No hálito do Misericordioso
Faustino Teixeira
É motivo de grande alegria
apresentar os poemas de León Fernando del Canto, que definiria como um buscador
de aromas espirituais. Estamos diante de um relicário precioso, de poemas e
ilustrações, que aludem ao horizonte indescritível e sedutor da mística sufi. O
livro abre com o clássico poema de Ibn ´Arabi (1165-1240), esse grande expoente
da espiritualidade humana, conhecido no mundo muçulmano andaluz como al-shaykh al-akbar (o Maior Mestre). O
poema anuncia a presença de Allâh,
esse nome que na tradição corânica vem reconhecido como totalizador. Trata-se
do Deus Omnimisericordioso (Al-Rahmân), que revela ao mundo o adorno e a beleza que
criam o clima para a expressão da palavra. Esse “suspiro vital” é sobretudo
dádiva, e o acesso ao seu Mistério requer do buscador uma disponibilidade
singular, que é a do hábito do amor. Como diz outro grande místico sufi,
Farîduddîn ´Attâr, do século XII, o acesso aos poemas e narrativas dos místicos
sufis exige do leitor uma abertura amorosa: “Se não entras com afeto não verás
nem a poeira”. É o que ele diz no epílogo de seu tratado sobre a linguagem dos
pássaros (Mantiq at-Tayr).
Na sequência dos poemas de
León Fernando somos brindados pelos grandes temas da mística sufi. E ele o faz
rememorando alguns dos mais belos nomes de Deus apresentados na tradição
corânica. Ele fala do Deus desconhecido, que escapa a todo conhecimento, do
Deus que não se manifesta abertamente nem mesmo no lugar de sua habitação: Mysterium tremendum e fascinans; do Deus
Mistério que é simultaneamente Distância e Proximidade, de absoluta
transcendência (tanzih), mas também
de absoluta vizinhança (tashbih). Não
há tinta que absorva os Seus caminhos, mas eles se fazem palpáveis, pois “está
mais perto que nossos ossos”, num “ritmo tranquilo” que acompanha as passadas
do coração.
O buscador está diante de
uma dádiva, da cartografia do Real, e para acessar o seu segredo basta mostrar
que está sedento. Como diz Rûmî, outro místico sufi afegão, contemporâneo de
são Francisco (séc XIII), o Amado está sempre à disposição. Basta manifestar a
sede que a água de sua alegria jorra intensamente ao redor. Na verdade, não é o
sedento que busca a água, mas a água que busca o sedento. A porta está sempre
aberta, é o que diz Leon em outro poema. A busca é infinita, não cessa.
Enquanto houver a sede e a ânsia de unidade, a jornada espiritual prossegue,
com empenho e alegria. E avança sempre com constância e serenidade pois está
ancorada num doce cuidado.
Este livro-poema de Leon
Fernando é antes de tudo um convite de ampliação do olhar, no sentido do
resgate de uma mirada diferente, capaz de captar nos enlaces da criação o Real
como dádiva. Com base na ocular de Ibn ´Arabi, significa perceber o Khalq (criação) com os olhos de Haqq
(Real). Os poemas místicos são tecidos pela tônica da alegria, não se deixando
capturar pela circularidade das formas superficiais e limitadas. No horizonte
palpita o traço mais vivo do segredo de Deus e da generosidade divina. São
poemas que trazem um repertório inaugural, convidando os filhos da Realidade a
penetrar com emoção e vida nos mais íntimos segredos do Amado.
(Publicado como introdução do livro de Leon Fernando
del Canto & Renato Rezende. The Greatest One and The Little Lion.
Reflections from Mecca and Medina. Rio de Janeiro: Circuito, 2015 – Edição Digital)
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