O cachorro e o ódio
Faustino Teixeira
UFJF/IHU
O professor e compositor José Miguel Wisnik ministrou um interessante curso de seis aulas no Ateliê Paulista em torno ao tema: Contos Morais e Imorais. Isso ocorreu em novembro e dezembro de 2022.
No primeiro encontro, Wisnik comentou um interessante conto de J.M. Coetze, prêmio nobel de literatura. O conto, bem curto, se chama "Cachorro", e aborda um tema que se adequa muito ao nosso tempo aqui no Brasil, marcado pela narrativa do ódio[1].
No conto, temos um cão feroz, que regularmente busca atacar uma jovem que passa de bicicleta diariamente pelo local, e religiosamente o cão reage da mesma forma, com ira e violência, todas as vezes que a jovem passa ao lado do portão.
O que estamos vendo no Brasil pós eleição de Lula, é a presença de uma massa "canina" irada, tomada de ódio, radicalmente contrária à acolhida do resultado das eleições. E essa massa danada, com suas camisas verde-amarelas, reage sempre como o cão do conto de Coetze.
É só passar perto deles, que eles avançam com violência e ira... Nos olhos deles e delas, como no cão, a presença de um "ódio do tipo mais puro". E eles, como o cão, sentem uma profunda satisfação de ver nos olhos de quem passa o medo da possível violência. Não conseguem esconder o ódio, e não conseguem "controlar" os movimentos do corpo, como já dizia Agostinho sobre as criaturas decaídas.
Estamos vivendo em tempos difíceis, quando o direito às armas foi liberado por um cidadão que tentou governar esse país. E agora, as armas estão soltas por aí... E essa gente perdida permanece achando que tem o direito de continuar exalando o seu ódio por todo canto e a todo custo.
Ao final do conto, depois que a jovem tentou em vão convencer os donos do cachorro a se familiarizarem com ela, o autor termina escrevendo:
"O cachorro se atira contra a cerca. Um dia, diz o cachorro, esta cerca vai ceder. Um dia, diz o cachorro, vou te despedaçar".
[1]O conto foi publicado no livro: J.M Coetzel. Contos Morais. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
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