quarta-feira, 21 de junho de 2023

Os frêmitos da Insônia

 Os frêmitos da Insónia

 

Faustino Teixeira

UFJF / IHU

 

 

Taí, um texto de uma atualidade única, o conto Insônia do livro de mesmo nome de Graciliano Ramos[1]

 

Vivemos um tempo difícil no Brasil e no mundo, com uma propensão impressionante às ansiedades e depressões, que traduzem questões seríssimas e que estão hoje entre as causas mais recorrentes nas doenças nesse tempo do Antropoceno e das pandemias, que apenas começam a mostrar sua cara.

 

O conto toca numa ponto nevrálgico da situação de tantas pessoas que sofrem hoje de insônia, decorrente das pressões que marcam o nosso tempo, como tão bem expresso na música de David Bowie, que faz parte da trilha sonora do filme After Sun (2022), da diretora escocesa Charlotte Wells:

 

"Pressão.

Me pressionando.

Pressionando você.

Ninguém pede isso.

Sob pressão

Incendeia um edifício inteiro.

Divide uma família em duas.

Coloca pessoas nas ruas.

Tudo bem.

É o terror de saber

O que o mundo é.

Observando alguns bons amigos

Gritando "Deixem-me sair!".

Rezo para que o amanhã me deixe mais animado.

Pressão sobre as pessoas, pessoas nas ruas."

 

Podemos falar da insônia dos místicos, que até optam por ela, como Rûmî, que luta como pode para manter acesa sua jornada para não perder sequer um instante da presença do Amado. Comentando sobre isso, Marco Lucchesi sublinha que a insônia "é ponto crucial na gramática do amor"[2].

 

 Rûmî diz num de seus poemas:

 

"(...) Estou magro, minguante, solitário,

e já não sei dormir na lua nova.

Peço ao Amor em plena madrugada

que leve para longe o sono frágil.

E o sono volta, procura combate,

mas foge: meu exército é maior (...)”[3].

 

E ainda Rûmî:

 

“Não durma, minha estrela e meu destino.

Não durma, minha rosa e primavera.

Não durmam, olhos loucos e cruéis.

Esta é a noite da felicidade”[4].

 

Mas há também a insônia que provém da dor, uma insônia que é improdutiva e burra, e que remove os ossos e irradia sofrimento.

 

Como diz Graciliano, aquela insônia que é movida por "mão poderosa" que te agarra os cabelos e te levanta brutalmente do colchão[5]

 

Aquela insônia que carrega consigo a carência de sentido, e se esconde num canto com seu toque de dor. É a insônia que vem junto com um desarranjo interno e que provoca o "nó na garganta".

 

O psicanalista Christian Dunker faz menção à angústia que acorda sem mais a jovem durante a noite, e provoca um sentimento de orfandade que é dura de lidar[6]

 

Da insônia que só consegue resposta quando a questão do sentido vem encaixada no quebra cabeças da dúvida que te faz levantar, acender o cigarro, como Clarice, e buscar ansiosamente no céu alguma resposta incerta que traga de novo a necessária calma.

 

Diz Graciliano no conto, que é aquela angústia que nos faz contar: "um, dois, um dois"... e que nos envolve num silêncio anômico, que com sua voz fugidia mergulha em nossos ouvidos e dá “um nó na garganta”[7].

 

E muitos nem levam isso tanto a sério... continuam sua peregrinação no dia seguinte, como se não tivesse ocorrido nada. Como diz o personagem do conto:

 

"Amanhã comportar-me-ei direito, amarrarei uma gravata ao pescoço, percorrerei as ruas como um bicho doméstico, um cidadão comum, arrastado para aqui, para acolá, dizendo frases convenientes. Feliz, completamente feliz"[8].



[1]Graciliano Ramos. Insônia. 33 ed. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 2021.

[2]Marco Lucchesi. A flauta e a lua. Poemas de RûmîBazar do Tempo: Rio de Janeiro, 2016, p. 140.

[3]Ibidem, p. 59.

[4]Ibidem, p. 110.

[5]Graciliano Ramos. Insônia, p. 

[6]https://www.youtube.com/watch?v=vTIUOK4wzjw(acesso em 21/06(2023). A propósito do filme After Sun.

[7]Graciliano Ramos. Insônia, p. 8 e 11.

[8]Ibidem, p. 14.

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