Em busca da Alegria, no tempo
Faustino Teixeira
IHU / UFJF
Ontem, dia 12 de abril de 2022, no bate papo que se segue ao meu curso sobre os romances de Graciliano Ramos, estava visível em certos olhares a dor que o romance Angústia produziu.
A verdade é que não era só o romance, mas toda essa situação difícil que estamos vivendo, com tantos "juízes de plantão" espraiando seu ódio pelas redes sociais, condenando os outros, atacando as pessoas. Tudo tão violento e triste.
Um clima que me faz lembrar um conto fabuloso do prêmio nobel de literatura, Coetzee, em seu livro incrível: Contos Morais. Trata-se do conto "o cachorro", que aborda o tema da ira e da raiva. Sentimentos que estão vivos entre nós.
Já na noite, uma de minhas alunas falou comigo e disse que não conseguia senão chorar nesses dias. Tantos dramas e situações complexas nas redes sociais, na vida de cada dia. Reclamava comigo sobre a dor que a invadia na leitura dos contos de Graciliano Ramos, e também na leitura do romance de Milan Kundera, A insustentável leveza do ser; bem como do filme que aborda o mesmo tema. Dizia que precisava, e muito, é de ALEGRIA e não de dor e sofrimento.
Aquilo me fez pensar durante a noite e foi acolhido em minha orações. Acordei hoje pensando seriamente nisto. Imaginem: 4.700 reações à postagem de L.Boff sobre o Dalai Lama no Instagram. E quantas destilando veneno.
Vejo, e com urgência, que temos que falar de ALEGRIA, ou como diz o grande mestre Dogen, recuperar urgentemente as esquecidas Palavras de Amor (Ai Go):
"Durante a nossa inteira existência, com a nossa força de vontade, torna-se necessário pronunciar palavras de amor. De geração geração, de existência em existência, não se esquecer jamais de pronunciar palavras de amor. Graças a tal florescimento, os inimigos se reconciliam e os homens sábios e virtuosos tornam possível a paz. Quando alguém recebe diretamente palavras de amor, o seu rosto se ilumina de alegria e o seu coração de contentamento"
É uma reflexão magnífica de um dos grandes mestres do Zen Budismo, que exerce uma influência incrível e maravilhosa em minha vida, com sua sensibilidade única para a atenção com o Todo.
E o que também reforça o nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade quando nos lembra da importância de nunca deixar de expressar o nosso amor:
"Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amor (...).
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas (...).
Exijo te ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais (...).
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor."
Pensei também em Alberto Caeiro, sobretudo em seu poema de luz que é O Guardador de Rebanhos. Aquele seu maravilhoso convite em favor da simplicidade. Ele fala de uma “clara simplicidade” e nos remete à saúde de existir entre as árvores e as plantas. Ele nos convida a despojar-nos da filosofia e deixar-nos tomar pelos sentidos. Ser tocado pela alegria de celebrar o sol e a chuva, com nossas janelas sempre abertas para a luz. Caeiro fala do lindo exemplo daquele menino que mora em nossa aldeia e que nos dá uma de suas mãos e com a outra abraça tudo o que existe. Caeiro nos ajuda a entender que a tristeza faz também parte de nossa vida, pois “nem tudo é dias de sol”. O que é preciso, ele nos adverte, “é ser-se natural e calmo, na felicidade e na infelicidade”.
Lembrei-me também de Guimarães Rosa, que nos convoca a ser alegres na alegria e mais alegres ainda na tristeza. E que mesmo sabendo que estamos no tempo e que vamos levar muitos tombos, nós e nossos queridos, temos que aprender sempre a levantar, pois “cair não prejudica muito”. Não se pode é perder de vista o cavalo que nos conduz à alegria. Há momentos que devemos colocar “o silêncio no colo”, deixar as lágrimas correrem livres e gratuitas, como “miúdos remansos” e não deixar cair o dom da “vozinha” interior que nos anima sempre, e aquele bonito perfume da virgem, que perdura, e nos favorece “saldos para uma vida inteira”.
E claro, veio-me também à mente aquela indagação de Miguelin, que é de Caetano Veloso e de todos nós, que provoca a tremenda interrogação sobre o nosso existir no tempo: “mas por que é, então, para que é, que acontece tudo?!”. E o mais bonito, no caso de Miguelin, não foi de ter encontrado a resposta em palavras, mas no abraço carinhoso da mãe, que disse a ele: “Miguilin, me abraço, meu filhinho, que eu te tenho tanto amor”.
Essa amiga querida me fez um enorme bem com sua manifestação em favor da alegria. Temos que recuperar a consciência da beleza da vida, como fez a jovem Etty Hillesum, que morreu aos 29 anos em Auschwitz, sem perder jamais a ternura e a esperança na vida. Ela foi cantando para a morte e durante o tempo em que esteve no campo de concentração, soube manter acesa a esperança na vida daquelas pessoas ensombrecidas.
É a mesma alegria que vejo pulsar em Rilke na sua Sétima Elegia de Duíno, quando arranca do fundo do coração um mote maravilhoso, que se tornou uma mantra para o meu dia a dia: "Estar aqui é esplendor" (Hiersein ist herrlich)
Precisamos reencantar o nosso mundo, descobrir o sentido da maravilha que se perdeu nas nossas pequenas conversas ou em nossa "sala de jantar". É esse encantamento que vejo nos poemas de uma grande amiga, Mariana Ianelli, ou na linda portuguesa, Matilde Campilho. Ela, que nos convida a nos embriagar com a arte, pois só ela é capaz de salvar no nosso segundo.
Precisamos nos reinventar a cada dia, descobrir as fissuras que desvelam a beleza que habita o nosso cotidiano, as pequenas e simples facetas do nossa habitar. É o que diz com vigor uma antropóloga que tem aquecido o meu coração, Anna Tsing, em sua capacidade de ver o ressurgimento nos espaços mais devastados pela crise. É disso que precisamos.
Durante meu banho, hoje, estava ouvindo uma música na voz de Simone que serviu como uma chispa para mim:
"Pode ir armando o coreto
E preparando aquele feijão preto
Eu tô voltando
Põe meia dúzia de Brahma pra gelar
Muda a roupa de cama
Eu tô voltando"
Acho, sinceramente, que temos, sim, que retornar ao nosso cotidiano nublado, temperado com tantas crises, e dizer em alta voz:
EU ESTOU VOLTANDO
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