terça-feira, 20 de abril de 2010

O difícil aprendizado do pluralismo

O difícil aprendizado do pluralismo

 

Faustino Teixeira

PPCIR/UFJF

 

A visita do papa Ratzinger ao Brasil tem suscitado muito debate. São inúmeras questões que podem ser levantadas a partir de sua presença e de seus discursos nesta sua primeira peregrinação ao Continente latinoamericano. Gostaria de me concentrar num tópico específico, que diz respeito ao seu posicionamento sobre o pluralismo e a diversidade religiosa. Nós que vivemos a herança do Concílio Vaticano II (1962-1965) somos devedores de uma noção muito importante, afirmada num dos mais arrojados documentos  aprovados naquele evento, que é a liberdade religiosa e o sagrado direito da livre  consciência na busca da verdade (DH 3). Esta talvez tenha sido uma das cognições mais importantes afirmadas no Concílio, mas que, infelizmente, não foi ainda internalizada na consciência e na pratica dos católico-romanos. Trata-se de uma perspectiva que suscitou a possibilidade da revisão de uma perniciosa teoria  dos direitos exclusivos da verdade, que serviu de base para séculos de intolerância religiosa. É motivo de preocupação para aqueles que trabalham o tema do diálogo inter-religioso, o ritmo que vem marcando a conjuntura eclesiástica nos últimos 25 anos, que coincide com o período em que o cardeal Ratzinger atuou como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, sendo depois eleito papa Bento XVI. Vale destacar em especial o grande desestímulo para o diálogo que significou a Declaração Dominus Iesus, sobre a unicidade e universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja, publicada em agosto de 2000. Os anos posteriores seguiram o mesmo ritmo de descompasso dialogal. Não há mudanças substantivas de perspectiva doutrinal e teológica. Os autores que buscaram caminhos alternativos foram objeto de notificações da Congregação para a Doutrina da Fé: Roger Haight em 2004 e Jon Sobrino em 2007. A viagem do papa Ratzinger ao Brasil vem marcada por uma forte ênfase na afirmação da identidade católico-romana e na busca de uma perspectiva evangelizadora centralizada, segura e definida. É motivo de preocupação em Roma o horizonte de crescente pluralismo religioso no Brasil e o refluxo do catolicismo, sobretudo a partir dos anos 80. A tônica decisiva da viagem do papa, que vai marcar o ritmo do V Celam, diz respeito à busca de recuperação do “substrato católico” latinoamericano. No documento de síntese das contribuições recebidas para a V Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano, a atual “erosão da tradição católica” vem percebida como uma “perda dramática” para o bem dos povos e o pluralismo religioso vem diagnosticado negativamente. Ao falar das outras tradições religiosas, e em particular das tradições pentecostais, a terminologia é nitidamente preconceituosa e etnocêntrica. A expressão “seitas” é a mais recorrente. A adesão dos fieis às outras tradições é vista como resultado de um movimento “pouco reflexivo”. Na entrevista concedida pelo papa no avião que o trouxe ao Brasil, ele falou no sucesso das “seitas”, que expressam uma sede de Deus, mas indicou que a resposta a tal sede só pode ser devidamente encontrada no catolicismo. Daí a necessidade de uma mais efetiva dinâmica evangelizadora e missionária. O que ocorre, na verdade, é o predomínio de uma visão eclesiocentrada, que exclui qualquer possibilidade de compreender o pluralismo religioso como valor e riqueza. Um decisivo desafio neste tempo de crescente pluralização religiosa é aprender a lidar com a diversidade religiosa com honestidade, respeito e cortesia. Mais do que demarcar fronteiras rígidas e impermeáveis, há necessidade de se construir pontes de entendimento e  intercâmbio de dons, no respeito às singularidades de cada tradição. Mais do que converter os outros, as religiões são convocadas ao desafio da auto-conversão, de uma metanóia profunda, de uma purificação de suas perspectivas e de ampliação do olhar, de forma a viver a celebração de uma nova comunhão inter-religiosa, de reconciliação das diversidades em favor do projeto maior de “tornar nova a própria humanidade”.

 

(Publicado no portal da amaivos.com e na agência Carta Maior)

 

 

 

 

 

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