domingo, 20 de fevereiro de 2022

Não perder o ritmo da alegria

 Não perder o ritmo da alegria

 

Faustino Teixeira

 

 

Fiz ontem, 19/02/22, a leitura de uma entrevista com o pensador Byung-Chul Han de 22 de fevereiro de 2021[1]. Pensei que era uma entrevista mais recente, mas não, era do ano passado. Fiquei, porém, impressionado com a sua atualidade. Tenho gostado muito dos livros desse autor, cujas obras vêm sendo traduzidas pelas Vozes, disponíveis em preços módicos. 

 

O que gostei dessa entrevista foi ter recebido pistas importantes para entender o que está se passando com muitos de nós nessa pandemia que não tem fim. Verifico que as pessoas estão desgastadas com o isolamento. Algumas estão mesmo “chutando o balde”, não aguentando mais usar máscaras, ficar isoladas no mundo familiar restrito, sem poder se comunicar mais proximamente com os amigos, sem poder viajar, e tantas outras coisas mais.

 

Sinto também o aumento expressivo da depressão. Os consultórios de terapia estão todos lotados, com muita gente pedindo ajuda para enfrentar esse tempo tão difícil.

 

Aí veio essa entrevista e me ajudou a refletir sobre algumas coisas essenciais, que pontuo:

 

1. A importância de fortalecermos as relações de amizade, da forma que estiver ao nosso alcance. Byung-Chul Han, num de seus livros preciosos – A expulsão do outro, 2017 – dedica um capítulo inteiro à escuta, que se faz necessária nesse momento onde as pessoas estão isoladas. O trabalho de ser “ouvinte” ganha um lugar decisivo em nosso tempo. Como diz Chul Han, “a pandemia reforça o desaparecimento da empatia. O outro é agora um possível portador do vírus, do qual convém distanciar-se”. Escutar o outro é deixar-se expor, expressar confiança e manifestar sensibilidade para com ele. O que vemos, com tristeza, é as pessoas ficarem irritadas com a aproximação dos outros, temendo o contágio do vírus, e isso é muito sério.

 

2. O desafio de saber lidar com a dor. Estamos envolvidos numa sociedade repleta de dores, uma “epidemia de dores crônicas”, como indica Chul Han. Mas a dor, como diz ele, vem “reduzida aos aspectos médicos e farmacológicos. E quando é colocada exclusivamente nas mãos da medicina, a gente não entende mais”. Ao mesmo tempo em que estamos rodeados de dor, não sabemos – nessa sociedade paliativa – lidar com ela. Chul Han constata, a meu ver com razão, que mais importante que oferecer analgésicos, é facultar a proximidade, a dedicação e amizade ao outro. Tudo isso é mais essencial do que simplesmente medicalizar a dor.

 

3. Encontrar caminhos alternativos de lidar com a pandemia. Chul Han, de forma extraordinária, chama a atenção para um trabalho de equipe, que vá além do contato com médicos para lidar com a pandemia. Isso significa envolver outros profissionais, como psicólogos, filósofos, teólogos etc. Chul Han nos adverte que com a pandemia estamos nos encerrando numa quarentena onde a vida “enrijece-se como uma sobrevivência”. Caímos, assim, numa “histeria da saúde”, excluindo inclusive a fundamental importância de entender o lugar da dor na vida de cada um. A neblina da pandemia não pode ser para nós o fechamento da possibilidade de celebrar a vida. É o que a poeta portuguesa, Matilde Campilho, nomeia como saber “dançar sobre os escombros”. Não se pode perder essa dimensão da alegria, mesmo na dor. Trata-se de saber encontrar caminhos e possibilidade para “celebrar a vida”. Como diz Alberto Caeiro é “triste não saber florir”. 

 

Em vez de simplesmente absolutizar a saúde e a sobrevivência, devemos estar atentos, e muito atentos, aos “bens que estão em jogo nos vários aspectos da vida”. Não podemos simplesmente nos acabar para encontrar o caminho da sobrevivência. Muito importante isso. 

 

Conforme assinala Chul Han, há que esperar mais do que sobrevivência. Diz ele: “A sociedade dominada pela histeria de sobrevivência é uma sociedade de ´não mortos`”. Ele costuma dizer que “estamos muito vivos para morrer, muito mortos para viver”. A seu ver, o estar preocupados apenas com a saúde e a sobrevivência, nos faz assemelharmos ao vírus, “um ser não-morto que se multiplica, ou seja, sobrevive, sem viver”. 

 

Concluindo, com a ajuda da tradição budista, que foi também objeto de outro livro de Chul Han, precisamos entender que “a vida sem dor é incompleta”. Ou seja, faz parte de nossa trajetória saber lidar com a vulnerabilidade e a impermanência. O autor cita Nietzsche para dizer que a dor e a felicidade andam sempre juntas, como irmãs gêmeas, “que crescem juntas ou permanecem pequenas juntas. Se a dor for inibida, a felicidade se acomoda em uma abafada sensação agradável”. Como diz o poeta Fernando Pessoa (Alberto Caeiro), “é preciso ser de vez em quando infeliz para se poder ser natural”. O que é preciso, diz o poeta, é “ser-se natural e calmo na felicidade ou na infelicidade, sentir como quem olha, pensar como quem anda, e quando se vai morrer, lembrar-se que o dia morre, e que o poente é belo e é bela a noite que fica...”.

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