Pela fenda da porta: o aroma do amado
Faustino Teixeira
UFJF /IHU
É de fato deslumbrante a escrita de Olga Tokarczuk, essa fantástica escritora polonesa, que ganhou o nobel de literatura. Ela nasceu em 1962 “na região fronteiriça no oeste da Polônia”. É movida por uma sensibilidade única e um sentido particular do mundo. Ainda com seis anos foi levada pelos pais para conhecer Auschwitz, e essa viagem deixou rastros na sua escrita, com “resíduos sombrios” de todo seu conhecimento sobre o mundo.
Num de seus textos sobre a escrita ela relata que sente falta em alguns romances dos “sabores e cheiros, texturas de materiais, móveis ferramentas, cores e toques”. É uma romancista que se interesse pelos pequenos detalhes, e desde cedo, que gosta de paisagens, vegetação e fauna. Sinto isso nos seus livros.
Tocado por essa sensibilidade, e por uma colocação do Pondé, voltei hoje ao Cântico dos Cânticos, onde tudo isso está presente. Uma passagem, porém, magnífica tocou-me em particular. A capacidade sensual da Amada captar a presença do Amado ausente na “fenda da porta”, naquela “fresta” pequena, que passa desapercebida para muitos. Ali, naquele lugar, estava o aroma do Amado, pois os seus dedos deixaram ali guardado aquele perfume de mirra. Aquele odor maravilhoso fez as entranhas da amada se estremecerem.
O Amado já não estava mais ali, tinha passado adiante, e deixado unicamente na maçaneta da fechadura o odor que envolvia os seus dedos. Era o único traço seu que tinha deixado, e a amada percebeu. Essa é uma imagem fantástica que hoje pude saborear de forma tão especial
“Meu amado põe a mão
pela fenda da porta:
as entranhas me estremecem,
minha alma, ouvindo-o, se esvai.
Ponho-me de pé
para abrir ao meu amado:
minha mãos gotejam mirra,
meus dedos são mirra escorrendo
na maçaneta da fechadura.
Abro ao meu amado,
mas o meu amado se foi (passò oltre).
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