A primeira iniciação de Riobaldo no de-Janeiro - Grande Sertão: Veredas
Faustino Teixeira
Na quarta aula de Wisnik sobre o GSV, abordou-se o tema do encontro de Riobaldo com Reinaldo, depois de um longo tempo quando os dois se encontraram no de-Janeiro.. É uma das cenas muito bonitas do livro de Rosa. E estava na aula, como de costume, Odilon Esteves, que narrou lindamene os trechos fundamentais indicados por Wisnik.
Como mostra com pertinência Francis Utéza, no livro "Metafísica do Grande Sertão", o primeiro encontro de Riobaldo com o Menino foi uma espécie de iniciação. Riobaldo entra no barco de peroba como um "pinto em ovo", sendo a descida para as águas do de-Janeiro como um "regresso ao útero, dissolução na lama original, e ao mesmo tempo prelúdio ao renascer" (Utéza). É quando então começa a ocorrer "o trabalho de parto, com o feto iniciando a caminhada para fora da escuridão matricial".
A aventura no de-Janeiro e no São Francisco era mesmo uma travessia perigosa, com o perigo rondante das ariranhas. A mão do menino foi fundamental para imprimir coragem naquele Riobaldo então medroso. Riobaldo passa então, no rio, por uma transformação, por uma iniciação. O neófito foi assim "purificado pela travessia do São Francisco".
Foi na verdade, segundo Utéza, uma "excursão ao centro". Sob a proteção de Jesus e São Francisco, devoções fundamentais da cultura católica regional, Riobaldo adquire a coragem, que no seu sentido esotério, constitui a "energia central propagadora do sopro vital no microcosmo" (Utéza).
Foi também o menino que abriu as portas bonitas da beleza e das cores do cerrado para Riobaldo: "Aquela visão dos pássaros, aquele assunto de Deus, Diadorim era quem tinha me ensinado" (GSV, 140). Até aquela ocasião, Riobaldo não estava atento a tudo aquilo que o rodeava. Os pássaros, até então, só despertavam nele o instinto de caçador: "Aquilo era para se pegar a espingarda e caçar".
Com o olhar de Diadorim, Riobaldo passou a ver a natureza de outra forma. Foi outra importante iniciação, na qual aparece de forma linda o pássaro Manuelzinho da Crôa, aquele pássaro lindo que sempre anda parelho. Aquela imagem do pássaro para Riobaldo imprimiam definitivamente nele um símbolo "de um tempo de felicidade fundado em uma experiência espiritual transcendente" (Utéza).
Por fim, entra também em cena o cumpadre Quelemém que, muitos anos depois, ensinou a Riobaldo que todo desejo pode ser alcançado, desde que precedido por um fundamental despojamento.
Foi ele que mostrou a Riobaldo que "todo desejo a gente realizar alcança - se tiver ânimo para cumprir, sete dias seguidos, a energia e paciência forte de só fazer o que dá desgosto, nôjo, gastura e cansaço, e de rejeitar toda qualidade de prazer" (GSV, 115). E, támbem, "dar tudo a Deus, que de repente vem, com novas coisas mais altas, e paga e repaga, os juros dele não obedecem medida nenhuma".
Um pouco depois, na narração do livro, ocorre o momento singelo da revelação do verdadeiro nome de Reinado para Riobaldo. Foi quando Reinaldo aproximou-se de Riobaldo e disse: "Escuta: eu não me chamo Reinaldo, de verdade. Este é nome apelativo, inventado por necessidade minha, carece de você não me perguntar por que. Tenho meus fados" (GSV, 116)
E continua Reinaldo: "Pois então: o meu nome verdadeiro, é Diadorim ... Guarda esse meu segredo. Sempre, quando sozinhos a gente estiver, é de Diadorim que você deve de me chamar" (GSV, 117).
E em seguida, Diadorim deu sua mão a Reinaldo: "E ele me deu a mão. Daquela mão, eu recebia certezas. Dos olhos. Os olhos que ele punha em mim, tão externos, quase tristes de grandeza. Deu alma em cara (...). Aquele dia fora meu, me pertencia" (GSV, 117).
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