sexta-feira, 24 de maio de 2019

Etty Hillesum - A força da vida e o mistério de Deus

Etty Hillesum – A força da vida e o mistério de Deus

Pelo Prof. Faustino Teixeira*
Juiz de Fora, MG

Sintese: A presença da jovem mística, Etty Hillesum (1914-1943), mudou o panorama da visão tradicional da mística, apontando um caminho singular de alguém que vem de um mundo secular, com traços de liberdade e busca de autenticidade. Foi talvez quem conseguiu tocar mais de perto o mistério maior, sem nome, enfrentando com altivez condições adversas de um campo de concentração e cavar no fundo de si a presença acolhedora de Deus. É uma mística inspiradora, que consegue desentranhar nas condições mais adversas a consciência da beleza da vida e um sentido mais profundo para continuar acreditando num mundo melhor.

Palavras Chave: Mística, Vida interior, Deus, Abertura, Hospitalidade

Abstract: The presence of the very young woman and mystic Etty Hillesum (1914-1943) changed the overall picture of the traditional aproach of mysticism, which points out the sole path of someone who comes from a secular world, showing traces of freedom and a deep search for authenticity. She was perhaps the only person who succeeded in touching the biggest, nameless mystery in such a close way, facing hostile conditions in a concentration camp and digging in her own depths the welcoming presence of God. She is an inspiring mystic that can reveal even in the most adverse conditions the awareness of life’s beauty and also a deeper meaning to continue believing in a better world.

Keywords: Mysticism, Interior life, God, Openness, Hospitality

Introdução

            A mística de Etty Hillesum é das coisas mais extraordinárias e comoventes que se pode encontrar na história dos grandes buscadores espirituais. É um caminho bonito de resistência e de fé, de presença de um mundo interior encantado, capaz de, fortalecido, enfrentar com garbo as dificuldades mais impressionantes que o ser humano é capaz de lidar ao longo de sua vida. E tudo marcado pela alegria e pela presença de um mantra que aquece o coração: A vida é bela. Seu itinerário de vida e seu exemplo encantaram e continuam a inspirar muitos de nossos contemporâneos. Temos o exemplo do papa Bento XVI, que tocado por sua vida, sobre ela se expressou em audiência de 13 de fevereiro de 2013. Ele fala da jovem holandesa, de origem hebraica, que estava antes distanciada de Deus, mas que ao longo de um processo de busca interior, conseguiu encontrar o sentido de sua vida num mistério maior. Relata uma página de seu diário em que ela fala da presença de uma “fonte muito profunda” onde habita Deus, mas que está coberta de areia e detritos, sendo necessário um trabalho espiritual para desbastar os empecilhos e fazer brilhar para os outros esse mistério bonito. Conclui sua fala dizendo que esta jovem garota, de corpo frágil, tinha um espírito intenso, “cheia de amor e de paz interior”, porque seu mundo interno estava guarnecido pela intimidade com Deus[1]. Um outro depoimento tocante, vem do monge Enzo Bianche, da comunidade de Bose (Itália), falando num simpósio em 1999. Dizia que Etty Hillesum é uma pessoa muito especial, que tem o dom de ajudar as pessoas que experimentam a dor e o sofrimento[2]. Alguém que nos mostra a face de um Deus que amadurece, que ganha vida, pacientemente, entre aqueles que se sentem feridos. Aliás, a última frase do diário de Etty é significativa: “Gostaria de ser um bálsamo para muitas feridas” (EDP, 333).

Um itinerário de buscadora

            A pesquisadora italiana, Wanda Tommasi, pontuou um traço peculiar do itinerário espiritual de Etty Hillesum[3]. Ela fala numa “santidade nova”. E porque? Em razão da peculiaridade de sua vida mística. Não é a primeira “santa” a evidenciar traços anômalos, outros tantos apresentaram características que vão em linha de tensão com a concepção tradicional da mística. Ela é um desses casos. Sua santidade tem o traço da secularidade. Não tem nada de visionário ou extático em sua experiência. Sua vida “desenvolve-se toda na dimensão cotidiana, na ´prosaicidade` de ambientes comuns, e a sua ascese, que também está presente (ela também, assim como os grandes mestres do passado, desenvolveu um caminho de purificação de si), não tem nada de medieval”[4]. Foi uma jovem que teve uma vida fora do padrão característico dos espirituais, como a relação simultânea com dois homens[5], bem como a prática de um aborto voluntário. Toma essa dura decisão, porque “não tem coragem de pôr no mundo uma criança naquelas circunstâncias históricas – a perseguição aos judeus, a deportação, o extermínio”[6]. Foi para ela um drama doloroso. Resiste à maternidade também em razão do temor de ter um filho com problemas mentais, como no caso de seus dois irmãos, Misha e Jaap, que tinham vivido problemas difíceis nessa área. Etty relata em seu diário, em 06 de dezembro de 1941, que viu com seus próprios olhos, o seu irmão Mischa, “completamente desvairado”, sendo conduzido à força para um manicômio. Foi algo violento em sua vida, e tomou a decisão de nunca mais na vida deixar que saísse de seu ventre “uma pessoa tão infeliz”.[7]Ela mencionava o seu aborto com uma expressão precisa: “o meu menino nunca nascido” (il mio bambino mai nato). Por ocasião da morte de seu grande amante, Julius Spier (1887-1942), volta a falar de seu bambino, de uma forma carinhosa. Diante do corpo de Spier, ela diz: “Trago-te dentro de mim, como o meu menino nunca nascido, mas não te trago no ventre, mas no coração, também um lugar mais respeitável” (EDI, 715).

            Etty nasce em 05 de janeiro de 1914, em uma família de tradição judaica. Seu pai, Louis Hillesum, vem em geral apresentado como um “homem baixo, silencioso e esquivo”, movido por um humorismo singular. Era professor de línguas clássicas,  um erudito, e pertencia ao grupo de notáveis de sua cidade. Levou para o campo de passagem, Westerbork (na região de Drenthe, nos confins da fronteira alemã)[8], as versões holandesa, francesa e grega da Bíblia. Ele adorava os clássicos gregos, e chegou a dar aulas para refugiados em seu barracão, em Westerbork,  sobre Homero, Ovídio e Salústio, bem como discutia com alguns rabinos vetustos ali presentes. Na visão de Etty, ele era alguém adornado por um “belo abandono fiducioso”[9]. Sua mãe, Riva, vinha da Rússia, tendo chegado em Amsterdã em fevereiro de 1907. Vem descrita como uma “mulher continuamente empenhada, caótica, extrovertida e de caráter dominante” (EDI, 18-19) [10]. Dos dois irmãos de Etty, Jaap conseguiu formar-se em medicina, tendo estudado em Amsterdã e Laiden. Com distúrbios psiquiátricos, teve que se internar diversas versos em institutos especializados. Foi um jovem sempre muito frágil. O outro irmão, Mischa, tinha um grande talento musical, tendo estudado piano. Também portador de problemas psiquiátricos, chegou a receber tratamento para esquizofrenia. A situação dos irmãos marcou também a dinâmica psicológica de Etty, sempre preocupada com eles.

            A família nunca teve uma ligação religiosa, praticante, com o judaísmo. Talvez a sua marca mais decisiva seja um “indiferentismo religioso”. Não há traços de práticas religiosas domiciliadas nas diversas cartas ou no diário de Etty Hillesum[11]. No caso de Etty, a presença do traço espiritual foi ocorrendo ao longo de seu itinerário pessoal. Algo bem interessante. Não há na jovem nenhum sinal de “pensamento sistemático enraizado em certezas dogmáticas religiosas”, mas, sim de um pensamento humanista, consciente de seu próprio destino[12], que vai ganhando com um tempo um toque espiritual singular. Não se pode afirmar dela que pertença à tradição judaica ou cristã. O que tinha mesmo era uma “fé na humanidade”[13]. Dizia em página de seu diário, em 10 de junho de 1941: “Deve-se sempre ´alargar` o próprio coração para que então abra-se espaço para muitos” (EDI, 108). Como mostra Fratel Michael Davide, o caminho interior de Etty “é um retorno à casa que significa não um retorno à sinagoga nem um ingresso na Igreja, mas um retorno à verdade e profundidade de seu coração”.[14]  Vejo como correta a avaliação de Wanda Tommasi, quando diz que santidade de Etty é “livre, inter-religiosa”[15]. Distintamente de Teresa de Ávila, bem domiciliada no catolicismo, Etty foi uma mística de grande “liberdade do Espírito”, sem estar encerrada em nenhum recinto confessional: “não pertence totalmente nem ao judaísmo nem ao cristianismo”[16]

            Etty passou sua juventude em Middelburg, Hilversum, Tiel e Winchoten. Depois de julho de 1924, fixou-se em Deventer onde frequentou a escola Graaf van Buren. Não se destacava como aluna naquele período, diferentemente se seu irmão Jaap, que era brilhante. Ela seguiu cursos de hebraico, tendo também acompanhado um grupo de jovens sionistas em Deventer. Após o ginásio, em 1932, partiu para Amsterdã, onde cursou jurisprudência. Além disso, dedicou-se também ao estudo das línguas eslavas, em particular o russo (língua e literatura). Depois de um período morando numa casa da família Horowitz, onde já estava seu irmão Mischa desde 1931, fixou residência na casa de Hendrik (Han) J. Wegerif, onde também morou o seu irmão Jaap. Tratava-se de um viúvo, com quem depois Etty estabeleceu uma relação mais íntima. Ali Etty viveu, num clima de rica diversidade[17], até sua partida definitiva para o campo de Westerbork, em junho de 1943. Antes disso, em razão de sua participação no Conselho Hebraico, alternava sua presença entre Amsterdã, internações hospitalares e Westerbork. Sua saúde era frágil, sendo portadora de bulimia[18]e dores de cabeça, tendo em certa ocasião da sua vida aventado a hipótese de suicídio[19], mas foi um episódio passageiro (EDI, 796)[20]. Em carta a dois amigos queridos, Johanna e Klaas Smelik, em 03/07/1943, Etty trata da questão do suicídio, numa perspectiva agora bem crítica. O amigo Klaas queria envenenar-se, e contava com a ajuda de sua filha, que se recusou a tomar a iniciativa de levar-lhe o frasco com o líquido que selaria sua vida. Ele estava com medo das represálias dos alemães, em razão de suas atividades antifascistas. Aliás, o clima que marcou o período universitário de Etty era de esquerda e antifascista (EDI, 20). Em sua carta aos amigos, Etty sublinha que apesar de toda a degradação vivida em Westerbork, o mundo interior ganha possibilidade única de fortalecer-se. E reforça com os amigos a importância disto: “Ainda há muito tempo para viver e muito para fazer em conjunto. E por isso peço-vos: mantenham-se em sentinela interior” (ECP, 155). 

            Como observado antes, Etty participou do Conselho Hebraico, um órgão burocrático com funções mediadoras e de administração das atividades no campo de Westerbork. A ocupação alemã na Holanda tinha começado em 10 de maio de 1940, e o Conselho começou a funcionar em fevereiro de 1941. No final de abril de 1942, os judeus foram obrigados a portar no peito a estrela de David. O cerco ia se apertando para os judeus, mas isto não abafava o senso de liberdade de Etty. Num sábado à noite, no dia 20 de junho de 1942, ela faz um passeio de bicicleta, num momento onde as restrições aos judeus irradiavam-se por todo canto. No passeio ela reflete:

“Essa manhã passei de bicicleta pelo Staionkade e desfrutei do vasto céu ali nos limites da cidade e inspirei o ar fresco e não racionado. E havia tabuletas por toda a parte indicando aos judeus o impedimento de livre acesso aos caminhos e ao campo aberto. Mas sobre aquele pedaço de caminho, que permanece nosso, também existe o céu total. Não nos podem fazer nada, não nos podem fazer realmente nada” (EDI, 638) (EDP, 17)[21].

            Apesar de todo aquele cerco que se apertava, Etty sentia-se livre, não governada por ninguém. Dizia: “Não sinto que esteja nas garras de ninguém, só sinto estar nos braços de Deus” (EDP, 19). E repetia o seu mantra: “Acho a vida bela, e sinto-me livre. Os céus se estendem dentro de mim e sobre mim” (EDI, 638).

No verão de 1941, os alemães começaram a preparar a  deportação dos judeus para a Polônia, e o Conselho ajudava nisto. Tudo provocava um desconcerto interior profundo em Etty Hillesum, que se manteve vinculada ao Conselho até junho de 1943, quando se tornou, como os outros, uma interna num dos barracões. É quando cessam as prerrogativas a que tinha direito como participante do Conselho Hebraico.

Quando Etty parte definitivamente para Westerbork, vai mesmo sentir falta é de sua escrivaninha de Amsterdã, aquele espaço privilegiado de edificação da energia interior, uma espécie de “trabalho de cela” dos monges, um espaço privilegiado e garantido para o aprofundamento de si. Ela diz em página de seu diário, em 30 de abril de 1942, que leva para o campo de passagem o seu quarto – e sua escrivaninha – consigo, pois já fazia parte de seu ser. Era algo que estava enraizado em seu mundo interior, e que ninguém poderia retirá-lo dali (EDI, 530). Ela dizia que sua escrivaninha era “o mais belo lugar desta terra”[22]. Em Westerbork passa a viver, junto com os outros, num barracão lotado, sem poder gozar dos privilégios anteriores. Mas curiosamente, mesmo ali, ela conseguia vislumbrar largos horizontes, pois levara consigo, no coração, aquele “refúgio de silêncio”. Sobre isto diz a poeta Mariana Ianelli: “Enquanto chegavam e partiam os trens para o Leste, Etty abria uma brecha naquele cotidiano cinzento para, de repente, olhar gaivotas. É como se a poesia a ajudasse a ler melhor a própria vida nessas filigranas de beleza que coexistem com o horror”[23]. Ficava, porém, tocada com a transformação sofrida pelas pessoas, pelos amigos, no cotidiano daquela “zona cinza” do campo de Westerbork. Elas se transformavam em algo diverso. E estavam ali, ajuntados nos barracões, líderes dos círculos culturais e políticos das grandes cidades: “Todos os bastidores colapsaram de repente em seu redor, num grande gesto poderoso, e agora estão um pouco abalados e estranhos naquele palco aberto e ventoso chamado Westerbork (...). As suas couraças bem forjadas de posição, prestígio e posses desfizeram-se e eles possuem apenas a camada da sua humanidade” (ECP, 97)[24]

Uma presença que abriu horizontes

            Hoje Etty vem reconhecida por muitos estudiosos como uma mística singular. O processo de seu crescimento interior foi, porém, progressivo, com uma dinâmica vital que driblou a inquietude que dominava o seu mundo interior. E vários fatores contribuíram para isso, entre os quais a presença do terapeuta e psicoquirólogo[25]Julius Spier (1887-1942) em sua vida. Ele era um judeu de Frankfurt que havia se refugiado em Amsterdã, fugindo da perseguição nazista. Mantinha um pequeno consultório no bairro judeu da cidade. Tinha feito análise com Carl Jung em Zurique, tendo sido elogiado por ele por sua metodologia inovadora[26].No diário de Etty ele vem sempre nomeado como S. O contato entre os dois teve início no final de janeiro de 1941, durante um sarau musical em que seu irmão, Mischa, tocava piano e Spier cantava. Isto aconteceu um mês antes dela começar a redigir o seu diário[27]. Já na ocasião ela foi tomada de admiração por ele, decidindo-se a começar um processo terapêutico. Naquele momento, sentia-se insegura e carente.. 

No prefácio da edição portuguesa de seu diário, José Tolentino Mendonça relata que ela tomou contato com Spiers num momento de “solidão e insegurança” (EDP, 14), aceitando começar um acompanhamento com ele. Logo no início do tratamento ele a aconselhou escrever um diário, onde pudesse se expressar por escrito, e isto foi correspondido, tendo ela iniciado a redação em março de 1941. Ela o procurou porque sentia-se incomodada e desorganizada interiormente. Dizia que “algo” continuava encarcerado dentro dela, como se ali no fundo de seu ser houvesse fibras embaraçadas, “algo a prender-me” (EDP, 59). Havia clareza no campo do raciocínio, e uma luz e “refinamento” no âmbito de sua vida sexual[28], mas “algo” a incomodava e prejudicava, uma espécie de “bloqueio espiritual” e um “caos interior”. 

 Era também “afligida por distúrbios psicossomáticos, passava por um opressivo estado de pessimismo, de falta de sentido e tentações suicidas”[29]. Precisava de alguém que pudesse colocar esse turbilhão, esse “caos em ordem”, de forma a ajudá-la a “dominar as forças contraditórias que habitavam” o seu íntimo; de alguém que a pegasse nas mãos e a orientasse: “é assim que deves viver” (EDP, 63)[30]. Encontrou em Spier essa pessoa indicada, ainda que o considerasse no início um “estranho total”, mas com o tempo foi tocada por sua sedução. Por sua indicação começou a fazer uma série de atividades que exerceram sobre ela um efeito milagroso: “Ginástica, exercícios respiratórios, palavras esclarecedoras e libertadoras acerca” de suas depressões e desorientações, bem como de sua relação problemática com os outros. E aí foi se operando um desbloqueio: “De repente, passei a viver de modo diferente, mais livre, descontraída”, vencendo o bloqueio inicial. Foi emergindo de seu íntimo “alguma ordem e sossego”, tudo por influxo da “personalidade mágica de Spier” (EDP, 63). Dizia que estar com ele dez minutos valiam uma inteira jornada (EDI, 740 ). Sua figura causava nela uma atração fatal: “Seus olhos límpidos e puros, a grande boca sensual, a corporatura máscula quase taurina, os movimentos livres e ligeiros como pluma” (EDI, 31). Seus olhos, então, exerciam um fascínio único, uns olhos “estupendamente humanos”.

            Na terapia, as mãos exerciam um papel fundamental, como um “segundo rosto”. Tudo a impressionava em seu trabalho, e aos poucos a tensão interior foi se libertando, produzindo nela uma sensação de liberdade que nunca sentira antes. E a terapia envolvia também uma luta corporal, onde os dois rolavam sobre o chão e em alguns casos ela acabava rendida, envolvida nos seus braços (EDP, 64; EDI, 42). O carinho de Etty com as mãos é um traço que emerge nos seu diário, como também estava tão presente nas reflexões de Rilke. Dizia Etty: 

“Deve-se atravessar a noite com as mãos vazias e abertas, mãos que acompanharam voluntariamente toda a jornada. E só depois pode-se então repousar. E naquelas mãos repousadas e vazias, que nada quiseram reter, e nas quais não habita desejo algum, cada um de nós, ao despertar, acolher um novo dia” (EDI, 619).[31]

            Havia entre os dois uma grande diferença de idade. Na ocasião ela tinha 26 anos e ele 54. Desse encontro libertador surgiram muitos aprendizados, e dentre os mais importantes, a “fé inequívoca” de exercício de uma “vida plena e inteira”. Aquela alegria que tomará conta do coração de Etty, tinha se iniciado ali, naquele processo terapêutico, onde ele, Spier, exercia o papel de um “obstetra da alma” (EDP, 15). Tiveram também muita importância seus aconselhamentos de leitura, que incluíam a leitura da Bíblia, de Santo Agostinho e Tomás de Kempis, dentre outros[32]

            Pode-se também lembrar a presença de amigos e amigas em seu redor, que tiveram também papel importante nesse seu mapeamento interior. É o caso de Henny Tidemann, uma amiga cristã nomeada carinhosamente de Tide no diário[33], bem como Liesl e Werner, judeus alemães,- que foram também deportados para Westerbork (EDP, 16)[34].  Com Tide perceberá o valor e a singularidade da oração, como tão bem expresso em carta a ela em 18 de agosto de 1943:

“Deus meu, fizeste-me tão rica, deixa-me, por favor, partilhar generosamente esta riqueza. A minha vida tornou-se um diálogo ininterrupto Contigo, meu Deus, um grande diálogo. Quando estou em algum canto do campo, de pés plantados em Tua terra, os olhos levantados para o Teu céu, há alturas em que me correm lágrimas pelas faces, brotadas de uma comoção e gratidão interiores, que procuram uma saída (...). Não me revolto contra Ti, meu Deus, a minha vida é um diálogo intinterrupto contigo. Talvez nunca venha a tornar-me a grande artista que, na verdade, gostaria de ser, mas já estou demasiado protegida em Ti, meu Deus. Por vezes, gostaria de registrar pequenas sabedorias e relatos vibrantes, mas volto sempre à mesma palavra – Deus – que compreende tudo, pelo que nada mais necessito dizer (ECP, 200-201).

            Foi com Spier que Etty aprendeu a se ajoelhar, seguindo uma prática comum na vida de seu terapeuta. No início ela resistia, pois não apreciava o gesto, não o tinha ainda hospedado em sua vida. Certo dia, 

“no entanto, de repente, encontrou-se jogada  no chão por algo maior e, a partir de então, começou a se definir como ´a moça que não sabia se ajoelhar e aprendeu a fazê-lo`. Esse movimento de corpo, que para ela era de recolhimento mais do que de submissão, era o ato de quem está como que vencido pela beleza e, ao mesmo tempo, sabe conservar em si o seu segredo e tornou-se o gesto sintetizador de toda a sua fé”[35].

E ela, Etty, acolheu igualmente um conselho dado por Spier no processo terapêutico, o de levar ao coração aquilo que se encerra na cabeça. Ou seja, o caminho de busca essencial do mundo interior e da prática da oração continuada. Ele aconselhou-a a dedicar-se pelo menos meia hora por dia à prática da meditação, e também a ajoelhar-se[36]. Em página de seu diário, em 02/10/1942 ela dizia, mencionando um problema de insônia: “Meu Deus, concede-me a grande e potente paz da Tua natureza. Se quiseres faze-me sofrer, concede-me a grande e plena dor, não as milhares e pequenas preocupações que se consomem completamente. Dá-me a paz e a fidelidade” (EDI, 786).

Tudo isso fazia parte de um programa de “higiene da alma”, mesmo reconhecendo que já antes Etty tinha feito contato com a obra de Rilke, que também aconselha esse exercício interior. É evidente a associação com a prática cristã, cujos livros inspiradores foram também indicados para leitura de Etty, como a Bíblia e Santo Agostinho[37]. Aos poucos, Etty foi acordada para o valor capital da oração, do ajoelhar-se, de se entregar humildemente ao Mistério Maior. Dizia em página de seu diário que queria ser “uma única, grande oração. Uma única, grande paz” (EDI, 786). Dizia ainda: “Ainda me restam duas mãos juntas e um joelho dobrado”, algo que aprendeu com dificuldade (EDI, 793). Em momentos ainda mais sombrios, quando os apuros se acirraram dizia: “Há de haver sempre uma nesga de céu visível em alguma parte e tanto espaço em meu redor, que as minhas mãos sempre se poderão juntar em oração” (EDI, 718)[38]. Quanto mais o cerco se apertava no campo de Westerbork, mais significado alcançava a oração na vida de Etty, formando como que uma “cela monástica” protetora, onde podia encontrar a paz[39].

O processo da escrita em Etty Hillesum ocorreu como passo de seu tratamento terapêutico. Foi Spier quem, provavelmente, a incentivou a começar a escrever o seu diário (EDI, 22) [40]. Foi quando então ela pôde expressar com sentimento vivo os traços de sua vida, seus temores, alegrias e esperanças. Não há dúvida alguma sobre a importância desta arte de escrever na conformação do pensamento de Etty, bem como de seu equilíbrio interior e de sua espiritualidade. Dizia em página de seu diário, que não tinha acesso ao significado profundo da dinâmica de sua escrita (EDI, 452). Mas certamente era algo que marcou e firmou o seu itinerário. No processo de sua criação, deve-se destacar o influxo importante de Rilke. Com ele, alguns conselhos essenciais para o processo formativo, que incidiram na sua redação, como os traços da paciência e da humildade, enquanto portas de entrada significativas para adentrar-se nos mistérios de Deus. De forma semelhante ao que ocorreu com Thomas Merton[41], Rilke teve um lugar de destaque na vida de Etty. Dizia no seu diário que ele é alguém que se leva junto a vida inteira, um marco referencial para a existência[42]. Etty dizia que as cartas de Rilke são como “um mar, no qual le immer tiefer und weiter hineinschwimme (´nado sempre mais avante e mergulho sempre mais em profundidade`)” (EDI, 476).
            
A busca do caminho interior

Dentre os diversos místicos que ajudaram a delinear a vida espiritual de Etty Hillesum, podemos indicar o poeta Rainer Maria Rilke. São diversas vezes que ele aparece citado no seu diário (EDI, 363, 368-369)[43]. Nas Cartas a um jovem poeta, Rilke aconselha ao aprendiz de poesia, Franz Kappus, a “entrar em si mesmo”, como condição essencial de iniciação ao mundo dessa arte. Igualmente nas Elegias de Duíno, Rilke assinala que “em parte alguma o mundo existirá, senão interiormente”[44]. Etty adentra-se no mundo interior e busca ouvir o canto da profundidade, a escuta da paisagem de si mesma. Diversas vezes utiliza a expressão hineinhorchen, ou seja, o prestar atenção dentro, que envolve o mundo de si, dos outros e de Deus, ou em outras palavras, o canto das coisas. Ela seguia a risca o conselho de reservar um momento especial e garantido para o devido tempo interior, a hora de quietação (stille stunde), o repousar em si mesma (ruhen in sich). Ali naquele espaço interior é que ela podia acessar com alegria a “corrente subterrânea da vida”, que aquece os dias e fornece o significado essencial da dinâmica existencial. Ali ela encontrou a força necessária para manter acesa a sua resistência contra a dor e a perseguição. Ela dizia em seu diário, em 12 de março de 1942: “Quando uma pessoa leva uma vida interior, talvez nem haja assim tanta diferença entre estar fora ou dentro dos muros de um campo”[45]. Com o olhar iluminado do mundo interior ela era capaz de ver jardins nas paisagens mais sombrias e irradiar o toque da alegria. Em página de seu diário, em 30 de maio de 1942, afirmou: 

“Num momento inesperado, abandonada a mim própria – encontro-me de repente encostada ao peito nu da Vida e os braços dela são muito macios e envolvem-me de modo muito protetor, e nem sequer consigo descrever o bater do coração: tão lento e regular e tão suave quanto abafado, mas tão fiel, como se nunca mais findasse, e também tão bondoso e misericordioso” (EDI, 568)[46].

            Animada interiormente ela podia dizer ao final de cada dia, a plenos pulmões, que a vida é bela, que “apesar de tudo é muito bela” (EDI, 414). A cada momento que se seguia à sua submersão em si, retornava com a alegria essencial. Uma escuta luminosa que fazia repercutir e irradiar o canto do amor e da esperança. Tinha também o hábito de se recolher no banheiro, numa esteira de fibra de coco, para fazer suas orações, ali tranquila como Buda, e participar vitalmente de sua “hora quieta”, fazer sua “higiene da alma”[47]. Aprendeu a escutar o mundo da profundidade, a estar atenta no aqui e no agora, com as marcas do despojamento e da simplicidade. Quanto mais equilibrada se sentia, tanto mais forte e solidificada para enfrentar os desafios. Anotara no diário de sua amiga cristã, Tide (Henny Tidemann): 

“Mesmo se estivesse numa cela subterrânea, aquele pedacinho de céu se estenderia dentro de mim e o meu coração voaria até ele como um pássaro, e é por isto que tudo é assim simples, extraordinariamente simples e belo, e rico de significado” (EDI, 752). 

Seu desejo mais forte era o de viver a simplicidade dos lírios do campo e poder “tocar com a ponta dos dedos os contornos da época”, ou então ser como o pequeno pastor que guia suas ovelhas tocando alegremente a sua flauta e olhando o céu (EDI, 766). Era uma jovem mulher ensolarada. Tinha dentro de si uma porção da eternidade. Dizia: “Os céus dentro de mim são tão vastos como os que estão por cima de mim” (EDI, 638); ou ainda: “Através de mim correm os largos rios e situam-se as altas montanhas. E por detrás dos matagais do meu desassossego e confusão estendem-se as largas planícies do meu sossego e entrega. Todas as paisagens estão dentro de mim” (EDI, 792-793)[48]. Tinha a viva consciência de que a construção da paz interior repercutiria na paz universal (EDI, 778). Chegou a cunhar uma palavra, com base em Eckhart, Gelatenhaid, que poderia ser definida como abandono fiducioso.[49]

            Um tópico importante na reflexão de Etty diz respeito ao cuidado com o mundo interior, envolvendo também a desaceleração. As pausas foram sendo fundamentais na vida espiritual de Etty. Trata-se do cuidado com o mundo interior e com o repousar em si mesmo para poder escutar o canto das coisas. É nesses momentos de calma, tranquilidade e atenção que se consegue captar o rumor da corrente subterrânea da vida. Para que isto ocorra é necessário todo um trabalho para vencer as barreiras do pequeno eu (kleine ik). Essa dinâmica de quietação não significa, em hipótese alguma, uma fuga do mundo ou temor da dinâmica do tempo, mas um processo de equilibração interior para poder adentrar-se no tempo e nas suas lutas com mais empenho e eficácia. É o que também dizia Teresa de Ávila em suas Moradas: “O amor ao próximo nunca desabrochará perfeitamente em nós se não brotar da raiz do amor de Deus”[50]

A experiência de Deus

Antes de falar sobre Deus, é necessário indicar os passos que marcaram o cenário de sua vida interior. O que ocorreu em sua caminhada foi um rico e paciente processo pedagógico de crescimento interior, muito favorecido pela presença de Spier ao seu redor. Sua juventude, como a de outros contemporâneos, foi marcada por inquietude e impaciência, insegurança e solidão. Só aos poucos, num trabalho singular de “higiene espiritual” é que ela foi encontrando o caminho da paz em seu coração. Foi um intenso processo de busca do domínio interior, de harmonização de todas as suas contradições e dificuldades (EDI, 687). Não foi um caminho fácil até encontrar a intimidade com Deus[51].

A experiência de Deus acompanha profundamente sua experiência de mergulho no mundo interior, de cuidado com o “ponto virgem”[52], com o seu fundo interior, com a centelha florescente e verdejante, para utilizar uma expressão cara a Mestre Eckhart[53]. Como diz o místico alemão, “aqui o fundo de Deus é o meu fundo e o meu fundo é o fundo de Deus”[54]. Deus, para Etty, consistia na “parte melhor e mais profunda” de si mesma, aquela a quem chamava Deus (EDI, 141-142)[55].  A jovem holandesa, sentia-se “eleita por Deus” (EDI, 725), eleita para permanecer atenta e viva num ambiente que se acentuava cada vez mais hostil e desumano. Dizia em seu diário, em 12 de julho de 1942, numa de suas mais lindas orações:

“Vou ajudar-te, Deus, a não me abandonares, apesar de eu não poder garantir nada com antecedência. Mas torna-se-me cada vez mais claro o seguinte: que tu não nos podes ajudar, que nós é que temos de te ajudar, e ajudando-te, ajudamo-nos a nós próprios. E esta é a única coisa que podemos preservar nestes tempos, e também a única que importa: uma parte de ti em nós, Deus” (EDI, 713).

            O que vai presidir a vida de Etty, a partir de certo momento, é um colóquio ininterrupto com Deus, um contínuo falar com ele, com alegria e liberdade. Um passo fundamental de acolhida gratuita ou reconhecimento de Deus em seu mundo interior. Falava sempre da necessidade de abrir caminhos para esse Mistério, deixar que ele aflorasse com seus dons inusitados e benfazejos. Deus estava para ela dentro do “poço” profundo de seu mundo interior, mas interditado por camadas de pedras e detritos, que somente através de um trabalho contínuo poderia ser desenterrado novamente (EDP, 112). E isto requeria paciência e tranquilidade. Etty recorria ao exemplo da árvore para indicar a importância dessa espera, sem pressa, com olhar voltado para “a hora do parto de uma nova clareza”. Dizia que “dez anos não são nada” e se faz necessário amadurecer como uma árvore, com a paciência dotada pela natureza (EDI, 363)[56]. E Deus também amadurece em nós, com a tranquilidade dos pequenos sinais[57].

É algo laborioso, que exige paciência, que se dá a cada dia, num processo de abrir passagem à fonte original que habita o nosso mundo interior e que aprendemos a nomear como Deus (EDI, 777). O acesso a Deus, segundo sua visada, só vem facultado pelo mergulho na vital “corrente subterrânea” que preside o mistério da vida. Essa “corrente” (stroom) “é a alma do mundo, o sentido e a força vital que, como uma música de fundo, permeia e sustenta todo o criado: toda criatura humana e a história mesma”[58]. Diz ainda em seu diário, em 28 de setembro de 1942:

“Creio que é justamente o medo que as pessoas têm de se esforçarem demais que lhes retira as suas melhores forças. Quando uma pessoa, ao fim de um processo longo e difícil que prossegue diariamente, atingiu as fontes primárias dentro de si, a que eu agora desejo chamar Deus, e quando uma pessoa trata de manter esse caminho até Deus aberto e livre de obstáculos – o que acontece ´trabalhando-se a si própria`-, essa pessoa renova-se na fonte e então não necessita de ter medo de oferecer forças a mais” (EDI, 777)[59].

            Foi justamente bebendo nesta corrente subterrânea que Etty conseguiu dar um significado novo à sua vida e firmar-se na resiliência essencial. Anotava em seu diário, em 17 de setembro de 1942: “Estou-te grata, meu Deus, por tornares a minha vida tão bonita onde quer que eu esteja” (EDI, 758). Daí o toque peculiar de seu mantra vital: “A vida é bela”.

            A missão levada avante por Etty foi de não deixar escapar Deus, daí sua preocupação em agradá-lo de todas as formas possíveis. Na bela oração de 12 de julho de 1942 dizia:

“O jasmim nas traseiras da minha casa encontra-se agora completamente destruído pelas chuvas e temporais dos últimos dias. As suas florzinhas brancas boiam dispersas nas lamacentas poças negras do telhado raso da garagem. Mas, algures em mim, esse jasmim continua a florir sem impedimentos, tão exuberante e delicado como sempre floriu. E espalha os odores pela casa onde habitas, meu Deus. Como vês, trato bem de ti. Não te trago somente as minhas lágrimas e pressentimentos temerosos, até te trago, nesta tempestuosa e parda manhã de domingo, jasmim perfumado. E hei-de trazer-te todas as flores que encontre pelo caminho, meu Deus, e a sério que são muitas. Hás-de ficar sinceramente tão bem instalado em minha casa quanto é possível. E já agora para te dar um exemplo ao acaso: se eu tivesse encerrada numa cela acanhada e uma nuvem passasse ao longo da minha janela gradeada, então eu iria trazer-te essa nuvem, meu Deus, se pelo menos ainda tivesse forças para isso” (EDI, 714-715)[60].

            Etty sentia-se, verdadeiramente, nos braços de Deus, em seu aconchego misericordioso e hospitaleiro (EDI, 711). O mistério de sua resistência estava também na presença de amigos especiais, como Spier, Liesl e Werner[61]. Os dois sentimentos fundamentais que delineavam o percurso espiritual de Etty foram Deus e o Amor. O amor ao próximo era um desdobramento natural de sua experiência de Deus[62]. Dizia com frequência que nossa tarefa no tempo é a de “aumentar a escolta de amor sobre esta terra”, evitando a todo o custo o acirramento do ódio. O amor, sim, é o valor essencial que ela buscava deixar como herança para os tempos futuros. E assim o fez. Como num belo gesto eucarístico, doou o seu corpo, partiu-o, para reparti-lo entre os seres humanos (EDI, 797). Etty estava movida pelo sentimento de amor universal, que envolvia alemães e holandeses, judeus e não judeus (ECP, 55). Com seu finíssimo olho espiritual, Etty era capaz de amar a todos, sem pensar em reciprocidade. Esse amor estava firmado em seu mundo interior e irradiava como perfume. Dizia que o amor ao semelhante é como “um brilho elementar que nos sustenta” (ECP, 190). Era uma mística apaixonada pelo capítulo 13 da primeira carta aos Coríntios, que fala do hino à caridade: “Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e as dos anjos, seu eu não tivesse a caridade, seria como um bronze que soa ou como um címbalo que tine” (1 Cor 13, 1)(ECP, 98). Etty tinha muita clareza sobre a urgência da hospitalidade. Acentuava a importância de “hospedar o outro no espaço interior e deixar que se expanda”, de buscar conservar um lugar para ele, um lugar de destaque, onde possa amadurecer e revelar sua potencialidade única (EDI, 416). 

A luta contra o ódio

O amor é a chave de compreensão da espiritualidade de Etty Hillesum. Dizia com vigor em suas cartas e em seu diário que é tarefa nossa contribuir para que a “escolta de amor” cresça sobre a terra.  A seu ver, “cada migalha de ódio que se acrescenta ao ódio já exorbitante, torna esse mundo inabitável e insustentável” (EDI, 688). Etty tinha todos os ingredientes para deixar-se tomar pelo ódio ali no campo de concentração, em Westerbork. Ali viveu num pedacinho “terrivelmente triste e vergonhoso” da história da humanidade (ECP, 92). Um motivo de vergonha. Ali visualizou o potencial de sofrimento que um ser humano é capaz de enfrentar, da dor e da humilhação. Naquele local, como assinalou em carta, “não se podia fazer muito com palavras, e por vezes, uma mão sobre o ombro era demasiado pesada” (ECP, 93). Duras são suas palavras sobre as condições vividas ali no campo de Westerbork[63]. Mas não se deixou tomar pelo ódio, ao contrário, continuou celebrando a alegria da vida, num abandono fiducioso e arrebatador ao Deus misericordioso. Com todas as condições para dizer o contrário, Etty rechaça em sua reflexão qualquer possibilidade de adesão ao ódio. Abrir espaços para sentimentos de vingança era para ela ampliar a dinâmica da dor e do sofrimento[64]. Assinalou em carta de dezembro de 1942: “Lá (em Westerbork), experimentei com vigor como cada átomo de ódio que se introduz neste mundo torna-o ainda menos acolhedor”[65]. Etty, com seu exemplo e sua prática não nega a existência do mal, mas o desarma, “subtraindo-o do poder de definir em última instância o que é a vida”[66]. Há que alargar, sim, os espaços e sentimentos de amor. 

Considerações Finais
                  
                  No lindo prefácio redigido por José Tolentino Mendonça para a edição portuguesa do diário de Etty Hillesum, ele assinala três encontros decisivos que a jovem mística holandesa vivenciou em sua curta experiência de vida: o encontro com uma pessoa, que foi Julius Spier; o encontro com um lugar, que foi Westerbork; e, finalmente, o encontro com algo sem nome, que é o próprio Inominável, aquele  Mistério maior sem nome, que faz calar todas as narrativas a seu respeito (ECP, 13).

A grande lição que pode ser tirada do itinerário desta mística singular é a da resistência e alegria. Trata-se de um de seus legados mais importantes, o desafio de alargar sempre mais os espaços de alegria e paz nos caminhos de nosso tempo. E também de acender sempre os meandros da resistência, encontrando brechas para apontar caminhos alternativos em favor de um mundo melhor. Numa de suas cartas mais belas, endereçada a Johanna e Klaas Smelik, em 03 de julho de 1943, ela compara a sua vida a de uma aranha. Ela diz: “Quando uma aranha tece a sua teia, não lança primeiro os seus fios principais, trepando ela própria também a seguir? O caminho principal da minha vida estende-se já há muito para longe, alcançando já um outro mundo” (ECP, 154).

É impressionante constatar como Etty Hillesum encarou a proximidade de sua morte. Impactante a serenidade com que ela enfrentou a dura situação no campo de Westerbork. O sofrimento estava sempre presente. Ela dizia: “A cada dia se envelhece dez anos” (EDI, 715). Tão difícil verificar que diariamente morriam duas a três crianças naquele campo, e ter que testemunhar continuamente o medo e o desespero de tantos companheiros e companheiras não foi nada fácil. Tudo muito difícil. Apontava em seu diário – citando Mechanicus -  que se sobrevivesse naqueles tempos difíceis, sairia mais madura, mas se morresse, também sairia mais madura e profunda (ECP, 159). Tão duro ver a cada semana o trem partir levando seus amigos para Auschwitz; tão difícil acompanhar o sofrimento de seus pais e maravilhar-se ao ver seu pai dizer que estava pronto para suportar viver o que tantos outros passaram antes dele (ECP, 171). Tudo isto se explica pela presença de um brilho incomum em seu coração, de potencialização vital. Uma força dinamogênica que a fazia manter acesa a alegria em seu coração. Dizia numa clássica carta que era fundamental manter “uma grande dose de sol dentro de si” para evitar o choque psicológico[67]

Permaneceu aquecida sob o mote central de sua vida: “A vida é bela!”, apesar de tudo. Em outra passagem de seu diário sublinha: “Quero estar lá no meio daquilo a que as pessoas chamam ´terrores` e ainda dizer que a vida é bela” (EDI, 791). Sabia como enfrentar suas “depressões”, encarando-as como “pausas criativas” (ECP, 28-29), sempre com o olhar voltado para o alto e para o centro de si mesma. Sabia aceitar com honradez os momentos “não criativos”  e mais vazios que às vezes “distraíam” o seu coração, e tudo enfrentado com muito garbo e paciência (EDI, 796). Sabia que tinha uma missão essencial naquele campo de dor: “Desenterrar Deus no coração dos atormentados”, resguardando neles o sentido da própria dignidade”[68], o desafio de despertar para a vida aquilo que já morreu nos vivos (EDI, 755). 

Desde aquela data central de sua vida, em 3 de julho de 1942, compreendeu o plano dos alemães e se deu conta da proximidade de sua morte[69]. Começa a falar sobre a morte com tranquilidade e a aceita em seu itinerário[70]. Diz numa carta: “A possibilidade da morte é um dado tão absoluto na minha vida, como se a morte, por assim dizer, a tivesse ampliado tanto que o enfrentar e aceitar a morte, a destruição, qualquer espécie de destruição, passou a fazer parte desta vida” (EDP,  219)[71]. Mas foi adiante com segurança e fé, pois sabia que tinha um destino a cumprir e que estava amparada por Deus. Sabia como se colocar diante das circunstâncias adversas, e de forma otimista. Estava ali para poder testemunhar que Deus viveu também naquele tempo (EDI, 738). Daí ser reconhecida no campo de Westerbork como o “coração pensante” (EDI, 751 e 788), que mantinha a chama da esperança sempre acesa. Por fim, um lindo pensamento tirado de seu diário: “Dá-me um pequeno verso por dia, meu Deus. E se eu nem sempre o puder copiar por não haver papel ou luz, então hei-de declamá-lo baixinho para o teu grande céu, à noite, mas dá-me um pequeno verso de vez em quando” (EDI, 773)[72]. Esse pode ser, sem dúvida, o mantra de todos nesses momentos sombrios que marcam o tempo atual.

Apesar de todas as opressões, exclusões e marginalizações a que os humanos, e também as outras espécies companheiras, sofrem, faz-se necessário criar novos espaços de acolhida, cuidado, ternura e hospitalidade. São valores essenciais que se aprendem com práticas como as de Etty Hillesum. Uma jovem provada, que em situações de extrema opressão conseguiu manter acesa a chama da alegria e partiu cantando para Auschwitz (ECP, 238 e 261)[73]. É um exemplo que deixa rastros na nossa memória e que nos anima a irradiar algo semelhante em nosso tempo sombrio.

            Abre-se o desafio de ampliar o campo energético do mundo interior. Já dizia um grande humanista, “revolucionários tristes só fazem uma triste revolução”. É cuidando do mundo interior e ajudando os amigos a fortalecerem o seu mundo, que se pode manter acesa a chama da esperança. A doença mais terrível no tempo atual e quantitativamente a mais presente é a depressão. Exemplos e testemunhos como os experimentados por Etty são alvissareiros. Daí a importância de resgatar e alimentar o seu fantástico legado. 

Referências Bibliográficas:

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TOMMASI, Wanda. A liberdade do Espírito: Etty Hillesum, uma santidade nova. Concilium, v.351, n.3, p. 113-120, 2013.

(Publicado na REB, v. 78, n. 31, set/dez 2018)


*Possui doutorado pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma (1985). É pesquisador do CNPQ, Assessor do ISER-Assessoria (RJ) e professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da UFJF. Atua nas áreas de Mística Comparada das Religiões, Diálogo Inter-Religioso e Teologia do Pluralismo Religioso. 
[1]http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2013/documents/hf_ben-xvi_aud_20130213.html. Veja também: Fratel Michael Davide. Etty Hillesum. Umanità radicada in Dio. Milano: Paoline, 2013, p. 16.
[2]Fratel Michael Davide. Etty Hillesum. Umanità radicada in Dio, p. 130-131.
[3]Para um quadro geral esquemático sobre sua vida cf.  Beatrice Iacopini & Sabia Moser.Uno sguardo nuovo. Il problema del male in Etty Hillesum e Simone Weil. Cinisello Balsamo: San Paolo, 2009, p.13-17.
[4]Beatrice Iacopini. Trabalhar sobre si mesmo é a única solução para o mal:
[5]Dizia em página de seu diário, em 09/10/1942: “Acho algo infantil a ideia de uma pessoa só poder amar uma única outra durante a sua vida inteira e mais ninguém” (EDP, 328).
[6]Wanda Tommasi. A liberdade do Espírito: Etty Hillesum, uma santidade nova. Concilium, v.351, n.3, p. 116, 2013.
[7]Etty Hillesum. Diario– Edizione integrale. 2 ed. Milano: Adelphi, 2013, p. 260. Essa obra será sempre abreviada no texto com a sigla EDI (Etty Diário Italiano), seguido da página. Há também uma versão abreviada do diário, publicada em Portugal: Etty Hillesum. Diário – 1941-1943. 3 ed. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009. A obra será siglada no texto com EDP (Etty Diário Português). Há também uma publicação brasileira dos diários de Etty: Uma vida interrompida. Os diários de Etty Hillesum 1941-1943. São Paulo: Record, 1981. Sobre a questão do aborto ver: EDI, 265 e 715. Ver também: Fratel Michael Davide. Etty Hillesum, p. 79.
[8]Aquele campo de sofrimento é hoje um lugar tranquilo e de paz. Bem diferente de quando foi instituído pelo governo holandês, como campo de passagem para hospedar os judeus alemães, em fuga dos nazistas. Foi o primeiro Durchgangslager, depois transformado pelos nazistas em campo de trânsito, para as deportações nos campos de extermínio, como Auschwitz, no sul da Polônia. Ver: Emanuela Miconi. Etty Hillesum. La forma perfetta. Trento: Il Margine, 2015, p. 89.
[9]Beatrice Iacopini(a cura di). Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera. Firenze: Le Lettere, 2018, p. 148 (em carta a Christine van Nooten, 01/07/1943). Ver também: Etty Hillesum. Lettere. Edizione integrale. Milano: Adelphi, 2013 - será sempre siglada: ELI (Etty Lettere Italiane). Há também a versão portuguesa: Etty Hillesum. Cartas 1941-1943. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009: siglada com ECP (Etty Cartas em português). Sobre as aulas dadas por Louis Hillesum: ELI, 109-110 (08/07/1943) e ECP, 172.
[10]Biografia apresentada por Klaas A.D.Smelik. A relação de Etty com sua mãe era inicialmente tensa, tendo se arrefecido durante o período de convivência em Westerbork.
[11]Yves Bériault. Seul l´amour a de l´avenir, Le témoignage d´Etty Hillesum et Christian de Chergé. Montréal: Médiaspaul, 2018, p. 35.
[12]Emanuela Miconi. Etty Hillesum. La forma perfetta, p. 86.
[13]Fratel Michael Davide. Etty Hillesum. Umanità radicada in Dio, p. 109. Ou como diz Beatrice Iacopini: “Deus era para ela pouco mais que o sentimento de algo que está envolvido na natureza e em tudo o que existe”: Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera, p.18; Alessandro Barban & Antonio Carlo Dall´Acqua. Etty Hillesum. Osare Dio. Assisi, Citadella Editrice, 2013, p. 128-129.
[14]Fratel Michael Davide. Etty Hillesum, 65.
[15]Wanda Tommasi. A liberdade do Espírito, p. 117. Fala-se também de uma religiosidade tocada pela impalpalidade, principialidade, e sabor de aurora: Emanuela Miconi. Etty Hillesum. La forma perfetta, p. 10. Essa brisa inter-religiosa pode ser captada no belo livro de Karima Berger. Les attentives. Un dialogue avec Etty Hillesum. Paris: Albin Michel. Como mostrou Mariana Ianelli, “Karima se identifica com a menina de uma fotografia (de um recorte de jornal) que Etty mantém perto de sua escrivaninha, a quem ela chama de ´pequena marroquina` em seus diários. Karima reconhece também no recinto de silêncio dentro de Etty, o mihrab das mesquitas”:
Mariana Ianelli. A jovem mística que “desenterra Deus do fundo do coração dos outros”: 
[16]Wanda Tommasi. A liberdade do Espírito, p. 117.
[17]Ali moravam Wegerif e seu filho Hans (de pouco mais de vinte anos), a cozinheira Käthe e dois hóspedes: Bernard Meylink (estudante de bioquímica) e Maria Tuinzing (enfermeira, que depois se tornará amiga e confidente de Etty): EDP, 12.
[18]E isso mesmo no período em que estava em Westerbork: Beatrice Iacopini. Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera, p. 8 e ECP, 199.
[19]Ver EDI, 737 e 796. Menciona a questão em seu diário em 27/07/1942 e 12/10/1942. Ao falar disso em sua reflexão de outubro, sublinha a importância de “aceitar os momentos ´não criativos`,  e aceitando-os honestamente tudo passa mais depressa. Há que ter coragem para deter-se, de sentir-se às vezes esvaziados e desencorajados”: EDI, 796.
[20]Ver também: Etty Hillesum.Il gelsomino e la pozzanghera, p. 8. 
[21]Tradução de José Tolentino Mendonça, no seu belo prefácio.
[22]Fratel Michael Davide. Etty Hillesum. Umanità radicada in Dio, p. 74-75.
[23]Mariana Ianelli. A jovem mística que “desenterra Deus do fundo do coração dos outros”.
[24]Emanuela Miconi. Etty Hillesum. La forma perfetta, p. 97-98.
[25]Especialista em leitura de mãos.
[26]Jung chegou a escrever um texto elogiando e recomendando o seu método: EDP, 14.
[27]Etty vai confiar os cadernos de seu diário à amiga Maria Tuinzing, isto em 21 de junho de 1943. 
[28]Etty dizia que era “eroticamente refinada”, com experiência suficiente para situar-se entre as “boas amantes”. Esse refinamento sexual não a impedia de sentir-se bloqueada por “algo” que a perturbava. Cf. EDP, 59.
[29]Beatrice Iacopini. Trabalhar sobre si mesmo é a única solução para o mal (entrevista).
[30]Interessante a observação feita por Ricardo Fenati a respeito. Sublinha que o que parecia faltar a Etty na ocasião era “algo” não oferecido pela vida em torno, “que ela experimenta intensamente”. Seria um “mal estar” que excedia “os recursos disponíveis no meio à sua volta”. Foi então tomada por um “padecimento”, por um “pathos” que lhe invade a existência: “Ricardo Fenati. A mística, uma vivência psíquica? Não, uma experiência espiritual. IHU-Online, n. 531, dezembro 2018:
[31]Emanuela Miconi. La forma perfetta, p. 66,
[32]Vale lembrar que Spier tinha recobrado sua espiritualidade alguns anos antes, situando a fé em Deus e a oração como elementos centrais na sua vida. Não era uma fé confessional, mas “insólita”: “Florescida fora de todo recinto confessional” e alimentada por “leitura ecléticas” que suscitavam uma “ética inspirada num amor universal e numa compaixão não distanciada daquela evangélica”: Etty Hillesum.Il gelsomino e la pozzanghera, p. 10.
[33]A rapariga de Amesterdão. Prefácio de José Tolentino Mendonça. Outros amigos a quem Etty endereçou cartas: Christine  van Nooten, Maria Tuizing, Milli Ortmann, Osias Kormann, Johanna e Klaas Smelik etc.
[34]Etty Hillesum.Il gelsomino e la pozzanghera, p. 16. As relações de amizade foram vividas intensamente por Etty, com traços de profunda atração, mesmo no campo erótico, como por exemplo em sua amizade com Liesl Levi e Swiep van Wermeskerken: Ria van den Brandt. Etty Hillesum, p. 34.
[34]Beatrice Iacopini. Trabalhar sobre si mesmo é a única solução para o mal (entrevista). Ver também: EDI, 382, 686 e 794.
[35]Beatrice Iacopini. Trabalhar sobre si mesmo é a única solução para o mal (entrevista). Ver também: EDI, 382, 686 e 794.
[36]Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera, p. 11. E também: EDI. 718, 729, 755, 786, 793, 382 e 486.
[37]Com Agostinho, o convite à entrada no mundo interior: “Noli foras ire, in te ipsum redi, in interiore homine habitat veritas (não busques fora, entre em si mesmo, no íntimo do homem reside a verdade)”: Prefácio de Miguel Reale. In: Fratel Michael Davide, Etty Hillesum, p. 8.
[38]Na edição portuguesa, p. 256.
[39]Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera, p. 20.
[40]Palavras do editor do diário: Klaas A.D. Smelik. O seu talento, propriamente dito, vai se revelar no campo de Westerbork, quando então “irrompe como escritora. Ela que há muito buscava a sua voz vai encontrá-la aqui, neste lugar de tamanho silenciamento, munida apenas de um caderno quadriculado e de um lápis” (EDP, 20).
[41]Veja Patrick Hart & Jonathan Montaldo. Merton na intimidade. Sua vida em seus diários. Rio de Janeiro: Fisus, 2001, p. 302.
[42]Etty Hillesum. Diariop. 368-369 e 592-593.
[43]E também EDI,  450, 464,466,592-593, 730.
[44]Rainer Maria Rilke. Cartas a um jovem poeta. 4 ed. São Paulo: Globo, 2013, p. 22 e 33; Id. Elegias de Duíno. 6 ed. São Paulo: Globo, 2013, p. 63 (sétima elegia).
[45]Etty Hillesum. Diario, p. 413.
[46]E também EDP, 187-188.
[47]Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera, p. 12.
[48]Ibidem, p. 792-793.
[49]Gelatenheid é a expressão holandesa correspondente à alemã Gesassenheit, muito utilizada por Mestre Eckhart.
[50]SANTA TERESA DE ÁVILA. Castelo interior ou moradas. 8 ed. São Paulo: Paulus, 1981, p. 121 (VM 3,9).
[51]Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera, p. 92.
[52]Uma expressão do vocabulário de Thomas Merton: Reflexões de um espectador culpado. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 151, 175 e 183.
[53]Mestre Eckhart. Sermões alemães 1. Bragança Paulista/Petrópolis: São Francisco/Vozes, 2006, p. 50 (Sermão 2).
[54]Ibidem, p. 67 (Sermão 5b). Ver também: Cristina Dobner (Ed). Etty Hillesum. Pagine mistiche. Milano: Ancora, 2007, p. 50-52.
[55]Na edição portuguesa, p. 251-252.
[56]Rilke também percebia a importância dessa maturação. A seu ver, é com o tempo, como um desenvolvimento natural, que a vida interior possibilita uma outra compreensão de si. Daí a importância da paciência: “a paciência é tudo”: Cartas a um jovem poeta, p. 33. Id. A melodia das coisas. São Paulo: Estação liberdade, 2011, p. 152.
[57]Emanuela Miconi. Etty Hillesum. La forma perfetta, p. 68 e 71.
[58]Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera, p. 158.
[59]Na edição portuguesa, p. 310.
[60]Na edição portuguesa, p. 253.
[61]Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera, p. 16.
[62]Beatrice Iacopini & Sabina Moser. Uno sguardo nuovo, p. 117.
[63]Etty Hillesum. Due lettere da Wesberbork. Roma: Srl, 2014.
[64]Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera, p. 110.
[65]Ibidem, p. 147.
[66]Beatrice Iacopini & Sabina Moser. Uno sguardo nuovo, p. 35 (citando P.King).
[67]Etty Hillesum. Due lettere da Wesberbork, p. 29.
[68]Etty Hillesum. Il gelsomino e la pozzanghera, p. 30.
[69]Beatrice Iacopini & Sabina Moser. Uno sguardo nuovo, p. 39.
[70]Conforme o informe da Cruz Vermelha, Etty vai morrer em 30 de novembro de 1943, no mesmo ano da morte de Simone Weil. Seus pais morrem, provavelmente, durante o transporte para Auschwitz; seu irmão Mischa falece um pouco depois de Etty, em março de 1944. O outro irmão, Jaap foi para Westerbork só em setembro de 1943, sendo depois deportado para Bergen, morrendo durante a evacuação forçada imposta pelos nazistas aos prisioneiros, em janeiro de 1945. Sobre os pontos de similaridade e diferença entre Etty Hillesum e Simone Weil cf. José Tolentino Mendonça, no prefácio da edição portuguesa do diário de Etty: EDP, 12-13. 
[71]E concluía: “Soa quase paradoxal: por causa de excluírem a morte da vida, as pessoas não vivem uma vida completa, e ao acolher a morte dentro da vida, ela fica mais rica e mais ampla” (EDP, 219).
[72]Na edição portuguesa, p. 305.
[73]Veja também: Matteo Corradini. Siamo partiti cantando. Etty Hillesum, un treno, diece canzoni. Palermo: Rue Ballu, 2017.