A questão da verdade...
Ainda comentando o livro de Didier Eribon, sobre “a vida, velhice e morte de uma mulher do povo” (2024), ele aborda em certo momento a questão das casas de repouso, destino quase certo de muitos de nossos idosos pelos mundo afora. Ele observa:
“Em dado momento, temos ciência de que vamos viver em um quarto como esse, provavelmente em uma casa de repouso semelhante. Não há como não temer isso. Não sabemos quando nem como chegaremos a esse lugar. Em que veículo? E quem nos levará até lá (...). Por isso, juramos a nós mesmos que, quando esse dia chegar, preferiremos ouvir a verdade”.
Num conto de J.M. Coetzee (1940 -) – Nobel de Literatura em 2003, nomeado “Mentiras” (no livro Contos Morais -2021), ele aborda o tema de um filho e filha de uma escritora que tentam convencer a mãe, já idosa, a ir morar numa casa de repouso. Ela resiste à investida dos filhos com firmeza. Em visita à mãe, certa tarde, o filho John constatou que o estado dela era delicado. Já não conseguia andar sem bengala e tinha dificuldade de subir as escadas da casa, onde estava o seu escritório.
Não vivia sozinha, tinha a companhia de Pablo, um ajudante que dormia na cozinha. Preocupado com os “arranjos de sobrevivência” da mãe, o filho tenta, de toda forma, convencê-la a sair de casa. E a ameaça: “Você sofreu uma queda séria e é só questão de tempo sofrer outra”. A mãe reage, sublinhando a presença de Pablo na retaguarda. O filho insiste na ideia, dizendo que se ela não tivesse conseguido ligar para o hospital, poderia estar hoje em outro local... E a mãe responde: “Você parece saber a resposta, então para que perguntar? Debaixo da terra, sendo devorada pelos vermes, acredito. É isso que você quer dizer?”. O filho pede a mãe para ser razoável, e assinala que sua irmã – Helen – já tinha sondado um lugar onde a mãe poderia ser bem cuidada, sentindo-se em casa (sic!). A mãe rebate, ironizando sobre a ideia de que naquela instituição ela poderia sentir-se em casa... O filho, então, retoma o argumento, sublinhando para ela que seu estado não tende a melhorar, e que seria complicado para ela permanecer numa cama em aldeia esquecida, contando apenas com a ajuda do Pablo. E o filho conclui dizendo que é assim que se faz quando se ama alguém... E se dispõe a ajudá-la a empacotar o que for importante para ela. Reconhece que tais instituições não constituem a melhor solução, mas revela-se como um meio-termo entre o que se pode desejar e que se revela bom diante de tal situação. Revela ainda que lá na instituição ela poderá ter seu próprio “apartamentinho” e inclusive um pequeno jardim.
Já desacreditata, a mãe lança uma questão ao filho: “Quero, só para variar, como um exercício apenas, me diga a verdade. E ele responde: “A verdade é que você é uma mulher idosa que precisa de cuidados”. Não contente, ela volta a perguntar: “Me diga a outra verdade, a verdade verdadeira”. A pergunta fica sem resposta. Talvez a verdade que ela gostaria de ouvir é que ela estivesse talvez morrendo. Isso o filho, já impaciente, não conseguiu dizer.
Mais tarde, o filho escreve para a mulher, Norma, propondo um “pacto de sinceridade”. Diz a ela que vai chegar um dia em que os dois terão que dizer a verdade verdadeira, e escreve: “A verdade verdadeira é que você já está incapaz no mundo, e amanhã pode estar ainda mais incapaz, e assim por diante dia após dia, até chegar o dia em que não vai dar mais. A verdade verdadeira é que você não está em posição de negociar. A verdade verdadeira é que você não pode dizer Não (...). Aprenda a dizer Sim (...). Deixe para trás as coisas familiares, venha e more – sim – numa instituição, onde uma enfermeira de Guadalupe vai te acordar de manhã com um copo de suco de laranja e uma saudação alegre (Quel beau jour, Madame Costello!), você não feche a carranca, não finque os pés. Diga Sim. Diga, eu concordo. Diga, eu estou em suas mãos. Faça o que for melhor”.
Simplesmente...
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