quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Gerar filhos num tempo de horizontes fechados

 Gerar Filhos num Tempo com horizontes fechados

Faustino Teixeira


Li com atenção o discurso do papa Francisco na sua primeira audiência geral de 2022. Ele aborda um tema extremamente delicado para os dias atuais: a questão de ter ou não filhos. A presença dos filhos é sempre motivo de alegria para as famílias, mas temos ciência das extremas dificuldades, tanto no âmbito financeiro como emocional, para experimentar essa realidade. Com as condições econômicas em curso, com o preço das escolas, a dificuldade dos casais em administrar com tranquilidade a situação que a presença de filhos envolve, o tema reveste uma disposição e séria responsabilidade.
Temos também a situação demográfica mundial, que nos anuncia um mundo com 10 bilhões de pessoas, sem nenhuma possibilidade de acomodar tanta gente num mundo com recursos precários, e uma situação global cheia de ameaças para a vida.
Tudo isso tem que ser colocado na tela para o discernimento de cada um.
Quando a antropóloga americana, Donna Waraway sublinha que é necessário ter parentes e não filhos, ela toca corajosamente numa questão nuclear. Sublinha que estamos diante de um horizonte muito complexo em âmbito mundial. Ela fala que temos que "seguir com o problema", ou seja, sobreviver na "barriga do monstro". Isto requer muita responsabilidade. O desafio que se coloca é o de "gerar parentescos raros", o que significa consolidar "colaborações e e combinações inesperadas".
O papa Francisco faz certa ironia com a situação atual em que pessoas preferem adotar animais do que procriar humanos. Vejo que essa questão dos animais é igualmente séria para ser motivo de ironia. Com todo o respeito, o papa Francisco deveria estar mais atento ao que significa hoje a "virada animal" e "virada vegetal".
Vou partilhar com vocês o discurso do papa, feito em sua última audiencia, para que todos possam fazer um discernimento próprio:
"Não é suficiente pôr um filho no mundo para dizer que também somos pais ou mães. ´Não se nasce pai, torna-se tal... E não se torna pai, apenas porque se colocou no mundo um filho, mas porque se cuida responsavelmente dele. Sempre que alguém assume a responsabilidade pela vida de outrem, em certo sentido exerce a paternidade a seu respeito` (Carta ap. Patris corde). Penso, em particular, em todos aqueles que se abrem a acolher a vida através da adoção, que é uma atitude tão generosa e positiva. José mostra-nos que este tipo de vínculo não é secundário, não é uma alternativa. Este tipo de escolha está entre as formas mais elevadas de amor e de paternidade e maternidade. Quantas crianças no mundo estão à espera de alguém que cuide delas! E quantos cônjuges desejam ser pais e mães, mas não o conseguem por razões biológicas; ou, embora já tenham filhos, querem partilhar o afeto familiar com quantos não o têm. Não devemos ter medo de escolher o caminho da adoção, de assumir o “risco” do acolhimento. E hoje, também, com a orfandade, existe um determinado egoísmo. Há dias, falei sobre o inverno demográfico que há atualmente: as pessoas não querem ter filhos, ou apenas um e nada mais. E muitos casais não têm filhos porque não querem, ou têm só um porque não querem outros, mas têm dois cães, dois gatos… Pois é, cães e gatos ocupam o lugar dos filhos. Sim, faz rir, entendo, mas é a realidade. E esta negação da paternidade e da maternidade diminui-nos, cancela a nossa humanidade. E assim a civilização torna-se mais velha e sem humanidade, porque se perde a riqueza da paternidade e da maternidade."

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