“De uma maneira terrena e restrita”
Faustino Teixeira
UFJF / IHU
Na minha conversa com Marcia Rivas no Instituto Ser e Tempo na quinta feira passada, dia 22 de junho, que está disponível no youtube, falamos sobre o belíssimo filme de Ingmar Bergman: Cenas de um Casamento.
Uma das questões que pontuou o debate foi a capacidade de você continuar mantendo o carinho e a afeição por outra pessoa, mesmo depois que uma determinada crise provoque a ruptura da união conjugal.
É algo que vimos também no livro de Milan Kundera, A insustentável leveza do ser[1], com o permanente carinho devotado por Sabina a Tomás, mesmo depois que ele se estabeleceu na casamento com Teresa.
No filme de Bergman, temos vários desencontros entre Johan e Marianne, até que os dois firmam seus relacionamentos específicos.
A amizade entre os amigos se manteve até o fim. Isso é muito bonito.
Na ultima cena do filme, dividido em seis cenas de 46 minutos cada, os dois amigos se reencontram, depois de tantas desilusões, e buscam aconchego em certa noite numa “casa escura em algum lugar do mundo”.
Ali, longe do burburinho, e aproveitando a ocasião de viagem dos cônjuges, os dois se encontram e se amam, agora sem maiores cobranças ou exigências.
Simplesmente pela gratuidade de uma amizade que permaneceu. Os dois se tratam carinhosamente, como “dois novos seres humanos”. Ele diz para ela: “Meu amor, minha adorada”; e ela: “Meu querido e adorado”.
Já ao final do roteiro, que foi publicado[2], Johan volta-se para Marianne e diz: “Eu acho, pura e simplesmente, que você e eu nos amamos um ao outro. De uma maneira terrena e restrita”.
Eu e Márcia nos demoramos nessa passagem para entender toda a profundidade de seu conteúdo.
Constatamos que o amor verdadeiro, envolve essa consciência de contingência e limite, como também lembrou Rilke na oitava elegia de Duíno[3]. Já na sétima elegia, nos recorda que “até o mais próximo, para o homem, é longínquo”[4].
Os amantes, diz Rilke, aproximam-se do aberto, do “espaço puro”, do “grande olhar do animal”, naquele idílico lugar onde as flores desabrocham sem cessar, mas não podem permanecer no gozo interminável. Isso é impossível e mortal.
Eles, portanto retornam ao cotidiano, depois de avançarem no horizonte do Aberto, mas tocados pela sua “obscura presença” se espantam e retornam...
Não há como viver fora na terrenalidade e contingência das impurezas do branco. Estaremos sempre, mesmo nas maiores paixões, diante do mundo, “eternamente em face” dele.
[1]Milan Kundera. A insustentável leveza do ser. Rio de Janeiro: Rio Gráfica, 1986 (o original é de 1983).
[2]Ingmar Bergaman. Cenas de um casamento. Rio de Janeiro: Nórdica, 1976 (o original é de 1973).
[3]Rainer Maria Rilke. Elegias de Duíno. 6 ed. São Paulo: Biblioteca Azul, 2013, p. 67 e 69.
[4]Ibidem, p. 63.
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