As experiências-ápice segundo Abraham Maslow
Faustino Teixeira
IHU / Paz e Bem
Muito interessante o livro de Abraham Maslow, Religiones, valores y experiências cumbre(Barcelona: La Llave, 2013). O autor é um dos nomes importantes da psicologia humanista e da psicologia transpessoal. Nasceu em Nova York em 1908 e faleceu em 1970. Foi professor no Brooklyn College e na Western Behavioral Institute. Desenvolveu ao longo da vida reflexões bem significativas em torno da temática da “pirâmide da necessidade”, ou seja, uma teoria que se dedica ao estudo das motivações humanas e da “fé na tendência inata das pessoas em tirar o maior partido possível de seus próprios talentos e possibilidades”. Algo que tem profundamente a ver com a auto-realização.
O livro apresentado no início foi publicado originalmente em inglês em 1964 e traduzido para diversos países. Interessante a presença do teólogo Paul Tillich na base de suas reflexões que envolvem o tema da fé, em particular a questão da experiência de Deus como experiência da profundidade. Para Maslow as questões religiosas relacionam-se com as “preocupações últimas”, intensas e profundas que marcam a psicologia profunda de qualquer pessoa.
Maslow sublinha a importância daqueles que vivem a dimensão religiosa em profundidade, que se mostram mais capazes de uma experiência holística e integradora. Mas sublinha que essa experiência não tem necessariamente a que ver com integração nas religiões estabelecidas, mas na captação da profundidade do mundo interior, com o resgate de valores que se mostram essenciais.
Ele faz uma importante distinção entre a mística individual e a perspectiva legalista e organizativa. Fundamental para ele é a definição do que chamou de “experiência ápice” (peack experience). Trata-se de uma experiência de intensidade única e estremecedora, como se fosse uma “pequena morte”.
Esta experiência pode ocorrer com qualquer um, e em muitas passagens de nossa vida podemos viver “vislumbres” provisórios disso, enquanto outras pessoas singulares podem permanecer acesas para essa elevada faceta da consciência unitiva. É algo que requer do buscador “tempo, trabalho, disciplina, estudo e compromisso”. Aqueles que viveram similar experiência são capazes de perceber no universo uma bonita dimensão de “totalidade integrada e unificada”; são igualmente pessoas que se sentem mais desapegadas, tendo um potencial singular para perceber a relação íntima que vincula o sujeito com o mundo, para além das dicotomia empobrecedoras. A experiência-ápice, como lembra Maslow, favorece ao que a vivencia um olhar mais elevado sobre a dinâmica da realidade.
Em suas reflexões, Maslow mostrou com pertinência que os valores espirituais têm uma valência natural, não sendo, absolutamente, propriedade exclusiva das igrejas organizadas. Tais valores não requerem, necessariamente, conceitos sobrenaturais, podendo ocorrer com base na experiência do cotidiano da vida, onde se irradiam valores de nobreza que possibilitam uma vida reta, de pureza, bondade e justiça. O autor foi também pioneiro e, talvez, precursor de uma mística do cotidiano, que resgata esta dimensão terrenal da espiritualidade. É algo que pode ocorrer com qualquer um, e que está firmado em acontecimentos subjetivos: uma experiência que ocorre também sem referência a “princípios alheios à natureza, ou à natureza humana”.
Maslow foi pioneiro também na busca de uma percepção mais ampla de ciência, capaz de envolver em seu bojo questões religiosas básica, ligadas à experiência de profundidade. Assim como faz uma contundente crítica às visões religiosas institucionais que se apegam exclusivamente a fundamentos sobrenaturais, deixando à margem experiências da natureza humana, volta igualmente sua crítica implacável contra a ciência dogmática e positivista, que exclui de seu campo investigativo as experiências transcendentes. Em sua visão, “um dos aspectos mais irritantes da ciência positivista é seu excesso de confiança, ou melhor, sua falta de humildade”. Os assim chamados “cientistas puros” pecam pela arrogância, sentindo-se demasiadamente seguros, carecendo da humildade necessária para perceber dimensões do ilimitado.
Em suas argumentações pertinentes, Maslow dedica-se à reflexão sobre a “experiência religiosa básica”. Faz uma distinção entre o profeta e o tipo puro do legalista eclesiástico. Sublinha que nem todos religiosos deixam-se habitar pelas experiências-ápice, permanecendo satisfeitos e protegidos pelo mundo tranquilo da estabilidade. Preferem estar sempre garantidos pela experiência controlada, que é aquilo que Maslow designou como experiência de “não-ápice”. Não só preferem manter-se assim garantidos, como reagem criticamente aos que buscam ousar em experiências singulares. Maslow entende que “a maior parte da linguagem utilizada pela teologia e pela religião ao longo da história e no mundo inteiro, constitui um esforço mais ou menos vão, de transmitir – mediante palavras, fórmulas comunicáveis, rituais e cerimônias simbólicas – a experiência mística do profeta original”. São “autoridades” que acabem desclassificando como heréticos aqueles que ousam para além dos limites proclamados.
Maslow sublinha que as experiências-ápice , com sua dinâmica de iluminação, desempenhou um papel importante na história das religiões. Reconheceu também que tais experiências foram propiciadas por drogas psicodélicas, em especial o LSD e a psilocibina. Foram drogas que favoreceram “alguma possibilidade de controle no reino das experiências-ápice”. O autor chega inclusive a afirmar, com base em Jung, que em casos específicos a inserção em estruturas organizadas acaba por constituir um empecilho para experiências mais puras no campo do profundamente religioso. Pontua que “a experiência transcendente parece atuar com mais frequência aqueles que rechaçaram a religião herdada”.
Aquele que conseguiu viver momentos de experiência-ápice é capaz de desocultar a beleza que existe no mundo, mas igualmente, em certa medida, reconhecer a presença do mal no mundo e, de certa forma, reconciliar-se com ele. Isto é mais difícil perceber. Não se trata de uma defesa do mal, mas de um reconhecimento de sua presença no tempo e nas pessoas. O autor indica que aqueles que passam pela experiência-ápice são capazes de reconhecer o lugar que o mal “ocupa na totalidade”, como um traço que pertence ao aqui, “inevitável, necessário e, em consequência, apropriado”.
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