E esse é o critério fundamental estabelecido por Jesus para o “julgamento divino”: se o exercício da vida revelou realmente os frutos do Espírito. A salvação diz respeito a algo bem concreto: uma mudança que pode ser identificada por seus frutos morais. Como indica o evangelho de Mateus, os puros de coração “verão a Deus” (Mt 5,8). A dinâmica salvífica acontece nas religiões de forma misteriosa, pela ação gratuita do mistério maior. Os membros das outras tradições não precisam romper com sua identidade para viver o dom da acolhida. Eles se salvam “através da pratica daquilo que é bom nas suas próprias tradições religiosas, e seguindo os ditames de sua consciência”[30].
O caminho da profundidade
O novo paradigma do pluralismo religioso coloca no centro do debate a convocação à hospitalidade inter-religiosa. O diálogo entre as religiões vem hoje percebido como um “ato religioso”. O aprofundamento da experiência religiosa tornada possível em dada religião particular suscita interrogação e abertura para o mistério do Real que brilha também em outros lugares. Na medida em que se vive o mergulho na própria tradição, cresce a estupefação diante de um mistério que não pode ser apropriado. Como diz João da Cruz, quanto mais alto se ousa tanto mais se cala o entendimento. O aprofundamento suscita igualmente a consciência de que a experiência religiosa vivida não pode limitar-se à própria religião. O grande místico sufi, Ibn´Arabi dizia que o buscador verdadeiro deveria evitar fixar-se num “nó” religioso específico, pois um tal vínculo exclusivo poderia deixar escapar preciosos bens do mistério do Real.
A abertura ao outro desvela potencialidades únicas para acessar o mistério plural de Deus e as riquezas de sua sabedoria infinita. A hospitalidade é a porta de entrada e a oportunidade singular para “redescobrir Deus”. Esta redescoberta não se processa pela superfície mas pela profundidade, como bem mostrou Paul Ricoeur, com base na reflexão de Paul Tillich. A imagem da esfera é expressiva para mostrar esta nova dinâmica. Se as distâncias são maiores quando se toma por base a superfície do círculo, elas se encurtam quando a opção é feita em direção ao seu centro. Ou seja, é no aprofundamento do empenho, no enraizamento do compromisso, que se criam as condições essenciais para o encontro com o outro[31].
Esta pista da aproximação pela profundidade indica a importância da perspectiva mística para poder acessar o mistério que subjaz na dinâmica da pluralidade religiosa. Como sublinha Thomas Merton, o grande desafio da contemplação é despertar para a “infinita realidade que existe dentro de tudo o que é real”[32]. Isto foi muito bem captado por Paul Tillich ao longo de sua reflexão teológica, mas sobretudo depois de sua experiência solar realizada no Japão, em 1960. Ao refletir sobre o tema do encontro do cristianismo com as grandes tradições religiosas, na seqüência de sua desconcertante experiência no Oriente, Paul Tillich assinala que o cristianismo só será portador de uma resposta religiosa na medida em que conseguir “romper sua própria particularidade para a ultrapassar”. Ele diz que isto vai ocorrer mediante o caminho da profundidade, mediante a oração, o pensamento e a ação:
“Na profundidade de toda religião viva há um ponto onde a religião como tal perde sua importância e o horizonte para o qual ela se dirige provoca a quebra de sua particularidade, elevando-a à uma liberdade espiritual que possibilita um novo olhar sobre a presença do divino em todas as expressões do sentido último da vida humana”[33].
Igualmente Thomas Merton, em sua derradeira viagem à Ásia, fala da radicalidade que envolve o processo de “realização tradicional e interior”. A seu ver, o contemplativo verdadeiro é aquele que se mostra profundamente aberto à vida e às experiências novas. Alguém capaz de aprofundar e utilizar integralmente sua própria tradição, mas também de “ultrapassá-la”. Só assim poderá haver, na sua opinião, um terreno comum para o autêntico entendimento inter-religioso. Para Merton, uma tal experiência estaria reservada unicamente para aqueles que conseguem penetrar “com a máxima seriedade em sua própria tradição monástica”, mas também abrir-se “à tradição e à herança de experiências de outras comunidades”[34].
Onde palpita de forma mais viva a Presença Espiritual não há lugar para qualquer reivindicação de exclusividade ou absolutismo. A dinâmica espiritual e a liberdade que a define impedem qualquer reinvindicação de hybris totalitária. Os místicos de todas as tradições estão bem cientes disto. Um exemplo vivo encontramos nesta passagem de mestre Eckhart:
“Quanto mais a alma chega no fundo e no mais íntimo de seu ser, tanto mais a força divina nela se derrama plenamente e opera veladamente de maneira a revelar grandes obras e a alma tornar-se bem grande e elevada no amor de Deus, que se compara ao ouro límpido”[35].
Para finalizar, não há como desconhecer o efeito que acompanha a tomada de consciência do pluralismo religioso de princípio, ou seja, a secreta mirada capaz de perceber a riqueza da diversidade religiosa no misterioso desígnio de Deus. Como sublinha acertadamente o teólogo Claude Geffré, “a pluralidade dos caminhos que levam a Deus continua sendo um mistério que nos escapa”[36]. Esta nova e urgente consciência suscita o desafio de uma hermenêutica global da fé cristã, regida pela “arte da empatia”. Todos os fundamentais tratados de teologia são revolvidos e provocados ao exercício de ampliação do olhar. O pluralismo religioso não apenas resguarda a irredutibilidade do outro, mas também o senso do mistério e da transcendência de Deus.
publicado em:
Revista de Teologia e Ciências da Religião -. UNICAP
Ano VIII • n. 1, jan.jun 2009, pp. 137-149
[1] Ver a respeito: Jean DELUMEAU. Le péché et la peur. La culpabilisation en Occident. Paris: Fayard, 1983 (em especial o capítulo 9).
[2] Edward SCHILLEBEECKX. Umanità la storia di Dio. Brescia: Queriniana, 1992, p. 27.
[3] Trata-se de uma bula preparada por Eugênio IV onde se resume, em fórmula rígida, a doutrina tradicional sobre a necessidade da igreja para a salvação. Ver a respeito: Bernard SESBOÜÉ. Hors de l´Église pas de salut. Paris: Desclée de Brouwer, 2004, pp. 87-104.
[4] Fulgenzio di RUSPE. Le condizioni della penitenza. La fede. Roma: Città nuova editrice, 1986, pp. 170-171 e também p. 147 (A Pietro, sulla fede, 81-82 e 43).
[5] Clodovis BOFF. Teologia e prática. Petrópolis: Vozes, 1978, p. 179.
[6] Ibidem, p. 188.
[7] Adolphe GESCHÉ. Il destino. Cinisello Balsamo: San Paolo, 1998, p. 30.
[8] Yves CONGAR. Un popolo messianico. Brescia: Queriniana, 1976, pp. 121, 130-141.
[9] Apud Yves CONGAR. Un popolo messiânico, p. 158.
[10] Edward SCHILLEBEECKX. Umanità la storia di Dio, p. 29.
[11] Ibidem, p. 28.
[12] Ibidem, p. 28.
[13] Adolphe GESCHÉ. O cosmo. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 77.
[14] A espiritualiade não é uma propriedade exclusiva de quem é religioso. Ela pode ser desenvolvida em alto grau mesmo entre aqueles que não se reconhecem como religiosos. Em seu livro sobre “o espírito do ateísmo”, André Comte Sponville partilha a idéia de uma espiritualidade capaz de facultar a abertura ao mundo, aos outros e a ao todo. Uma espiritualidade capaz de abrir o sujeito para a “plenitude do real”: não um fechamento no âmbito egoico, mas um “habitar o universo”: L´ esprit de l´atheísme. Introduction à une spiritualitè sans Dieu. Paris: Albin Michel, 2006, p. 208.
[15] Paul TILLICH. Teologia sistemática. 5 ed. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2005, p. 594.
[16] Clifford GEERTZ. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989, p. 104.
[17] Michael AMALADOSS. Pela estrada da vida. São Paulo: Paulinas, 1996, pp. 27-28.
[18] PONTIFÍCIO Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Diálogo e Anúncio. Petrópolis: Vozes, 1991, n. 14.
[19] Michael AMALADOSS. Pela estrada da vida, p. 31.
[20] John HICK. Teologia cristã e pluralismo religioso. São Paulo: PPCIR / Attar, 2005, pp. 41 e 53-54; Raimon PANIKKAR. L´esperienza della vita. La mistica. Milano: Jaca Book, 2005, p. 59.
[21] Thomas MERTON. Novas sementes de contemplação. Rio de Janeiro: Fisus, 2001, p. 10.
[22] John HICK. Teologia cristã e pluralismo religioso, p. 41.
[23] Para Gregório de Nissa não há como falar de Deus em sua essência. Os diversos nomes que são aplicados à Divindade não passam de tentativas “precárias” de captar o agir de Deus na criação. O único acesso ao seu mistério é mediante o “perfume difuso” que ele deixa como rastro na história e nos seres humanos: Omelie sul cantico dei cantici. Roma: Città Nuova, 1996, pp. 52 e 85. Ver também: AAVV. Gregorio di Nissa dizionario. Roma: Città Nuova, 2007, pp. 410 e 413 (verbete sobre os nomes divinos).
[24] Mestre ECKHART. Sermões alemães. Bragança Paulista/Petrópolis: São Francisco/Vozes, 2006, p. 289 (Sermão 52). Trata-se da distinção entre Deus quoad se e Deus quoad nos, ou seja do Deus referido a si mesmo e do Deus referido às criaturas.
[25] Henri LE SAUX. Diario spirituale di un monaco cristiano-samnyasin hindu. Milano: Mondadori, 1986, p. 448.
[26] Ibn´ARABI. Le livre des chatons des sagesse. Tome second. Beyrouth: Al-Bouraq, p. 713.
[27] Paul TILLICH. A coragem de ser. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967, p. 135.
[28] As religiões não estão livres de ambigüidades. Elas podem mediar de forma verdadeira a Presença Espiritual, mas podem também agir em sentido contrário, em razão de sua situação historicamente limitada e contingencial. Elas podem suscitar generosidade, mas igualmente acionar violência necrófila. Ver a respeito: E.SCHILLEBEECKX. Religião e violência. Concilium, v. 272, 1997, p. 171; C.GEFFRÉ. Professión Théologien. Paris: Albin Michel, 1999, pp. 33-34; R. HAIGHT. Jesus símbolo de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 478.
[29] M.K.GANDHI. Gandhi e o cristianismo. São Paulo: Paulus, 1996, pp. 131-132.
[30] PONTIFÍCIO Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Diálogo e Anúncio, n. 29.
[31] Paul RICOEUR. Em torno ao político – Leituras I. São Paulo: Loyola, 1995, pp. 188-189; C.DUQUOC. L´unique Christ. Paris: Cerf, 2002, p. 125. É interessante verificar que para os místicos sufis, e em particular al-Hallaj, o “ponto luminoso” (nuqta), que é o centro nevrálgico da esfera da unidade, só pode ser captado quando se processa a evasão das formas visíveis ao olhar. Cf. Stéphane RUSPOLI. Le message de Hallâj l´expatrié. Paris: Cerf, 2005, pp. 148 e 264. Em sintonia com tal visão – herdada de Louis Massignon -, Thomas Merton vai falar em “ponto virgem”, entendido como “o centro do nosso nada onde, num aparente desespero, encontramos a Deus”: Reflexões de um espectador culpado. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 175.
[32] Thomas MERTON. Novas sementes de contemplação, p. 10. De forma análoga, o místico sufi, Rûmî (séc.XIII), fala num outro mundo que habita este mundo, e que é “impermeável às palavras”.
[33] Paul TILLICH. Le christianisme et les religions. Paris. Aubier1968, p. 173.
[34] Thomas MERTON. O diário da Ásia. Belo Horizonte: Vega, 1978, p. 248.
[35] Mestre ECKHART. Sermões alemães, p. 297 (Sermão 54 a)
[36] Claude GEFFRÉ. A crise da identidade cristã na era do pluralismo religioso. Concilium, v. 311, n. 3, 2005, p. 21.
Boa noite, professor!!
ResponderExcluirEu sei que faz um tempão que você postou essa reflexão, mas eu queria que soubesse que é tão bom descobrir que às 1h da manhã pude começar a refletir sozinha sobre esse pensamento e achei alguém que esclareceu e deixou-me ainda mais convicta da minha visão sobre esse assunto ❤
Obrigada ❤