Julio de Santa Ana
Faustino
Teixeira
PPCIR-UFJF
De tradição
metodista, nasceu no ano de 1934 na cidade de Montevidéu (Uruguai), tendo se
naturalizado suíço. Concluiu sua graduação em Teologia na Faculdade Evangélica
de Teologia em Buenos Aires e o seu doutorado em Ciências da Religião na
Universidade de Estrasburgo, na França. O grande tema de seu interesse tem sido
o movimento ecumênico, pelo qual se revela um apaixonado. Em sua trajetória, atuou
em importantes organismos ecumênicos latino-americanos, como o ISAL (Igreja e
Sociedade na América Latina) e também no Conselho Mundial de Igrejas, onde
trabalhou na Comissão de Participação das Igrejas no Desenvolvimento (CPID)
como secretário de estudos e diretor, isto na década de setenta e inícios de
oitenta. Vive hoje em Genebra (Suiça), com atuação no Instituto Ecumênico de
Bossey, um centro internacional de formação de lideranças ecumênicas, vinculado
ao Conselho Mundial de Igrejas.
O Conselho
Mundial de Igrejas (CMI) foi de fundamental importância para a afirmação e
irradiação do movimento ecumênico na América Latina, sobretudo a partir da
dinâmica de preparação da Segunda Assembleia Geral, realizada em Evanston, nos
Estados Unidos, em 1954, que teve como tema o impacto das transformações
sociais na vida das igrejas. A presença de Paul Abrecht na direção da Comissão
Igreja e Sociedade do CMI foi de um estímulo decisivo, favorecendo as condições
necessárias para a afirmação de organismos ecumênicos na América Latina como o
ISAL. Em entrevista concedida a Zwinglio Dias, Julio assinalou que “os
dirigentes ecumênicos do século XX demonstraram uma grande capacidade para
fazer frente a alguns problemas muito graves experimentados pela comunidade dos
crentes”. Era, de fato, um Conselho de Igrejas, uma “comunidade de amigos”
comprometida com o testemunho de unidade e o desafio do humano.
Julio de
Santa Ana reconhece esse papel pioneiro e inspirador do CMI para a afirmação de
uma presença viva e aberta do protestantismo na América Latina e em particular
no Brasil, com a criação do Setor de Responsabilidade Social da Igreja,
vinculado à Confederação Evangélica do Brasil (CEB). Esse Setor traduzia, em
verdade, uma ampliação do trabalho levado à frente pela Comissão Igreja e
Sociedade do CMI, e teve como um de seus resultados mais frutíferos a
Conferência do Nordeste, realizada em 1961 na cidade de Recife (Brasil), que
ampliou o raio de ação ecumênica para além dos círculos protestantes.
A atuação
de Júlio de Santa Ana, tanto no ISAL como no CMI refletia uma nova compreensão
do ecumenismo, traduzida de forma feliz por Gustavo Gutiérrez em sua clássica
obra Teologia da Libertação como
busca de “novas rotas no caminho para a unidade”. Uma compreensão que veio
igualmente amadurecida em seu trabalho de onze anos no Brasil, de colaboração
no CESEEP (Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular),
junto com José Oscar Beozzo; bem como no exercício de sua docência no Programa
de Pós-Graduação em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São
Paulo. Esta nova percepção emerge viva
em sua obra produzida na Coleção Teologia e Libertação, Ecumenismo e Libertação (1991).
Na raiz
mesma da palavra grega ecumenismo, oikos,
encontra-se a ideia de casa, de lugar de moradia e de bem-viver. Trata-se de um
espaço especial onde se exercita a dinâmica do bem-estar. É partindo dessa
mesma raiz que Julio de Santa Ana amplia a compreensão tradicional desse tema,
relacionada à busca da unidade entre os cristãos, para inseri-la na dinâmica
mais ampla do testemunho em favor do reino de Deus. Sinaliza que a unidade
almejada não pode ser diluída como um fim em si mesma. É uma unidade que está
sempre em processo de construção e voltada para a edificação de um horizonte
mais rico e vasto, o reino de Deus. A seu ver, o ecumenismo tem esse importante
papel de aproximar as pessoas e as igrejas, corrigindo dogmatismos e
fanatismos, superando as intolerâncias e plasmando relações diferentes e
novidadeiras. Mas num mundo que também se apresenta dividido e pontuado por
ódios, agressões e segregações, o movimento ecumênico discerne uma outra tarefa: o de testemunhar a vida e
afirmar a dignidade da criação. O ecumenismo verdadeiro é aquele que faculta a
afirmação da vida em “todo o mundo habitado” (oikoumene). Essa nova ocular do espírito ecumênico foi bem pontuada
por esse pensador uruguaio, voltada para a promoção de atitudes diferenciadas
de diálogo e encontro de todos os seres do planeta, no respeito às suas
diferenças, visando a afirmação de comunidades fraternas de convivência e
aprendizado.
A
perspectiva apontada por Julio de Santa Ana em seu projeto ecumênico, de
profunda sintonia com a teologia da libertação, é de um ecumenismo popular, em
que a busca da unidade firma-se na dinâmica do testemunho em favor do reino.
Não se trata de um ecumenismo teórico ou livresco, mas que vai se delineando a
partir mesmo da prática diuturna das comunidades, das pessoas de diferentes
igrejas ou tradições, na sua incessante busca de uma realidade social nova. É
um projeto profundamente vinculado com a prática e o seguimento de Jesus, com
suas obras e ensinamentos. E uma prática que acolhe a diversidade como um dom e
se abre para desafios emergentes e essenciais, como o diálogo com as religiões
dos povos originários e com as tradições afro-americanas, de forma a poder
“abraçar com muito mais braços e corações o Deus Único e Maior”.
Bibliografia: SANTA ANA, Julio de. A Igreja e o desafios dos pobres, Vozes/Tempo e Presença, Petrópolis, 1980; Id. L´Église de l´autre moitie du monde: les defis de la pauvrete et de l´oppression,
Karthala, Paris, 1981; Id. (Ed.). Luta
pela vida evangelização: a tradição
metodista na teologia latino-americana. Paulus/UNIMEP, São Paulo, 1985; Id.
Ecumenismo e libertação, Vozes,
(Coleção Teologia e Libertação), Petrópolis, 1991; Id. As igrejas da reforma
protestante. In: BEOZZO, José Oscar. (Org.), Curso de Verão Ano II, Paulinas, São Paulo, 1988, p. 99-104; Id.
Mestre em rigor e lealdade. In: RAMALHO, José Ricardo (Org.). Uma presença no tempo. A vida de Jether
Ramalho, Oikos, São Leopoldo, 2010, p. 79-95; Id. Diálogos
inter-religiosos: dificuldades e promessas. In: SOTER (Org.). Religiões e paz mundial. São Paulo:
Paulinas, 2010, p. 99-117; SANTA ANA,
Julio de & BARROS, Marcelo de. Ecumenismo. In: BEOZZO, José Oscar (Org.). Curso de Verão IV, Paulus, São Paulo,
1990, p. 95-130; Entrevista com Julio de Santa Ana. Tempo e Presença Digital, v. 3, n. 12, setembro de 2008 (por
Zwinglio Dias); DIAS, Zwinglio Mota & TEIXEIRA, Faustino, Ecumenismo e diálogo interreligioso,
Santuário, Aparecida, 2008; SHAULL, Richard, Surpreendido pela graça, Record, Rio de Janeiro, 2003; WOLFF, Elias, Caminhos do ecumenismo no Brasil, Paulus, São Paulo, 2002; RIBEIRO,
Claudio de Oliveira & SOUZA, Daniel Santos. A teologia das religiões em foco. São Paulo: Paulinas, 2012.
(Publicado no Dicionário de Teologia da Libertação. Bélgica: Lessius, 2017)
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