sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Estar simplesmente no tempo

 Estar simplesmente no tempo


Faustino Teixeira

 

Muito interessante esse estudo que venho fazendo visando um artigo que deve ser publicado em breve numa revista teológica. Como não sou egoísta, vou partilhando aos poucos alguns dados colhidos e alguns insights que vou tendo ao longo desse trabalho, que já perdura algum tempo. São inúmeros autores que vêm me alimentando nesse tempo de reflexão novidadeira.

 

Um incentivo maior veio com o papa Francisco, com sua belíssima encíclica Laudato si, dedicada ao cuidado da casa comum. Ele já inicia a sua reflexão dizendo que nós todos somos TERRA, e que o nosso corpo vem modelado por elementos do planeta (LS 2). Logo em seguida ele sublinha que nós, humanos, estamos todos inter-relacionados com os outros seres: humanos e não humanos. Taí a pista que precisava para o meu trabalho. 

 

Lendo aqui o recente livro de Donna Haraway, sobre o encontro das espécies, sublinho uma expressão que ela coloca logo no início do livro: “Eu sou uma criatura da lama, não do céu”. Algo assim, sensacional, que indica com toda a radicalidade a nossa inserção no tempo. E temos, com Rilke, que dizer continuamente: “Estar aqui é um esplendor”.

 

Mas voltando a Haraway, ela diz ainda:

 

“Adoro o fato de que genomas humanos sejam encontrados em apenas cerca de 10% de todas as células que ocupam o espaço mundano que chamo de meu corpo; os outros 90% das células são preenchidos pelos genomas de bactérias, fungos, protistas e que tais, alguns dos quais tocam uma sinfonia necessária para que eu esteja viva e outros que estão de carona e causam a mim, a nós, nenhum dano (...). Adoro o fato de que, quando ´eu` morrer , todos esses simbiontes benignos e perigosos tomarão e usarão o que restar do ´meu` corpo, nem que seja só por um tempo, já que ´nós` somos necessários uns aos outros em tempo real.”

 

O biólogo Stefano Mancuso, também parte de minha biografia, confirma esse dado importante: que nós, os animais, somos portadores de apenas 0,3% da biomassa, enquanto 99,7% estão com os vegetais e os outros seres invisíveis que não se inserem nem no reino vegetal ou animal: os fungos e bactérias. 

 

As reflexões de Haraway, também sublinhadas pelo filósofo italiano Emanuele Coccia, nos ajudam a perceber com mais clareza que a vida é movimento e continuidade, ou como diz Jung, a vida é perenidade e eterna mudança. O nosso nascimento não traduz um início, mas uma continuidade. Cada nascimento, diz Coccia, é “uma penetração em um corpo estranho”, é a tradução patente que somos “um pedaço desse mundo”, que se revelou agora com mais uma transformação. Assim também a morte, que é simplesmente “o limiar de uma metamorfose”.

 

Seguindo ainda Coccia, nos damos conta de que “o destino de todos os seres vivos é tornar-se o corpo de uma outra espécie”, e que “o ´cadáver` é vida e refeição de outros seres vivos. Toda morte é uma continuação da vida sob outros rostos”. 

 

Na verdade, o nosso destino é “ser comido”, e não há nisso nenhuma humilhação, diz Coccia. Estamos num cenário bonito, da teia da vida, e nossa morte é um momento sublime de transformação no nosso modo de ser. Somos lama, viemos da lama, e tornaremos a lama, enredando uma dinâmica de compostagem criadora de vida.

 

 

 

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