A coragem da Denúncia (ao grupo de Emaús)
Faustino Teixeira
UFJF / IHU / Paz e Bem
Teremos agora em março o nosso tradicional encontro de Emaús. O nosso grupo sempre se destacou como vanguarda para as grandes questões da vida eclesial no Brasil. Um grupo firmado em projetos de profetismo.
Tenho me preocupado muito nesses tempos difíceis com a crise das graves denúncias que envolvem o clero em abusos sexuais. Recordo-me bem da grave denúncia feita pelo papa Bento XVI, que talvez tenha também apressado a sua renúncia, sobre os desvios na Irlanda. Marco Politi dedicou um capítulo de seu livro, “Joseph Ratzinger, crise de um papado” (2011), ao tema. O título do capítulo é marcante: O grito dos inocentes. Há o relato da carta de Ratzinger aos católicos da Irlanda (19/03/2010), que constitui segundo Politi um dos documentos mais significativos de seu pontificado. Ali Ratzinger confessa os graves pecados da igreja nesse campo. Em certo momento diz: “Em seu nome (da igreja) expresso vergonha e remorso”. Foi a primeira vez na história que um papa reconhece coletivamente a culpa da instituição.
De lá para cá vamos testemunhando um despencar de denúncias de abusos cometidos pelo clero no mundo inteiro, o que nos causa “asco” e também muita dor. Dois acontecimentos recentes são expressão dessa violência, com os resultados divulgados pelas comissões que avaliaram os casos da França (216 mil crianças abusadas pelo clero desde 1950) e de Portugal (4.815 menores, desde 1950, sendo 77% dos agressores sacerdotes).
E agora, em notícia divulgada no IHU-Notícias, a repercussão negativa envolvendo os casos do padre jesuíta e artista consagrado, Marco Rupnik e do padre perito psicoterapeuta, Anatrella. Em artigo de Cristina Inoges Sanz, reproduzido no IHU-Notícias, de 15/02/2023, ela Fala desses dois casos e nos lembra que nos dois casos, como em tantos outros, “prevaleceu o agressor sobre as vítimas”. Muitos crimes já prescreveram, e tantos agressores continuam no ministério.
Temos que fazer valer o compromisso assumido pelo papa Francisco, em encontro com uma delegação brasileira que esteve no Vaticano em junho de 2022: “Tolerância zero para os abusos cometidos pelo clero”.
Cristina fala da inoperância da Congregação para a Doutrina da Fé, que apenas muda o seus prefeitos, mas não suas atitudes com respeito aos graves crimes cometidos por prelados católicos. Ao final de seu texto, ela sublinha que “o nosso compromisso deve ser coerente com o nosso ser cristão. E o ser cristão também deve levar-nos a estar atentos sobre como se age nos casos de agressões sexuais e outros delitos”. A autora fala na necessidade de maior “transparência” na igreja católica. Para ela, “o nosso silêncio e a nossa falta de envolvimento não nos farão cúmplices do sofrimento das vítimas? Não nos farão como o levita e o sacerdote que passam ao lado e deixam o homem espancado sem o ajudar?”.
Está mais do que na hora da CNBB preocupar-se efetivamente com a questão e convocar uma comissão independente para começar a tratar o caso.
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