Sobre o Amor, retomando ...
Faustino Teixeira
IHU / Paz e Bem
Já pensando aqui no encontro que terei com Márcia Rivas, no final de novembro, numa reflexão sobre o amor.
Esse é um dos temas que venho refletindo em tempos recentes.
Lembro-me de reuniões de orientação no mestrado e doutorado, onde o tema aparecia, e me servia do interessante livro André Comte-Sponville: “O Amor” (2011). Trata-se de uma longa palestra dada pelo filósofo, e depois gravada para as Éditions Frémeaux (2008).
Ele começa falando sobre o amor paixão (Éros), com base no livro de Platão, “O banquete”. Há um paradoxo ali, ao tratar o tema. Quando falamos de Éros, falamos do amor desejo, que envolve “falta”. O desejo sempre envolve uma falta. Diz Comte-Sponville: “Ao ler Platão, compreendemos por que é tão fácil se apaixonar e tão difícil, na vida de casal, continuar apaixonado. Esse é outro abismo, menos profundo e mais pesado”. Na verdade, não há amor “totalmente feliz”.
Ainda nessa visão do Amor-Eros, a ideia de felicidade no amor envolve “ter o que se deseja”. Uma vez alcançando o desejado, pode ocorrer o tédio. Essa é a mais complicada questão. Se o amor não for permanentemente regado, ele termina. São as “intermitências do coração”, como diz Proust. Na linguagem platônica, enamor-se de alguém é “descobrir que alguém nos falta”.
E continua Comte-Sponville: “”De tanto estarem juntos todas as noites, todas a manhãs, de tanto compartilharem a vida e a cama, essa pessoa, inevitavelmente, vai-lhe fazer cada vez menos falta (...). O problema, de que você toma consciência pouco a pouco, é que, se o desejo é falta, a partir do momento em que essa pessoa lhe faz cada vez menos falta, pois vive com você, você a deseja cada vez menos”. Daí pode ocorrer, se não houver cuidado, ternura e atenção, a passagem da falta para o tédio.
Na oitava elegia de Duíno, Rilke sublinha:
“Os amantes – não estivesse o outro a ofuscar-lhe a visão – sentem a obscura presença e se espantam... Às vezes há um descerrar-se atrás do outro... Mas o outro, como superá-lo? E o mundo já retorna”. O que ocorre, temos sempre que recordar isso... permanentemente, também os amantes, em sua sede impossível de integração, estão “em face do mundo”, em face de sua impermanência.
A vida de casal, já dizia também Rilke, é uma experiência de solidão. Não há como apagar isso, numa intenção equivocada de amor total. Dizia Lia Luft: “há um silêncio intransponível mesmo nos mais íntimos amores”. Faz parte do amor, respeitar e acolher essa solidão. O casal “não é o fim da solidão”. Não há como jurar que ficaremos apaixonados para sempre. Diz Comte-Sponville: “Não se decide amar nem deixar de amar (não se decreta o amor), mas pode-se decidir manter seu amor, alimentá-lo, protegê-lo, fazê-lo viver e evoluir. É por isso que a vida de casal também é uma aventura espiritual”.
O nosso poeta Drummond, dizia sabiamente no poema “Quero”:
“Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.”
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.
Há que saber avançar, com delicadeza, cortesia e ternura, do amor Éros ao amor Philia. Ou seja, fazer a experiência da “alegria de amar”. E isso significa também compreender que o amor envolve movimento, transformação, serenidade. Daí a sabedoria de Gilberto Gil na canção “Faca e Queijo”, ao falar do amor maduro. A velha chama da paixão, com seu ardor e voracidade de faca e queijo, passa por mudanças:
“A gente ama
E o amor produz transformações
A velha chama
Acende novas ilusões
Com mãos bem mais sutis
Novos desejos
Vão tornando nossos beijos
Mais azuis, menos carmins”.
Amar, como diz Comte-Sponville deve ser também regozijar-se, curtir a presença terna do outro, sem tanta finalidade, a não ser a experiência da gratuidade: de poder olhar um para o outro com alegria, curtir sua presença em proximidade e ternura. Isso é o que podemos chamar de “felicidade de amar”. Comte-Sponville fala dessa alegria nova, que não se resume em pedir, mas agradecer: “Obrigado por ser tão linda!”.
E alguns terão ainda, o privilégio mais nobre de atingir o grau maravilhoso do amor agápe, que é amor de entrega sem nenhuma cobrança de reciprocidade. É o amor favorecido aos mais nobres, aos santos, aos místicos. É o famoso quarto amor de que fala Bernardo de Claraval em seu De Diligendo Deo. Trata-se do grau mais perfeito de amar.
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