terça-feira, 13 de junho de 2023

A produção de conhecimento e o adoecimento acadêmico

 A produção de conhecimento e o adoecimento acadêmico


Faustino Teixeira

UFJF / IHU

 

Sinceramente, ao ler essa matéria hoje na FSP , 13/06/23,  fiquei realmente preocupado. Trata-se de proposta em curso no governo lula de mudar as regras para concursos públicos, afinando ainda mais os critérios dos testes para a aprovação dos candidatos, como exames psicotécnicos e outras parafernálias da modernidade. 

  

Eu me pergunto:  Onde vamos parar com toda essa onda louca de busca de precisão quase absoluta na escolha de nossos candidatos ao serviço público ? Penso que vamos nos aproximando do "admirável mundo novo" de Huxley ou do Castelo de Kafka. Por trás desses "aperfeiçoamentos" há muitos riscos, envolvendo inclusive a possibilidade de escolhas bem definidas e programadas. 

 

Vivemos numa sociedade cada vez mais adoecida nessa busca de produtividade. 

 

No campo da Universidade já estamos vivendo isso com a loucura total na busca de "aperfeiçoamento" de critérios para o bom desempenho acadêmico: o ensejo maluco de exigir dos docentes uma produção excessiva, em órgãos cada vez mais inacessíveis, que inclusive cobram alto para que os candidatos produzam. É uma pletora de papeis e relatórios a serem preenchidos e que devem se encaixar em plataformas cada vez mais complexas e enigmáticas.

 

As revistas acadêmicas vão se tornando instrumentos poderosos de mercado, com cobranças que avançam para além de US$ 3.000 para a aceitação de artigos, além dos candidatos terem que passar por comissões de avaliação de seus artigos que é algo assim assustador. Os critérios para favorecer a aquisição de bolsas de produtividade ou de pós-doutorado ou estágio sênior no exterior são também cada vez mais afunilados, ou então ficam na dependência da relação do pretendente com os segmentos de órgãos que presidem as escolhas.

 

O que assistimos é um adoecimento gradativo nas Universidades. Professores angustiados buscando freneticamente pontos e mais pontos para poderem continuar credenciados a orientarem ou lecionarem na pós-graduação. 

 

Pude ver in loco esses adormecimentos ou sofrimentos intensos de docentes sérios que não se enquadravam no padrão Capes ou CNPQ. Nos concursos em curso, vemos uma concorrência espantosa: em alguns casos são 30 a 40 doutores concorrendo para uma única vaga.

 

Lamentável é ver que esse processo doentio vai tomando conta também do ensino médio e fundamental com projetos cada vez mais estranhos e mecânicos, visando sempre o êxito e a produtividade, e muito menos à criação e humanização. 

 

É a lógica do mercado e da concorrência que vão se impondo desde cedo nas escolas.

Eu que participei por anos de comissões de avaliação na Capes pude observar cenas dantescas de membros de comissões ironizarem dissertações ou teses ou avaliarem programas de pós de forma irônica e malfazeja. Ficava simplesmente revoltado com o que via. 

 

E agora, essa onda de querer levar os concursos públicos a esse grau quase inalcançável de excelência. Daqui a pouco, vão exigir exame de fezes, de sangue, de atestado moral e ideológico para poder concorrer a uma vaga pública. Nos concursos que vemos acontecer por aí, os critérios são cada vez mais precisos, sem deixar de lado sombras que não conseguimos entender.

 

O que vemos são candidatos que largam tudo que fazem e passam a vida inteira estudando para passar num concurso, e muitos adoecem pelo caminho.

 

Aperfeiçoar, sim, mas não adoecer as pessoas em processos que se apresentam cada vez mais degradantes, com o verniz da busca de excelência. 

 

Fui funcionário público por décadas, atuando em Universidade Federal e sou testemunha da progressiva decadência da Universidade, infelizmente. Aumenta a concorrência, aumenta o "padrão Fifa" das comissões avaliadoras, mas nada que garante a devida ética na escolha dos aprovados. Há coisas estranhas que acontecem em muitos dos concursos que vejo acontecer. 

 

Em três livros recentes que li, já verificava a crítica às Universidades ou à dinâmica de formação em curso. Na insustentável leveza do ser, temos as críticas profundas do personagens Franz, um professor esgotado na Suíça, com as atividades intelectuais em curso: 

 

"Existem cada vez mais universidades e cada vez mais estudantes. Para desenrolar seus pergaminhos é preciso que eles encontrem temas de dissertação. Existe um número infinito de temas pois pode-se falar sobre tudo e sobre nada. Pilhas de papel amarelas se acumulam em arquivos que são mais tristes do que os cemitérios porque neles não vemos nem mesmo no dia de Finados. A cultura desaparece numa multidão de produções, numa avalanche de sinais, na loucura da quantidade. Creia-me (diz Franz a Sabina): um só livro proibido em seu antigo país significa muito mais do que os milhares de vocábulos cuspidos pelas nossas universidades".

 

Em livro da prêmio nobel de literatura, Olga Tokarczuk, que nem escolheu fazer um curso oficial de literatura para não perder a inocência de sua leitura, ela relata:

 

"Eu cresci numa bela época, que infelizmente já passou. Havia nela uma enorme disposição para mudanças e a capacidade de criar ideias revolucionárias. Hoje em dia ninguém mais tem a coragem inventar algo novo. Fala-se apenas sobre como as coisas já são se continua lançando as mesmas ideias antigas. A realidade envelheceu e ficou senil; está sujeita às mesmas leis que qualquer organismo vivo - envelhece" ("Sobre os ossos dos mortos")

 

Em outro livro, "Escrever é muito perigoso", ela fala sobre as Universidades:

 

"As universidades perderam seu papel, tendo-se transfigurado em um pastiche grotesco de si mesmas: em vez de criar conhecimento e estabelecer plataformas para compreensão mútua, cercaram-se de muralhas e portões, restringindo o acesso à ciência e ocultando zelosamente umas das outras os resultados das suas pesquisas. Os cientistas brigando por bolsas e pontos, tornaram-se serviçais que competem entre si".

 

Com relação ao que ocorre no Brasil, a minha visão sobre a Universidade aproxima-se bem das colocações feitas por Luiz Felipe Pondé, que é igualmente crítico sobre os caminhos complexos que se anunciam, dificultando profundamente a criação e a liberdade. Nesse vídeo que segue, temos um exemplo claro de um de seus posicionamentos a respeito: 

https://www.youtube.com/watch?v=y84cTKAhRHU.

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