O alarme nas folhas seca: uma natureza que saiu do eixo
Faustino Teixeira
UFJF / IHU / Paz e Bem
Gostei da coluna de Fernando Gabeira da segunda feira, 31/07/2023, no O Globo, sobre sua viagem ao Xingu, convidado por Raoni. Pôde nos mostrar os efeitos nocivos que estão ocorrendo na região também em razão dos efeitos do aquecimento global, mas igualmente de políticas desastrosas que foram realizadas ali como as hidrelétricas, a poluição do garimpo e as infindáveis plantações de soja. Em seu texto, Gabeira recorre a Paulo Moutinho, grande pesquidador da Amazônia, para afirmar que ali estamos adiantados com respeito aos impactos do efeito do aquecimento global.
Em trecho de grande beleza, quando aborda a triste realidade de um dos mais severos El Niños da história, Gabeira nos remete à sabedoria de um velho cacique da região que consegue captar os riscos atuais quando ouve o barulho das folhas secas pisadas, algo que nunca tinha ouvido na infância, e que revela a perigosa novidade de um terreno propício agora para as grandes queimadas. Uma sensibilidade que é única.
Em reportagem do Imazon, percebemos que “entre 1985 e 2022, a Amazônia viveu 23 anos com superfície de água abaixo da média, 14 anos cima e apenas uma ano na média. E o pior cenário de seca ocorreu recentemente, entre 2016 e 2021, quando a superfície de água variou de 8% a 4% abaixo da média”[1].
Numa histórica entrevista concedida por Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro a Eliane Brum, e publicada no jornal El País, no final de setembro de 2014, eles diziam que sinais bem precisos estão indicando uma mudança de horizonte, que se anuncia bem problemática[2]. Débora fala que tanto os índios e os pequenos agricultores percebem em seu contato com as plantas e os animais, “que algo está acontecendo”. Percebem por estarem animados por uma sensibilidade muito mais aguda e apurada que a nossa.
Viveiros de castro se pergunta, como é que eles percebem que o clima está mudando? E diz:
“No calendário agrícola de uma tribo indígena você sabe que está na hora de plantar porque há vários sinais da natureza. Por exemplo, o rio chegou até tal nível, o passarinho tal começou a cantar, a árvore tal começou a dar flor. E a formiga tal começou a fazer não-sei-o-quê.
O que eles estão dizendo agora é que esses sinais dessincronizaram. O rio está chegando a um nível antes de o passarinho começar a cantar. E o passarinho está cantando muito antes de aquela árvore dar flor. É como se a natureza tivesse saído de eixo. E isso todos eles estão dizendo.
As espécies estão se extinguindo, e a humanidade parece que continua andando para um abismo. O mundo vai, de fato, piorar para muita gente, para todo mundo. Só o que vai melhorar é a taxa de lucro de algumas empresas, e mesmo os acionistas delas vão ter que talvez tirar a casa de luxo que eles têm na Califórnia e jogar para outro lugar, porque ali vai ter pegado fogo.”
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