segunda-feira, 5 de junho de 2023

Os aprendizados na travessia dialogal

 Os aprendizados na travessia dialogal: 

uma experiência com o vegetal

 

 

Faustino Teixeira

UFJF / IHU

 

 

Em abril de 2023 tomei pela primeira vez na vida a Ayauasca num ritual da União do Vegetal em Juiz de Fora. Desde meu transplante de medula, ocorrido em junho de 2020, estava decidido a fazer uma experiência com essa planta sagrada. Fiz muitas leituras a respeito, com textos de estudiosos da planta sagrada, mas estava impedido, por razões de saúde, a tomar o vegetal. Aguardei o tempo certo, e com a liberação de meus médicos, fiz a experiência, que relato na sequência. 

 

O relato pessoal ocorreu no calor dos acontecimentos, e o fiz assim para não perder a narrativa concreta do que vivi. E o fiz de forma muito livre e espontânea, sem alguns cuidados essenciais. Vejo hoje, porém, com um distanciamento maior, que talvez meu relato pudesse ser melhor trabalhado. 

 

Ainda em torno da experiência, dias depois voltei a escrever sobre o tema, agora com base em algumas reflexões pessoais envolvendo os temas da meditação e da contemplação, segundo a perspectiva dos místicos espanhóis, João da Cruz e Teresa de Ávila. Foi uma segunda tentativa de trabalhar o que tinha vivenciado.

 

Depois de viver o acontecimento, e escrever os dois textos, partilhei o que escrevi com um amigo antropólogo, estudioso e experiente com o vegetal, que viveu muitos anos vinculado a UDV e que escreveu sua dissertação de mestrado sobre o tema, num trabalho exemplar, sob orientação de Otávio Velho, no Museu Nacional.

 

Na troca de correspondência com ele vivi, de fato, uma dinâmica dialogal, onde ele pôde ponderar minhas reflexões e ajudar-me a lidar de forma nova e singular com a novidade e a riqueza do contato com as plantas sagradas, através da experiência com o vegetal. 

 

Achei importante partilhar no meu blog os três momentos que envolveram esse diálogo, e melhor ainda, esse aprendizado com o mundo do outro. Já dizia o meu mestre Raimundo Panikkar, que temos sempre que tirar as sandálias quando pisamos no terreno sagrado do outro. O diálogo com Sérgio Brissac possibilitou-me descortinar essa beleza que estava nublada na minha primeira reação.

 

1. O relato da experiência 

 

Uma Força estranha: uma travessia difícil

 

Em minha experiência pessoal, corroborada com as leituras e reflexões sobre a mística inter-religiosa, percebo cada vez com mais clareza como nesse campo da experiência, não há um caminho específico onde a mesma possa ser vivenciada com toda a sua luz. Os caminhos espirituais que encontramos em nossa trajetória vital são todos contingenciais e limitados. São bruma frágil no maravilhoso canto do Mistério. 

 

Agora, consigo entender de forma transparente o que Ernesto Cardenal expressou em seu Telescópio na noite escura. Ele dizia:

 

“´Oración de quietud`, después de ´unión` ...

Santa Teresa tiene el Vademécum.

Rompé comigo tus esquemas.

Aunque tengamos un relación clandestina, ilícita”

 

Sem dúvida, tem razão esse singular mestre. Os caminhos que vivenciamos em nossa trajetória espiritual são vivenciados diferentemente pelas pessoas. Cada um de nós vai encontrando a vereda que melhor traduz a sua aproximação ao Mistério sempre maior. 

 

Isto não significa desmerecer cada caminho particular. Tenho o maior respeito pelas diversas tradições e pelos adeptos que encontram o seu domicílio apaziguador numa dada experiência religiosa. Tenho absoluta clareza de que necessitamos tirar as sandálias quando adentramos o espaço da vida espiritual do outro, pois estamos diante de algo que é sagrado.

 

Como buscador espiritual, vou singrando o meu caminho pessoal, aproveitando das riquezas espirituais que brilham na trajetória por onde passo. Isso é bonito e realizador para mim.

 

Ontem, dia 21 de abril de 2023, tive uma particular experiência religiosa. Depois de quase dois anos de contato com lideranças do núcleo de Juiz de Fora do Centro Espírita Beneficiente União do Vegetal (UDV), realizei, finalmente, a visita programada. Durante esses anos passados, tive também conversas bonitas com um amigo querido, que tem experiência pessoal com a Ayauasca e se dá muito bem com ela, num bonito elo de reciprocidade. Ele frequentou no passado a UDV, mas agora vive sua experiência com o Vegetal em encontros particulares. A Ayauasca vem nomeada na UDV como Hoasca ou Vegetal, e é o resultado da fusão do cipó Mariri (Banisteriopsis caapi) com o arbusto Chacrona (Psychotria Viridis).

 

Minha experiência pessoal com o vegetal foi precedida por um sonho que tive nesse mesmo mês de abril. Na ocasião, anotei o que tinha ocorrido ali e conversei depois com o meu experiente analista a respeito. E ele simplesmente me disse:   “Segue seu sonho!”. No meu discernimento, estava aberta a passagem... 

 

Relato o que escrevi na ocasião:

 

“Na noite de passagem de domingo, 09 de abril de 2023 para 10 de abril, tive um sonho que durou praticamente toda a noite com uma experiência relacionada a algo semelhante a um estado alterado de consciência. Estava junto a um grupo de pessoas, entre as quais o Caio Blat, e teve um momento que me impressionou particularmente, quando eu numa cadeira, comecei a levitar e “voava” pela sala, e o sentimento que tinha era de uma veracidade impressionante. 

 

Era algo vivo e potente. Depois disso, comecei a perceber que algumas pessoas que estavam nessa reunião, começavam a “controlar” bem disfarçadamente o comportamento das pessoas. Alguns, como eu, estavam ali pela primeira vez, entrando no ritmo definido pelos frequentadores mais habituais. O que sei é que foi uma experiência advertência, já que irei participar de um evento da UDV no dia 21 de abril, data que se aproxima. A vinculação entre o sonho e a realidade é bem nítida para mim.

 

E há também uma justificativa psicológica para o sonho. Isso porque, por um lado, Teita não estará presente, e ela tem sido um polo de resistência a certos impulsos meus, pessoais. Eu irei com o meu irmão João e minha irmã Ana Maria. O meu médico Angelo Atalla liberou sem problemas minha participação no evento. Mas, curiosamente, eu mesmo cheguei a ligar para o representante da entidade e desmarcar minha ida no dia 21 alegando com uma mentira: tentei justificar minha desistência com um conselho negativo de meu médico, por razões de saúde.

 

Depois me arrependi, e passei outra mensagem para essa liderança, dizendo que havia conversado com mais calma com o meu médico e ele havia liberado minha ida. E tudo ficou neste pé. Ele deverá vir aqui em casa proximamente, antes do dia 21 para explicar os detalhes dessa reunião especial onde participarão os que estão interessados em ingressar na UDV. Eu decidi que vou estar lá. Mas certamente há essa preocupação inconsciente agindo sobre mim, e que se manifestou, a meu ver, nesse sonho”.

 

Pois bem, dois dias antes do evento, um dos líderes da tradição que iria visitar pela primeira vez esteve aqui em casa e foi um encontro muito cordial, afetivo, respeitoso. Ele passou para os que estavam aqui em casa no dia algumas informações sobre a tradição que iríamos frequentar e sobre a sessão em particular. Estávamos eu, minha companheira Teita, e meus irmãos Ana Maria e João Couto. Foi um momento rico e esclarecedor.

 

Nos dois dias que antecederam o evento pude conversar com alguns amigos mais íntimos sobre a experiência que iria fazer e dicas importantes foram transmitidas. Entre elas, a importância de ponderar minha alimentação nos dias precedentes, evitando comidas mais pesadas. Segui literalmente as indicações. Estava, portanto, preparado.

 

Tive também conversas específicas com amigos pessoais que já tinham feito a experiência e isso foi confortante. Conversei com Sérgio Brissac, frei Betto, Marcelo Barros, Ediwar Guimarães, Pablo Beneito e outros. Conversei também como amigas e amigos queridos, bem sintonizados com a minha caminhada pessoal. E também foi muito  importante.

 

Nos dois últimos anos antes de decidir pela experiência fiz muitas leituras sobre as tradições religiosas no Brasil que fazem uso da Ayauasca. Pude também ler relatos singulares de quem viveu a experiência, como o amigo antropólogo Luiz Eduardo Soares.

 

Nas leituras que fiz, impressionou-me uma em particular: a narração feita por Caetano Veloso no livro Verdade Tropical, sobre sua experiência com o Vegetal. Partilho o que ele escreveu no exemplar que tenho de seu livro, que é a terceira publicada pela editora Companhia das Letras em 2017. Ele diz:

 

“Agora eu estava ali, diante do único copo de auasca que não fora esvaziado. Tinha ouvido a argumentação do Gil para me convencer: diferentemente da maconha, o auasca não produzia queda de percepção da luz, dormências, embriaguez ou taquicardia. A gente ficava lúcido e aos poucos começava a perceber as coisas com mais intensidade, as cores, as texturas, as relações entre as formas, e às vezes víamos coisas que sabíamos não serem ´reais`, embora víssemos com nitidez. 

 

Por um desejo de libertar-me do medo, por curiosidade, por necessidade de compartilhar, peguei o copo e engoli todo o conteúdo que me era destinado. A beberagem espessa e amarela tinha gosto de vômito, mas não me causou náuseas. Fiquei tranquilo esperando. De fato, nada aconteceu de comparável ao tapa da maconha. Apenas comecei a achar cômica a música do Pink Floyd que Gil pusera no toca-discos. Ela me soava superficial e gaiata e eu ria entendendo muito bem por que ela me soava assim. 

 

Logo o carpete de náilon do quarto do som apresentou seu modo peculiar de ser: cada tom de cor neutra – palha, areia, gel, cinza e mil sub-brancos – dizia de si muitas coisas, fosse sobre a velocidade das vibrações que produziam sua aparência, fosse sobre a tolice dos homens que buscavam fingir beleza, fosse sobre a unicidade do momento em que estávamos nos encarando. 

 

Eu me demorava  observando os objetos e me maravilhava de quão fundo eu os podia entender. Sabia tudo sobre aquele pedaço de madeira que aparecia sob o tapete. Captava o sentido das variações de densidade, entendia a história de cada pedaço da matéria. Comovia-me com o drama de cada ser inanimado que se me apresentava: não era como se eles estivessem consciência, antes era como se eu fosse uma consciência que tudo atravessa, sendo inclusive consciência profunda dos entes sem consciência (...).

 

As outras pessoas começaram a se mover de modo a me chamar a atenção. Por algum motivo, eu me isolara inicialmente e não tivera vontade de nada dizer nem perguntar a ninguém. Sandra entrava e saía do quarto do som com os olhos duros e o rosto sério. Ela estava assustada. Eu a achava parecida com um índio. Gil estava com lágrimas nos olhos e falava alguma coisa sobre morrer, ter morrido, não sei.

 

Dedé circulava pela sala dizendo que se via a mesma em outro lugar. Eu fiquei muito feliz de observar que as pessoas eram tão nitidamente elas mesmas. Fechei os olhos. Uns pontos de luz coloridos surgiram no espaço ilimitado da escuridão. Eles se organizavam em formas agradáveis. Eu disse a GiL: ´É tão bonitinho! É tudo simétrico`. E eu mesmo achava graça nas palavras escolhidas (...).

 

Os pontos estavam mais e mais ricamente organizados. Eram luzes concentradas de cores gostosamente definidas. O modo como eles se organizavam parecia ao mesmo tempo inevitável e livremente decidido por mim. Eu queria o que acontecia: eu desejava tal ou qual movimento e isso era imediatamente fatal (...).

 

Eu alternava – com abrir e fechar os olhos – observação do mundo exterior e vivência desse mundo de imagens que se tornava cada vez mais denso. De fato, aos poucos eu reconhecia que os seres vistos com os olhos fechados eram indubitavelmente mais reais do que meus amigos presentes no quarto de som ou as paredes desse quarto e os tapetes (...).

 

Dedé me chamou para ir até a varandinha atapetada e envidraçada que ficava junto à sala de visitas. Ela queria me mostrar uma coisa impressionante: São Paulo à noite, vista da janela do nosso vigésimo andar, enquanto estávamos sob o efeito da auasca. Não sei o que ela via. Era óbvio que, sem nos explicarmos muito, externávamos reações muito semelhantes. A mim impressionou-me sobretudo a sensação de que a cidade estava – era – morta. Não que fosse triste – e muito menos feia. Era algo imenso, metálico, brilhante apesar de escuro (tudo parecia negro) (...).

 

Voltei ao quarto de som e retomei a experiência celestial dos olhos fechados (...). Eu podia me ver vendo o que via e, embora sabendo que tudo eram instâncias ilusórias, era capaz de julgar o que se aproximava mais do real absoluto. Não havia nenhuma desvalorização do real cotidiano: eu sabia de mim, dos meus e do mundo – e minha capacidade de amor por tudo isso estava aumentada (...).

 

Eu me sentia feliz. Mas essa felicidade, embora sentida com arrebatamento, também era vista de longe, como um mero aspecto desse mundo menos real do que aquele dos anjos hindus (...).

 

O fato é que, num dado momento, considerei que talvez me tivesse deixado ir longe demais.  (...). Naquele momento, o efeito da auasca começou a dar mostras de extinguir-se. Porque eu não quis deixar de ver o ser central que se revelava: o que eu quis, repentinamente, foi deixar de ter visto tudo o que vira, sentido tudo o que sentira.

 

Um enorme cansaço, combinado com uma enorme excitação, me deixou em estado de desespero. Decidi abrir os olhos e sair do quarto do som, onde estivera quase todo o tempo, e ir para a sala de jantar. Mas a ideia da infinidade de processos mentais complexos que isso implicava me paralisou. Então tive medo de não ser mentalmente capaz de decidir (e realizar a decisão de) dar dez passos. Compreendi, com as mesma lucidez com que pude compreender tudo o que vira sob o efeito do alucinógeno, que estava louco. Em suma: já não era capaz de voltar a sentir-me íntegro como enquanto via anjos e átomos sem perder o mundo, nem de voltar a integrar-me nesse mundo cujo realidade fora posta em questão (...).

 

Por algumas horas andei de um lado para outro do apartamento, vivendo no inferno. O mal, com efeito, era vivido como eterno. A intensidade da dor se multiplicava com a perspectiva de sua perpetuação e o reconhecimento de sua duração já longuíssima (...). Por mais de um mês eu me senti vivendo como que um palmo acima de tudo o que existe. E por mais de um ano certos resquícios específicos se mantiveram. Na verdade, algo de essencial mudou em mim a partir daquela noite”.

 

Lendo agora o relato de Caetano Veloso sobre sua experiência, percebo que o que ocorreu comigo teve alguns traços de semelhança, mas outros de diferença bem acentuada. No meu caso, as horas que passei sob o efeito da Yauasca foram talvez mais difíceis do que aquelas experimentadas por Caetano. A diferença é que não passei por experiência posterior tão aterradora como a descrita por ele. O que levei de brinde, na verdade, foi um enjoo que não passava nunca, e que me deixou simplesmente atordoado.

 

Vamos, porém, ao relato de minha experiência concreta:

 

Eu fui de carro com o meu irmão João Couto. Tínhamos acertado com um membro da UDV  um ponto de encontro no caminho. No horário definido, 19:00, estávamos no posto de gasolina aguardando a sua chegada, que se deu pontualmente. Seguimos rumo ao local da cerimônia. Imaginava que fosse mais perto, mas na verdade tínhamos pela frente um longo trecho de estrada, que a partir de determinado momento mostrou sua face rural: estrada de terra, com curvas delicadas, e subidas e descidas que não findavam. Enfim, depois de certo tempo, chegamos ao local do encontro.

 

Fiquei deslumbrado com a beleza da natureza, que envolvia o templo. De modo muito particular, duas lindas Samaúmas, que reverberavam encanto por toda parte. Uma delas, majestosa, estava iluminada... Fiquei particularmente tocado por sua beleza. Pedi a autorização para fotografá-la e consegui um lindo registro que guardo aqui com carinho. Cheguei a partilhar sua beleza em postagem no meu Face.

 

O salão estava um pouco adiante, e algumas pessoas já se acomodavam em suas cadeiras, cobertas com mantas para se prevenirem do frio. Ao centro uma mesa retangular, onde numa extremidade estava o arco de madeira pintado de verde com a seguinte inscrição em amarelo: Estrela Divina Universal (UDV). À direita do Mestre dirigente, na mesa, havia um recipiente de vidro contendo o vegetal, além de copos com água para os participantes. Na  parede acima da mesa, estava um quadro com a foto do Mestre José Gabriel da Costa, nomeado com Mestre Gabriel. 

 

Os presentes aguardaram com tranquilidade o horário definido para começar a sessão. No horário marcado, 20:00, começaram os trabalhos. O mestre dirigente procede o início da sessão, desejando a todos um encontro  pleno de luz e amor. Convida então a todos, por ordem hierárquica a se locomoverem para tomar o chá. O caminho de acesso sempre se dá em sentido anti-horário, sendo puxado pelos membros mais graduados: Mestre Assistente, Conselheiros e Conselheiras, o Corpo Instrutivo, o Quadro de Sócios e os Adventícios, que estavam ali pela primeira vez para conhecer o Núcleo.

 

Percebi que nem todos os copos estavam preenchidos. Alguns dos participantes estavam com meio copo ou ainda menos. A maioria dos homens tinham o copo quase cheio, e foi o meu caso. Lembro-me que o mestre tinha me sugerido tomar uma dose menor, mas eu argumentei em favor do procedimento normal que é feito com os adventícios, ou seja, os que estão tomando o vegetal pela primeira vez,  em convite feito por um dos dos membros oficiais. 

 

Foi quando então o mestre convoca a todos para beberem o vegetal, explicando antes que todo o conteúdo deve ser tomado.

 

Depois que todos tomaram o chá, foi feita a leitura do Regimento Interno da UDF por parte de uma jovem, filha do Mestre do Núcleo de Juiz de Fora. O procedimento levou algum tempo. Na sequência, houve uma instrução sobre aspectos do Regimento Interno feita por um discípulo do corpo instrutivo. Não entendi com clareza a razão para tal procedimento, que achei bem cansativo. 

 

Não tive nenhuma dificuldade para beber o conteúdo. Não estranhei tanto o gosto, como outros relatam, e tomei tudo de uma vez. Na sequência, há um momento inicial de silêncio, quando todos aguardam o início da borracheira. É quando então o Mestre Dirigente inicia a Chamada de Abertura e a entoação de hinos escolhidos, na sua maioria do próprio Mestre Gabriel.

 

Revezando-se com o mestre responsável pelo cerimonial, que foi convidado para a atividade, estava o outro mestre que cuida do núcleo de Juiz de Fora. Ele tinha assumido a responsabilidade de escolher e colocar para os participantes algumas músicas específicas da MPB ou outras cujo conteúdo pudesse estar relacionado ao ritual.

 

Eu estava sentado numa cadeira situada junto à extremidade da mesa, onde estavam alguns participantes da coordenação. O meu irmão não esta junto de mim, mas entre nós dois colocaram um membro fardado da LDV. Logo à minha direita estava um vão ou abertura na roda, que facilitava a saída das pessoas para o hall de entrada, com acesso aos banheiros: o das mulheres ficava na parte de cima, e o dos homens mais abaixo. Não havia porta nas cabines, mas cortinas. O número de cabines era grande. O espaço do banheiro não permitia muita intimidade. Logo na entrada, na lateral, estavam duas cadeiras de plástico.

 

Diante de mim, um pouco ao lado e acima de onde estava, havia um relógio de parede, que no meu caso teve um lugar importante na minha experiência. Digo isso porque na minha percepção o tempo de duração  do ritual foi imenso. O relógio andava bem devagar. 

 

Todos ali estavam na expectativa da borracheira, que deveria se iniciar, como normalmente ocorre, após cerca vinte minutos de sua ingestão. Foi um tempo em que busquei me manter tranquilo, ainda que com certa ansiedade. Olhava para as pessoas e via que todos estavam aguardando a chegada dos primeiros sinais. No meu caso, preparei o corpo rezando um pai nosso e a oração de despedida de Charles de Foucauld. 

 

Com cerca de meia hora comecei a sentir alguma coisa diferente nas minhas mãos: uma dormência esquisita, que depois começaria a se irradiar para o resto do corpo. Tudo muito devagar. Com o tempo fui percebendo que com os olhos fechados algumas sensações novas começavam a ocorrer na minha mente. Visões de cores, de luzes em movimento. Quando abria os olhos, via a sala normalmente, com as pessoas nos seus devidos lugares. Imaginava que a miração fosse ocorrer também com os olhos abertos. Não foi assim que se deu. As imagens só aconteciam quando estava com os olhos fechados. E aquilo foi ganhando intensidade maior. Nada assim desesperador, mas imagens serenas. Nesse tempo, continuavam a ocorrer os hinos, sempre sem o recurso a instrumentos, numa voz serena e ritmada, por parte do mestre da cerimônia.

 

Em dado momento, o mestre pergunta para as pessoas se a borracheira começou a acontecer, e complementa sua frase indagando se o que ocorre é algo benigno. Ele se achega a pessoas escolhidas e pergunta: “Há borracheira ? Ela é boa ?”. As pessoas respondem que sim, e que é boa. Verifiquei que ela já estava atuando nas pessoas. De repente, vi que uma adventícia começou a passar mal, e vomitou à sua frente, na sala de encontro. Como é algo que pode ocorrer na borracheira, quando se dá a experiência da peia, e os participantes estão acostumados a isso, não verifiquei alteração no ambiente. Todos mantinham-se no seu lugar, muitos de olhos fechados. E a moça passando mal. 

 

Um pouco depois, eu comecei a sentir uma movimentação interior no meu estômago, como algo estivesse tentando invadir aquele espaço, buscando um lugar de acolhimento. Essa movimentação não parava, mas ao contrário, ia se acentuando progressivamente. E os sons reverberavam também fora... Foi quando comecei a me sentir mal, com ânsias de vômito. Tentava me controlar, mas os movimentos e sons ocorriam fora do meu controle. Estava agora com medo de também vomitar e a minha localização na sala não era muito favorável, pois era zona de passagem das pessoas. 

 

Foi quando, por sorte, um participante mais velho que estava ao meu lado, e já era fardado, percebeu a minha situação e se ofereceu com delicadeza para me levar ao banheiro. Eu não tinha ideia se conseguiria andar ou não. Por sorte consegui, e ele me apoiando. A distância da sala para o banheiro era grande. Tinha um grande espaço ao ar livre, com o solo natural. Ele viu que eu estava mal e deixou-me livre para vomitar ali mesmo naquele espaço. E foi justo o que aconteceu. Veio uma vontade extremada, mas como estava com o estômago vazio, o vômito foi brando embora a ânsia tenha sido forte. Direcionei-me com sua ajuda ao banheiro e lá fiquei sentado numa das cadeiras brancas que estavam na entrada. Busquei silenciar-me, meio atarantado... Foi quando chegou outro participante e me disse que aquele lugar, o banheiro, não era o mais adequado para eu ficar. Então saí devagar e busquei respirar fundo no espaço aberto, rodeado pela linda natureza.

 

Voltei à sala onde transcorria o ritual, com os cantos e os pontos. Estava um pouco melhor, mas ainda muito atordoado interiormente. Não consegui, como Caetano Veloso, viver a experiência como algo maravilhoso. Foi para mim, uma experiência muito difícil, dolorosa... e o relógio corria devagar e isso me atordoava mais. Imaginava: isso aqui vai durar até cerca de 24:15. A cerimônia finalizava às 23:30, mas as pessoas só estavam liberadas para sair quarenta e cinco minutos depois. O mestre disse na ocasião que a borracheira tem uma duração bem definida, e que que se acalenta por volta do horário previsto para o término do ritual.

 

Não foi assim que ocorreu comigo. A peia que tomou conta do meu corpo perdurou até o momento que cheguei em casa, por volta de 2:00 da manhã. Ainda durante a cerimônia o mestre abriu espaço para as pessoas presentes fazerem pergunta ou levantarem questões. Percebi que alguns fardados foram perguntando, sempre com muita reverência, e o mestre respondia com calma. Notava que as questões eram muito simples e em verdade, estranhava que questões assim procediam de membros já fardados. Cheguei a pensar que podia até ser algo programado, visando um esclarecimento dos adventícios.

 

Com o passar do tempo, o mestre então abriu espaço para a palavra dos adventícios. Um silêncio se fez na sala... imenso. Então tomei a iniciativa de expressar o que estava sentindo, e o fiz com honestidade, mas sereno. Disse não saber se o que sentia era a borracheira, sobretudo em razão de não viver a experiência de olhos abertos. E acrescentei que o que ocorria comigo era a presença de uma força estranha, e que tinha vindo à minha mente a canção de Caetano Veloso. 

 

Nesse momento, alguns membros da UDV foram à frente para explicar o que ocorre na borracheira, sobretudo para os adventícios. Diziam que a experiência pode ser diferentemente percebida pelos participantes e que nunca uma experiência se repete da mesma forma. Se numa primeira vez a pessoa pode se sentir mal, de repente em outra sessão o oposto pode ocorrer. 

 

Senti que buscavam tranquilizar os adventícios. Por diversas vezes falaram que a ingestão do chá não provoca danos à saúde. Por sugestão do mestre que conduzia a cerimônia, colocou-se para os ouvintes a música força estranha na voz de Roberto Carlos. Foi um momento bonito. Roberto Carlos já tinha estado “presente” com outra canção, executada anteriormente, falando sobre Nossa Senhora.

 

Num dos momentos da fala do mestre de cerimônia percebi algo diferente e, a meu ver, contraditório com o espírito de integração com a natureza. Ele falava negativamente da matéria, e aquilo me acordava para o risco de uma dicotomia negativa entre matéria e espírito, que para mim estão sempre muito integrados. Em vários momentos se falava em doutrina, e ao mesmo tempo em liberdade. Buscavam indicar para os presentes que a tradição da UDV não é proselitista. 

 

Fiquei preocupado com uma fala da liderança do núcleo. Ele buscou em certo momento dizer que eles evitavam deixar muito espaço ao silêncio durante o ritual para evitar que satanás pudesse ocupar o espaço. Achei aquilo muito estranho, e me fez lembrar um livro de um antropólogo sobre a missão dos jesuítas no Brasil juntos aos índios: “Os soldados da ordem de Cristo na terra dos papagaios”. No livro, o autor mostrava que uma das funções da catequese jesuítica era não deixar o silêncio acontecer, mas sempre preencher o silêncio com a catequese, justamente para evitar a invasão do maligno. Eu logo associei as duas coisas.

 

Ao final da cerimônia, uns três ou quatro membros da UDV vieram ao meu encontro, com delicadeza, tentando explicar a dinâmica da reunião e a experiência da borracheira. Dois deles falaram sobre suas experiências primeiras e que também não tinham se sentido à vontade. Mas que depois, com o tempo e outras experiências eles foram conseguindo uma harmonia maior e um vínculo mais tranquilo com a UDV. Fiquei um pouco atordoado com o assédio profissional. Verifiquei que eles buscavam me acalmar e tranquilizar. Algumas falas, porém, não foram tão felizes, dando a entender que o que ocorria comigo e outros que passam mal é revelador de um estágio ainda inicial no caminho espiritual. 

 

Na verdade, o que eu queria mesmo naquele momento não era ouvir conversas, mas ficar sozinho, num trabalho de interiorização. Isso não foi possível, dado o “assédio” bem intencionado. 

 

Durante um momento da conversa, pedi licença, pois estava passando mal. Saí então em direção ao banheiro. Não vomitei, mas queria estar livre diante da natureza. Não havia bancos na grande entrada. Veriquei, entretanto, que tinha um lugar onde poderia sentar, perto de uma grande samaúma iluminada. Ali sentei e fiquei sossegado, ainda atordoado. O mesmo membro que me havia auxiliado antes se achegou a mim e pediu licença para conversar. Ficamos ali juntos conversando e ele tentava explicar para mim a importância de resgatar os aspectos positivos da experiência. Frizava que eu poderia perceber a realidade de um espaço a ser atravessado não só pela via da dificuldade, mas também pela via da facilidade, e sinalizava isso com as mãos. Tentava me convencer de que em vez de enfatizar as dificuldades, eu deveria pensar também nas facilidades.

 

Logo depois apareceu meu irmão João, e eu sugeri a ele retornarmos para casa. Estava precisando sair dali, sentia isso. Fomos então na grande sala pegar nosso material. Eu peguei uma blusa de frio que tinha levado a mais e também a minha mochila, que estava numa cadeira na entrada.

 

 Naquele momento, as pessoas estavam vivendo um tempo previsto para um convívio numa sala anexa, onde tinham frutas e sucos. Não dei conta de ir até lá, temendo também que novas conversações pudessem ocorrer e eu não estava preparado para isso. Nos despedimos das pessoas que ainda estavam na sala e fomos para o carro.

 

Nesse momento, o meu irmão começou a sentir-se mal. Sua peia veio com atraso. Ele foi ao banheiro e demorou-se um pouco ali. Soube depois, em conversa, que ele já estava se sentindo mal desde o ritual. Veio então com calma, entrou no carro. Mas antes eu percebi que ele tentou vomitar, mas como no meu caso, não tinha nada para sair. Via que ele estava bem enjoado. 

 

Ficamos os dois no carro aguardando se, por acaso, algum carro sairia e então poderíamos acompanhar para pode chegar na cidade. Nada disso ocorreu. Então tentamos via celular encontrar um recurso nos mapas para o correto direcionamento para a cidade. Pelo celular não foi possível, mas ele conseguiu acionar um aplicativo no carro, indicando a rota a ser seguida. Ainda nos demoramos para sair, até encontrar um momento adequado. Foi duro!

 

Saímos devagar e encontramos o portão da casa fechado. Meu irmão saiu do carro e conseguiu desvencilhar o caminho. Pegamos a estrada e logo no início passei mal. Por sorte, ele parou na beira da estrada e tive tempo de desvencilhar-me do embaraço. Mas não saía vômito, apenas poucos resíduos líquidos, num enjoo tremendo. Durante o caminho até minha casa, o carro ainda parou três vezes para eu tentar vomitar, sem sucesso. Conversamos pouco no carro, mas em certo momento ele me disse, com humor: “É mano, essa experiência vai entrar no nosso caderninho das roubada!”. Rimos os dois, em grande sintonia de pensamento. 

 

No dia seguinte, à tarde, conversamos e ele disse que o fato de estarmos juntos no cerimonial foi fundamental para o apoio mútuo. E ambos reconhecemos que estarmos só nos dois, sem as companheiras, foi algo alvissareiro. Teria sido bem complicado para ela, a nosso ver.

 

Ainda no carro, junto com a ânsia de vômito sentia, já desde o momento que estávamos para partir, uma vontade de ir ao banheiro, mas resisti. Consegui segurar o embaraço até a minha casa. O meu irmão iria dormir comigo, a conselho de um amigo experiente, mas acabamos dormindo nas nossa casas, que são próximas, no mesmo condomínio. 

 

Quando cheguei em casa, ainda meio atordoado, fui logo ao banheiro e veio uma diarreia explosiva, como uma expressão de libertação do que impedia um sentimento de serenidade. E foi muito bom ter me desvencilhado do que estava enrolando o meu estômago. O relógio marcava 2:00 da manhã. Achei melhor naquele momento, buscar tranquilizar-me para dormir em paz. Resolvi não tomar o medicamento que uso durante a noite para não confundir ainda mais a situação. Foi uma sábia decisão. Consegui dormir tranquilo, acordando uma única vez durante a noite, e depois abri os olhos novamente às 6:00 da manhã e estava bem. 

 

Em meu discernimento atual, vejo que foi uma experiência muito difícil e dura, mas foi válida. É o que eu queria fazer há muito tempo. Por mais que alguns queridos me desanimassem, temendo algo negativo, eu, teimosamente, insisti na minha ideia e realizei o que buscava. Quando acordei, o que me veio na mente, como a aurora que faltava, foram dois trechos de canções de Tom Jobim, que explicavam melhor para mim o que eu estava sentindo na manhã que se iniciava. O sentimento presente era como o de ter sido abalroado por algo violento, estranho, que tinha deixado pegadas fortes no meu mundo interior. 

 

Ao recolher memórias do que me aconteceu naquela sexta feira difícil, pensei que seria muito bonito encontrar aquelas pessoas naquele lugar sereno, sem precisar ter como motivo da reunião a ingestão do chá. E me indaguei: por que será que precisamos ingerir algo exterior, que provoca alteração no estado de consciência, para vivenciar o encontro com o Mistério e a comunhão entre as pessoas ?

 

Convivi com esse estranhamento. Dai ter tido uma intuição, que veio junto com a canção de Jobim: “Deixa o mato crescer!”. Pensei comigo: eu tenho no meu sítio, Faixa de Gaia, as duas plantas: o Mariri (Jagube) e a Chacrona (rainha). Estão ali tranquilas e serenas e podem ser observadas. Veio-me então um sentimento: por que precisamos mexer no mato, tirar essas plantas de seu lugar, macerá-las para produzir a bebida ? Não seria melhor simplesmente admirá-las no seu estado natural? Foram perguntas que me ocorreram na manhã desse sábado, dia 22.

 

E concluo meu relato com o conteúdo de duas letras de músicas de Tom Jobim que traduzem o meu sentimento atual:

 

“Hoje é sexta feira

Deixa o mato crescer em paz

Deixa o mato crescer

Deixa o mato

Não quero fogo, quero água

(deixa o mato crescer em paz)

Não quero fogo, quero água

(deixa o mato crescer em paz).

 

“O barro ficou marcado aonde a boiada passou”.

 

2. A retomada da reflexão

 

No caminho do “Panis Angelicum”

 

Na sexta feira passada, dia forte de homenagem a Oxalá, fui visitar uma comunidade da União do Vegetal em Juiz de Fora. Pensei em ir de branco, em homenagem ao grande Orixá. Acabei não indo, e isto talvez tenha exercido um impacto no que vivi ali. Não foi algo fácil para mim, mas a experiência de uma força estranha que me atordoou. Já conhecia o Mariri e a Chacrona, pois tenho os dois na Faixa de Gaia e são objeto de minha admiração, assim como as três Samaúmas, que crescem devagar no meu sítio sagrado. 

 

Eu pensava que o núcleo da UDV fosse mais perto, mas é distante da minha casa, e está na mesma direção da Faixa de Gaia, mas sua entrada na Zero 40 ainda convida para uma longa caminhada em estrada de terra. O lugar onde ocorre o ritual é muito bonito, com duas majestosas samaúmas envolvendo o salão principal. Achei também as pessoas muito acolhedoras e simpáticas. Minha experiência concreta foi outra coisa, difícil. Mas não quero falar dela aqui. Escrevi um relato para uso pessoal e para partilha com alguns amigos. Digo, porém, que o momento mais rico que vivi ali foi quando, sozinho, depois de tudo, e ainda passando mal, sentei-me sereno ao pé da Grande Samaúma, como bem lembrou para mim uma amiga querida. 

 

O que quero partilhar com minha comunidade do Face é a questão que se relaciona com essa sede de busca que vem marcando tantas pessoas, e muitos jovens, nesse momento de crise mundial, de falta de horizontes e perspectivas. Num momento de pós-pandemia quando muitas relações são desfeitas e tanta gente vem se afundando num mar do sem sentido e da depressão.

 

Diante dessa anomia, muitos buscam o caminho religioso como fonte de significação, de apoio, de resistência, de resiliência. Sábio é Peter Berger quando diz que a religião é a “ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo”. E isso é interessante. Outros buscam, mesmo fora das religiões, nichos de espiritualidade confortadoras. É o que podemos constatar no belo livro de André Comte-Sponville: “O espírito do ateísmo” (2006). Ele diz com razão no preâmbulo de seu livro que “a espiritualidade é importante demais para que a abandonemeos aos fundamentalismos”. E relata, de forma linda, o que ele entende por espiritualidade. E a identifica com a experiência profunda de “habitar o universo”. A espiritualidade é, no fundo, a experiência do Real, com todas as suas nuances. Viver o mundo espiritual é adentrar-se nas entranhas do Real. Nada mais que a “plenitude do Real”. E ele identifica essa experiência com a “imanensidade”, ou seja, uma “peregrinação na imanência” . 

 

Comte-Sponville relata uma experiência que teve com amigos quando caminhavam juntos numa floresta no norte da França. Estavam caminhando, simplesmente, quando, de repente, os risos cessaram e as palavras tornaram-se raras. O que permaneceu sobrevivendo neles foi a amizade, a confiança, a presença compartilhada e a “doçura daquela noite e de tudo”. Não se pensava mais em nada, restava apenas o olhar sereno diante daquele “incrível luminosidade do céu” e o “silêncio rumoroso da floresta”. E aí sim, ocorreu a surpresa fundamental: “Apenas uma evidência. Apenas uma felicidade que parecia infinita. Apenas uma paz que parecia eterna”. Não havia em torno nada além do que uma “deslumbrante presença de tudo”. Isso é espiritualidade, também para mim.

 

Lendo aqui um texto de uma amiga antropóloga querida, Regina Novaes, para um livro que estou organizando com Renata Menezes, de Antropologia da Religião, vejo como essa questão é mesmo complexa. Em seu artigo, Regina fala dos jovens de axé e dos jovens católicos nesse momento concreto do Brasil. Regina fala da crescente procura de jovens pelo caminho que se abre no mundo evangélico, sobretudo no mundo pentecostal. Fala também do crescimento da presença jovem no mundo afro, ainda que em casos concretos a presença venha camuflada sob a denominação “espírita”, que é mais aceita entre nós. Regina fala também do crescimento daqueles que se declaram com fé, porém sem vínculos institucionais. É o fenômeno mundial que presenciamos hoje, de uma crença sem pertença.

 

Na minha experiência pontual na UDV senti algo bem semelhante ao que vejo no catolicismo. A força de uma tradição, a ênfase na doutrina, a hierarquização, e a vinculação da comunidade a um eixo propiciador do êxtase, que no caso da UDV é o vegetal (Hoasca ou Ayauasca). Senti a comunidade acolhedora, mas fiquei um pouco atordoado com o ritmo da doutrina, com a visão sobre a matéria e com a dificuldade com o silêncio. Em determinado momento, um líder chegou a expressar claramente, que os espaços residuais do silêncio ali existentes são um contraponto protetor contra a ameaça do demônio. Incomodou-me ainda a visão, nem sempre colocada de forma clara, de que os que mostram dificuldades na relação com o Vegetal encontram-se ainda num estágio limitado de evolução espiritual. São compreensões que discordo. Não quero, porém, entrar aqui em detalhes.

 

Lendo o precioso livro de Beatriz Labate, Isabel de Rose e Rafael dos Santos, sobre as religiões ayahuasqueiras, pude constatar a singularidade de tradições como o Daime e a UDV e seu bonito traço de serem religiões genuinamente brasileiras. Eles ainda indicaram que grande parte do trabalho teórico em torno dessas tradições são realizados por antropólogos, muitos dos quais acabaram se convertendo a tais tradições, e mesmo fardando-se ali. Como dizem os autores desse trabalho, “a grande maioria dos antropólogos que estudam as religiões ayahuasqueiras acaba se fardando em algum momento da pesquisa”.

 

O Interessante no trabalho desses autores, foi mostrar que também cresce no Brasil “grupos dissidentes” das três religiões ayahuasqueiras principais: Daime, UDV e Barquinha. Relatam as novas experiências de grupos autônomos que se irradiam nas regiões urbanas, sobretudo nas grandes cidades. Surgem então “novos rituais e conjuntos de referências doutrinárias”.

 

Isso tem um significado bem singular para mim, que corrobora minha ideia da crise que vivem as instituições religiosas em âmbito mundial. Daí, por exemplo, Daniele Hervieu-Léger falar em “implosão do catolicismo”, e, ainda, verificarmos que também aqui no Brasil já surgem os evangélicos não praticantes, como vimos no último censo demográfico. 

 

Eu mesmo, particularmente, tenho atualmente dificuldade de vincular-me às igrejinhas. Vivo uma sintonia fina com Teilhard de Chardin, quando relatou numa carta à amiga, Léontine Zanta: “Nossas igrejinhas nos escondem a Terra”. Convidava então a amiga para banhar-se na matéria humana, na matéria da vida, e dizia que esse contato a tonificaria. No campo católico, essas “igrejinhas”estão por toda parte... e foram poucos momentos onde pudemos vivenciar primaveras de vida eclesial, como nas CEBs. O que vemos em muitos casos e por todo canto são cerimônias monótonas, com homilias pobres, uma sede de arrogância e vontade de poder, bem como um disciplinamento doutrinal que acanha e afasta os fiéis. Na experiência que fiz com o budismo zen em Ouro Preto, foi a mesma coisa: algo que não produz sedução e encanto, mas que expressa disciplina e seriedade excessiva. Falta humor, elasticidade, leveza, liberdade. Foi o que vi também aqui na UDV, sobretudo no ritual.

 

Por isso, na manhã de sábado, acordei com duas canções de Tom Jobim ressoando em meus ouvidos, indicando que o caminho que busco é diferente, e ainda está sobrando no horizonte:

 

 

Hoje é sexta-feira

Deixa o mato crescer em paz

Deixa o mato crescer

Deixa o mato

Não quero fogo, quero água

(deixa o mato crescer em paz)

Não quero fogo, quero água

(deixa o mato crescer em paz)

 

O barro ficou marcado aonde a boiada passou

 

Tom Jobim

 

Na iluminada manhã de sábado, quando surgiram na mente esses dois trechos de canções de Tom Jobim, passou-me a seguinte reflexão. O recurso do uso ritual das plantas sagradas talvez tenha um significado preciso entre os povos originários, mas um pouco mais exóticos para nós, brancos urbanos. 

 

Por isso a ideia que se firmou em mim foi de “deixar o mato crescer”. Deixar o Jagube (Mariri) e a Chacrona (Rainha) sossegados em seu lugar. Eles estão lá, tranquilos e belos, e podemos, sim, estar diante para observar e curtir sua presença. Não vejo, assim, necessidade imperativa de utilizar recursos materiais ou instrumentos para viver a experiência nua da contemplação.  Isso é possível com a força de nossa mente. Podemos, sim, captar a notícia sutil e delicada dos anjos e do Mistério no silêncio absoluto, sem precisar recorrer a instrumentos. E diria também, que vivenciar esse “panis angelicum” pode, para alguns, dispensar também a eucaristia, por que não?

 

João da Cruz faz uma clara distinção entre meditação e contemplação. Para ele, a meditação ainda necessita de instrumentos de apoio, mas a contemplação não, ela é livre. Diz ele:

 

“Logo que entra em oração, como quem já está com a boca na fonte, bebe à vontade e com suavidade, sem o trabalho de conduzir a água pelos aquedutos das passadas considerações, formas e figuras. E, assim, logo em se pondo na presença de Deus, acha-se naquela notícia confusa, amorosa, pacífica e sossegada em que vai bebendo sabedoria, amor e sabor” (Subida do Monte Carmelo, II, XIV, 2)

 

Por isso faço a distinção entre o “pão eucarístico” e o “pão angélico”. O segundo está ainda além do primeiro. E isso vem expresso também na versão original da Imitação de Cristo, resgatada recentemente por estudiosos holandeses. Thomas de Kempis não coloca a Eucaristia como o ápice da experiência espiritual. E João da Cruz, em seu Cântico Espiritual, reconhece isso quando coloca no ápice da experiência expiritual, a borracheira mística, livre de instrumentos:

 

“Na interior adega

do Amado meu, bebi”  (CB XXVI)

 

3. O convite ao discernimento

 

Tu não me lavarás os pés!

 

Algumas reflexões a partir de Uma Força estranha: uma travessia difícil e No caminho do “Panis Angelicum”

 

Durante a ceia, (...) Jesus levanta-se da mesa, depõe o manto e, tomando uma toalha, cinge-se com ela. Depois, coloca água numa bacia e começa a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido. Chega, então, a Simão Pedro, que lhe diz: “Senhor, tu, lavar-me os pés? Respondeu-lhe Jesus: “O que faço não compreendes agora, mas o compreenderás mais tarde”. Disse-lhe Pedro: “Jamais me lavarás os pés!”

Jo 13, 2-8.

 

Dudu, querido irmão,

 

Há dias tenho desejado compartilhar com você algumas reflexões que me vieram a partir da leitura do que você escreveu após a sua primeira sessão com o Vegetal. Sinto que o transcurso de uns dias, desde então, foi proveitoso para que eu pudesse amadurecer alguns pensamentos. 

 

Tenho uma visão bem parecida com a sua no tocante a vários pontos abordados por você, sobretudo esse olhar crítico em face a uma rigidez e hipertrofia institucional que, de uns tempos para cá, tem, infelizmente, caracterizado muitos núcleos da União do Vegetal. Dito isto, não irei aqui me alongar nos aspectos em que concordamos, mas sim focar nos pontos que compreendo e sinto de uma forma bem distinta da que você expôs em Uma Força estranha: uma travessia difícil e No caminho do “Panis Angelicum”.

 

Sua decisão de não publicar o seu primeiro texto Uma Força estranha: uma travessia difícil e apenas compartilhá-lo com alguns amigos me alegrou. Mas, logo depois, me surpreendeu que você não tenha resistido em postar no Facebook No caminho do “Panis Angelicum”. 

 

Pergunto-me se contribui para o diálogo intereligioso tornar públicas observações críticas, por mais respeitosas e pertinentes que sejam, depois de apenas um – e somente um! - encontro com uma nova tradição. Falo isto buscando unir franqueza e delicadeza, alicerçado em nossa amizade e na admiração que sinto por sua linda trajetória de diálogo.

Mais adiante, fiquei ainda mais surpreendido ao ler no texto publicado: “O recurso do uso ritual das plantas sagradas talvez tenha um significado preciso entre os povos originários, mas revela-se um pouco mais exótico para nós, brancos urbanos”. 

 

Pareceu-me fortemente questionável bater nessa tecla, tão repetida pelos inquisidores contemporâneos das plantas de poder: “ah, os indígenas podem utilizar esses vegetais, mas não tragam essas substâncias perigosas para nós, civilizados!” 

 

Uai, é pertinente e defensável essa dicotomia entre nós, “brancos” (???) e eles, originários? Não será isso a exotização da experiência espiritual do outro? Que, na verdade, não é “do outro”, mas de nós, humanos, habitantes (e integrantes) desta Gaia? Não-separatividade! 

 

Mês passado, na Amazônia, participei de uma sessão de ayahuasca com um mestre da etnia Kokama, numa favela da cidade de Tabatinga, acompanhado de uma senhora de idade, também Kokama, e meu amigo Tomás, da etnia Tikuna, servidor da Funai. Este, bebia o Vegetal pela segunda vez. Na primeira, anos atrás, não havia sentido a burracheira. Afinal, se animou a me acompanhar e teve uma radiosa e encantadora vivência! Quatro humanos, em busca de luz.

 

Ao você fazer aquela distinção hierárquica entre a meditação com “instrumentos de apoio” e a superior contemplação do panis angelicum, indago-me se não haveria aí um esquecimento de nossa corporeidade... Somos corpo, somos terra, somos moléculas... 

 

As mais altas vivências místicas de João da Cruz, Teresa, Inácio foram vividas em seus corpos, com seus afetos, lágrimas e fluxos de serotonina... Aliás, a dimetil-triptamina presente na chacrona tem o seu análogo endógeno no organismo humano. 

 

Seja a experiência do xamã Kokama, seja a dos iogues que escreveram os Upanishads, seja a do dervixe girante sufi, seja a do padre do deserto da Tebaida são vivências que unem inextrincavelmente corpo, mente e espírito. 

 

Sinto que nos seus diferentes contextos, para além dos “instrumentos”, no coração deles pode brotar a “súbita flor sete-pétalas” de que falava Rosa. Alegria!

 

“Por que será que precisamos ingerir algo exterior, que provoca alteração no estado de consciência, para vivenciar o encontro com o Mistério e a comunhão entre as pessoas ?” 

 

Com efeito, não precisamos. Na minha compreensão, beber ayahuasca não está na esfera da necessidade, mas sim da gratuidade. É espaço da graça, e não do que “é preciso”. 

 

E assim chego às palavras de Pedro que empreguei como título desta breve conversa com você: “Tu não me lavarás os pés!” Quando você cita o trecho da bela canção Borzeguim, do Tom, “deixa o mato crescer em paz” e diz: “Deixar o Jagube (Mariri) e a Chacrona (Rainha) sossegados em seu lugar. Eles estão lá, tranquilos e belos. Não precisa retirá-los de onde estão, nem macerá-los...” 

 

Escuto aí ressonâncias da veemência de Pedro: “Jamais me lavarás os pés!” Ele busca evitar, mas Jesus quer lavar os seus pés. Depois compreenderás. 

 

Em minha experiência espiritual, percebo o querer da Natureza, do mariri e da chacrona: querer servir à humanidade, trazer-nos força e luz. Cipó que quer ser macerado, folha que quer ser colhida e unida aos ramos de mariri. Como o trigo que deseja ser colhido e triturado para formar o pão saboroso que também é comunhão. 

 

Lembrei-me agora de Inácio de Antioquia, trigo de Deus a ser triturado pelos dentes das feras... Mais uma vez, corpo dado. Para nos comunicar o seu Bem. 

 

Como intuiu o nosso Inácio no Ad Amorem: o amante quer comunicar ao amado o que tem e possui. Graça. Há séculos, centenas de povos recebem do mariri e da chacrona o seu dom. Os cipós e as folhas crescem em paz. E, em paz, se entregam à maceração, ao cozimento. Lavam nossos pés, ou melhor, lavam nosso interior, sendo por nós bebidos, para que tenhamos mais paz.

 

Enfim, irmão, concluo com algo que, talvez, possa soar semelhante à fala daqueles que, após a sessão, lhe disseram das dificuldades que tiveram em suas experiências iniciais. Eu sempre falava aos amigos que levei para beber o chá: “sugiro que se disponha a beber, pelo menos, em três ocasiões o Vegetal”. Uma só vez é muito pouco. 

 

E ficamos sujeitos a uma série de fatores aleatórios que podem condicionar uma avaliação demasiadamente limitada. 

 

Permitindo-se, ao menos, três sessões, abre-se à possibilidade de experiências radicalmente novas. Ri gostosamente ao ler seu diálogo com seu irmão! Que bela sua franqueza em nos narrar essa conversa! 

 

Mas estou convencido, amigo: não é uma roubada. Direi isto só esta vez, sem insistir, e com profundo respeito à sua intuição e liberdade. Apenas digo: deixe-se lavar os pés.

 

Com carinho e fraternidade,

 

Sérgio

 

4. A acolhida fraterna

 

Uma convocação a tirar as sandálias

 

Querido amigo,

 

Suas reflexões foram fundamentais para a minha vida e o meu discernimento crítico sobre a experiência que vivi numa noite na União do Vegetal. Foi um texto que me tocou profundamente, como uma palavra generosa de um amigo e mestre que ajuda o irmão a refletir com mais profundidade sobre uma experiência concreta.

 

Você sabe muito bem como eu tenho me empenhado há décadas em favor do diálogo inter-religioso, pautado por uma convicção que está entranhada como tatuagem no meu peito. Posso dizer que a vocação ao diálogo é o traço chave na minha vida atual: seja o diálogo inter-religioso, o diálogo das espiritualidade, o diálogo das inter-convicções e agora o diálogo inter-espécies. Venho cada vez mais radicalizando minha posição na direção do respeito ao outro.

 

Um dos livros fundamentais que me inspiraram nessa jornada de vida foi o documento Diálogo e Anúncio, do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, de 1991. E vejo com a alegria a presença de Jacques Dupuis, meu supervisor no pós-doutorado na assessoria redacional desse precioso e ousado documento.

 

Num de seus números, o documento afirma que “uma justa avaliação das outras tradições religiosas supõe normalmente um estreito contato com elas” (DA 14). Diz ainda que nossa aproximação a elas deve acontecer “com grande sensibilidade porque encerram valores espirituais e humanos”. Sempre defendi isso em minhas aulas, assessorias e reflexões.

 

Mas, concordo com você, que FALHEI na avaliação da União do Vegetal, ousando traduzir minha curtíssima experiência em reflexão que divulguei. Isso foi um equívoco, e vejo agora com muita clareza, ajudado por seu discernimento e advertência pastoral. Estou totalmente de acordo com você que fiz como Pedro, ao dizer a Jesus que jamais deixaria que lavassem os seus pés. Eu até consegui chegar a “lavar os pés”, mas certamente não devidamente. Tinha que me deixar guiar pela gratuidade e pelo silêncio, buscando uma nova experiência, talvez mais calma e comedida, para poder, aí sim, dizer uma palavra de sentido e não obtusa como aconteceu.

 

Você exerceu com nobreza o trabalho de antropólogo, relativizando com muita pertinência minhas observações superficiais. Concordo que aquilo que escrevi não contribui para o diálogo que busco com as diversas tradições religiosas, e que deve igualmente envolver as religiões ayauasqueiras. Falei inadvertidamente e com pressa, e faltou, sem dúvida, o momento precioso da ruminação tranquila daquilo que vivi numa primeira vez. 

 

Reconheço também que deveria ter seguido o conselho do mestre de cerimônia e ter tomado uma dose menor, mas acabei cedendo à ousadia de querer fazer a experiência integral, sem respeitar com carinho e alegria, o conselho dado pelo mestre. 

 

Você tem razão ao dizer que é muito limitado querer avaliar a experiência a partir de uma única visita. Nesse sentido, você conseguiu abrir novas portas e janelas em meu coração, disponibilizando-me a retomar a experiência sob novos moldes, respeitando o meu tempo pessoal. Você foi sábio ao dizer isso para mim. Saiba que partilhei o que você me passou com o meu irmão que esteve junto comigo na experiência, e ele concordou inteiramente com você. 

 

Ainda com respeito ao seu belo texto, concordo inteiramente com sua crítica à visão dicotômica que marcou o meu texto, como se o vegetal fosse exclusivamente pertinente para os povos originários, mas algo exótico para nós. Trata-se, concordo, de uma visão pequena e curta, que acaba incensando esses “inquisidores contemporâneos das plantas de poder”. Você acerta no alvo, e acolho a crítica com o meu sincero agradecimento. Temos, sim, que lutar para evitar esse separatismo prejudicial.

 

Preciosa também sua reflexão sobre a corporeidade. Tenho que estar atento a manter aceso em minha reflexão o valor da corporeidade na experiência espiritual, o que significa também pontuar o valor que está implicado na experiência das mediações, no caso aqui, o vegetal, para o crescimento no domínio da meditação, proporcionando o lugar teofânico essencial para o salto silencioso da contemplação. Mais uma vez, o meu agradecimento à sua reflexão.

 

Por fim, a sua reação à minha interpretação do canto de Tom Jobim, que nos diz que devemos deixar o mato crescer. Você foi também certeiro na reflexão. O mato pode crescer, mas isso não nos impede de viver a experiência de riqueza única que acontece com a “remexida” no mato, nas composições que podem acontecer, fundadas em experiência magistrais de grandes mestres espirituais, que com sabedoria nos ofertam com gratuidade o fruto da sua experiência espiritual, convidando-nos à partilha. 

 

Você foi precioso quando disse que beber o vegetal “não está na esfera da necessidade, mas da gratuidade”. Pefeito! Assino embaixo. Belíssimas também suas palavras quando falam da tradição que nos antecedeu: “Há séculos, centenas de povos recebem do mariri e da chacrona o seu dom. Os cipós e as folhas crescem em paz. E, em paz, se entregam à maceração, ao cozimento. Lavam nossos pés, ou melhor, lavam o nosso interior, sendo por nós bebidos, para que tenhamos mais paz”. Precioso e correto.

 

Vejo agora que devia ter aberto no coração o espaço para uma reflexão mais séria sobre o porque da força da peia que me tomou na experiência e das razões de sua virulência no meu corpo. Vejo que há uma razão espiritual também nisso e que não pude refletir com a demasiada calma e ausência da abrupta paixão.

 

De fato, não foi uma roubada. Mudo radicalmente a minha avaliação a respeito, e me disponho, com sua preciosa ajuda, a lavar novamente os pés, com o devido preparo, para poder viver a riqueza de uma experiência que é luz e vida para centenas de milhares de pessoas, estejam elas envolvidas nas religiões ligadas ao vegetal, seja às comunidades espirituais, não vinculadas necessariamente às igrejas do vegetal, e que se enriquecem com a bebida e com o encontro.

 

Aceito assim, com gratuidade, retornar à experiência, quem sabe com sua presença, seguindo aquela nossa ideia original, de fazer um encontro na Faixa de Gaia, sob sua direção. Estou pronto e disposto a lavar os pés. Muito obrigado pelo carinho de sua mensagem, bem como a preocupação com o meu aperfeiçoamento dialogal e espiritual. 

 

Um abraço carinhoso, do irmão mineiro que tem uma imensa estima por você

 

Dudu

 

 

 

 

 

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