As pessoas na sala de jantar
Faustino Teixeira
Passei ontem à tarde na Faixa de Gaia, e plantei três árvores, uma das quais um eucalipto azul, que na verdade não se transforma em árvore, mas em arbusto e é muito ornamental. Depois do que ocorreu no Tiguera, resolvi plantar três eucaliptos argentinos, que são muito cheirosos, além de fazer uma cruz com um dos cedros derrubados indevidamente.
Era a minha forma de reagir ao que estava ocorrendo aqui onde vivo. Ao retornar ao Tiguera, vi que os ânimos estavam agitados, por uma atitude impertinente tomada por mim, movida pelo “bicho subterrâneo”, e também em razão de minha dor depois de um passeio matinal pela área devastada, tomada pelo aroma impressionante dos eucaliptos, como chorando o seu momento derradeiro.
Minha atitude provocou reações duras, e reconheço a pertinência de algumas, mas não todas. Fui dormir sob o clima de olhos desconfiados e preocupados, e acordei hoje cedo para assistir ao curso de Marcia Lígia Guidin sobre a mulher em seis contos de Clarice Lispector. O tema da primeira aula era o conto “Amor”, e o desenvolvimento da reflexão foi muito rico. Márcia tinha sido orientanda de José Miguel Wisnik, tendo escrito um livro sobre “A hora da estrela”. Uma pessoa muito simpática e preparada, e foi uma escolha certa para mim.
Diante de tudo que vem ocorrendo ao meu redor, sobretudo ao corte de árvores inocentes e não invasoras, sinto com alegria a acolhida benfazeja de Teita, minha companheira, que busca também me ajudar com novos discernimentos sobre a minha atuação aqui. Revendo o conto “Amor”, de Clarice, caiu como pérola uma expressão do conto:
“Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver”
Sim, foi esse o meu sentimento ontem à noite, com o carinho de Teita, ajudando-me a “afastar” do “perigo de viver”.
Para os que estamos lidando com a temática ecológica, os nervos estão à flor da pele, diante de tantos descasos que estamos acompanhando pela Brasil à fora. Os desmatamentos na Amazônia, no Cerrado e também na Mata Atlântico são hoje o meu principal motivo de atenção e preocupação. Essa falta de zelo ou de “reverência” pela natureza, como diz tão precisamente o querido Ailton Krenak. O que observamos por todo canto é o verbo cair... Como diz Krenak:
“A gente não fez outra coisa nos últimos tempos senão despencar. Cair, cair, cair. Então por que estamos grilados agora com a queda? Vamos aproveitar toda a nossa capacidade crítica e criativa para construir paraquedas coloridos”.
É só abrir o jornal O Globo de hoje, 20/05/2023, para ver estampado na primeira página a grande polêmica envolvendo a proposta da Petrobrás em investir na região da foz do Rio Amazonas. Uma proposta tremenda, de nova exploração petrolífera, que vem dividindo a própria esquerda brasileira. Uma questão que coloca em lados opostos o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério de Minas e Energia. Ao que nos faz lembrar à atuação complicada de Dilma em sua defesa de Belo Monte.
A saída do senador Randolfo Rodrigues da Rede está ligada ao fato, relacionando-se também à sua oposição à Ministra Marina, que tem clara a sua posição contra a pretensão da Petrobrás. Estamos, novamente, diante da tentação desenvolvimentista que adorna segmentos do PT e de outros núcleos da esquerda. Estamos aguardando um posicionamento de Lula a respeito, com a esperança que seja algo sensato, na linha da decisão crítica do Ibama.
Num outro curso que estou seguindo, em torno ao pensamento de Fernando Pessoa, com José Miguel Wisnik, deparo-me com poemas que são proféticos, que mostram a dificuldade tremenda das pessoas em lidarem com conflitos, e que preferem o aconchegante espaço privado do lar, a ter que afrontar os reclames da realidade. Concluo citando quatro passagens que me tocaram: duas de Fernando Pessoa e duas de Caetano Veloso:
Panis et Circences (Caetano e Gil – do álbum Tropicália)
Eu quis cantar
Minha canção iluminada de sol
Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Lyrics (Caetano Veloso – do álbum Eles)
Em volta da mesa
Longe do quintal
A vida começa
No ponto final
Eles têm certeza do bem e do mal
Falam com franqueza do bem e do mal
Creem na existência do bem e do mal
O florão da América, o bem e o mal
Só dizem o que dizem
O bem e o mal
Alegres ou tristes, são todos felizes durante o Natal
O quinto império (Fernando Pessoa – do livro Mensagem)
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar
Ouvi contar que outrora, quando a Persia (Ricardo Reis)
"Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas...
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo do xadrez."
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