terça-feira, 13 de abril de 2010

O Concílio Vaticano II e as religiões

O CONCÍLIO VATICANO  II E O DIÁLOGO INTER RELIGIOSO

 

Faustino Teixeira

PPCIR-UFJF

 

O Concílio Vaticano II (1962-1965) representa um dos eventos mais importantes na dinâmica do cristianismo contemporâneo. Trata-se de um acontecimento pioneiro e de originalidade única, que provocou “a mais vasta operação de reforma” realizada no âmbito da igreja católica romana[1]. Ao contrário de concílios anteriores, envolvidos por dinâmica apologética e de controvérsia doutrinal, o Vaticano II move-se por preocupação eminentemente pastoral. O discurso de João XXIII, por ocasião da abertura do Vaticano II, marca uma mudança de perspectiva decisiva. O fundamental agora não era mais a luta contra o erro e o uso da severidade, que pontuaram o catolicismo romano no período anterior, mas a “medicina da misericórdia”, a busca de “aggiornamento[2].

 

1. Um Clima de abertura e Diálogo

 

Esta sensibilidade de abertura foi essencial para a instauração de um clima de diálogo não só com o mundo moderno, mas também de retomada das instâncias ecumênica e  inter-religiosa. A igreja católica estava agora envolvida por uma nova solicitação, marcada pela tônica da busca e o imperativo da comunhão. A renovação profética exigia a superação de posicionamentos cerrados, de certezas dogmáticas, de insulamentos surdos aos apelos da alteridade. Instaurava-se com o concílio as premissas em favor da “superação do eclesiocentrismo” e de “relativização da eclesiologia”[3]. A igreja católica se reconhece agora como “mistério”, distinta do horizonte mais amplo do Reino de Deus e fiel servidora de seus valores na história.

 

Esta convocação à abertura presente no evento conciliar não aconteceu sem dificuldades, tensões, embaraços e resistências. Já a decisão de João XXIII de anunciar a convocação do concílio em janeiro de 1959 causara vivo mal-estar. Tratava-se de um “ato inesperado, imprevisto e surpreendente para quase todos os ambientes, tomados que estavam pelo clima de ´guerra fria´ e acomodados na aceitação de um catolicismo imóvel nas suas certezas”[4]. Em ato de grande alcance histórico, João XXIII manifesta sua intenção em favor de um “concílio novo”, realizado em horizonte de liberdade, e não uma mera continuação do Vaticano I. As intenções pastoral e ecumênica estavam já presentes na sua proposta de  “dar um salto para frente” e “dilatar os espaços da caridade” até os confins da humanidade.[5]

 

Nem todos, porém, partilhavam do mesmo sonho. Havia na cúria romana uma “alergia institucional” e uma resistência significativa à proposta e aos caminhos do concílio[6]. Pesava igualmente em certos ambientes acadêmicos de Roma  uma situação de dificuldade e suspeição,   fruto do clima de censura da Humani generis ( Pio XII - 1950) ainda reinante. Todos os 72 esquemas preparatórios do concílio traduziam o estrito controle da cúria romana e da teologia romana, já que realizados pelos peritos e teólogos dos dicastérios e universidades romanas. A linha geral de reflexão traduzia o espírito de continuidade das condenações anteriores.[7] A sequência da dinâmica conciliar rompe com esta tendência, apesar da resistência permanente da minoria conciliar, e instaura um novo clima: abre espaço para a voz teológica anteriormente reprimida e acolhe o vigor pastoral dos bispos vindos a Roma, muitos dos quais manifestavam perspectivas distintas dos caminhos curiais[8].

 

É neste complexo contexto da dinâmica conciliar, marcado pela tensão entre o desejo de renovação e a resistência de setores da minoria contra a mesma que deve ser situada a questão do posicionamento do concílio com respeito às demais tradições religiosas e aos caminhos do diálogo inter-religioso.

 

2. A questão das religiões e do diálogo inter-religioso

 

As grandes mudanças ocorridas no âmbito da igreja católica romana nunca  aconteceram de cima para baixo, mas foram sempre precedidas de movimentos que a partir da base foram se afirmando e sendo reconhecidos e acolhidos. Assim também aconteceu com o concílio Vaticano II, que soube catalizar e legitimar inovações teológicas, litúrgicas e pastorais que já estavam em andamento na igreja. Mas foi sobretudo um “começo de renovação”, um ponto de partida e não de chegada para novas e ricas elaborações doutrinais, abertas ao desafio hermenêutico. Esta nova sensibilidade pode ser percebida no âmbito do desafio ecumênico e da abertura às religiões. Movido pelo intento pastoral, o concílio propicia um clima de estima e diálogo, favorável à recíproca compreensão entre as diversas religiões.

 

A propósito do tema das religiões, o contexto teológico católico do período refletia de forma dominante uma perspectiva particular de abordagem que considerava o cristianismo como ponto culminante, de remate, dos valores positivos presentes nas outras tradições religiosas. Trata-se do que se convencionou chamar de teologia do cumprimento ou do acabamento. Há um reconhecimento positivo das demais religiões, que deixam de ser consideradas, como antes, obstáculos a vencer, mas no plano da pedagogia divina devem ser situadas como preparação ao Evangelho. Nesta perspectiva, só o cristianismo poderia ser considerado a única e verdadeira religião revelada. Alguns dos importantes teólogos que atuaram como peritos no Vaticano II partilhavam claramente, com diferentes matizes, desta perspectiva, entre os quais Jean Daniélou, Henri de Lubac e Yves Congar[9]. Há que registrar, por exemplo, o empenho particular de Henri de Lubac enquanto consultor do Secretariado para as religiões não cristãs e do Secretariado  para os não crentes[10] de resistência contra as teses favoráveis ao reconhecimento do valor salvífico das outras religiões. Em importante obra sobre o pensamento de Henri de Lubac, a teóloga Ilaria Morali reconstitui a posição de De Lubac sobre o tema e traz à tona o importante conteúdo de uma carta escrita pelo autor a Jean Daniélou em julho de 1965 onde confirma sua “luta” particular contra as pressões presentes em reunião do Secretariado para os não cristãos em favor do valor salvífico das diversas religiões como tais. Segundo Ilaria Morali, ao adotar o tema da “praeparatio evangelica” o concílio define ainda que de forma implícita uma posição que exclui a tese do valor salvífico das outras religiões, acolhendo a visão de Henri de Lubac, que nos anos anteriores ao concílio trabalhou em favor da “fixação dos motivos teológicos que estão na base desta doutrina”[11].

 

Em relação aos outros temas trabalhados pelo concílio, a questão das  religiões estava ainda em estado embrionário na reflexão teológica,  marcada sobretudo pela temática da salvação dos “infiéis”. Alguns teólogos mais abertos já vislumbravam perspectivas alternativas, mas o pensamento dominante era mais cauteloso, mesmo entre os teólogos considerados avançados e que atuavam como peritos no concílio. No âmbito, porém, da cúria romana e da teologia romana a visão era bem mais restritiva, e isto refletiu nos esquemas preparatórios do concílio, elaborados sob o controle da primeira. Tais esquemas decepcionaram pelo fechamento e restrição aos questionamentos ecumênicos, como expressou Congar em seu diário do concílio[12]. Durante todas as sessões do concílio, as resistências da minoria estarão presentes, dificultando ou bloqueando os avanços na reflexão de abertura ecumênica e inter-religiosa.

 

Ao sinalizar a visão mais geral do concílio sobre o tema das religiões, e antes de entrar na análise um pouco mais detalhada de alguns documentos, há que sublinhar que o intento geral do Vaticano II foi pastoral, traduzindo uma visão mais aberta sobre o mundo e mais  otimista com respeito à dinâmica de salvação. Sob esta sintonia pastoral, a preocupação do concílio  não era tanto doutrinal, mas de promover uma mudança de perspectiva com respeito às religiões, no sentido de uma “recíproca compreensão, estima, diálogo e cooperação”[13]. Pela primeira vez na história dos concílios verifica-se uma perspectiva positiva da igreja católica romana com respeito às religiões, ainda que os procedimentos adotados estivessem resguardados por cuidadosa cautela.

 

Com respeito à questão da salvação individual, o concílio inaugura um posicionamento de singular abertura, revelando uma novidade com respeito ao passado. Não se fala mais em possibilidade de salvação, mas afirma-se sua realidade em virtude da presença operativa universal do Espírito, que atua no coração de todo ser humano de boa vontade (GS 22). Como expressou muito bem Karl Rahner, a propósito desta passagem da Gaudium et Spes,  não seria possível encontrar no século anterior teólogos católicos capazes de tamanha ousadia[14]. Mas o traço talvez mais inovador foi o reconhecimento nos documentos do concílio da positividade de elementos das outras tradições religiosas, como se verá mais adiante[15]. Diante da estreiteza de horizontes do eclesiocentrismo dominante no período, o Vaticano II inaugura um novo momento de abertura e de reconhecimento da positividade das religiões, mas evitou de forma deliberada um juízo teológico positivo sobre o pluralismo religioso[16]. O que ocorre em realidade é o reconhecimento do pluralismo religioso “de fato”, mas não “de direito”. Apenas aflorava, na ocasião, a tomada de consciência de que “a ´esfera espiritual´ da humanidade  não é totalmente ocupada pela igreja e que existem também as outras religiões” em sua irredutível identidade[17].

 

Um dado que complexifica bastante a reflexão do concílio sobre o tema das religiões é a dinâmica de compromisso entre perspectivas teológicas distintas que vigora em muitos dos textos aprovados. Há casos de acréscimo de passagens ou parágrafos que tensionam com a linha geral do documento, bem como de acréscimos de “advérbios, preposições, adjetivos e substantivos que pontualmente reduzem o alcance das afirmações positivas”[18]. Tais mudanças ocorreram normalmente por pressão da minoria conciliar, que ao longo de todas as sessões do concílio reagira de forma viva contra as posições mais abertas sobre o tema das religiões, da missão e da liberdade religiosa. Esta questão está associada de modo particular a uma preocupação prioritária de Paulo VI em buscar sempre o máximo de consenso na aprovação dos documentos conciliares. Sua intenção era alcançar sempre que possível a unanimidade nas votações, ainda que a preço de redução da clareza ou coerência dos textos aprovados[19].

 

3. Análise dos textos

 

O tema das outras tradições religiosas está presente de forma explícita em dez documentos do concílio, com cerca de 34 referências. O maior número de recorrências ocorre nos Decretos sobre a atividade missionária da igreja (Ad Gentes)) e do apostolado dos leigos (Apostolicam Actuositatem), bem como na totalidade da Declaração sobre as relações da igreja com as religiões não cristãs (Nostra Aetate). Há igualmente passagens importantes sobre o tema, direta ou indiretamente, na Constituição dogmática sobre a igreja (Lumen Gentium), na Constituição pastoral sobre a igreja no mundo de hoje (Gaudium et Spes) e na Declaração sobre a liberdade religiosa (Dignitatis Humanae)[20].  Verifica-se na análise de muitas referências às religiões uma tendência a definí-las ainda com locuções negativas: “religiões não cristãs”, “não batizados”, “aqueles que não acolheram o Evangelho”, “culturas não cristãs” etc. Isto pode ser verificado inclusive no título da Declaração específica do concílio sobre o tema[21]. Não há a intenção aqui de proceder uma análise extensiva sobre todas as passagens sobre o tema, mas em particular aquelas mais significativas para a questão do diálogo inter-religioso[22].

 

Na Lumen Gentium, o tema estará presente nos números 16 e 17. Os membros das outras tradições vêm definidos aqui como “os que ainda não receberam o Evangelho”, estando, assim, “ordenados ao povo de Deus” (LG 16). Há na LG um cuidado em acentuar a gradualidade da pertença à igreja: os fiéis católicos são a ela incorporados plenamente; os cristãos não católicos gozam de “certa união” verdadeira no Espírito Santo[23]; os não cristãos estão “ordenados” ao povo de Deus[24]. Toda a reflexão vem presidida pela idéia central de que somente a igreja católica possui a plenitude dos meios de salvação, enquanto “sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano” (LG 1). Há na LG 16 uma decisiva preocupação eclesiológica, mas ao definir a igreja como sacramento abre-se espaço para a ação invisível da graça, que supera as fronteiras visíveis da igreja. Privilegia-se o otimismo da vontade salvífica universal de Deus. Retomando o tema da “ignorância invencível”[25], a LG 16 afirma que aqueles que “buscam a Deus com o coração sincero”, mesmo ignorando sem culpa o Evangelho, podem sob o influxo da graça “conseguir a salvação eterna”. Não há aqui a intenção de um juízo teológico sobre as religiões, mas de abordar a questão da salvação dos singulares fiéis que “sem culpa ainda não chegaram ao conhecimento expresso de Deus e se esforçam, não sem a divina graça, por levar uma vida reta”[26]. É nítida a proximidade com a linha de reflexão da teologia do acabamento, em particular com o pensamento de Congar[27] e Henri de Lubac. Predomina a idéia da “busca” de Deus, da ausência de um “conhecimento expresso de Deus”. Segundo a LG, o que existe nas outras religiões é uma “preparação evangélica”. Não se desconhece o que há de bom nos corações, mentes e mesmo ritos e culturas dos povos, mas cabe à igreja sanar, elevar e aperfeiçoar tudo isto em favor da glória de Deus (LG 17). Tal reconhecimento não pode, porém, segundo a LG, minimizar a índole missionária da igreja. Como horizonte do desejo da igreja está a entrada da  “plenitude do mundo” no “grêmio do Povo de Deus” (LG 17).

 

A mesma idéia de “preparação evangélica”, ou de “pedagogia para o Deus verdadeiro” aparece na Ad Gentes, no momento em que se aborda o plano salvífico universal de Deus (AG 3). O Decreto reconhece que mesmo antes da glorificação de Cristo, acontecia a operação do Espírito Santo (AG 4) e que uma “secreta presença de Deus” habitava as nações. Há no documento um reconhecimento das ocultas  “sementes do Verbo” e das inúmeras “riquezas” prodigalizadas aos povos pelo Deus munificiente (AG 11).  Este plano realiza-se não somente no interior secreto dos seres humanos, mas igualmente no dado objetivo das iniciativas religiosas (incepta, etiam religiosa) (AG 3), nos “ritos e culturas dos povos” (AG 9)[28]. O documento reconhece aqui um dado de extrema importância, e que ultrapassa a visão dominante anterior de “religião natural”. Admite-se a presença de “verdade”e “graça” nas religiões[29]. Mas tudo isso deve ser “sanado, elevado e consumado” pela atividade missionária, que “tende à plenitude escatológica” (AG 9).

Importantes elementos para a a avaliação positivas das outras tradições religiosas serão encontrados na Gaudium et Spes. Marcada pela perspectiva de abertura ao mundo e aos outros, esta Constituição pastoral revela um olhar marcadamente otimista. Sintonizada com a dinâmica dialogal, a GS reconhece nas outras tradições “preciosos elementos religiosos e humanos” (GS 92). Na célebre passagem da GS 22, já assinalada anteriormente, revela-se a nova perspectiva alcançada pelo concílio, tão bem resumida pelo teólogo Jacques Dupuis:

 

a.    Que a vontade salvífica universal não é uma simples possibilidade teórica, mas uma realidade concreta, agindo nas pessoas;

b.    Que Jesus Cristo e seu mistério pascal constitui a possibilidade concreta de salvação para mulheres e homens de boa vontade;

c.    Que esta salvação os atinge pela ação universal do Espírito Santo;

d.    Que a maneira como essa salvação ocorre fora da igreja permanece misteriosa[30].

 

A perspectiva do concílio é nitidamente cristocêntrica. Mesmo reconhecendo e valorizando os elementos de santidade e verdade presentes nas religiões, deixa em aberto o modo como o mistério salvador de Jesus Cristo atua nos participantes das outras religiões, mediante a ação do Espírito. Segundo o concílio, as religiões “não podem ser consideradas canais de salvação para seus membros fora de uma referência ao mistério de Jesus Cristo, sem o qual não há salvação”[31]. Para Claude Geffré, o sugestivo texto da GS 22 constitui importante ponto de apoio para a consideração do valor do pluralismo religioso no desígnio misterioso de Deus. Após afirmar que o Espírito Santo oferece a todos a possibilidade de participar do mistério pascal, acrescenta ao final que este modo é conhecido unicamente por Deus (modo Deo cognitio)[32]. Permanece, assim, resguardado o mistério e o enigma das riquezas escondidas por Ele na criação e na história.

 

A questão do diálogo aparece viva na Gaudium et Spes, em sintonia com toda a dinâmica conciliar de abertura ao mundo. Trata-se de um desejo ardente de “prestar serviço aos homens do mundo de hoje, com generosidade sempre maior e mais eficaz”. Nesta tarefa a igreja se vê acompanhada não só pelos irmãos cristãos mas por todos aqueles “que amam e praticam a justiça” (GS 93). A relação e o diálogo com os outros em favor do crescimento e afirmação da comunidade humana aparece como central na GS, ou seja, a busca de um “diálogo fraterno” que se aperfeiçoa em profundidade “na comunidade de pessoas, e que exige uma reverência mútua para com sua plena dignidade espiritual” (GS 23). O espírito do diálogo deve começar “no seio da própria Igreja”, mediante a estima mútua, o respeito e o reconhecimento do valor da diversidade. E daí se extender para os fiéis das comunidades cristãs não católico romanas e a “todos que admitem Deus”. Um “diálogo aberto” que propicie o acolhimento dos “impulsos do Espírito e a a cumpri-los com entusiasmo” (GS 92).

 

Ainda que de forma indireta, um outro importante documento conciliar para o tema da relação do cristianismo com as outras religiões é a Declaração Dignitatis Humanae, sobre a liberdade religiosa. Esta Declaração forneceu uma “cognição importantíssima” para o horizonte da consciência católico-romana, tendo contribuído de forma decisiva para a mudança de atitude com respeito às outras tradições religiosas. Na visão de Alberigo, trata-se de “um dos documentos conciliares mais significativos e ao mesmo tempo um documento decisivo para a história da humanidade”[33]. Ele representa “a revisão decisiva de uma perniciosa teoria dos direitos exclusivos da verdade que serviu para justificar séculos de intolerância”[34].  Os princípios presentes nesta Declaração constituem um pressuposto essencial e estruturante para a dinâmica ecumênica e inter-religiosa levada a efeito pela igreja católica romana nos anos posteriores. 

 

O Vaticano II, com a Declaração sobre a liberdade religiosa, busca superar a visão tradicional do magistério eclesiástico que até Leão XIII “havia globalmente condenado as liberdades modernas, impregnadas de ideologia individualista e indiferentismo religioso”[35]. No século XIX, a encíclica Mirari vos (1832), de Gregório XVI, havia condenado o indiferentismo, considerado como fonte do “delírio” da liberdade de consciência (DH 2730). Em linha de continuidade com esta visão negativa, Pio IX, na encíclica Quanta cura e no catálogo anexo das 80 proposições declaradas inaceitáveis, intulado Syllabus (1864) mantém a mesma visão crítica do indiferentismo e de rejeição dos valores modernos. Na proposição 15 do Syllabus condena-se a afirmação de que todo ser humano é livre para abraçar e professar a religião escolhida à luz da razão e por ele considerada verdadeira (DH 2915). As mudanças vão lentamente ocorrendo  sobretudo após o pontificado de Pio XII, quando começa a ser afirmado em âmbito católico romano o direito pessoal à liberdade de religião. Um símbolo para esta mudança foi a encíclica Pacem in terris de João XXIII, publicada em 1963 entre a primeira e a segunda sessão do Vaticano II[36]. 

 

Em razão da novidade da reflexão e das pressões em favor da manutenção do pensamento mais tradicional, a discussão  do documento sobre a liberdade religiosa foi das mais calorosas no concílio. Talvez tenha sido o documento conciliar mais discutido e que sofreu o maior número de transformações, passando por seis redações até a sua aprovação final em dezembro de 1965. O debate em torno dos diversos esquemas explicitava os contrastes doutrinais que separavam o episcopado norte americano, majoritariamente favorável à liberdade religiosa, e o episcopado espanhol aliado a setores do italino, que resistiam à mudança em favor da perspectiva anterior[37].  Como indica o historiador Giuseppe Alberigo, a campanha crítica dos opositores ao esquema foi muito bem orquestrada, tendo sido forte a influência do núcleo conservador informal do Coetus internationalis patrum, que tinha um brasileiro como fundador, o arcebispo de Diamantina (MG), Geraldo Proença Sigaud, e Marcel Lefbvre como importante colaborador[38]. O núcleo do Coetus, que tinha ligações importantes com a cúria romana, primava  por manter a linha conservadora em toda a sua pureza, um escrúpulo na defesa da formulação da verdade e uma preocupação com a abertura ecumênica e inter-religiosa. Havia um grande temor no grupo da afirmação de um posicionamento que viesse a atenuar a diferença entre o cristianismo e as outras religiões, com repercussões negativas e nefastas para o impulso missionário[39].

 

Com a presença e a contribuição decisiva de peritos como John Courteny Murray e Yves Congar, que trabalharam de forma incansável em defesa de um esquema mais aberto, foi se impondo na assembléia conciliar um decisivo deslocamento de acento de uma liberdade em benefício da instituição, típica do horizonte do século XIX, para uma liberdade em benefício do sujeito. Afirma-se, assim, a consciência de que as pessoas têm direitos e que o fundamento da liberdade religiosa reside na dignidade da pessoa humana.[40]. Sobre a questão há na Declaração uma passagem decisiva: “Cada qual tem o dever e por conseguinte o direito de procurar a verdade em matéria religiosa, a fim de chegar por meios adequados a formar prudentemente juízos retos e verdadeiros de consciência” (DH 3).

 

As pressões e temores permanentes da minoria conciliar permaneceram até o momento derradeiro, e uma condição importante para a aprovação final do texto foi a inserção no início da Declaração de uma passagem que equilibra a afirmação da liberdade religiosa com a doutrina tradicional católica. Depois de afirmar que “a única verdadeira religião subsiste na igreja católica e apostólica, à qual o Senhor Jesus confiou a tarefa  de difundi-la aos homens todos”, acrescenta-se um pouco adiante que a liberdade religiosa mantem “intacta a doutrina católica tradicional sobre o dever moral dos homens e das sociedades em relação à verdadeira religião e única igreja de Cristo” (DH 1). Outra mudança realizada na redação ocorreu para se evitar pensar nas religiões como caminhos de salvação. Trata-se da substituição do termo “vias” (caminhos) por “viam” (caminho). No texto final aparece: “O próprio Deus manifestou ao gênero humano o caminho pelo qual os homens, servindo a Ele, pudessem salvar-se e tornar-se felizes em Cristo” (DH 1). Os textos mencionados aparecem na quinta redação (textus recognitus), apresentada aos padres conciliares em outubro de 1965 e justificada pelo relator, De Smedt, bispo de Bruges [41]. 

 

Não obstante as resistências, o processo de abertura conciliar aconteceu também na reflexão sobre a liberdade religiosa. Apesar das passagens que revelam um compromisso, o traço novidadeiro diz respeito à acolhida do valor da dignidade da pessoa e de sua escolha religiosa. Uma dignidade irrevogável e que merece o respeito essencial de todas as instituições.  Segundo Pietro Pavan, foi “um dos mais férteis processos em resultados positivos: através dele, foi-se definindo, com uma clareza cada vez maior, uma posição doutrinal que acabou por ser compartilhada e aprovada pela quase totalidade dos Padres”[42]. Na sessão pública de promulgação da Declaração, ocorrida em dezembro de 1965, o texto foi aprovado por 2038 votos favoráveis, e 70 votos contrários, do irredutível grupo do Coetus.

 

De todos os documentos do concílio que tratam das religiões, a Declaração Nostra Aetate, sobre as relações da igreja com as religiões não cristãs, é aquele que expressou de forma mais positiva a perspectiva de abertura às religiões, sintonizada com a lógica pastoral do concílio. Há, de um lado, um aspecto extremamente positivo na Declaração, voltado para o compromisso ético e empenhativo da igreja católica  em favor de um novo caminho relacional entre as religiões, de superação dos preconceitos e divisões e de construção de uma nova conversação. Mas de outro lado, há uma carência de perspectiva teológica mais arrojada sobre as religiões[43].

 

Um momento importante na gênese do documento foi o encontro de João XXIII com Jules Isaac[44] em junho de 1960. O historiador judeu sensibilizara-se com o gesto de João XXIII de abolir em 1959 as fórmulas negativas presentes no ritual romano sobre os judeus e muçulmanos, até então definidos como “pérfidos”. Até o memorável encontro não estava nos planos do papa a previsão de uma reflexão do concílio sobre o tema do judaísmo e do anti-semitismo e muito menos de um documento sobre as outras religiões[45]. Do encontro surgiu uma esperança que se concretizou em setembro, quando então João XXIII designou o presidente do Secretariado para a União dos Cristãos, cardeal Bea, para a tarefa de preparar uma declaração sobre o povo judeu. O esquema ficou substancialmene pronto em maio de 1962. Em razão da delicada situação política do Oriente Médio, foi apresentado só mais tarde em novembro de 1963 pelo cardeal Bea, como capítulo quarto do esquema mais amplo do ecumenismo,  versando sobre a relação dos católicos com os não cristãos e em particular os judeus. Embora o título do esquema fosse mais vasto, a parte substantiva do documento visava os judeus. As reações ao documento já começaram fortes na ocasião[46]. O texto foi reapresentado em setembro de 1964, agora separado do esquema do ecumenismo, mas ainda dedicado sobretudo aos judeus. Nova mudança ocorreu, posteriormente, sob o impulso e reivindicação de alguns bispos de regiões de prevalência não cristã, que manifestavam o desejo de uma declaração de caráter mais ampliado, que pudesse acolher outras tradições religiosas, além do judaísmo. O novo texto foi apresentado pelo cardeal Bea em 20 de novembro de 1964, que ressaltou o dado pioneiro do tratamento da questão na história da igreja. Como reforço para a nova perspectiva contribuíram também outros fatores como a criação do Secretariado para os Não Crentes (1964), a publicação da encíclica Ecclesiam suam (1964) e a visita do papa à Índia (1964)[47]. Assim nasce a breve Declaração Nostra Aetate, voltada agora para a relação da igreja com as religiões não cristãs.

 

A Declaração Nostra Aetate foi um “divisor de águas” no modo de abordagem cristã da questão das outras religiões. Mediante uma clareza desconhecida anteriormente em textos do magistério, explicita-se uma relação novidadeira da igreja com as outras religiões. Há em particular uma mudança na forma de tratamento. Vigora o respeito e a acolhida. O otimismo da universalidade salvífica está presente já no preâmbulo. Todos os povos são vistos como “uma só comunidade”, envolvida pelo “Deus de bondade”(NA 1). As religiões são concebidas como “resposta aos profundos enigmas da condição humana” (NA 2). O tratamento concedido às grandes religiões monoteístas e às outras religiões é respeitoso. A novidade reflete-se no fato da apreciação positiva relacionar-se agora às próprias religiões, e não apenas aos fiéis que delas participam, como em outros documentos do concílio. Uma abertura ao que há de “verdadeiro e santo” nas religiões, em seus “modos de agir e viver”, em seus “preceitos e doutrinas” (NA 2). Em sua análise sobre o tema, Karl Rahner sublinhou este traço como inovador, ou seja, a relação da igreja com as religiões mesmas, enquanto “realidades sociais concretas e com seus edifícios doutrinais e a sua vida”[48].

 

Sem desconhecer a dinâmica de abertura presente na Declaração, há que sublinhar a permanência de um desafio teológico mais fundamental, não respondido ou explicitado no documento, ou seja, a acolhida da pluralidade das religiões e sua positividade no desígnio misterioso de Deus[49]. Evita-se a todo custo uma atribuição salvífica às outras religiões como tais. Mantém-se ainda firme a teologia do acabamento, e isto pode ser verificado em expressões bem definidas, como as presentes em NA 2. Fala-se em “certa percepção daquela força misteriosa” que preside os acontecimentos da vida desde a antiguidade ou também em “lampejos daquela Verdade”que “não raramente” ilumina a humanidade. O receio e o cuidado na abordagem da questão permanecem vivos. Algumas modificações no texto são reveladoras, como por exemplo a eliminação de uma passagem de Irineu (Adv Haer IV, 28,2) presente no parágrafo segundo do documento aprovado na terceira sessão do concílio (1964). No novo texto apresentado na  quarta sessão (1965), a passagem não estava mais presente. O texto omitido expressava a diversidade e riqueza dos caminhos de salvação presentes no desígnio de Deus Pai com o seu Verbo para a humanidade. Segundo a documentação conciliar, a expressão de Irineu foi retirada para evitar ambiguidades, sobretudo o risco de considerar as outras religiões, enquanto tais, como disposições positivas de salvação.[50] Semelhante zelo esteve presente na abordagem do diálogo com as outras religiões, ao final de NA 2. O texto definitivo sublinhará a importância de “prudência e caridade” na prática dialogal,  sem que se exclua  o “testemunho de fé e vida cristã”.

 

4. O desafio em aberto da abertura ao pluralismo

 

O que se percebe na leitura dos diversos documentos do concílio sobre o tema das religiões e do diálogo inter religioso é uma reticência na abordagem da positividade da relação das diversas religiões com respeito ao mistério  de Deus. As dificuldades aparecem mesmo na relação com as tradições religiosas mais próximas, como é o caso da tradição protestante. As conhecidas mudanças no Decreto sobre o ecumenismo, Unitatis Redintegratio, manifestam o temor de uma reflexão teológica mais arrojada e aberta sobre o tema. Das 40 sugestões de mudança propostas por Paulo VI, “expressas com autoridade”, e enviadas  ao Secretariado para a Unidade dos Cristãos, 19 foram aceitas e incorporadas no documento. Algumas das correções intencionavam temperar a excessiva cordialidade da igreja para com os “irmãos separados”. Uma das mudanças, realizada na UR 21, transforma o texto a propósito dos irmaos protestantes, que originalmente dizia “encontram (invenuit) a Deus nas Sagradas Escrituras”. Na nova redação ficou: “procuram (inquirunt) a Deus nas Sagradas Escrituras”. Em seu diário do concílio, Congar menciona que as mudanças abalaram o clima ecumênico e sinalizavam que os grandes gestos ecumênicos de Paulo VI não vinham acompanhados de uma teologia correspondente.[51] 

 

Os textos revelam a complexidade teológica de sujeitos diversos que protagonizaram a caminhada concilar. Torna-se difícil e problemático chegar a conclusões apressadas sobre o tema. O que é possível afirmar, com base nos documentos existentes, é o início de um processo de abertura dialogal e a presença de uma perspectiva mais positiva com respeito às religiões e otimista a propósito do mistério de salvação. Mas não há dúvida de que o concílio mantém viva a doutrina do caráter absoluto e definitivo do cristianismo, e nesse sentido, não rompe com a perspectiva eclesiocêntrica. Uma perspectiva que interdita ou obscurece os imperativos do diálogo inter religioso. Muitas foram as resistências na aula concilar contra a idéia das religiões como caminhos ordinários de salvação[52]. Firmou-se, ao contrário, a idéia de que só a igreja católica é caminho ordinário, indicando, assim, a necessidade de uma pertença à mesma.

 

Neste início de século XXI, quase quarenta anos depois do final do concílio Vaticano II, a questão do pluralismo religioso vai ganhando um terreno sempre mais decisivo na teologia cristã e no contexto vital dos cristãos. Há teólogos que dizem que este pluralismo será o grande horizonte da teológia neste novo século[53]. Segundo Jacques Dupuis, o olhar retrospectivo sobre alguns textos do concílio com a sensibilidade plural atual provoca um certo desconcerto no leitor, uma “certa desilusão e insatisfação”. A “recepção” do concílio hoje exige uma “purificação da linguagem teológica” a propósito das religiões. Há ainda a presença no comum repertório léxico de uma visão deletéria sobre as religiões. Algumas expressões do concílio, como as que identificam a igreja católica romana como “única verdadeira religião” (DH 1), arranham negativamente a sensibilidade atual e provocam indisposição dialogal, ou mesmo a perda de credibilidade da instituição[54]. Para Dupuis, “afirmações absolutas e exclusivas sobre Cristo e sobre o cristianismo, que reivindicassem a posse exclusiva da auto-manifestação de Deus ou dos meios de salvação, distorceriam e contradizeriam a mensagem cristã e a imagem cristã”[55]. Abre-se hoje o desafio de uma “hermenêutica conciliar”, convocada a estabelecer uma leitura e interpretação dos textos à luz da dinâmica interativa entre a experiência cristã fundamental e as novas experiências humanas no contexto do pluralismo religioso, podendo inclusive provocar em certos casos uma reformulação do enunciado em vista de um novo alcance semântico[56].

 

A presença de uma sensibilidade plural exige de todos hoje em dia uma real transformação no modo de ver, entender e  captar a dinâmica religiosa da alteridade. O outro é sempre mistério, enigma, novidade, trazendo consigo um “patrimônio espiritual” capaz de enriquecimentos inusitados. Trata-se de uma alteridade que nunca poderá ser complementada ou deslocada de sua irrevogável particularidade. O essencial não pode ser radicalmente compartilhado: é descoberta permanente, outras vezes é susto[57]! O diálogo será sempre a busca da “identidade na diferença”, quando uma palavra, um silêncio, um gesto ou um olhar, desvendam as frestas de uma nova possibilidade de ser e de transformar-se.

 

(Publicado em: Paulo Sérgio Lopes GONÇALVES & Vera Ivanise BOMBONATTO (Orgs.) Concílio Vaticano II. Análises e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004, pp. 273-291)



[1] René LATOURELLE. Introduzione. In: ____. (Dir.) Vaticano II: bilancio e prospettive  venticinque anni dopo (1962-1987). 2 ed. v. 1. Assisi, Cittadella Editrice, 1988, p. 9.

[2] Giuseppe ALBERIGO. “Del palo a la misericordia”: el magisterio en el catolicismo contemporaneo (1830-1980). Selecciones de Teologia, v. 22, n. 87, pp.201-216, 1983.

[3] Giuseppe ALBERIGO. Il Vaticano II e la sua eredità. Il Regno-Documenti, v. 17, n. 756, p.575, 1995; id. Transizione epocale? A quarant´anni dall´inizio del concilio (1962-2002). Concilium, v. 38, n. 5, pp. 174-176, 2002; Claude GEFFRÉ. Croire et interpréter. La tournant herméneutique de la théologie. Paris, Cerf, 2001, p. 92.

[4] Giuseppe ALBERIGO. João XXIII e o Vaticano II. In. José Oscar BEOZZO & Giuseppe ALBERIGO (Orgs). Herança espiritual de João XXIII: olhar posto no amanhã. São Paulo: Paulinas, 1993, p. 13.

[5] Ibidem, pp. 16-21.

[6] Como indica Alberigo, durante o pontificado de Pio XII afirmou-se um monopólio da cúria e da teologia romana e uma resistência precisa contra qualquer dinâmica renovadora: “fermentos, sensibilidades, orientações pastorais, doutrinais, organizacionais não podiam sobreviver senão aceitando uma humilhante e asfixiante marginalidade ou tentando obter a escuta benévola  nos restritos círculos autorizados de Roma”: Giuseppe ALBERIGO. La condizione cristiana dopo il Vaticano II. In: ____. & J.-P. JOSSUA. Il Vaticano II e la chiesa. Brescia, Paideia, 1985, p. 19.

[7] Com exceção do esquema sobre a liturgia, que respirava o clima renovador do movimento litúrgico, todos os outros esquemas, de perfil escolástico, conservador e jurídico,  foram posteriormente rechaçados pelo concílio. Há que sublinhar a presença de uma nítida defasagem entre tais esquemas e o horizonte aberto pelas mensagens de João XXIII no início do concílio. Daí ser infundada e inaceitável, como bem sublinhou Alberigo,  o aceno feito por Ratzinger em seu livro de entrevista Rapporto sulla fede de que João XXIII não contava com a possibilidade da rejeição de tais esquemas e de que os teria lido e acolhido favoravelmente. De fato, como lembrou Gustavo Gutiérrez, os dois discursos de João XXIII (o inaugural e o de sua radiomensagem) abrem o caminho para a rejeição dos esquemas. Para maiores detalhes cf. Giuseppe ALBERIGO. João XXIII e o Vaticano II. Op.cit., p. 25; Gustavo GUTIÉRREZ. La chiesa e i poveri, visti dall´America Latina. In: G.ALBERIGO & J.-P. JOSSUA. Il Vaticano II e la chiesa. Op.cit., p. 235; Vittório MESSORI. Rapporto sulla fede. Cinisello Balsamo, Paoline, 1985, p. 39 (a  coloquio com Joseph Ratzinger).

[8] Para o teólogo Edward Schillebeeckx, as três grandes novidades do concílio foram: a contribuição dos teólogos antes condenados, o anti-curialismo dos bispos vindos a Roma e o discurso de abertura de João XXIII, Cf. Edward SCHILLEBEECKX. Sono un teologo felice. Bologna, EDB, 1993, p. 30.

[9] Claude GEFFRÉ. Verso una nuova teologia delle religioni. In: Rosino GIBELLINI (Ed.) Prospettive teologiche pel il XXI secolo. Brescia, Queriniana, 2003, p. 357. Para Geffré, esta perspectiva está subjacente em importantes documentos do Vaticano II como  a declaração Nostra Aetate e o decreto Ad Gentes. Em sua visão, mesmo Karl Rahner estaria vinculado à mesma lógica da teologia do acabamento. Neste particular, tendo mais a concordar com Jacques Dupuis, para o qual a teologia de Rahner significa um passo mais avançado, rompendo com a visão comum entre os teólogos do acabamento de considerar as outras religiões como religiões naturais.

[10] Sua nomeação para os dois Secretariados ocorreu em 1965, ainda durante o concílio.

[11] Ilaria MORALLI. La salvezza dei non cristiani. L´influsso di Henri de Lubac sulla dottrina del Vaticano II. Bologna, EDB, 1999, p. 257-258 e também 98-100. Segundo Moralli, igualmente Daniélou manifestou permanentemente semelhante posicionamento: para ele a tese das religiões como caminhos de salvação era inadmissível. cf. ibidem, p.130-131, 142 e 134. Ainda que de forma mais aberta, também Yves Congar manifestou dificuldade com a justificação das religiões como tais. Para ele, o que ocorre é a possibilidade de salvação das pessoas religiosas e não das religiões em si, o que garantiria para ele a manutenção do valor absoluto do cristianismo: Yves CONGAR. Saggi ecumenici. Il movimento, gli uomini, i problemi. Roma, Città Nuova, 1986, p. 247 e 254; Id. Diálogos de outono. São Paulo, Loyola, 1990, p. 17.

[12] Yves CONGAR. Mon Journal du concile I. Paris, Cerf, 2002, p. 57-58. Ver ainda a introdução geral da obra, feita por Éric Mahieu: Ibidem, p. XXXII.

[13] Jacques DUPUIS. Il cristianesimo e le religioni. Dallo scontro all´incontro. Brescia, Queriniana, 2001, p. 123.

[14] Karl RAHNER. Confessare la fede nel tempo dell´atesa. Roma, Città Nuova, 1994, p. 106. Para Rahner esta passagem da GS abre também a dinâmica salvífica para os ateus, “desde que no seu ateísmo não tenham agido contra a sua consciência moral”: Karl RAHNER. A doutrina do Vaticano II sobre o ateísmo. Concilium, v. 3, p. 12, 1967.

[15] Daniele RACCA. Il dialogo interreligioso nel magistero dopo il concilio Vaticano II. Rassegna di Teologia, v. 43, n. 4, p. 512, 2002; Jacques DUPUIS. Il cristianesimo e le religioni. Op.cit., p. 127.

[16] Claude GEFFRÉ. Verso una nuova teologia delle religioni. In: Op.cit., p. 359. Para Geffré uma possível sugestão de abertura ao pluralismo religioso estaria no texto mencionado da GS 22, que aborda a ação salvífica do Espírito, operada no  “modo conhecido por Deus” (“modo Deo cognito”): Ibidem, p. 361.

[17] Miguel Marcelo QUATRA. Regno di Dio e missone della Chiesa nel contesto asiatico. Uno studio dei documenti della FABC (1970-1995). Dissertatio ad Doctoratum in Facultate Missiologiae Pontificiae Universitatis Gregorianae. Roma, 1998, pp. 96-97. Quatra relata em nota a intervenção do cardeal Journet, durante o debate conciliar de 07 de outubro de 1965 em torno do segundo esquema do documento sobre a missão da igreja, onde defende o pluralismo religioso “de fato”, mas não “de direito”: Ibidem, p. 97 n, 227.

[18] Veja os inúmeros exemplos apontados por Daniele Racca: Il dialogo interreligioso nel concilio Vaticano II: aperture e limiti. Rassegna di Teologia, v. 38, n. 5, p. 648, 1997.

[19] Giusepe ALBERIGO. Transizione epocale ? Art.cit., p. 181-182. Como bem lembrou Beozzo, a busca da unanimidade teve seu preço. A busca de um equilíbrio entre o caminho da ruptura e o da continuidade provocou em muitos casos impasses, tensões e incoerência temática. Além de textos de compromisso interno, sobretudo durante a terceira e quarta sessão do concílio, há também a solução de mera justaposição de posições heterogêneas. Cf. Oscar BEOZZO. Indícios de uma reação conservadora: do concílio Vaticano II à eleição de João Paulo II. In: ISER. Estação de seca na igreja.  Comunicações do ISER, v. 9, n. 39, pp. 7-9, 1990. Os próprios peritos do concílio, encarregados de preparar os esquemas para a apresentação na assembléia acabaram captando e assumindo o espírito de compromisso desejado por Paulo VI, como o caso de Congar e outros, e por razões óbvias destinadas a conseguir o apoio e aceitação. Cf. Éric MAHIEU. Introduction. In: Yves CONGAR. Mon journal du concile I. Op.cit., p. XLVII; Giuseppe ALBERIGO. Storia del concilio Vaticano II . v. 5. Op.cit., p. 134.

[20] Daniele Racca. Il dialogo interreligioso nel concilio Vaticano II: aperture e limiti. Rassegna di Teologia, v. 38, n. 5, pp. 637-663, 1997.

[21] Ibidem, p. 638-639. De acordo com Racca, mesmo predominando as locuções negativas (19 vezes), há também outras locuções mais positivas ou neutras, num total de 15, entre as quais: “outras religiões”, “ritos”, “várias religiões”, “tradições religiosas”, “grandes religiões”. Há igualmente, em certas passagens, uma referência explícita a determinadas religiões como judaísmo (LG 16 e NA 4), budismo e hinduísmo (NA 2). Com respeito ao islã, prefere-se falar não da religião, mas de seus seguidores, os muçulmanos (LG 16 e NA 2).

[22] Como fonte de referência para os textos citados cf. Enchiridion Vaticanum 1. Documenti ufficiali del concilio Vaticano II (1962-1965). Bologna, EDB, 1993. E também Compêndio do Vaticano II . 6 ed. Petrópolis, Vozes, 1968.

[23] A Lumen Gentium evita, cuidadosamente, de assinalar a presença de uma comunhão dos cristãos não católicos com os fiéis católicos. Em primeiro plano situam-se os vínculos sacramentais e místicos (o batismo e a união no Espírito) e não o vínculo intencional do “voto”. No Decreto sobre o ecumenismo a relação entre os católicos e os “irmãos separados” será indicada pela expressão “certa comunhão” (UR 3). Cf. Antonio ACERBI. Due ecclesiologie. Bologna: EDB, 1975, p. 503.

[24] Ao tratar os membros das outras tradições religiosas a LG 16 assinala, em primeiro lugar, os judeus, um “povo caríssimo segundo a eleição”. Em seguida fala dos muçulmanos, “que adoram conosco o Deus único, misericordioso”. E, por fim, dos outros que “procuram o Deus desconhecido em sombras e imagens”. Na passagem sobre os muçulmanos pode-se perceber, claramente, a influência do orientalista Louis Massignon, um dos pioneiros da abertura dialogal da igreja católica para com o Islã.

[25] Trata-se de um tema introduzido por Pio IX, em encíclica de 1863 (DH 2866) e retomado na carta enviada pelo Santo Ofício ao arcebispo de Boston, que condenava a posição rígida de Leonard Feeney, que exigia como condição para a salvação a pertença à igreja (DH 3870). As citações foram tomadas da nova versão do Denzinger.  Heinrich DENZINGER. Enchiridion symbolorum. Bologna, EDB, 1995 (Organizado por Peter Hunermann). As referências a tal versão serão aqui sigladas com a forma DH.

[26] Ver também AG 7.

[27] Em seu diário do concílio, Congar indica que foi ele o autor da primeira redação da LG 16 e 17: Yves CONGAR. Mon Journal du Concile II. Op.cit., p. 511. Cooperou de forma decisiva também na redação do proemium e dos números da parte teológica da Declaração sobre a liberdade religiosa e na introdução e conclusão da Nostra Aetate.

[28] Na AG 18 há também um reconhecimento do valor das tradições ascéticas e contemplativas presentes nas outras tradições, e que “poderão ser assumidas na vida religiosa cristã”.

[29] O influxo de Karl Rahner manifesta-se claramente nesta passagem. Retoma-se aqui a idéia defendida por Rahner em artigo de 1961, onde rebate a idéia comum de que as outras religiões expressariam simplesmente uma natural crença em Deus, e reconhece de forma novidadeira a presença nelas de “traços sobrenaturais da graça”: Karl RAHNER. Cristianesimo e religioni non cristiane. In: ____. Saggi di antropologia soprannaturali. Roma, Paoline, 1965, p. 545.

[30] Jacques DUPUIS. O debate cristológico no contexto do pluralismo religioso. In: Faustino TEIXEIRA (Org.) Diálogo de pássaros. São Paulo, Paulinas, 1993, p. 79.

[31] Ibidem, p. 80.

[32] Claude GEFFRÉ. Verso una nuova teologia delle religioni. In: Op.cit., p. 361.

[33] Giuseppe ALBERIGO (Dir.) Storia del Concilio Vaticano II. v. 5. Bologna/Peeters, Il Mulino, 2001, p. 459.

[34] Claude GEFFRÉ. Le dialogue des religions: défi pour un monde divisé. Le Supplément, n. 156, p. 114-115, 1986.

[35] R. MINNERATH. La Déclaration Dignitatis Humanae a la fin du Concile Vatican II. Revue des sciences religieuses, v. 74, n. 2, p. 232, 2000. E também Roger AUBERT. A liberdade religiosa desde a Mirari vos  até ao Syllabus. Concilium, n. 7, pp. 73-85, 1965.

[36] No número 14 desta encíclica, João XXIII defende o direito de cada um professar a sua religião, segundo os ditames de sua consciência, tanto em âmbito privado como público (DH 3961). Para maiores detalhes sobre este processo de abertura, de Leão XIII a João XXIII cf. R. MINERATH. La Déclaration... Art. cit., p. 231-233.

[37] Antoine WENGER. Vatican II. Chronique de la troisième session. Paris, Centurion, 1965, p. 317; Giuseppe ALBERIGO. Storia del concilio Vaticano II . v. 5 Op.cit., p. 90-91 e 102; Mauro VELATI. La proposta ecumenica del segretariato per l´unità dei cristiani. In: G. ALBERIGO & A. MELLONI (Dir.) Verso il concilio Vaticano II (1960-1962). Genova, Marietti, 1993, p. 326; José Oscar BEOZZO. Indícios de uma reação conservadora ... Art.cit., pp 8-9. Vale assinalar a resistência dos cardeais Ruffini e Ottavianni, entre outros, que defendiam o direito à liberdade religiosa exclusivamente para a verdadeira religião (ou seja, o catolicismo), alertando igualmente para o risco de uma liberdade ilimitada e indiscriminada para com todas as religiões e  o risco da concessão ao erro.

[38] Giusepe ALBERIGO (Dir.) História do concílio Vaticano II. v. II. Petrópolis, Vozes, 2000, pp. 188-192; Luc PERRIN. Il Coetus Internationalis Patrum e la minoranza conciliare. In: M.T. FATTORI & A.MELONI (Org.) L´evento e le decisioni. Studi sulle dinamiche del concilio Vaticano II. Bologna, Il Mulino, 1977, pp. 173-187; Silvia SCATENA. La questione della libertà religiosa: momenti di un dibattito dalla vigilia del Vaticano II all´inizio degli anni novanta. Cristianesimo nella storia.  v. 21, n. 3, pp. 635-637.

[39] Giuseppe ALBERIGO. Storia del concilio Vaticano II . v. 5. Op.cit., p. 226. Em intervenção na sessão de 24 de setembro de 1964, o bispo brasileiro Antônio de Castro Mayer, ligado ao Coetus, questionava o esquema da Declaração, acusando-o de afirmar “a igualdade de direito para todas as religiões (verdadeiras e falsas)” e indicando que “só a verdadeira religião tem direito de ser professada publicamente”: Boaventura KLOPPENBURG (Org.) Concilio Vaticano II. v. IV – Terceira sessão (set.-nov. 1964). Petrópolis, Vozes, 1965, p. 66. Em seu diário do concílio, Congar menciona em diversos momentos esta resistência do Coetus: Mon journal du concile II. Op.cit., p. 316, 433 e 451-452.

[40] Gwendoline JARCZYK. La liberté religieuse. 20 ans après le concile. Paris, Desclée, 1984, p. 6-7. Pietro PAVAN. O direito à liberdade religiosa na Declaração conciliar. Concilium, n. 8, p. 39, 1966.

[41] Do texto citado apenas a palavra “tradicional” será acrescentada na sexta redação, de novembro de 1965, e justamane para reafirmar a continuidade com o ensinamento  magistérial precedente.  Giacomo CANOBBIO. Chiesa perché. Salvezza dell´umanità e mediazione ecclesiale. Cinisello Balsamo, San Paolo, 1994, pp. 148-151. A discussão sobre a questão vem mencionada por Congar em seu diário do concílio: Mon journal du concile II. Op.cit., p. 424-425; ver também Giuseppe ALBERIGO. Storia del concilio Vaticano II . v. 5. Op.cit., p. 134; R. MINERATH. La Déclaration... Art. cit., p. 234-235. D. Racca tem razão ao afirmar que a análise de DH 1 indica que “na intenção do concílio, a abertura às religiões não cristãs não comporta nenhuma legitimação objetiva das mesmas, e não significa declarar a verdade das religiões, em distinção da religião cristã”: D.RACCA. Il dialogo interreligioso... Art. cit., p. 656.

[42] Pietro PAVAN. O direito à liberdade religiosa... Art.cit., p. 34.

[43] Claude GEFFRÉ. Croire et interpréter. Op.cit., p. 92; Jacques DUPUIS. Il cristianesimo e le religioni. Op.cit., p. 125.

[44] Trata-se de um professor de história francês, de origem judaica, nascido em 1877, e que dedicou-se sobretudo a partir dos anos quarenta  em favor da revisão do ensinamento cristão sobre os judeus.

[45] Piero STEFANI. Chiesa, ebraismo e altre religioni. Comento alla Nostra Aetate. Padova, Edizioni Messaggero  Padova, 1998, p. 51 e seguintes.

[46] Todo o processo redacional da Declaração NA será acompanhada de reações vindas sobretudo dos bispos tradicionalistas, dos bispos orientais e do mundo árabe. Com respeito ao primeiro grupo, a reação do Coetus ao documento esteve sempre presente, sobretudo na crítica ao que consideravam uma atenuação da diferença entre o cristianismo e as outras religiões. Ver Giuseppe ALBERIGO. Storia del concilio Vaticano II . v. 5. Op.cit., p. 223-226. Em seu diário do concílio, Congar expressa as dificuldades que a Declaração causou no Oriente, sobretudo em razão da delicada questão judaica. O modo de captação da declaração ali foi extremamente polêmico, para além de seu sentido original. No dizer de Congar, “entre árabes e judeus todas as palavras que dizem respeito aos judeus provocam uma situação de guerra”. Sem contar o risco, acrescenta, da exploração que pode ser feita pelos mesmos judeus do texto do concílio, em particular a justificação de sua presença na Palestina. Para Congar, uma tal declaração iria fatalmente “comprometer todos os cristãos aos olhos dos muçulmanos”: Mon journal du concile II. Op.cit., p. 364 e também 365. Para a reação crítica dos Patriarcas orientais durante a segunda sessão do concílio, contra a menção especial feita aos judeus na declaração cf. EPARQUIA Melquita do Brasil. A igreja greco-melquita no concílio. São Paulo, Loyola, 1992, p. 398-400.

[47] Jacques DUPUIS. Il cristianesimo e le religioni. Op.cit., p.124; Piero STEFANI. Chiesa, ebraismo e altre religioni. Op.cit., p. 59; Isidro Ma. SANS. Hacia un dialogo religioso universal. Bilbao, Universidad de Deusto/Mensajero, 1992, p. 161; Daniele RACCA. Il dialogo interreligioso... Art.cit., p. 642-3 n. 10.

[48] Karl RAHNER. Sul significato salvifico delle religioni non cristiane. In: ____. Dio e rivelazione. Roma, Paoline, 1981, p. 424 e tb 425 (Nuovi Saggi VII). Em texto anterior ao concílio este mesmo teólogo assinalava sua dificuldade de compreender uma dinâmica salvífica que tocasse unicamente o fiel em sua intimidade, excluindo sua inserção – enquanto ser social – na sua própria religião. Aquele que se salva é sempre “´homo religiosus` nella religione”: Karl Rahner. Cristianesimo e religioni non cristiane. In: Saggi di antropologia soprannaturali. Roma, Paoline, 1965, p. 559.

[49] Claude GEFFRÉ. Verso una nuova teologia delle religioni. In: Op.cit., p. 356-357.

[50] Pietro ROSSANO. Dialogo e anuncio cristiano. L´incontro con le grandi religioni. Cinisello Balsamo, Paoline, 1993, p. 30.

[51] Yves CONGAR. Mon journal du concile II. Op.cit., p. 282, 269 e 291. Para o historiador G.Alberigo, Paulo VI, em razão de um escrúpulo doutrinal, acabou cedendo aos temores da minoria conciliar sobre os riscos que poderiam incidir na doutrina católica na ausência de distinções mais claras. Paira ainda sobre a reação do papa questões ainda não resolvidas: Giuseppe ALBERIGO (Dir.) Storia del concilio Vaticano II. v. IV. Bologna, Il Mulino, 1999, p. 443-444.

[52] Em intervenção realizada em 10 de outubro de 1965, o cardeal Koenig, arcebispo de Viena, afirma que as religiões não cristãs são “meios de procurar a Deus”, e estão animadas por muitos valores,  embora “não sejam caminhos de salvação”. Reconhece que a salvação possa ocorrer fora da igreja, e indica que é ela a “via ordinária de salvação para a qual tende também aquela graça que é dada fora da igreja”: Boaventura KLOPENBURG. Concílio Vaticano II. v. IV. Op.cit., p. 258-259. A visão de Koenig expressa a posição mais presente na assembléia conciliar que, segundo Ratzinger, reagiu com dureza às tendências teológicas mais abertas que apresentavam as religiões como caminhos ordinários de salvação, como é o caso do teólogo R.Schlette: Giacomo CANOBBIO. Chiesa perché. Op.cit., p. 156.

[53] Claude GEFFRÉ. Croire et interpréter. Op.cit., p. 93

[54] Jacques DUPUIS. Il cristianesimo e le religioni. Op.cit., p. 135-136.

[55] Ibidem, p. 485. Ver ainda p. 486.

[56] Claude GEFFRÉ. Croire et interpréter. Op.cit., p. 39-50.

[57] Lya LUFT. Perdas & ganhos. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 15-16.

Nenhum comentário:

Postar um comentário