sábado, 11 de dezembro de 2021

A virada vegetal e o desafio da virada mineral

 A virada vegetal e o desafio da virada mineral 

Faustino Teixeira

 

Já há tempos se fala em "virada animal", e para tanto foi de grande importância a reflexão de pensadoras como Donna Haraway, Nastassja Martin e Vinciane Despret. Agora na última Flip (2021) falou-se em "virada vegetal", com mesas fantásticas que abordaram as mudanças que envolvem a nova reflexão sobre o pensamento vegetal e as transformações que isto implica na visão do humano agora em relação. Trabalhos importantes vão saindo apontando a nova perspectiva, como os de Evando Nascimento, Emanuele Coccia e Stefano Mancuso. E pela frente estamos diante de mais um desafio que envolve a "virada mineral". 

Numa ecoantropologia relacional somos provocados a pensar também, além de uma humanidade, animalidade e plantidade, numa mineralidade. Vejo aqui a importância de retomar o pensamento de Teilhard de Chardin, quebrando sua lógica teleológica e concentrando na sua paixão pela matéria, que foi um passo tão fundamental experimentado por ele nas suas experiências e reflexões. Poder dizer com ele e com tranquilidade: "Bendita sejas tu, áspera Matéria, gleba estéril, duro rochedo". Como diz o jesuíta francês, "a pureza não está na separação, mas numa penetração mais profunda no Universo". Teilhard nos leva a vivenciar uma irresistível simpatia "por tudo aquilo que se move na matéria obscura" (Hino do Universo).

Para essa "virada mineral", sugiro ainda a abertura à reflexão do pensamento do grande mestre Dôgen em seu clássico Shôbôgenzô, sobretudo os livros que tratam do tema da matéria, como Sansuikyô, que trata das montanhas e rios como sutras; bem como Udonge, que aborda a flor de Udumbara. Com ele penetramos no complexo e vivo mundo da comunhão cósmica e da ressonância que envolve o mundo do vivido e sua relação com a vida dos minerais. Como ele diz, aqueles que não têm olhos para ver as montanhas, para percebê-las ou conhecê-las, são incapazes de captar o movimento das montanhas, e igualmente incapazes de captar o seu próprio movimento.

Trata-se do grande desafio de conceber o universo inteiro sob a dinâmica da animação. Como diz Tim Ingold, em sua reflexão sobre o "estar vivo", e sob o influxo da visão animista dos povos originários, todas essas realidades estão em movimento: o sol, as árvores, as montanhas, o vento...

Estamos, assim, diante do essencial desafio de pensar para além do humano, ou melhor, do humano em relação com os "seus outros" (Evando Nascimento), rompendo assim com esse pernicioso e excludente antropocentrismo.

Thomas Merton, em seu Diário da Ásia, fala com pertinência no desafio de um outro olhar: saber penetrar o "outro lado da montanha", aquele que escapa à mirada do fotógrafo. Ele diz que esse "outro lado" é o "único que vale a pena ver".

 

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