terça-feira, 13 de abril de 2010

Em torno da teologia pluralista de John Hick

ENTREVISTA COM FAUSTINO TEIXEIRA – IHU Online

1- Como John Hick entende o pluralismo religioso? Quais as novas ferramentas que o autor fornece para poder ler o pluralismo das e nas religiões?

O filósofo e teólogo inglês John Hick é um dos pioneiros na defesa de um pluralismo religioso de princípio. Sua hipótese pluralista traduz uma perspectiva bem distinta com respeito às posições tradicionais identificadas seja com o exclusivismo ou com o inclusivismo. Trata-se de uma perspectiva que traduz uma reação contra a reivindicação cristã de ser a religião de superioridade última. Na alternativa pluralista, as outras religiões passam a ser vistas como “contextos autênticos de salvação/libertação”, ou seja, espaços propícios de realização da transformação salvífica da vida humana, no sentido do questionamento do autocentramento problemático e de abertura a uma nova orientação centrada na Realidade divina. As diversas tradições religiosas são reconhecidas por Hick como meios bem diferentes, mas igualmente válidos, de experimentar e responder à Realidade última que no cristianismo é reconhecida como Deus.

2- Como ele aproveita a metáfora do arco iris para explicar o pluralismo?

A idéia de centralidade do Real vai ser decisiva na hipótese pluralista de John Hick. Entre as diversas opções de terminologia para traduzir a realidade transcendente, John Hick escolhe a categoria Real, mesmo reconhecendo os seus limites. Trata-se para ele de um termo mais neutro e que apresenta uma visada mais universal. O Real é a fonte e o fundamento de tudo, estando para além de todos os sistemas particulares de crença. As distintas expressões religiosas tornam-se contextos de salvação/libertação à medida que se sintonizam com este Real. Não há como acessar o Real em si, nem mesmo atribuir-lhe qualidades intrínsecas. Dele não se pode dizer que é pessoal ou impessoal, um ou muitos, consciente ou não consciente, pleno ou vazio. Ele é em si inacessível, fora de qualquer alcance cognitivo. Mas, como a luz do sol, vem parcialmente apreendido pelas diversas tradições de forma diversificada. Daí a bela metáfora do arco-íris, que vem expressar a refração da Luz divina, ou do Real, nas diversas culturas religiosas da humanidade. A hipótese pluralista de Hick vem, assim, abrir uma nova perspectiva para a acolhida das religiões em sua alteridade, na medida em que convoca ao reconhecimento da presença do Mistério em outras formas de sua manifestação.

3- Quais as principais polêmicas e reações que o livro "Teologia cristã e pluralismo religioso:o arco iris das religiões" despertou? Como o autor responde?

As reações a John Hick começaram sobretudo após 1977, quando foi publicado o volume de ensaios “The Myth of God Incarnate”, organizado por John Hick. Outra obra organizada pelo autor em parceria com Paul Kniterr, em 1987, suscitou novas polêmicas: The Myth of Christian Uniqueness. Toward a Pluralistic Theology of Religion. E a partir de então este autor veio identificado com a corrente mais radical da teologia do pluralismo religioso. Mas não se pode desconhecer as mudanças por que passaram o pensamento de Hick nos últimos anos, e os novas matizes de sua reflexão. Mas como ele mesmo mostrou, as igrejas não têm conseguido acompanhar o avanço dos estudos acadêmicos na área da teologia do pluralismo religioso. O livro em discussão, Teologia cristã e pluralismo religioso, foi originalmente publicado em 1995, e como toda obra de John Hick, divide opiniões. Há setores que reagem de forma mais crítica e outros que se abrem ao desafio lançado pelo autor. O livro traduz de forma muito feliz a discussão que a hipótese pluralista levanta. E a maneira que o autor encontrou para responder as inúmeras criticas que sua concepção de pluralismo tem suscitado, em âmbito filosófico e teológico, foi original. John Hick escolheu como recurso de abordagem o dialogo com duas personagens por ele criadas, uma delas apresentado as criticas filosóficas (Fil) e a outra as criticas teológicas (Graça).

4- Como o autor reinterpreta os dogmas cristãos tradicionais? Que consequências essa releitura traz para o diálogo entre as religiões?

As implicações teológicas de sua reflexão aparecem na seção do livro dedicada ao dialogo com a personagem Graça, que apresentará as críticas teológicas à posição pluralista. As criticas mais importantes concentram-se nas implicações da hipótese pluralista para as doutrinas consideradas centrais no cristianismo como a Encarnação e a Trindade. Para Hick, levar a sério o pluralismo religioso significa rever radicalmente a estrutura tradicional da teologia cristã. Em sua visão, a doutrina da encarnação, assim como tradicionalmente entendida, produziu na história sérios efeitos colaterais, entre os quais o anti-semitismo cristão, a exploração colonialista ocidental, a subordinação social das mulheres e um arrogante complexo de superioridade do cristianismo face às outras religiões. Para Hick, a doutrina da encarnação, por exemplo, não pode ser compreendida em sentido literal, mas em sentido metafórico. Com base em estudos protestantes e católicos sobre o Novo Testamento, Hick indica que “o Jesus histórico não ensinou que ele era Deus ou Deus Filho, a segunda pessoa, encarnada, da Santa Trindade”. Sua consciência era a de um “profeta enviado por Deus”, alguém marcado por intensa consciência de Deus, que se tornou fonte de inspiração e direção para seus ouvintes. Em sua visão, a afirmação da divindade de Jesus foi fruto da tradição eclesial posterior.

5- Como, a partir do livro, pode ser realizada uma leitura do pluralismo religioso na América Latina e no Brasil?

O grande desafio levantado pelo autor no livro é o da acolhida do pluralismo religioso. Não há como manter uma perspectiva teológica que se restrinja a aceitar o pluralismo como um fato, que deve ser mais aturado que reconhecido em seu valor. E isso só poderá acontecer levando a sério os desdobramentos da reflexão que vem acontecendo no âmbito da teologia cristã do pluralismo religioso.

6-Quais as limitações que as principais tradições religiosas no Brasil, apresentam para um diálogo no sentido que o autor está propondo?

Sem dúvida alguma, a maior limitação é a vigência de exclusivismos cerrados à alteridade ou o crescimento de fundamentalismos surdos à fundamental exigência de abertura aos novos tempos.

7- Em que aspectos se aproxima e em que aspectos se afasta da proposta de Hick, a figura do Papa Bento XVI, pelo menos olhando seus diversos pronunciamentos e passos dados até o momento?

Como assinalei na apresentação da obra, as teses de John Hick ficaram associadas, no imaginário exclusivista ou inclusivista dominante, ao relativismo. No período em que era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Ratzinger chegou a afirmar que John Hick constitui “o representante de maior relevo do relativismo religioso”. Os autores associados à corrente pluralista têm enfrentado nos últimos anos grandes dificuldades no âmbito da igreja católico-romana. É ainda muito cedo para fazer uma avaliação do atual pontificado de Bento XVI, por isso prefiro aguardar um pouco mais para poder responder à questão levantada. Gostaria de concluir lançando um desafio importante: de convidar os leitores a uma leitura desarmada da obra de Hick, evitando os preconceitos ou visões apriorísticas a seu respeito. Nada mais urgente no momento atual a abertura de um debate mais amplo sobre o pluralismo religioso e a teologia pluralista das religiões.

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