quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

As novas configurações da vida no Tempo


As novas configurações da vida no Tempo

No Roda Viva de ontem, 20/12/2021, tivemos a presença de Caetano Veloso. Gostei muito do programa, que vi depois. Uma coisa, porém, chamou-me a atenção: a fala de Caetano Veloso sobre o pós-morte. Trata-se de algo que discordo, e que me coloco ao lado de Gilberto Gil.

Em determinado momento do Roda Viva, instado a falar sobre como via a perspectiva da morte, Caetano respondeu:
"Somos o infinito aprisionado no finito. Sinto mais o impacto do mistério de existir, de ter consciência de que isso é finito, que eu vou acabar. Então o mundo todo vai acabar pra mim, em mim, de mim."
Taí, Caetano reiterava sua posição já apresentada na canção "Oração ao Tempo", quando diz:
"E quando eu tiver saído
Para fora de teu círculo
Tempo Tempo Tempo Tempo
Não serei, nem terás sido
Tempo Tempo Tempo Tempo"
Aqui reaparece a ideia de que depois da morte não haverá mais ser.
Caetano mesmo já disse que todas as suas letras são autobiográficas, daí essa ideia estar fincada no seu agnosticismo.
Essa posição vem rebatida com delicadeza por Gilberto Gil na canção "Tempo Rei":
"Não me iludo
Tudo permanecerá
Do jeito que tem sido
Transcorrendo
Transformando
Tempo e espaço navegando
Todos os sentidos..."
Gil reconhece que a letra expressa sua versão "para uma questão colocada em ´Oração ao tempo`, de Caetano Veloso. Gil reage ao "niilismo essencial" de Caetano, discordando de que a pessoa desaparecerá no tempo. Gil, numa posição que ele reconhece estar próxima à do cristianismo, sublinha o desejo de "permanência e transformação". O que vai ocorrer é mesmo uma transformação e não uma extinção. O próprio conceito de Deus para Gil envolve essa ideia de Mudança e Transformação. Gil quer garantir uma "porta aberta para algo pós".
Nisso concordo plenamente com Gil, ainda que respeite a posição de Caetano, reforçada ontem no Roda Viva. Em minhas pesquisas atuais sobre a "virada vegetal", lendo autores excelentes que desenvolvem essa questão, a minha posição sobre o tema veio reiterada. E aqui cito uma passagem bem interessante de Evando Nascimento em seu livro "O pensamento vegetal" (2021), quando diz:
"Nosso grande temor da morte vem da incapacidade congênita ao humano de reconhecer que, a se reintegrar ao inorgânico, a vida nunca desaparece de todo, apenas ganha novas configurações metamórficas".
Essa é a ideia que me anima atualmente: de uma bonita reintegração ao inorgânico, mas que produz vida e transformação. Não gosto que essa ideia de mudança e transformação se perca na reflexão sobre a morte.

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