Ainda sobre os Pentecostais
Faustino Teixeira
IHU / Paz e Bem
Escrevi recentemente aqui no Face reagindo às palavras de Leonardo Boff a respeito da presença dos neo-pentecostais no Brasil, particularmente nas eleições que se aproximam. Dentre os comentários que recebi, gostei da abordagem feita pelo amigo sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira. Ele mencionou, com razão, que na minha reflexão elenquei reflexões provenientes de artigos mais antigos, o que tem razão. Fui então buscar novos elementos em reflexões mais recentes e percebi que por parte de autores sérios, a perspectiva não tinha se alterado substancialmente.
Vejo que trabalhos importantes continuam sendo feitos por autores como Regina Novaes e Ronaldo de Almeida, bem como as reflexões do pessoal do ISER, no Rio de Janeiro. É o caso de Ana Carolina Evangelista, pesquisadora naquela ONG. Li com carinho o seu artigo: Desvendando o voto evangélico. Ela nos chama a atenção para um detalhe nem sempre percebido. Não há como pensar que todo o bloco evangélico voto como se fosse um rebanho. É uma visão curta e problemática. Diante da orientação de um pastor, não significa que todos os que participam de sua comunidade partilhem de sua influência, embora esta não seja negada. Algumas igrejas em particular, como as Assembleias de Deus e a Igreja Universal do Reino de Deus, como mostra a autora, vêm se organizando para firmar presença de candidatos definidos pelas lideranças dessas igrejas.
Não se pode negar o “ativismo de fé” exercido pelos pentecostais , também fora dos templos. É de impressionar a estratégia adotada por segmentos dessas igrejas em ocupar cargos importantes no governo federal atual: Ministério da Mulher, Casa Civil, Advocacia Geral da União, Ministério do Turismo e Secretaria do Governo. Os dados estão aí para comprovar. A busca de um alinhamento religioso dos setores conservadores está em curso, mas não envolve apenas o mundo evangélico, mas também o católico, não nos esqueçamos disso. O importante é entender claramente que não há voto homogêneo no campo evangélico, e isso a Ana Carolina mostrou com pertinência.
As pesquisas realizadas pelo antropólogo da Unicamp, Ronaldo de Almeida, indicam que além da visibilidade da presença evangélica no Congresso Nacional, temos também hoje o crescimento de presença católica conservadora, de parlamentares vinculados à Renovação Carismática Católica. Ele lembra também que começam a se articular os núcleos de parlamentares com ligação com a matriz afro-brasileira, com a irradiação da Frente Parlamentar dos Terreiros. É uma frente nova e importante, com um trabalho significativo voltado para reagir às ações violentas hoje em curso no Brasil contra o povo de santo, o que envolve também a violência dos chamados “traficantes evangélicos”.
Não podemos desconhecer, lembra Ronaldo de Almeida, que o “campo dito progressista” procura ganhar espaço no mundo legislativo, embora com menos visibilidade e amplitude, mas com presença importante de resistência contra os conservadores. Veja o seu artigo: Religião e política (em parceria com Clayton Guerreiro - 2022).
Segundo pesquisa recente do Datafolha, verificamos que o desempenho de Lula entre os evangélicos de baixa renda ainda é frágil, embora os dados apontem um “empate técnico” entre ele e Bolsonaro no apoio desses segmentos evangélicos mais pobres. É o que não ocorre entre os eleitores evangélicos de renda média e alta, onde o apoio a Bolsonaro é maior.
Li também com grande interesse o livro publicado por Christina Vital da Cunha, Oração de traficante(Garamond/Faperj, 2015), onde ela divulga os dados de sua longa pesquisa realizada por mais de 13 anos no conjunto de favelas de Acari (Rio de Janeiro).
Num dos capítulos de seu livro, ela fala da importância que as igrejas pentecostais exercem no campo da afirmação da cidadania dos pobres. Fala, por exemplo, do significativo empenho em favor do lazer, com as inúmeras atividades exercidas para as crianças, jovens e adultos. Fala também da “preservação de redes de solidariedade”, bem como dos mecanismos implementados em favor da preservação e cuidado com a segurança dos fiéis, num território marcado por um quadro de viva insegurança.
O autora toca igualmente no tema da teologia da prosperidade, objeto de tantos questionamentos. Ela sinaliza que esta teologia serve, muitas vezes, como artimanha de socorro aos pentecostais, pensando aqui em particular na Igreja Universal. Segundo Christina, essa teologia é responsável por grande motivação dos frequentadores dos cultos, sendo fundamental para “o enfrentamento de problemas emocionais, materiais e/ou espirituais”.
Christina desenvolve também na sua obra a delicada questão dos traficantes e evangélicos. Sublinha que nas favelas, em áreas de presença do tráfico, os evangélicos são muito respeitados. Eles “desfrutam de um lugar privilegiado no imaginário local”. As lideranças evangélica são respeitadas entre os traficantes, por serem “identificadas como portadoras de um poder” e “mediadoras privilegiadas de uma mensagem”.
E houve mudanças importantes com respeito ao posicionamento religioso dos traficantes nas favelas cariocas. Se antes eles se identificavam mais com as religiões de matriz africana (décadas de 1980 e 1990), hoje a situação mudou drasticamente, com a transferência de influxo para as igrejas pentecostais e neo-pentecostais. Hoje verificamos, com tristeza, a prática recorrente de “destruição” das imagens e símbolos identificados com a matriz afro e sua substituição por símbolos evangélicos: imagens de Jesus Cristo.
Os convertidos evangélicos falam que sentem agora um clima de maior paz e segurança: de tranquilidade vivida na favela. Quando a autora fala em “traficantes evangélicos” ela quer falar do “conjunto de atores sociais, os traficantes, que estabelecem com a religião evangélica e com as redes que as compõem no território múltiplas formas de aproximação/relação”. São núcleos que frequentam os cultos, participam das campanhas das igrejas, financiam eventos programados pelas igrejas, promovem cultos de ação de graça, pintam muros com mensagens evangélicas etc.
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