Os desafios do Pluralismo e do Diálogo inter-religioso
Faustino Teixeira
O diálogo inter-religioso constitui
um dos desafios mais fundamentais neste século XXI. Não há como desligar-se do
tema da diversidade religiosa e do essencial encontro entre os povos, culturas
e tradições religiosas. A palavra chave que se coloca em nosso tempo é abrir-se
para as diferenças, deixar-se tocar por sua melodia, exercitar-se na arte da
hospitalidade e da cortesia com o outro. É uma tarefa muito exigente, pois
sabemos que o momento em que vivemos, em âmbito nacional e internacional, vem
marcado pelas intolerâncias, pela reticência à alteridade, pelos
fundamentalismos de diversos matizes e pelas afirmações identitárias.
Apesar das tendências de fechamento
que se verificam por todo canto, temos exemplos bonitos de virtuosos do
pluralismo, de buscadores religiosos que marcam sua trajetória pelo convite à
acolhida da diferença, que lutam em favor da defesa da dignidade da alteridade.
É o caso do papa Francisco, um exemplo singular de defesa da causa do
pluralismo. Em sua última viagem à Myanmar e Bangladesh, no final de novembro e
início de dezembro de 2017, o papa Francisco bradou alto e firme em favor da
diversidade, lembrando um tema querido em seu pontificado: “a diversidade é
bela”. Na saudação que fez no encontro com os líderes religiosos de Myanmar ele sublinhou: “A paz se constrói
no coro das diferenças”, bem como a unidade. O diálogo firma-se justamente no
solo destas mesmas riquezas. A diversidade religiosa não pode ser vista como
uma ameaça, mas como fator fundamental de enriquecimento e crescimento. O que
possibilita a construção da identidade é o traço das interconexões com o mundo
do outro. Nós crescemos na medida em que nos deixamos habitar pelos desafios do
outro, pelas pistas novidadeiras que ele nos abre com suas riquezas particulares.
É assim que se firma a dinâmica dialogal, com o recurso bonito da interconexão,
outra palavra tão sublinhada por Francisco em sua caminhada como bispo de Roma.
Dialogar não é uma tarefa simples,
como às vezes se imagina, mas é um projeto que envolve desapego e
disponibilidade; e igualmente atenção, cuidado, cortesia e escuta. Implica em
profundo respeito pelo mundo do outro, numa humildade que se expressa em
auto-exposição ao outro. A simpatia dialogal vai sendo tecida ao longo do
tempo, acompanhando um caminho espiritual marcado pelo despojamento. No início,
a alteridade apresenta-se como impacto que remove as entranhas. Ela não é só
maravilha, mas também agonia, pois coloca o sujeito diante de uma alternativa
nova, de transformação do mundo interior. A presença do outro suscita não
apenas alegria, mas também tensão, pois desconcerta o mundo interior, revelando
um desvio de trajetória, para além do caminho seguro até então traçado.
Dialogar é vencer esse “estranhamento” inicial e entrar num novo circuito de
amizade, delicadeza e atenção. Dialogar é deixar-se habitar pelo outro, abrindo
novas portas de solidariedade.
O diálogo não implica a negação ou
relativização das identidades construídas. Os interlocutores entram nessa
dinâmica com a alegria de suas convicções religiosas. Não se exige abdicação
das identidades para que esse processo se realize com êxito. Ao contrário, é a
própria autenticidade e sinceridade do diálogo que convoca os parceiros a
embarcarem nessa travessia mantendo viva a integralidade de sua própria fé.
E hoje, mais do que nunca,
verificamos que o verdadeiro diálogo não pode reduzir-se ao diálogo
inter-religioso. Ele requer a ampliação de laços e redes de acolhida capazes de
abraçar com muitos braços a tessitura relacional de todas as coisas. Há que
ampliar a cadeia do “nós”, de forma a poder também abrigar os outros seres. O
ser humano não está isolado, mas conectado em “nexo singular de crescimento
criativo” num âmbito de relacionamentos, que envolvem não apenas os humanos,
mas também os animais, os vegetais e os minerais. Há que recuperar essa “malha”
essencial da qual fazemos parte, sem se deixar levar pela arrogância ou
sentimento de superioridade. Há que estar sempre muito atento a tudo isto, como
forma de estar “vivo para o mundo”.
Dialogar é favorecer um outro clima
para o mundo, uma disposição de alegria, de reconhecimento do outro como
caminho fundamental para a paz. O diálogo requer abertura de comportas, envolve
um respiro aberto, de caminho luminoso. É condição essencial para uma cultura
da paz. E há que ser incansável nessa disposição: dialogar, dialogar, dialogar.
Referências:
TEIXEIRA, Faustino. Cristianismo e diálogo inter-religioso. São Paulo: Fonte Editorial/PPCIR, 2014.
TEIXEIRA,
Faustino. Malhas da Hospitalidade. Horizonte,
v. 15, n. 45, p. 557-605, 2017.
TEIXEIRA,
Faustino. A nova perspectiva espiritual de habitar a Terra. Agenda Latino-Americana, p. 228-229,
2017.
TEIXEIRA,
Faustino & DIAS, Zwinglio Mota. Ecumenismo
e diálogo inter-religioso. Aparecida: Santuário, 2008.
(Publicado
no caderno de Reflexões Temáticas do 14º Intereclesial das CEBs. CEBs e os
desafios do mundo urbano – Publicação da Mitra Diocesana de Apucarana, 2018)
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