Passos da realização
espiritual: o boi e o pastor
Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF
Introdução
Assim como ocorre nas tradições
cristã e islâmica, com mestres como João da Cruz (1542-1591), Teresa de Ávila
(1515-1582) e Farid ud-Din Attar (1142-1220), também a tradição zen apresenta
abordagens que tratam do processo de realização espiritual do ser humano. Um
dos exemplos apontados encontra-se na série de dez imagens, com seus
respectivos comentários, conhecida como “o boi e o pastor”. Essas clássicas pinturas,
atribuídas ao mestre zen Seïkyo (Ching-chu), remontam à dinastia Sung[1], e
retratam as fases do progresso espiritual. Inicialmente eram seis
imagens, mas elas se perderam. Outra
série de imagens retomando o mesmo tema foi também descoberta, e eram oito,
concluindo com o círculo vazio[2].
A série de imagens que serão trabalhadas aqui neste artigo
são atribuídas ao monge e pintor Shûbun (1432-1460 – período Ashikaga), que
talvez tenha se inspirado, por razões estilísticas, numa versão mais antiga de
autoria do mestre zen chinês, Guo´an Shiyuan (século XII)[3].
Os comentários em prosa que acompanham as imagens são de autoria de Zekkai
Chûshin (1336-1405), que se tornou o sexto abade de Shôkoku-ji em 1392. O
conjunto de imagens e comentários serviram como base essencial de iniciação à
prática de meditação budista. Os comentários sobre o tema elaborados por
Shizuteru Ueda em diversas produções serviram como referência fundamental para
o desenvolvimento deste trabalho, de forma especial as reflexões presentes na
obra Zen y Filosofía[4]
e três outros artigos publicados em sequência, onde o tema vem igualmente
desenvolvido[5].
As dez imagens de Shûbun, que se encontram conservadas no
mosteiro de Shôkoku-ji em Kyoto, ganharam grande divulgação no Japão.
Constituem peças fundamentais para tratar o delicado processo que envolve a caminhada
do ser humano em busca do si-mesmo segundo a perspectiva do Zen Budismo. O tema
central desenvolvido relaciona-se ao processo do despertar: o tornar-se
verdadeiramente humano na descoberta do si mesmo essencial. Como assinala Ueda,
“o fundamental no zen é o despertar para a verdade do si mesmo e realizar o eu
verdadeiro. O budismo zen entende que o eu verdadeiro é ´o eu sem eu`”[6].
1. A procura do boi
Na série de imagens que se seguem,
dois personagens estão presentes: o boi e o pastor. O pastor representa o ser
humano na sua permanente busca em atingir o seu verdadeiro si-mesmo. Por sua
vez, o boi simboliza o si-mesmo que está sendo temporariamente buscado pelo
humano. Nem sempre o boi aparece nas figuras apresentadas, como nesta primeira
que se revela ao olhar. Em verdade, o boi aparece apenas em quatro das imagens.
Na primeira ilustração o que vemos é
o pastor que inicia sua busca. Neste momento inaugural ele ainda se encontra
perdido e disperso. A imagem apresentada relaciona-se com a dinâmica que
envolve a caminhada do ser humano. Inicialmente aparece a questão fundamental
em torno de algo que escapa ao sujeito ou que não foi ainda detectado por ele.
É o momento da pergunta primeira, em torno do acesso a esse algo tão importante
para o sujeito, mas que ele ainda não consegue captar com clareza. Trata-se do primeiro
arranque existencial, da dúvida preambular ou indagação, da suspeita em torno
de um modo determinado de existência, quando o sujeito levanta a pergunta sobre
a densidade de seu eu: a dúvida sobre a sua realidade e verdade. A primeira
imagem relata justamente isto. O início de uma indagação que interpela e
incomoda o sujeito. Mas é assim que se inicia o processo da busca do verdadeiro
si mesmo. Esta indagação essencial vem carregada de uma dinâmica existencial:
“despertar para o morrer ou para a vida”[7].
O si verdadeiro já se delineia nesse
primeiro momento, quando a pergunta inicial vem lançada, jogada no tempo. E o
processo que leva à possível resposta não é linear nem simplificado. Muitas
vezes, essa dinâmica de busca vem pontuada por angústia ou mesmo desespero,
quando o sujeito não consegue encontrar acolhida ou refúgio. No início o que
ocorre é o titubeio: não se sabe onde andar ou o que fazer. Não se trata de uma
pergunta que se restringe ao domínio intelectual, mas algo que envolve toda a
existência e que pode lançar o sujeito no desespero. E isto pode durar tempo. A
pista de acesso ao caminho pode acontecer em um ano, cinco anos, dez anos. O
importante é manter acesa a vontade e firmar com teimosia o desejo da busca.
Curioso perceber que a indagação
filosófica começa assim, com uma atitude de admiração. O ato de filosofar se
inicia com um “afastar-se”, não das coisas concretas, mas das interpretações
usuais que são tecidas sobre elas. É quando o sujeito desperta para o mirandum, ou seja, para uma percepção
distinta e singular que destoa da ocular sobre a vida diária e comum. É um
momento ímpar, quando uma nova indagação provoca a busca por transparência,
para além das necessidades mais imediatas da vida, num horizonte novo, num
mundo mais profundo, mais essencial, mais “invisível”[8].
2. O encontrar das pegadas do boi
Na primeira figura o pastor estava
ainda desviado de si mesmo, perdido na “imensidão empoeirada”. Não conseguia
encontrar algo que pudesse orientar a sua busca. Ao seu redor apenas “o canto
das cigarras entre as árvores”, num ambiente marcado por densa névoa[9].
Com a nova imagem uma mudança acontece: surge um rastro, uma alusão. Ele
consegue encontrar as pegadas do boi, mesmo não sendo ainda capaz de discernir
sobre o autêntico e o inautêntico. Consegue acessar agora “parte do significado
da verdade”, o que nem sempre ocorre com aqueles que se lançam numa busca. Depois
de tanta aventura uma luz se anuncia: Ah... são estes rastros! Olhe! E os
traços são encontrados justamente no momento em que nos defrontamos com
palavras que nos interpelam e apontam caminhos possíveis, nos aludem vertentes
novidadeiras.
Os grandes mestres zen sublinham que
a vida cotidiana é marcada pelos passos simples: levantar, comer, dormir... e
morrer. Às vezes o buscador passa por toda sua existência sem perceber as
marcas de seu mundo interior, mas pode também ocorrer uma abertura em razão de
uma sugestão, de uma alusão, de um acontecimento, de um ensinamento que se dá
ao longo do caminho, e de forma muitas vezes sutil e inesperada. E então o
rastro se evidencia. No momento em que se consegue encontrar uma verdadeira
pista, uma saída, os sentidos ganham uma acuidade distinta. É quando se passa a
escutar e sentir, verdadeiramente, aquela palavra. A compreensão inicial pode
ainda ser prejudicada pela imaturidade: a luz se anuncia mas escapa. Já ocorre,
entretanto, um primeiro passo de transformação, quando se coloca para o sujeito
a importância essencial de uma prática contínua, que envolve todos os sentidos.
Isto vem nomeado no zen como zazen, a meditação sentada. Como sinaliza Ueda, o
zazen vem complementado no budismo pelo samu, que é o despojamento no serviço
prático, e o sanzen, que a interlocução de aprendizado com o outro, em
particular com o mestre[10].
A prática meditativa, em particular
o zazen, revela-se como caminho por excelência no método do Zen budismo. Nada
de muito complexo, apenas sentar-se (shikantaza)
e deixar-se habitar pelo tecido interdependente do real. A prática contínua, ou
Gyôji – como a nomeou o mestre Dôgen
-, revela-se como o “lugar de confluência da presença de todas as coisas em uma
situação ominiabarcante, total”[11].
Esta prática não é exclusiva do ser humano, mas envolve todos os seres do
universo. São, porém, os humanos aqueles que se esqueceram dessa “teia cósmica”,
ou cuja memória de sua originação interdependente falhou, daí a importância de
através da prática contínua realizar esse esforço para retornar o caminho de
sua perspectiva original, de volta à sua própria casa[12].
O zazen acontece não apenas quando
se senta para meditar, mas traduz um posicionamento vital que ocorre a todo o
tempo, desde quando nos levantamos e nos colocamos em relação com os outros,
trabalhando e vivendo ativamente. A dimensão dessa prática, que não é só teórica,
vem retratada na terceira imagem.
3. O encontro do boi
Trata-se
agora do momento em que o pastor vê o boi, quando então capta sua forma e sua
voz. E ao abrir os olhos e acionar a visão se dá conta de que está diante de si
mesmo: “já não há lugar onde o boi possa esconder-se”. Os sentidos oscilantes
ganham nova vitalidade quando capturados pela voz do boi e uma nova sintonia se
firma: “O boi, em sua totalidade, orienta agora todo agir do pastor. Ele
orienta de modo tão imprescindível, como o sal para a água do mar, e como a cor
para a tinta do pintor”. O pastor, tocado pela maravilhosa paisagem, põe-se a
correr, ardentemente, mas o boi escapa. Não há ainda posse ou domínio, mas já
se sente a proximidade de sua presença, o brilho de sua cor. Há que capturá-lo,
e para tanto, a exigência de acionar todas as energias dos sentidos. Na
simbologia zen é o momento por excelência da prática, de sua continuidade e
perseverança. De nada adiantaria ter chegado até aqui e abandonar a empreitada.
4. A captura do boi
O boi vem agora capturado, mas ainda
resiste. Ele que estava por muito tempo “escondido em uma região distante e
deserta” reage ao pastor. Fala ainda forte “o desejo do aroma dos brotos do
pasto”, e a teimosia não cede facilmente lugar ao domínio que se anuncia. Ao
pastor cabe a tenacidade e a severidade de um empenho essencial. Por fim,
consegue laçar o animal e retê-lo com vigor. A imagem traduz um novo momento da
prática, de agonia e combate. Os traços apresentados denotam dinamicidade,
sobretudo com o tensionamento da corda. O que vigora entre os personagens é
tensão e conflito. A unidade se anuncia, mas ainda sob resistência e oposição.
O boi busca escapar a todo custo, e assim fazendo entra em conflito com seu
interlocutor. A tensão é visível. Fazendo a analogia com o zen, esse momento
traduz o passo da impregnação da prática na existência, mas a dualidade ainda
mostra a sua face: são dois corpos que lutam avidamente. De um lado, o corpo
que anseia a inserção serena na prática; de outro, o corpo dominado pelas
paixões e desejos. São dois corpos que se frontejam, traduzindo um campo de
tensões. De fato, com o exercício da prática as paixões se reforçam. A dinâmica
do zazen não revela apenas passividade, mas também agonia, luta empedernida
contra as paixões que se agigantam. A paz dos sentidos não se alcança sem luta
e tenacidade. No processo de encarnação da prática é como se encontrássemos
dois corpos que se combatem. E para superar isso, perseverando na prática, é
necessário tempo e constância. Não se sabe quanto tempo requer esse combate. O
importante é continuar com a prática, pois só assim pode-se passar para o nível
seguinte. Há um modo de dizer na tradição zen: praticar preocupando-se,
praticar inquietando-se. O que isto quer dizer? Não se deve entender a prática
nem como um passeio ou como coisa aprazível, mas como um processo que envolve
luta e combate.
5. O domar do boi
A constância do pastor foi decisiva
para o adestramento necessário. Com a rédea firme e a paciência duradoura o
pastor acaba conseguindo vencer a hesitação e amansar o boi. Como assinala o
comentário que acompanha a gravura, “no despertar tudo se torna verdadeiro, na
errância tudo se torna não verdadeiro”. O conflito ganha agora pacificação, e
os dois corpos antes em litígio ganham nova sintonia. Trata-se de um resultado
que advém da prática contínua. Em vez de tensão, o que ocorre agora é
relaxamento, retomada da unidade, e isto vem representado pela corda afrouxada.
Não existe mais a virulência anterior. Visto sob o ponto de vista da prática, a
figura revela uma coisa muito importante: o fato de que mesmo considerando o
zazen como fundamental, enquanto base e eixo da prática, há que entender que é
toda a existência cotidiana que deve tornar-se prática. Não pode haver
distinção entre o momento da prática e o momento da não-prática. O ser humano
deve estar inserido na teia cósmica, consciente desta ligação, assim como o
peixe está interpenetrado com a água, e esta relação é constitutiva para a sua
vida. Peixe e água formam um contínuo, em unidade não dualística, no exercício
vivo e costurado pela prática da natação. No momento em que esta unidade vem
quebrada, “a essência do peixe, sua piscidade, desaparece” [13].
Como assinalado num dito zen, a prática do zazen ocorre mesmo quando não se faz
zazen. Ou seja, o zazen envolve toda a existência. Trata-se de uma meditação
que se desdobra na vida prática, no movimento de todos os dias. A inscrição
verdadeira no zen, e o penetrar em sua verdade, é algo que envolve todo o
cotidiano:
“Se realmente desejais penetrar
a verdade do zen, fazei-o enquanto estais de pé ou andando, dormindo ou
sentados, enquanto falais ou ficais em silêncio, ou quando estais ocupados nos
diversos afazeres do trabalho cotidiano. Quando tiverdes feito isso, procurais
saber de quem é a doutrina que estais seguindo ou que Sutras estais estudando”[14].
Mesmo
no continuar do movimento há espaço para a tranquilidade e calma, para a
dinâmica de acomodação. E aqui se vê uma coisa muito importante: doma-se o boi
por longo tempo.
6. A volta para casa no dorso do boi
A imagem agora traduz uma intensa
serenidade. O contraste com a quarta figura é marcante. O pastor torna-se então
um com o animal, e no campo desta unidade não há lugar para altercação. Montado
no boi ele canta uma antiga canção de lenhadores e toca a sua flauta, como
fazem as crianças das pequenas cidades do interior. É o que relata o comentário
da presente figura. A força desta união
é de intensidade impar, e nada ao redor pode desviar a atenção: “se alguém o
chama ele (o pastor) sequer olhar. Se alguém o puxa pela manga da camisa, mesmo
assim ele não quer parar”. Ele é alguém
que simplesmente senta e contempla o céu azul.
Um aspecto importante nesta imagem
relaciona-se com a ideia de retornar à casa, de recolher-se à habitação. O
pastor retorna à casa montado no boi. Está agora unido a si mesmo, reina uma
harmonia entre o eu e o e si mesmo. E uma harmonia que reverbera no ambiente.
Ela vem expressa pelo toque da flauta, num som que traduz a teia de relação
entre todas as coisas. A unidade entre o boi e o pastor indica ainda a presença
de duas existências que são vizinhas mas distintas. Mas não há ainda total
garantia de paz derradeira, pois a possibilidade de recaída permanece vigente.
O pastor pode ainda cair do boi e se dar mal. Os grandes mestres zen sublinham
a importância da permanente atenção, do zelo contínuo na prática meditativa.
Nada impede que ao chegar a um grau intenso de alegria e satisfação venha o
praticante sofrer um revés. Isto significa que em momento algum, mesmo naquele
que anuncia uma grande liberdade, a prática pode deixar de acontecer. O caminho
se faz no caminho, e esta condição de peregrinação permanente é um dado essencial.
Não pode haver sentimento de aquisição ou posse, de garantia de chegada ou de
orgulho plenificador. Em verdade, todo e qualquer sentimento de posse deve ser
rechaçado radicalmente. Como diz o ditado tradicional: “Se encontrares o Buda,
mate-o”. Para a tradição zen, esse é um ponto extremamente sensível e perigoso:
o risco da hybris totalitária e da desmesura. Não pode haver
consciência de chegada, mesmo na proximidade da habitação. Aqui aparece pela
primeira vez a palavra “casa”, no sentido de retorno à casa. É uma palavra
muito importante, pois está a indicar o lugar fundamental em que se encontra
situado o verdadeiro si.
7. O boi foi esquecido e o pastor permanece
Procedendo a hermenêutica das
ilustrações, com o aporte de Shizuteru Ueda, verifica-se que as sete primeiras
figuras retratam em progressão os momentos singulares que traduzem os
ensinamentos budistas como a meditação, a disciplina e a unificação na
bem-aventurança. Como indica Ueda, “o caminho da primeira até a sétima estação
é ao mesmo tempo o processo de desprendimento do eu-sou-eu”[15].
Mas na compreensão do Zen-budismo não ocorre ainda a realização plena do si-mesmo,
o que só irá ocorrer na oitava estação.
Na sétima ilustração o pastor
encontra-se só. Se antes havia o boi, que passageiramente vinha designado como
indicador do caminho, agora o boi desaparece e o pastor “se encontra como uma
pepita brilhante retirada da mina, ou como a lua que, se desvencilhando das
nuvens, reaparece”. Isto vem indicado no comentário da ilustração. Na verdade, quem
se encontra ali, devotado em meditação, não é mais o pastor, mas o homem que se
revela a si mesmo, como o verdadeiro si (Jiko).
É como se o boi tivesse adentrado o homem. Aqui se dá, de certa forma, a
realização da pergunta que tinha sido colocada antes. É quando começa o
discurso do budismo em geral e do zen em particular. Aqui ocorre também um
grave problema para o budismo: a consciência do tornar-se si verdadeiro. A
questão envolve o risco de que junto a essa tomada de consciência venha em seu
bojo o retorno do velho eu. Na imagem vemos o homem em postura de veneração
diante da lua, como agradecendo pelo fato de ter conseguido alcançar essa
unidade consigo mesmo. É alguém que se encontra agora “existindo de modo ´calmo
e sereno`, como seu próprio senhor entre o céu e a terra, como é dito no
prefácio respectivo”[16].
Há agora um posicionamento de
reconhecimento: depois de toda a luta, conseguiu-se chegar aqui. E justo neste
momento ocorre uma possível fenda ou fissura, algo que nem sempre se revela
perceptível. Numa outra versão da imagem, o homem não está venerando a lua, mas
dormindo pacificamente. Como se agora o sono fosse permitido, uma vez alcançada
a consciência da chegada e o mistério da união consigo mesmo. Até esta imagem,
verifica-se um claro processo lógico: da inquietude inicial, da busca dos
rastros do boi, do encontro com o boi, de sua captura e domesticação. São todas
situações articuladas. Algo que é fácil captar. Agora, a partir desta nova
fase, verifica-se um salto de nível. Começa então algo de diverso e
radicalmente diferente.
8. O esquecimento completo do boi e do pastor
A figura que agora emerge é a do
círculo vazio, do radical esquecimento do boi e do pastor. É o momento da apófase
do desejo, quando todo o passado vem abandonado, com suas ambições ou volições:
tudo o mais “se esvaziou sem deixar vestígios”. É o que também indica o
comentário que acompanha a imagem: “Não se detenha com prazer no lugar onde
Buda mora. Passe rapidamente pelo lugar onde Buda mora”. Na oitava estação, o
que ocorre é um “decisivo e determinado salto ao nada absoluto, aonde não há
mais nem pastor que procura nem boi que é procurado, nem homem nem Buda, nem
dualidade nem unidade”[17].
Com essa ilustração firma-se uma estação espiritual nova.
Em clássico prefácio publicado por
C.G. Jung em obra de Daisetz Teitaro Suzuki, ele faz a distinção entre o si
mesmo e o eu. Para Jung, o si-mesmo é algo bem diverso do eu, de alcance maior
e mais amplo. Ele “engloba a experiência do eu e, por isso mesmo, o
ultrapassa”. O si-mesmo “é uma experiência de mim próprio, a qual, entretanto,
já não é vivida sob a forma de um eu mais amplo ou mais alto, e sim sob a forma
de um não-eu”[18].
Não há mais vestígios do eu na
oitava ilustração, mas a irrupção do verdadeiro si-mesmo, o que corresponde ao
incondicional despojamento de si mesmo, à incondicional abnegação. Nesse
momento, todas as experiências ou conhecimentos anteriores escapam sem deixar
vestígios, incluindo também as aquisições religiosas. O humano “deve tornar-se
o seu si-mesmo e Buda na forma mais simples e, de uma vez por todas, entrar no
nada puro, ou seja, no ´grande morrer`, como se diz no Zen-budismo”[19].
Nesta imagem, o boi desaparece, como
também o homem que tinha absorvido o boi. E desaparece também o si verdadeiro.
Tudo desaparece e só o nada brilha. Com base no budismo mahayana este momento
corresponde ao nível (ou posição) do ku,
ou seja, do vazio (sunyata). É o
momento do nada absoluto. Do ponto de vista do praticante, esta situação é
vista como a “grande morte” (Taishi)[20].
Na figura em tela está representado o momento “não sendo eu” (“non essendo io”). Ou seja, o eu que não
sendo eu é eu. Agora vive-se, propriamente, o momento do “não sendo”.
A figura reflete o círculo vazio,
dentro do qual não há nada desenhado. Trata-se do nada absoluto, infinito, que
também não é nada, mas que simultaneamente envolve uma plenitude peculiar: um
nada mergulhado no infinitamente aberto [21].
Atua como “negação infinita, como um radical nem isso nem aquilo, como negação
de todo tipo de dualidade, assim como de unidade”[22]. Pode-se
talvez aventar a ideia de que a lua observada na figura anterior era esse “mero
nada vazio”, percebido como anseio profundo do sujeito em estado de meditação[23].
Justamente em favor da busca desse eu verdadeiro, revestido de profundo
desprendimento, é que se explica essa sede de penetração no puro nada. Esse é o
significado da “grande morte”, que não é só do eu egocêntrico, mas do eu mesmo.
Daí ter Goethe exclamado com vigor em sua Nostalgia
de bem aventurança (Divã Ocidental-Oriental): “Morre e devém” (Stirbe und
werde), ou então “Morre e chega a ser”. A afirmação do nada absoluto traduz na
verdade a libertação de todo pensamento substancializante e a transparência de
um si-mesmo abnegado. Trata-se da ruptura da ideia do “eu sou eu”, com suas
auto-intoxicações derivantes: o ódio contra os outros, contra si mesmo e a
cobiça[24].
O que este ciclo de imagens introduz
como novidade para a reflexão é que o círculo vazio não vem entendido como o
fim do caminho. Se assim ocorresse poderia dar uma ideia de vazio extremamente
negativo. Como se o exercício de despojamento apresentado nas figuras
anteriores desembocasse num nihil sem sentido. O oitavo quadro, na verdade, não
implica em nihilismo absoluto, mas aponta para um meio termo livre do ser e do
nada. Esse mesmo nada que tudo nadifica é, de algum modo, “o nada que gera a
afirmação”[25].
É com base na experiência radical do nada e do esvaziamento que um novo
horizonte pode se firmar com sentido, como tão bem expresso nesse dito Zen:
“Antes
que eu penetrasse no Zen,
as
montanhas nada mais eram senão montanhas
e
os rios nada a não ser rios.
Quando
aderi ao Zen,
as
montanhas não eram mais montanhas
nem
os rios eram rios.
Mas
quando compreendi o Zen,
as
montanhas eram só montanhas
e
os rios, só rios”[26].
9. O retorno ao fundamento da origem
Após passar pelo mergulho essencial
no nada absoluto, a subjetividade renasce em sua perspectiva elemental, com o
toque singular de um fundamento novidadeiro. O ego empírico passa por radical
transformação, anulando-se a si mesmo e renascendo numa dimensão totalmente
distinta. O sujeito vem agora habitado por um novo conhecimento, que é
transcendental e não discriminante. Trata-se do conhecimento prajna. Neste estado, “todo o Ser
transformou-se no vasto e ilimitado espaço do Vazio, onde coisa alguma pode ser
apreendida como algo definido”[27].
É o momento sublime do retorno à origem, ao fundamento. A imagem apresentada é
singular, um lugar “cego e surdo”, habitado apenas pelo fluir do rio e pela
presença da flor. O rio simplesmente flui e a flor simplesmente floresce. Nada
além disso.
O vazio representado na figura
anterior era um vazio em movimento, um vazio gerador. A passagem por esse
estado essencial transformou o sujeito e a sua mirada. O olhar capta agora uma
dimensão que estava antes ocultada, possibilitando ver as coisas como
verdadeiramente são. Não se trata, na figura, de uma paisagem unicamente
natural, mas de uma imagem que traduz o verdadeiro si, a verdadeira forma de
si. Enquanto na imagem anterior tínhamos a representação da “Grande morte” (“não
sendo eu” – “non essendo io”), aqui temos o momento em que o eu “não sendo eu”
é verdadeiramente eu. É uma espécie de renascimento, ou ressurreição, como
indica Ueda. Trata-se de um concretizar-se, figurativamente, fenomenicamente,
daquele mesmo Nada Absoluto. Representando isso com outras palavras, é como
quando observamos as flores. Vendo as flores, esquecemos de nós mesmos e
admiramos as flores. E aí estão só as flores. Nesse esquecimento de si e nesta
emergência, aparecimento das flores, das coisas, vistas como coisas, vem
configurada concretamente esta nona figura. Também aí o correr do rio indica a
dimensão lúdica desse “não sendo eu”. Ou dito de outra forma, nós somos o rio e
nos tornamos o rio, e esquecemos de nós mesmos. Nos deixamos habitar e transportar
pelo rio que vemos. Não é somente algo que vemos ali, mas somos por ele
totalmente absorvidos.
O “não sendo” da figura anterior,
representado de forma abstrata, vem agora representado pelas coisas, de forma
bem concreta. O verdadeiro si reaparece aqui como não si. E isto pode ser assim
configurado: “eu não sendo eu, sou eu”. A quebra do dualismo sujeito/objeto,
representado na figura anterior, vem agora retomada como “ressurreição” a
partir do nada[28].
A árvore que floresce e o rio que flui simbolizam e encarnam o eu despojado, ou
seja, o sem-eu do eu, ou ainda o “jogo da liberdade do eu sem eu”. Assim como
há desprendimento no rio que flui ou na floração gratuita, o eu também floresce
em seu desprendimento. Como indica Ueda, o Zen percebe uma força originária no
florescer, e reconhece uma conexão existencial que vincula esse florescer com a
abertura infinita do sujeito quando de fato “afetado” pelas coisas. Ao
participar desse simples acontecimento – as flores florescem – o ser humano
“pela força presencial dessa percepção,
vem reduzido a nada e despertado de novo para a vida, florescendo junto com as
flores”[29].
10. O entrar no mercado com mãos abertas
A última figura é bem simbólica. Nela aparece um caminhante que se
encontra com um jovem. Ele emerge com sua natureza irradiante, o peito
descoberto e os pés descalços. O rosto vem carregado com o pó da terra e sua
cabeça adornada com cinzas. É alguém que procede de uma estirpe estrangeira
e vem de longe. Mas nada nele traduz
desânimo ou cansaço. Ele se apresenta com seu sorriso largo, iluminador, e uma
perspectiva amigável. Os comentários que acompanham a ilustração indicam esse
horizonte aberto. Em seu trajeto de vida visita agora “bares ou quiosques de
peixes para fazer com que os homens bêbados se despertem para si mesmos”.
Na imagem apresentada, o velho
caminhante – que é o verdadeiro si – encontra com um jovem que está apenas
iniciando sua jornada espiritual. O interesse do caminhante não está voltado
para si mas para o outro. É alguém que passou pela experiência do desapego e
despojamento radical. Alguém que agora vive a experiência do “eu sem eu como
eu”. O seu único foco de interesse é o
outro. É o que a figura indica claramente: alguém que entra no mercado, na
cidade, com as mãos abertas; alguém que “deixa cair” os braços, suavemente, o
que na tradição budista significa gesto de doação. E o seu doar não é um doar
qualquer coisa, mas um simplesmente estar ali, disponível e atento. Para o
jovem, o fato de encontrar o andarilho deste modo significa viver uma completa
transformação. Estar diante de alguém que não doa qualquer coisa. Esse momento
de encontro representa para o jovem a possibilidade de desvendar seu próprio
caminho, o seu próprio futuro, a sua própria identidade mais secreta. O ancião
oferece ao jovem o caminho a ser percorrido. O que para um significa a décima
estação, para o outro é o despertar para a primeira estação.
Se a oitava figura representava o
Nada Absoluto ou o Vazio, a nona desvendava o mundo da Natureza, e esta última
o mundo da História. Neste novo momento, de interlocução dialogal, o gesto que
marca o encontro é a saudação. Os dois amigos se inclinam um diante do outro, e
o fazem de forma profunda e reverencial. Na perspectiva tradicional japonesa, o
inclinar-se guarda um significado muito especial. Reclinar-se significa
retornar ao nada, à origem, para então voltar rejuvenescido a si mesmo. É o
momento onde os interlocutores deixam de ser si mesmos para deixarem-se habitar
pela alteridade. Ao comentar sobre isso, Ueda indica que este gesto de saudação
é bem mais profundo que uma mera cortesia. Ao inclinar-se o sujeito rompe com o
seu eu na profundidade do “entre”, onde não há nem eu nem tu. A partir dessa
zona de profundidade – que também pode ser identificada com o nada ou com a
ausência de fundamento – ele retorna de forma radicalmente despojada. Isso
significa que a relação dialogal vem penetrada pelo nada do nem-eu-nem-tu[30].
Por parte do ancião, o que ocorre é um “abandono no encontro com o outro desde
sí mesmo”[31].
O “nada” aqui vem entendido em sua
dinamicidade global, como aquele espaço do “entre” que motiva a afirmação do
verdadeiro si. Quando se assinala no comentário (figura 10) que o ancião vem de
uma “estirpe estrangeira”, de um território desconhecido, o que se quer
provavelmente indicar é que ele procede do nada absoluto, ou seja, passou pela
radical experiência do despojamento. Daí a dinâmica de seu encontro ser
pontuada pela hospitalidade mais essencial, pelo cuidado fundamental. E o curioso
é que as questões que ele levanta são as mais simples possíveis, nascidas da
dinâmica mais cotidiana, do território da humildade: “De onde você vem?”, “Qual
o seu nome?”, “Como vai você”, “Você já comeu?”, “Você vê as flores?”. Tudo
muito simples, como nas mais belas histórias do Zen. São perguntas cotidianas,
despojadas e discretas.
O movimento que acompanha a última
figura é aquele do sujeito que sai de si mesmo para retornar a si mesmo. Tudo
para chegar a uma conclusão que é profundamente simples: eu sou eu. Mas aqui
estamos diante de uma identidade que atravessou o vale do nada e renasceu com
liberdade e gratuidade singulares. E renasceu no solo vivo do cotidiano
elementar. É na percorrida estrada do mundo, no calor vital do tempo e no
encontro com outras pessoas que o verdadeiro si-mesmo desdobra a sua
existência, e não num nirvana deslocado ou mal situado. O que ocorre, como
dizem os grandes mestre, é o nirvana-em-samsara. Aquele modo de ser, que passou
pelo embaraço do nada, desperta agora sereno para o envolvimento no mundo, sem
perder jamais a referência daquele nada inaugural. Na décima estação, que é a
última de um longo percurso, o tema pontual é o do encontro entre pessoas.
Agora “o verdadeiro si-mesmo, ressuscitado do nada, age e joga entre homem e
homem como uma dinâmica abnegada do ´entre`”[32].
(Publicado
em: Faustino Teixeira Org. Mística e
Literatura. São Paulo: Fonte Editorial, 2015, p. 15-30)
......
[1] E o mestre relacionado é Kaku-an Shji-en (Kuo-an
Shih-yuan), da escola Rinzai.
[2] Daisetz Teitaro SUZUKI. Essais sur le Bouddhisme Zen. Première Série. Paris: Albin Michel,
1972, p. 436. Ver também: Id. Manuale di
buddhismo zen. Roma: Ubaldini, 1976, p. 95-110.
[3] Suzuki faz menção a quatro séries de imagens da caça
ao boi: as atribuídas a Kaku-an (relacionadas ao pintor Shûbun), a Seikyo, a
Jitoku e de um autor desconhecido. Cf. Manuale
di buddhismo zen, p. 96.
[4] Shizuteru UEDA. Zen
y Filosofía. Barcelona: Herder, 2004.
[5] Shizuteru UEDA. O Nada absoluto no Zen em Eckhart e
em Nietzsche. In: Antonio FLORENTINO NETO & Oswaldo GIACOIA Jr (Orgs). O nada absoluto e a superação do niilismo:
os fundamentos filosóficos da Escola de Kyoto. Campinas: PHI, 2013, p. 205-237; Shizuteru UEDA. Le bouddhisme
zen et Maïtre
Eckhart. In: Julie CASTEIGT (Ed). Maître Eckhart. Paris: Cerf, 2012,
p. 343-361; Shizuteru UEDA. Silencio y
habla en el budismo zen. In: Óscar PUJOL y Amador VEGA (Eds). Las palavras del silencio. El lenguaje de la ausencia en las distintas
tradiciones místicas. Madrid: Trotta, 2006, p. 13-38. E ainda:
[6]
Shizuteru UEDA. Zen y filosofia, p.
101.
[7]
Shizuteru UEDA. O nada absoluto no zen..., p. 212.
[8] Josef PIPER. Que
é filosofar? Que é acadêmico? São Paulo: EPU, 1981, p. 26-27.
[9] Para o acesso aos comentários das dez imagens cf.
Shizuteru UEDA. Zen y filosofia, p.
137-158 (El buey e el boyero. Una antigua historia Zen china); Antonio
FLORENTINO NETO & Oswaldo GIACOIA Jr (Orgs). O nada absoluto e a superação do niilismo..., p. 241-250 (Uma
antiga história Zen chinesa com gravuras japonesas do século XV). As
referências aos comentários no texto serão tomadas dessas obras.
[10] Shizuteru UEDA. Zen
y filosofia, p. 109.
[11] José Carlos MICHELAZZO. Desapego e entrega: atitudes
centrais da meditação Zen-budista e suas ressonâncias nos pensamentos de
Eckhart e de Heidegger. Rever, Ano
11, n. 2, jul./dez. 2011, p. 145.
[12] Ibidem, p. 147.
[14] D.T. SUZUKI. A
doutina zen da não-mente. São Paulo:
Pensamento, 1993, p. 92-93.
[15] Shizuteru UEDA. O nada absoluto no Zen..., p. 169.
[16] Ibidem, p. 166.
[17] Ibidem, p. 170. Como indica Ueda, o nada traduz “a
quintessência da negação de qualquer possível designação predicativa”:
Shizuteru UEDA. Zen e filosofia, Palermo:
L´Epos, 2006, p. 236. Uma analogia pode
ser feita com Mestre Eckhart: “Os termos de negação em Eckhart, que levam a
teologia negativa aos seus limites extremos, deixam sentir o ar gélido de uma
abertura particularmente clara, mas tensa e infinita; ao mesmo tempo, como o
cume de uma montanha alta que ao tocar a abóbada celeste se desvanece negando a
si mesma. Este ar gélido é quase como o ar do Zen”: Ibidem, p. 178.
[18] C.G. JUNG. Psicologia
e religião oriental. São Paulo: Círculo do Livro, 1990, p. 78.
[19] Shizuteru UEDA. O nada absoluto no Zen..., p. 170.
Esse “morrer maior” ou “grande morrer” equivale ao último deixar do “ego”. Na
mística cristã, com M. Porete, Eckhart ou Silesius, fala-se inclusive em
“deixar Deus”, se esvaziar de Deus, de forma a romper com o lugar mesmo onde Deus
pudesse atuar. Cf. M.PORETE. O espelho
das almas simples. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 158 (92,9); M.ECKHART. Sermões alemães 1. Bragança
Paulista/Petrópolis: São Francisco/Vozes, 2006, p. 289 e 290 (Sermão 52);
Angelus SILESIUS. Il pellegrino cherubico.
Cinisello Balsamo: San Paolo, 1989, p. 176 (PQ II, 92). Segundo Ueda, esse
“deixar Deus” equivale ao “último deixar do ´ego`”. Trata-se para ele do
“extremo ápice da negação existencial absoluta”, que encontra parentesco com o
“matar o Buda”, ou o “matar o mestre do Zen”: cf. Shizuteru UEDA. O nada
absoluto no Zen..., p. 179.
[20] Essa “grande morte” ou “morte fundamental” ganha
semelhança com a “pobreza mais extrema” de que fala Eckhart em seu Sermão
Alemão 52. Isso significa “lançar-se a si mesmo no ´deserto` sem Deus. Mas este
deserto é ao mesmo tempo o lugar onde jorra a fonte da ´vida pura sem porquê`”:
Shizuteru UEDA. O nada absoluto no Zen..., p. 180-181.
[21] Na visão de Hôseki Schinichi Hisamatsu, ao falar
sobre o “Nada”, o Zen budismo aponta para algo que está além do êxtase ou da unio mystica, envolvendo uma “situação
de plena consciência”, relacionada ao samadhi,
num patamar onde sujeito e objeto encontram-se inseparavelmente unidos: La pienezza del nula. Sulla essenza del
buddismo Zen. Genova: Melangolo, 1993, p. 20.
[22] Shizuteru UEDA. Zen
y filosofia, p. 102.
[23] Shizuteru UEDA. O nada absoluto no Zen..., p. 189.
[24] Ibidem, p.
169.
[25] Ibidem, p. 192.
[26] Thomas MERTON. Zen
e as aves de rapina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972, p. 129.
[27] Toshihiko ISUTSU. Hacia
una filosofia del budismo zen. Madrid: Trotta, 2009, p. 39.
[28] Shizuteru UEDA. Zen
y filosofia, p. 103.
[29] Ibidem, p. 130.
[30] Shizuteru UEDA. Zen
e filosofia. Palermo: L´Epos, 2006, p. 246-247.
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