quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Desafios e impasses na experiência profunda dialogal

 Desafios e impasses na experiência profunda dialogal

 

Faustino Teixeira

 

Minha opção fundamental de vida foi sempre ligada ao diálogo inter-religioso. Agora chegou o momento, meio tardio, de fazer uma experiência mais profunda nesse campo. Leio aqui com carinho a excelente dissertação de mestrado de um amigo querido, Sérgio Brissac, que foi meu aluno de filosofia no Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro. Uma pessoa muito especial. Acabou dedicando-se à vida religiosa, ingressando nos Jesuítas. 

 

Fez filosofia e teologia em BH, no ISI. Foi ordenado festivamente no Colégio Santo Inácio, por nada menos do que Dom Luciano Mendes de Almeida. No caminho, descobriu a União do Vegetal, e partilhou sua experiência cristã com a bebida do vegetal Ayauasca. Não recebeu a acolhida que merecia, numa igreja do pós-vaticano. 

 

Na ocasião em que conversou com o seu provincial, foi desincentivado a dar continuidade à comunhão do vegetal. Depois acabou desvencilhando-se dos jesuítas. Uma perda para a igreja no Brasil, ainda incapaz de entender experiência duais, como a que fez, por exemplo, Henry Le Saux, Panikkar, Christian de Cherger e Paolo Dal´Olio. 

 

Estamos, assim, longe de um verdadeiro diálogo inter-religioso, que requer necessariamente uma abertura bem maior do que a teórica. Um dos documentos mais abertos da igreja católica a respeito, muito pouco lido, aliás – Diálogo e Anúncio - DA (Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso – 1991), sinaliza com clareza uma importante disposição para o diálogo: “A vontade de se empenhar em conjunto, ao serviço da verdade, e a prontidão em se deixar transformar pelo encontro” (DA 47). 

 

Em documento anterior, do então Secretariado para os não-cristãos, assinado por Francis Arinze e Marcelo Zago (esse, um homem de diálogo), Diálogo e Missão - DM (1984), fala-se em níveis de diálogo, sendo o mais profundo o da experiência religiosa, onde “homens radicados nas próprias tradições religiosas podem compartilhar as suas experiências de oração, de contemplação, de fé e de compromisso, expressões e caminhos da busca do Absoluto. Esse tipo de diálogo torna-se enriquecimento recíproco e cooperação fecunda, na promoção e preservação dos valores e dos ideais espirituais mais altos dos homens” (DM 35). E conclui dizendo que “a fé não se detém diante das diferenças”. E ainda: “Só Deus conhece os tempos, ele a quem nada é impossível, e cujo misterioso e silencioso espírito abre, às pessoas e aos povos, os caminhos do diálogo para superar as diferenças raciais, sociais e religiosas, e enriquecer-se reciprocamente. Eis, pois, o tempo da paciência de Deus” (DM 44).

 

O mesmo documento DA sublinha que nenhum cristão pode assumir a pretensão de posse absoluta da verdade, pois ela, para os cristãos “não é algo que possuímos, mas uma pessoa por quem nos devemos deixar possuir” (DA 49). Como diz Panikkar, o Cristo encontra-se também escondido no cristianismo.

 

Estou lendo no momento a dissertação de Mestrado em Antropologia defendida por Sérgio Brissac no Museu Nacional (UFRJ – 1999), em que o orientador foi um dos mais competentes antropólogos daquela renomada instituição, o professor Otávio Velho (secundado por Luiz Fernando Dias Duarte e Regina Novaes). O título é lindo: A estrela do norte ilumina até o sul. Uma etnografia da União do Vegetal em um contexto urbano. 

 

O que se percebe ao longo da leitura do texto é de alguém profundamente apaixonado pelo diálogo, e que foi obrigado por um tempo a ter que tomar água nos encontros da União do Vegetal, por impedimento de um provincial. Isso foi o FIM. Mas trago aqui uma passagem de seu trabalho, na p. 73, no capítulo segundo, onde aborda o lado plural da União do Vegetal. Fala da bela relação que se estabeleceu entre dois grandes Mestres espirituais daquela tradição, M. José Luiz de Oliveira e José Gabriel da Costa, mestre superior da UDV. 

 

Oliveira tinha vivência no rosacrucionismo. Brissac  recolheu uma impressionante fala dele numa entrevista de campo:

 

“Fiquei 27 anos na Ordem Rosacruz, dos quais uns 15 anos paralelos entre a Ordem Rosacruz e a União do Vegetal, sabendo que um dia eu ter que fazer uma opção (...). O Mestre Gabriel nunca exigiu que eu tomasse alguma posição, fizesse uma opção, ou se eu quisesse seguir na União do Vegetal deixasse a Ordem Rosacruz. Não. Ele nunca exigiu isso de mim. E isso para mim foi muito bom. Eu entendi que ele achava que seguir a Deus é uma opção. Porque Deus nos deu o livre arbítrio e a gente não é toda hora que pode ter opção. Chega o momento da opção. Quando você chega na encruzilhada da sua vida, que você tem bifurcação das veredas da vida, que você tem que tomar uma opção, você vai para a esquerda ou vai para a direita ou vai em frente (...). Enquanto não chegou o momento da opção não adianta você querer tomar a opção que não é o momento da opção. Não pode precipitar as coisas. Quando chega o momento, você sente. Se a opção é da própria pessoa. Não pode ser uma opção direcionada por quem quer que seja (...). Então, meu amigo, chegou o momento de minha vida em que tive que fazer a opção, mas pela minha livre e espontânea vontade”.

 

A meu ver, ele podia ter permanecido, de forma tranquila numa dupla pertença, como tanto ocorre no Brasil. Não tenho nada contra o sincretismo, pelo contrário. Como diz com razão Regina Novaes,  em precioso artigo na revista Comunicações do ISER (Ano 13, 1994 – num número sobre A dança dos sincretismos), sincretismo está nas malhas mais fundas do catolicismo vivido. Sincretismo pensado “não como falta ou falha de um catolicismo que deveria ocupar todos os espaços das representações e práticas de seus fiéis, mas resultado de processos que incluem encontros – periféricos, múltiplos e constantes – entre crenças e práticas sem pretensão de ou necessidade de se integrar harmoniosamente no sistema católico”. No mesmo número da revista, comenta Pierre Sanchis que o sincretismo é um fenômeno universal  que sempre se dá quando ocorre o contato com os outros. Ou seja, a “tendência a utilizar relações aprendidas no mundo do outro para ressemantizar o sentido”. 

 

Retomando à dissertação de Brissac, ele comenta que foi significativa “a atitude do Mestre Gabriel, não impondo a José Luiz, nem mesmo após este ser convocado por ele ao Quadro de Mestres, o seu afastamento da Rosa Cruz. E conclui: “O criador da UDV reafirma sua posição de estimular os discípulos para que eles mesmos ´examinem`, decidam segundo a sua consciência e exerçam o seu livre arbítrio. Em última análise, essa atitude pode ser relacionada à característica da experiência com o chá da Hoasca na União do Vegetal, de propiciar um englobamento de múltiplas vivências espirituais e religiosas do indivíduo”

 

Vejo aqui um testemunho exemplar do que é diálogo, e que nos cristãos deveríamos estar abertos e atentos para viver, experimentar e aprender.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

A complexa questão do mal em Guimarães e Clarice

 A Complexa questão do Mal em Guimarães e Clarice


Faustino Teixeira

PPCIR/UFJF / Paz e Bem / IHU


Um dos pontos culminantes de meu curso sobre O Grande Sertão Veredas foi quando abordei a questão do mal e do bem no mundo interior de cada um. Rompi com aquela ideia cristã entranhada na tradição de que no fundo somos todos bons. Isso não é verdade, pois somos todos neblina, ambiguidade, habitados pelo bem e pelo mal. O Demo nos ronda e nos atrai por todo canto. Como diz Riobaldo, "o diabo vige dentro do homem".
Antonio Candido, que considero um dos mais essenciais críticos do GSV, dizia que seu nome vem atribuído "à parte torva da alma", "os crespos do homem" (cf. O homem dos avessos, p. 136 - No livro: Tese e antítese - Companhia Editora Nacional, 1967 2 ed)
Também trata da questão outra grande especialista, Walnice Nogueira Galvão. Ela diz, no livro As formas do falso (Perspectiva, 1986 2 ed, p. 129-130):
"Deus é tudo o que existe, menos o Diabo: e este disputa a primazia daquele. O Diabo ganha pequenas paradas, rápidas e logo concluídas dentro do grande fluir de tudo o que existe e que é Deus; mas nessas pequenas paradas pode se danar o homem"
Depois de várias leituras, intensas, de GSV (Grande Sertão: Veredas. 22 ed. Companhia das Letras, 2019), fui me deparando com páginas preciosas onde pude verificar isso. Por exemplo, quando Riobaldo diz que na "matéria vertente" da vida o MAL pode surgir de repente, sem razão, contundindo a caminhada de qualquer peregrino. É o que aprendi também com a mística de Santa Teresa, que aborda o Mal de forma exemplar. Riobaldo nos diz que o mal não tem razão. Ele simplesmente surge. Daí a importância de estarmos continuamente atentos para os seus efeitos, que estão aí sempre por perto. Riobaldo nos diz, com razão, que "tudo sai mesmo de escuros buracos, tirante o que vem do céu" (GSV 426). E saber escolher o cavalo que a gente monta: aquele que ruma para a ALEGRIA. E tendo a preciosa ajuda de todos os deuses, santos, energias, e a Nossa Senhora da Abadia. E pedir, aceitar, acolher as preces que vêm de todos os cantos
Principalmente, saber que Deus é "traiçoeiro" :
"O diabo é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro - da gosto! A força dele, quando quer - moço! - me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho - assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza" (GSV, 24)
Na vida de Riobaldo Tatarana, para ele poder captar isto e ganhar forças para lidar com o Demo, foi fundamental a presença do Compadre meu Quelemém, que foi indicado por Zé Bebelo para acalmar a dor derradeira pela morte de Diadorim. Vendo o estado do amigo, preenchido de dor, aconselha: "Riobaldo, eu sei a amizade de agora tu precisa. Vai lá, Mas, me promete: não adia, não desdenha". E rememora Riobaldo: "Tinha que ser Zé Bebelo, para isso. Só Zé Bebelo para meu destino começar a salvar" (GSV 434)
Com Compadre Quelemém, Riobaldo despertou para uma visão inter-religioso, protetora, que me faz lembrar a preciosa reflexão de Durkheim, quando fala na forma dinamogênica da religião. E a consciência viva de que quando está rezando, está fora da "sujidade do mundo, à parte de toda loucura" (GSV 432).
Riobaldo reconhece a necessidade essencial da oração, que está presente em toda a sua jornada, bem como as rezas que são devotadas em seu favor sobretudo pelas grandes mulheres do romance. A religião se carece "para desendoidecer, desdoirar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio" (GSV 199.
Clarice Lispector também enfrenta de frente o tema, com uma coragem impressionante, como em seu romance A maça no escuro, onde trata o complexo tema de um crime quase realizado contra uma mulher por Martin, o personagem do livro, que é um estatístico, homem de razão: "No final do livro Martin é preso. Já que ´ser`não é ilegal, ele é preso por um criime a que se pode dar um nome" (cf. Benjamin Moser. Clarice, São Paulo: CosacNayf, 2009 - A mais importante biografia escrita sobre Clarice, a meu ver). Clarice recorre a Spinoza para abordar a complexidade do tema.
"Os homens geralmente supõem que todas as coisas na natureza agem, como eles, com alguma meta em mente, e até mesmo sustentam a certeza que o próprio Deus conduz tudo em direção a uma certa meta... Eles acreditam que tudo foi criado tendo-os em mente e dizem que a natureza de uma coisa é boa ou ruim, saudável ou doente e corrompida, dependendo de como eles próprios são afetados por ela"
Spinoza (The Collected Works - v 1, p. 543)
Para ajudar a percorrer esse vale sombrio, terei como apoio o fundamental livro de Yudith Rosenbaum, Metamorfoses do mal, uma leitura de Clarice Lispector (Edusp/Fapesp, 1999). A autora é psicóloga e doutora em teoria literária pela USP, e se propõe a fazer um sério estudo das "modulações do mal na obra de Clarice Lispector".

Para um estudo aprofundado de Clarice, recomendo três obras fundamentais: Roberto Corrêa de Oliveira. Lendo Clarice Lispector. São Paulo: Atual Editora, 1986; Evando Nascimento. Clarice Lispector: uma literatura pensante. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012; Clarice Lispector, figuras da escrita (um livro essencial): Instituto Moreira Salles, 2011.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Paolo Dall´Oglio, místico e profeta do diálogo com o Islã

 Paolo Dall´Oglio, místico e profeta do diálogo com o Islã

 

 

Faustino Teixeira

PPPCIR/UFJF, Paz e BEM 

E colaborador no IHU

 

 

Em livro publicado em 2015 pela editora Dragão, do Rio de Janeiro, Marco Lucchesi abordou o tema da “Longa noite síria”, tratando da voz solitária de um grande místico e profeta jesuíta, Paolo Dall´Oglio (1954- ). O livro veio oferecido a ele, que se encontra sequestrado na Síria, e toda a sua comunidade de Al-Khalil. Talvez Paolo tenha realizado uma das mais belas experiências de diálogo inter-religioso com o islã, através da comunidade em Mar Musa. 

 

O livro de Marco Lucchesi, de beleza impar, reúne as cartas entre ele e Marco dall´Oglio. Foram dois amigos queridos. Além das cartas, o livro favorece o acesso a outros documentos precioso, como a carta de Paolo a Kofi Annan, propondo uma reforma da nação e a sugestão de um modelo viável para a paz na região. Há também um belo texto de Marco Lucchesi, Meu irmão, o deserto, onde ele fala de seu grande carinho pela experiência. E cito um trecho:

 

“A língua árabe constitui a língua de nossa vocação, e de nossa identidade espiritual. Reunimo-nos ao ocaso na igreja, no coração do mosteiro ao anoitecer, e nos sentamos juntos, uma hora de silêncio, para Deus. A liturgia eucarística não se interrompe na noite, e durante o seu curso o Espírito anuncia em nossa profundezas a salvação, atingindo o mundo dos sonhos. Tudo repousa em Deus”[1]

 

            E conclui Marco Lucchesi em seu texto poético: “Madrugada. E acima de nossas forças, a noite do destino, o brilho terso das estrelas, frutas perfumadas, prestes a se desprender da árvore da vida”[2].

 

            Ao final do livro seguem-se artigos e manifestos, um dos quais assinei junto com Marco Lucchesi, com o título: Para a libertação de Paolo. Foi redigido em conjunto em agosto de 2013 e divulgado por todo canto, em português, inglês e árabe. Em trecho dirigido aos heróis da guerra pela liberdade da síria, dizíamos em trecho da carta aberta:

 

“Acompanhando do Brasil o testemunho de coragem e grandeza de todos vocês, que sonham e lutam pela liberdade na Síria, com páginas sublimes em prol da libertação de um povo martirizado, por décadas de opressão, dentro da mais alta visão corânica da justiça e da Misericórdia . Acompanhamos com apreensão o desaparecimento de Abuna Paolo dall´Oglio, que ama a Síria e o Islã, sem meio termo, com a entrega de sua total da sua própria vida, dentro e fora da Síria”[3]

 

Dizíamos ainda na carta que Paolo é um 

 

“É um cristão singular, um verdadeiro abdâl, que junto com outros irmãos e irmãs generosos da terra de Sham, foram escolhidos por Deus para sanar as feridas do mundo mediante o dom de si. Alguém que faz ver ao Ocidente a suprema beleza do Islã, sua atitude e sentido ético. Diz com alegria no coração que se sente um muçulmano de inscrição cristã. Abraçou a Ummacom a integralidade de sua fé, fazendo-a sua companheira mais íntima, na sua carne mesma. Toda a sua vida foi dedicada ao trabalho humanitário do diálogo com os amigos muçulmanos. Cita o Alcorão com grande mestria e chega às lágrimas de sangue pela libertação de sua pátria, a Síria, que para ele é expressão viva da ressurreição”[4].

 

Em outro livro de Marco Lucchesi, “Os olhos do deserto” (Record, 2000) ele relata seu encontro com Paolo na Síria, quando visitou a experiência mista e inter-religioso no velho mosteiro situado no deserto. Ele diz no livro:

 

“Paolo dall´Oglio, jesuíta padre do deserto, descobriu o convento, e nele empreendeu uma notável restauração: seu projeto voltado para Massignon, Gandhi e Charles de Foucauld (....). Dall´Oglio está fundando uma nova ordem –tenho a ventura de ler as regras. Marco: Decidi buscar o rosto de Cristo no Islã. Veja: moram aqui , separadamente, homens e mulheres, em castidade consagrada, voltados para acolher o outro, seja de que modo for. Os hósp“Paolo dall´Oglio, jesuíta e padre do deserto, descobriu o convento, e nele edes são considerados embaixadores de Deus...”[5].

 

Todo o empenho da comunidade é voltado para o diálogo com o islã, e a língua que eles utilizavam nas cerimônias era o árabe, língua sagrada por excelência. Retoma Marco Lucchesi:

 

“Os monges e monjas de Mar Musa são orientais por causa de sua vocação, e não de sua proveniência. Árabes por causa por causa de seu amor aos árabes, e não por sua origem. Abrimo-nos profundamente à religião muçulmana e à sua civilização, em virtude de nossa fé em Cristo, e não por uma dúvida a seu respeito”[6].

 

Uma experiência semelhante à vivida pelos monges de Tibhirini, que em sua maioria foram sequestrados e violentamente mortos em 1996. Uma das mais bonitas experiências, esta realizada na Argélia, sob os cuidados do superior, Christian de Chergé, um místico muito especial. Parte da experiência foi retratada no belíssimo filme, “Homens e Deuses” (2010), vencedor do prêmio Cesar, com a participação do excelente ator Michel Lonsdale, no papel de frei Lucas, o médico da comunidade.

 

Tratei das duas experiências no meu livro “Buscadores cristãos no diálogo com o islã”, publicado em italiano e também em português, pela editora Paulus, em 2014. 

 

Dentre as obras de Paolo Dall´Oglio podemos mencionar: Speranza nell Islâm.Interpretazione della prospettiva escatologica di Corano XVIII. Genova: Marietti, 1991 (sua tese doutoral, defendida na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, em 1984); La sete di Ismaele. Siria, diario monástico islamo Cristiano. Verona: Gabrielli editore, 2011; Innamorato dell´islam, credente in Gesù. Milano: Jaka Book, 2011; Collera e luce. Un prete nella rivoluzione siriana. Bologna: EMI, 2013. E sobre sua experiência: Guyonne de Montjou. Mar Musa. Un monastero, un uomo, un deserto. Milano: Paoline, 2008;Paolo Dall´Oglio. A colloquio con Guyonne de Montjou. Milano: Paoline, 2014.

 

 

.....

 



[1]Marco LUCCHESI (Org). A longa noite síria. Uma voz no deserto. Rio de Janeiro: Dragão, 2015, p. 55.

[2]Ibidem, p. 56.

[3]Ibidem, p. 58.

[4]Ibidem, p. 58-59.

[5]Marco LUCCHESI. Os olhos do deserto. Rio de Janeiro/Record, 2000, p. 56-57

[6]Ibidem, p. 57.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

O papa Francisco diante do abordo e da eutanásia: algumas pontuações críticas

 O papa Francisco diante do aborto e da eutanásia: algumas pontuação críticas

 

Faustino Teixeira

 

Em artigo publicado em meu blog sobre o último livro do para Francisco, "Vamos sonhar juntos" (2020), cito uma frase lançada abruptamente que me causou espanto: "Se você pensa que o aborto, a eutanásia e a pena de morte são aceitáveis, seu coração terá dificuldade em se preocupar, com a contaminação dos rios e a destruição das florestas". 

 

Acho que a questão é bem complexa, mas merecia uma reflexão bem mais pontualizada do papa. É claro que ele está revoltado com o movimento que se expandiu na Argentina e que foi, finalmente, vencido no Senado argentino, com a descriminalização do aborto. Foram 38 votos a favor e 29 contrários. Sabemos que houve uma intervenção direta do papa junto as senadores para rejeitar a proposta. 

 

A decisão histórica, porém se impôs. Agora o governo argentino permite a interropção voluntária da gravidez até a 14ª semana de gestação. 

Eu, particularmente, apoio essa decisão, ainda que tenho questões pessoais com respeito ao aborto.

 

Vale também lembrar que foi igualmente sancionado por unanimidade no Senado um "seguro de mil dias" para "fortalecer o atendimento à mulher durante a gravidez e nos primeiros aonde vida dos filhos, com o objetivo de evitar aborto motivado por causas econômicas". Veja sobre isso a excelente matéria de Janaína Figueiredo, publicada ontem, 31/12/2020, no O Globo.

 

Em 2018 houve um revés nessa questão, e as mulheres reagiram fortemente, com o movimento do lenço verde, que se tornou um "símbolo mundial de defesa dos direitos das mulheres". Confiantes partiram para a luta, mesmo apesar dos conflitos com as instâncias religiosas conservadoras. A assim "chamada verde se espalhou por todo o país, tomando a capital Buenos Aires, chegando a pelo menos 120 cidades do interior e atravessado as fronteiras". 

 

O voto das senadoras e senadores "mudou o curso da história do movimento feminista argentino. Na Praça do Congresso, em Buenos Aires, coberta de lenços verdes, uma bandeira informava: ´nem uma morte a mais por aborto clandestino`. O passo seguinte é regulamentar e implementar uma lei de vanguarda num país ainda profundamente católico, onde a igreja, com explícita e direta orientação do papa Francisco, exerce enorme influência social".

 

Nesse campo da moral, a igreja católica tem ainda muito o que avançar, em linha de sintonia com seus teólogos moralistas mais ousados, muitos dos quais foram punidos pelo Santo Ofício, como Bernardo Häring, que conta sua triste história no livro, "Fé, história e moral" (1990). 

 

Seu processo teve início em 1975 e só foi concluído em 1979, com muito sofrimento. Como ele diz, "foram oito anos de verdadeiro calvário para mim, que coincidiram com a violenta manifestação de um câncer na garganta, que me obrigou a sete intervenções cirúrgicas, seguidas de terapias à base de cobalto e outros sérios cuidados". 

 

Häring menciona no livro "a profunda contradição existente entre a competência ´legal`do Santo Ofício e a absoluta incompetência de tantos de seus membros". E são eles que vão determinar as leis sobre os temas da moral, em profundo de acordo com as novas demandas do tempo. 

 

Häring adverte sobre "o perigo real e temível que é fazer da palavra ´Magistério` uma mitologia útil para um ´fim político`". Recorda também o arbitrário gesto, na ocasião, de suspensão aplicada a dois docentes do Instituto Bíblico, dos melhores da instituição: Lyonnet e Zerwick. Os teólogos punidos, "entrincheirados na defesa de uma fé que parecia desmoronar, não conseguiam partilhar das corajosas posições inovadoras".

 

Outros teólogos moralistas foram impiedosamente punidos pelo Santo Ofício (agora Congregação para a Doutrina da Fé), como Charles Curran e Marciano Vidal. 

 

No clássico "Journal d´un théologien - 1946-1956 (2000), outro teólogo punido anteriormente, Yves Congar chegou a comparar o Santo Ofício com a Gestapo, revoltado também com a então punição a outro grande teólogo dominicano francês, o padre Chenu. Dizia que Chenu tinha sido "injustamente condenado por uma miserável panelinha miserável de pessoas medíocres, ignorantes e sem caráter". E os bispos, acrescenta Chenu, sempre titubeantes e medrosos de propor qualquer oposição a isso, sempre passivos e servis. 

 

Lendo o livro-manual da restauração católica, organizado por Vittorio Messori, em longa entrevista com o cardeal Ratzinger, então prefeito do Santo Ofício, "Rapporto sulla fede" (1985), captamos muito bem esse clima de tensão entre a teologia moral e o magistério católico.

 

Ratzinger nomeia um dos capítulos do livro com o título sinistro de "o drama da moral" (capítulo VI). Defende ali coisas hoje inadmissíveis como vincular a sexualidade à procriação, e outros tantos disparates. Sublinha com ênfase que "hoje o âmbito da teologia moral tornou-se o principal ponto de tensão entre o Magistério e os teólogos". E esse projeto restaurador encontra-se ainda em curso nesse campo da moral, infelizmente.

 

No meu livro, "Teologia e pluralismo religioso" (2012), dedico um capítulo a um dos maiores teólogos dominicanos do século XX, Christian Duquoc. Cito uma passagem de um livro seu meio desconhecido no Brasil, que é excelente: "Credo la Chiesa: precarietà istituzionale e Regno di Dio" (2001). 

 

Ele levanta uma hipótese ousada, mas que considero bem pertinente, que mostra uma cumplicidade ao longo da história da igreja entre a convicção de possuir a verdade e a violência". 

 

Trata-se, diz ele, "da violência que acompanha a "pretenção eclesiástica de testemunhar na história e de ser responsável por sua inscrição social". A violência estaria, a seu ver, enraizada na pretensão institucional arrogante de encarnação da Verdade transcendente. 

 

Uma pretensão que vem reforçada pelo discurso doutrinal que serve, na prática, para amortecer a precariedade da instituição eclesial. Um tal posicionamento revela-se para Duquoc como equivocado e injusto, fixando-se exclusivamente na "lógica da identidade".

 

No campo do debate sobre a eutanásia, gosto muito das posições do teólogo Hans Kung, outro punido pelo Santo Ofício. Em seu volumoso livro, "Uma batalha ao longo de uma vida: ideias, paixões, esperanças. A minha narrativa do século (2014 - edição italiana), ele explicita com clareza como gostaria de morrer, e manifesta que a sua vontade seja atendida. 

 

Argumenta que a morte deve ser um acontecimento sereno para o que vive a passagem, sem maiores sofrimentos injustos. A morte como um caminho de interioridade "para uma nova ligação com algo para nós desconhecido". A vida não vem tirada mas transformada. 

 

Assinala crer na acolhida pelo "Deus misericordioso", sendo a morte a coroação de uma vida bem sucedida. A morte, como passagem integrativa no cosmos, é a última etapa, da estrada decisiva em direção ao cosmos. 

 

Pontua que a morte não pode ser compreendida mediante conceitos, mas só se pode explicá-la mediante imagens: o coração do mundo, a sua causa, o seu fundamento e o seu objetivo original e eterno". A morte é para ele o que nos conduz à "realidade última, vasta e inapreensível que denominamos Deus". 

 

Não há que viver esse momento de proximidade da morte num clima de terror, mas nos devemos habitar pela serenidade e reforçar nossa fidelidade, com a devida força para encontrar um sentido que nos descanse. 

 

Como diz Hans Kung, já em idade avançada, que não está cansado da vida, mas agradecido por ela". Ele optou por uma morte assistida, que deverá ocorrer na Suiça, quando sentir que suas forças se esgotaram. É o que eu chamo de ortanásia em vez de eutanásia.

 

Sofrendo do Mal de Parkinson, artrose e também de uma degeneração macular que avança passo a passo, defende com insistência e vigor o "dever de lutar por sua sobrevivência". 

 

Sublinha que seu desejo agora é desacelerar a vida: "Agora me vem concedido o tempo para ler o que quero, escutar música quando me agrada, falar com os outros por todo o tempo". É o momento bonito de agradecer todas as gentilezas que irradiam na sua vida, de pessoas queridas e amadas. 

 

E finaliza: "Continuo a pensar que a questão de quando e como deva morrer seja uma responsabilidade minha, a não ser que a decisão venha antecipada por uma ´morte imprevista`". E indica que tudo isso é resultado em sua fé num Deus misericordioso, e de que sua morte não significa uma "precipitação no nada", mas o envolvimento gracioso nas misericordiosas mãos de Deus.