Formas de resistência nos tempos do Antropoceno
Faustino Teixeira
PPCIR/UFJF – Paz e Bem – IHU
Assisti hoje, pela quarta vez o vídeo de Donna Haraway em torno da questão do Antropoceno, Captaloceno e Chthuluceno, em entrevista[1]concedida a Juliana Fausto, Eduardo Viveiros de Castro e Deborah Danowski por ocasião do Colóquio Internacional Mil nomes de Gaia[2]. É uma fala impressionante e muito atual. Assisti também o interessante vídeo com a reação de Eduardo Viveiros de Castro e Juliana Fausto, na sequência da exibição do vídeo de Donna Haraway[3].
Fui novamente aos vídeos em razão da leitura que venho fazendo de Bruno Latour, no seu recente livro: Où suis-je? Leçons du confinement à l´usage des terrestres[4].
Alguns autores que vêm trabalhando o tema, buscam uma perspectiva não catastrofista, centrada no ideia de "fim de mundo". São autores que discernem saídas interessantes, como a antropóloga Anna Tsing, em seu livro: Viver nas ruínas (2019)[5]. Ela fala em ressurgências, mesmo entre os destroços. Para a autora,
“perturbações humanas e de outros, suprimem assembleias multiespecíficas – todavia as ecologias habitáveis retornam. Depois de um incêndio florestal, as mudas brotam nas cinzas e, com o passar do tempo, outra floresta pode crescer após a queimada. A floresta em crescimento é um exemplo do que estou chamando de ressurgência”[6].
Trata-se de um trabalho de regeneração que envolve muitos organismos, que em negociação com as diferenças “forjam assembleias de habitabilidade multiespécies em meio às perturbações”[7]. O nosso tempo do Antropoceno, que é tempo da “Terra perseguida pelo homem”, ameaça radicalmente a habitabilidade de múltiplas espécies, mas não é o fechamento de possibilidades de ressurgências.
Situações sérias ameaçam o equilíbrio do planeta como a rápida mudança climática, as extinções em massa, a acidificação do oceano, a poluição desenfreada, a contaminação da água doce e os caminhos da industrialização. Mas, de forma impressionante, novas formas de vida ressurgem mesmo em ambientes devastados. Para Tsing, o risco do apocalipse serve de alerta para uma maior atenção às ruínas e um sinal para o aumento de nossa consciência crítica.
Bruno Latour igualmente tem falado em "gestos barreiras"[8]ou capacidade de viver de outro modo nesse tempo difícil. Ele louva o papa Francisco na sua encíclica sobre o cuidado da casa comum[9]por conseguir apontar caminhos de resistência ao antropoceno que são fundamentais. Faz referência a ele no seu livro Diante de Gaia[10]. Para Latour, a encíclica foi uma “feliz surpresa”, entendida como um retorno ao Cântico das criaturas, de Francisco de Assis. Trata-se de uma encíclica que reconecta a ecologia à política[11].
Para Latour, o papa Francisco busca uma pista religiosa que considera a singularidade fundamental do aqui e agora, rompendo com a noção de uma religiosidade do para além. Como diz Latour, não mais o alto e o baixo, o material e o espiritual, mas "a tensão entre a via na terra e a via com a Terra". O autor retoma o elogio a Francisco no seu recente livro, Où suis je(2021), assinalando que o papa indica a possibilidade de uma nova maneira de viver em nosso tempo de crise, com uma perspectiva eclesial de abertura, voltada para o aquém, preocupado com o destino da Terra. Não mais o “o alto e o baixo, não mais o material e o espiritual, mas a tensão entre a vida na terra e a vida com a Terra”[12].
Donna Haraway, como vemos no vídeo citado, fala em "viver com o problema", com suas alegrias e terror. Isso requer “gerar parentescos raros: nos necessitamos reciprocamente em colaborações e combinações inesperadas”[13]. Sua proposta enfática acentua um devir de uns com os outros, enquanto "espécies companheiras". Ela assevera a importância de não se escapar dos problemas e indica que temos que aprender a cada dia conviver e habitar "na barriga do monstro", buscando o exercício de alinhamentos e diplomacia. O que significa fazer aliados entre os inimigos. É uma tese ousada, que assusta Viveiros de Castro, com seu tradicional anarquismo. Mas vejo a hipótese como importante e plausível.
[1]https://www.youtube.com/watch?v=1x0oxUHOlA8&t=7s(acesso em 14/07/2021). A entrevista foi feita em 21/08/2014 e exibida em 18/09/2014.
[2]O colóquio ocorreu no Rio de Janeiro entre os dias 15 a 19 de setembro de 2014.
[3]https://www.youtube.com/watch?v=Qg0oyW9-rA0(acesso em 14/07/2021)
[4]Bruno Latour. Où suis-je. Leçons du confinement à l´usagte des terrestres. Paris: La Découverte, 2021.
[5]Anna Tsing. Viver nas ruínas. Paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.
[6]Ibidem, p. 226.
[7]Ibidem, p. 226.
[8]Bruno Latour. Onde aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020, p. 131.
[9]Papa Francisco. Carta encíclica Laudato si. Sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas, 2015.
[10]Bruno Latour. Diante de Gaia. Oito conferências sobre a natureza do Antropoceno. São Paulo: Ubueditora/Ateliê de Humanidades, 2020.
[11]Ibidem, p. 445-446.
[12]Bruno Latour. Où suis-je, p. 74.
[13]Donna J. Haraway. Seguir cone l problema. Generar parentesco en Chthuluceno. Bilbao: Consonni, 2020, p. 24.
Nenhum comentário:
Postar um comentário