quinta-feira, 8 de junho de 2023

Pela fenda da porta: o aroma do amado

 Pela fenda da porta: o aroma do amado


Faustino Teixeira

UFJF /IHU

 

 

É de fato deslumbrante a escrita de Olga Tokarczuk, essa fantástica escritora polonesa, que ganhou o nobel de literatura. Ela nasceu em 1962 “na região fronteiriça no oeste da Polônia”. É movida por uma sensibilidade única e um sentido particular do mundo. Ainda com seis anos foi levada pelos pais para conhecer Auschwitz, e essa viagem deixou rastros na sua escrita, com “resíduos sombrios” de todo seu conhecimento sobre o mundo.

 

Num de seus textos sobre a escrita ela relata que sente falta em alguns romances dos “sabores e cheiros, texturas de materiais, móveis ferramentas, cores e toques”. É uma romancista que se interesse pelos pequenos detalhes, e desde cedo, que gosta de paisagens, vegetação e fauna. Sinto isso nos seus livros.

 

Tocado por essa sensibilidade, e por uma colocação do Pondé, voltei hoje ao Cântico dos Cânticos, onde tudo isso está presente. Uma passagem, porém, magnífica tocou-me em particular. A capacidade sensual da Amada captar a presença do Amado ausente na “fenda da porta”, naquela “fresta” pequena, que passa desapercebida para muitos. Ali, naquele lugar, estava o aroma do Amado, pois os seus dedos deixaram ali guardado aquele perfume de mirra. Aquele odor maravilhoso fez as entranhas da amada se estremecerem. 

 

O Amado já não estava mais ali, tinha passado adiante, e deixado unicamente na maçaneta da fechadura o odor que envolvia os seus dedos. Era o único traço seu que tinha deixado, e a amada percebeu. Essa é uma imagem fantástica que hoje pude saborear de forma tão especial

 

“Meu amado põe a mão

pela fenda da porta:

as entranhas me estremecem,

minha alma, ouvindo-o, se esvai.

Ponho-me de pé

para abrir ao meu amado:

minha mãos gotejam mirra,

meus dedos são mirra escorrendo

na maçaneta da fechadura.

Abro ao meu amado,

mas o meu amado se foi (passò oltre).

 

 

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