A singularidade do ser cristão
Faustino Teixeira
No
sábado, 17/03/2018, conversava longamente com meu irmão, Pulika, versado na
prática inter-religiosa. E ele me indagou sobre o traço mais singular que
caracterizaria o cristianismo. Sua questão era saber os motivos peculiares que
garantiriam a beleza do cristianismo. Minha resposta veio imediata: o amor aos
outros. Mencionava a clássica passagem do evangelho de Marcos, com a resposta
de Jesus a um escriba: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mc 12,31).
Segundo a narrativa de Marcos, para Jesus não poderia haver mandamento maior,
junto com o amor ao Mistério Maior. Na verdade, como disse Karl Rahner numa de
suas obras clássicas sobre o tema, “só quem ama o próximo pode saber quem é
realmente Deus”. Pulika rebateu meu argumento dizendo que esta convocação não
era assim específica do cristianismo, ocorrendo também de forma viva em outras
tradições religiosas. E fomos juntos levantando novos argumentos para buscar a
especificidade da dinâmica cristão.
Durante
a leitura litúrgica do quinto domingo da quaresma, ontem, fui novamente
provocada a buscar uma resposta à indagação de meu irmão. Em passagem do
evangelho de João, um grupo de gregos lança uma interrogação, que também é a
nossa: “Senhor, queremos ver Jesus” (Jo 12, 21). Sim, ver o que Jesus traz de
novidade e que faz brilhar os olhos dos cristãos e estimulá-los para seguir em
missão. Como pontuou de forma linda o documento Diálogo e Anúncio, toda missão centra-se nesse “centro do mistério
do amor”. O desejo de compartilhar com os outros a alegria de um encontro
funda-se nesse mesmo amor (DA 83).
Voltamos
aqui à indagação lançada por José Antonio Pagola no início de seu livro sobre
Jesus (Jesus, aproximação histórica):
“Quem foi Jesus? Que segredo se esconde neste galileu fascinante, nascido há
dois mil anos numa aldeia insignificante do Império romano e executado como um
malfeitor perto de uma antiga pedreira, nos arredores de Jerusalém, quando
beirava os 30 anos?” Pagola indica que Jesus foi o que de melhor produziu a
humanidade, irradiando um admirável potencial de luz e esperança. E mais, “é
difícil aproximar-se dele e não sentir-se atraído por sua pessoa. Jesus traz um
horizonte diferente para a vida, uma dimensão mais profunda, uma verdade mais
essencial. Sua vida converte-se num chamado a viver a existência a partir de
sua raiz última, que é um Deus que só quer para seus filhos e filhas uma vida
mais digna e feliz”.
Tudo
isto me sugere buscar novos argumentos para sinalizar a singularidade do
cristianismo, a partir do caminho de Jesus. Lanço algumas hipóteses:
(a) A
convocação ao Amor Solidário: “Tive fome e me destes de comer. Tive sede e me
destes de beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes,
doente e me visitastes, preso e viestes ver-me” (Mt 25,35-36),
(b)
A centralidade da Misericórdia: “Quando o pai
viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço cobrindo-o de
beijos” (Lc 15,20)
(c)
O toque essencial da alegria: “Eis que eu vos
anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo” (Lc 2,10)
(d)
O amor incondicional, também aos inimigos: “Amai
os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos
amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam” (Lc 6,27-28)
(e)
A abertura gratuita ao outro. E aqui sublinho
sua particular atenção às mulheres. Ele as acolhia todas, sem distinção alguma.
Numa sociedade fortemente patriarcal, ela as tornava visíveis. São
protagonistas em suas parábolas: “Jesus lhe diz: ´Dá-me de beber!” (Jo 4,7)
(f)
O radical respeito à diversidade: “Em verdade
vos digo que, em Israel, não achei ninguém que tivesse tal fé. Mas eu vos digo
que virão muitos do oriente e do ocidente e se assentarão à mesa no Reino dos
céus, com Abraão, Isaac e Jacó” (Mt 8, 11)
(g)
Um amor gratuito, que não busca recompensa: “Olhai
as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros (...).
Aprendei dos lírios do campo, como crescem, e não trabalham nem fiam” (Mt 6,
26.28)
(h)
A convocação à humildade e ao despojamento: “Se
queres se perfeito, vai, vende os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro
nos céus. Depois, vem e segue-me” (Mt 19, 21); “Todo o que exalta será
humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 18, 14)
(i)
O exercício da comunhão: “Aquele que quiser
tornar-se grande entre vós seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro
dentre vós, seja o vosso servo” (Mt 20,27)
(j)
Disponibilidade ao Mistério sempre maior: “Vem a
hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis ao Pai (...). Vem a hora
– e é agora – em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e
verdade” (Jo 4, 21-23).
Essas
são algumas pistas que fui buscando resgatar no poço precioso do cristianismo,
a partir dos gestos e práticas de Jesus. São os traços que destacam a
fragrância singular da tradição cristã e que faz brotar essa alegria única no
coração. Interessante constatar essa vitalidade evangélica na prática do papa
Francisco, que escolheu justamente centrar sua atuação na simplicidade dos
gestos de Jesus. Quando ele esteve no Brasil, em julho de 2013, sua fala no
santuário de Aparecida resume bem o que também acredito, quando falou de três
simples posturas que devem marcar o cristão: conservar a esperança, deixar-se
surpreender por Deus e viver na alegria.
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