A sabedoria dos Xamãs da tradição tolteca
Faustino Teixeira
IHU / Paz e Bem
Dentre as novidades da Editora Vozes, aconselho o livro de Don Jose Ruiz, A sabedoria dos xamãs, uma obra lançada originalmente em 2018 e lançada agora no Brasil em 2022. O autor é filho de Dom Miguel Ruiz, conhecido por seu precioso livro sobre Os quatro compromissos, em torno da filosofia tolteca. Com Jose Ruiz, retomamos o tema da tradição tolteca, concentrando-se na compreensão e função dos xamãs. O autor busca quebrar o preconceito existente em torno do lugar dessa autoridade religiosa, muitas vezes associada às figuras de feiticeiros e curandeiros. Os xamãs, na verdade, seguindo a tradição do povo tolteca, são os portadores dos naguals, ou seja, da força vital que atua no interior dos seres e de todas as coisas. Os que trazem viva essa consciência são capazes de vislumbrar a presença do mistério por toda parte, daí a importância essencial concedida à natureza e o respeito sagrado por tudo.
Na visão xamânica, recobra-se o domínio da consciência, entendido como um movimento de inserção no mundo interior e uma atenção profunda ao momento concreto e todas as suas manifestações. Não se trata de uma atenção comum, mas regada de cuidado e generosidade. Uma atenção que envolve todos os sentidos, visando a assimilação dos contornos do real. Estamos diante de uma espiritualidade singular, de celebração da vida, aberta à dimensão expansiva do coração, em sua esplêndida capacidade de captação de tudo de belo que a vida é capaz de proporcionar.
O exercício xamânico, na tradição tolteca, envolve o caminho da interioridade, com a visão transparente que desvela a dinâmica do mistério no mundo interior. Os que são dotados por esse dom não se prendem a exclusivismos ou organizações estabelecidas. São pautados pelo ritmo da liberdade. São conhecidos como artistas da vida, capazes de criar obras-primas do cuidado, cortesia e generosidade. São também portadores de um potencial de cura exemplar: capazes de reconhecer o que há de sombrio do mundo das pessoas e, através da energia pessoal acumulada, trazer à luz o que é motivo de sofrimento e ajudar os outros a desentranhar a luz escondida e encontrar o caminho da transformação.
O otimismo vital é a marca dos xamãs, que se inspiram também na pureza do mundo animal, com sua impressionante capacidade de viver a vida com naturalidade, sem nostalgia. Trata-se do desafio de “simplesmente viver” e “estar atento”. Os xamãs costumam ter os animais como símbolos exemplares, na medida em que não se deixam transtornar pelo vício do sofrimento. Os totens animais funcionam na filosofia tolteca como inspiradores de poderes particulares. No caso do autor do livro, ele escolheu como seus animais espirituais o morcego, a cascavel e a onça. Desses animais, colhe alguns ensinamentos importantes. Do morcego, a capacidade de interagir no mundo, contornando os obstáculos; da cascavel, a capacidade de controlar os venenos interiores; da onça, para lidar com as artimanhas pacientes da ação. Inspirado por ela, o ser humano é capaz de reconhecer as potencialidades de seu dinamismo interativo.
Com a leitura da obra, somos provocados a entender a realidade das sombras que nos habitam, ou de comportamentos estranhos e embaçados que dominam às vezes o ritmo da nossa vida. Com as energias dos xamãs, somos potencializados a reconhecer tais neblinas interiores e construir com atenção os passos de superação dos limites. Com o exercício do olhar interior, somos convocados a desocultar a própria verdade interior, dominar os mecanismos internos que nos aprisionam, e perscrutar caminhos novos de realização pessoal.
Mais ao final da obra, o autor busca recuperar a tradição do Dia de los Muertos, muito celebrado no México, tendo sua origem muito antes da conquista dos espanhóis, e presente na tradição tolteca. Para além de uma perspectiva dolorista, onde as pessoas ficam agarradas e viciadas em sofrimento, a novidade apresentada pela tradição está em justamente celebrar a vida. No dia dos mortos o que ocorre é uma conexão com o nagual que está dentro e ao redor de nós. Assim sendo, o dia dos mortos é fundamentalmente uma convocação à vida, como num chamado: “Ei, você está vivo! Você não está morto, está vivo! Vamos, acorde e celebre a vida! Chega de estar morto”. Celebrar os mortos é romper com o cotidiano de dor, trabalhando um outro jeito de lidar com o luto, que está pontuado pela irrupção de vida e a permissão para continuar a música vital da alegria.
Estamos, assim, diante de uma obra delicada, tocada de otimismo, com exemplos e exercícios bonitos para manter aceso o ritmo da esperança e da alegria. Algo mágico acontece no coração de todos aqueles que fixam seu olhar não naquilo que os abate, mas naquilo que os conforta, como os passos bonitos que existem no cotidiano de cada um de nós. Não custa nada reviver os momentos bonitos do dia-a-dia e deixar-se habitar pela emoção do viver com significado.
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