O resgate do menino que habita em nossa aldeia
Faustino Teixeira
Hoje celebramos na igreja católica o dia de Santo Atanásio, que foi o grande arquiteto do Concílio de Niceia (325 DEC). Se de um lado tínhamos a posição de Ário, padre de Alexandria, que negava a igualdade na divindade do Filho de Deus com o Pai; tínhamos igualmente Atanásio, o grande protagonista de Niceia, que defendia radicalmente a divindade de Jesus Cristo. Contra a cristologia do Logos-Sarx de Ario, Atanásio buscava garantir o processo salvífico centrado em Jesus. O tema era essencialmente abstrato: O Filho é da mesma substância do Pai (homoousios).
Os primeiros concílios cristológicos são de fato bem abstratos, produzindo uma metafisisação de Jesus, e toda terminologia adotada é ontológica. O que tais concílios esqueceram, lembram grandes estudiosos, é de acentuar o traço humano de Jesus Cristo. Como diz Jacques Dupuis, “Cristo é homem da maneira mais radical e sua humanidade é a mais autônoma, a mais livre”. O grande perigo que acompanhou esse início do cristianismo foi o MONOFISISMO, que acaba por absorver Jesus em Deus e suprimir a sua autonomia enquanto homem.
Em sua grande obra sobre o cristianismo, o teólogo Hans Kung também chamou a atenção para essa concentração da cristologia nascente na perspectiva helenista, abafando sobremaneira a tradição do judeu-cristianismo, que resguardava o lugar do Jesus profeta.
Quando Alberto Caeiro, em seu belo poema sobre o Guardador de Rebanhos, nos mostra um Jesus Menino que foge do céu, e que era “nosso demais” para ficar aprisionado na “segunda pessoa da Trindade”, num céu onde “tudo era falso”, quis justamente trazer esse menino para bem perto de nós, em nossa aldeia humana mais que humana.
O teólogo Jacques Dupuis, que foi meu orientador no pós-doutorado na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, buscava, ali bem perto do Vaticano, garantir essa humanidade de Jesus. De forma corajosa, e que acabou sendo um dos motivos de sua punição pelo Santo Ofício, Dupuis afirmou com clareza que não se pode atribuir a Jesus o qualificativo de Absoluto, que só cabe à Realidade Última. Sublinha ser incorreto dizer que Jesus é o Salvador Absoluto. E complementa, dizendo com acerto, que “a particularidade histórica de Jesus confere limitações inevitáveis ao evento-Cristo.
Por isso, de forma interessante e singular, o Arianismo vem sendo situado numa perspectiva mais integradora e não mais excludente como antes.
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