sábado, 29 de julho de 2017

Francisco e a atenção ao cotidiano

Francisco e a atenção ao cotidiano

Faustino Teixeira
PPCIR/UFJF


O vaticanista Marco Politi nos surpreende com uma nova e bela crônica, publicada no Jornal italiano Il Fatto Quotidiano (27/07/2017). O tema são os sermões de Francisco proferidos em suas missas matutinas na residência Santa Marta. Não são falas para multidões, mas para o pequeno grupo que o acompanha a cada dia, proveniente de paróquias romana ou então peregrinos.

Fala de um livro que acaba de sair na Itália, publicado por Gianpiero Gamaleri, sociólogo e professor de comunicação numa universidade leiga romana. O livro chama-se: Santa Marta: Homilias (Libreria Editrice Vaticana, 2017). De forma reservada, a cada dia, Francisco vai revelando o seu pensamento e o seu projeto maior de igreja. Trata-se de um aspecto de sua vida que não vem muito evidenciado. São homilias singulares, profundamente ricas e interessantes, inclusive para se poder captar o “núcleo” de seu pensamento e sua visão em favor da reforma da igreja. É quando fala Francisco, o pastor e o pároco, que se voltam para o ritmo e os anseios vivos dos pequenos.

Politi sublinha que os críticos repetem-se em dizer que Francisco é “pouco teólogo”, mas o que suas homilias revelam é algo grandioso, traduzindo um “pensamento complexo”. Elas indicam uma orientação distinta: “Um pensamento orientado a colher os desafios apresentados à igreja pelas mudanças que acompanham a secularização”. Desafios para a velha “igreja do catecismo e da tradição fossilizada”, que não repercutem mais na sensibilidade das jovens gerações, que de forma silenciosa, abandonam as fileiras da comunidade católica.

As homilias de Francisco tocam a nervura do evangelho, sempre atentas aos fatos do cotidiano. Ali aparece Francisco com toda a sua sensibilidade aos sinais dos tempos. A cada dia uma advertência nova contra as tragédias cotidianas, indicando que a comunidade eclesial não pode fechar os olhos se busca em verdade ser seguidora de Jesus.

É também, assinala Politi, uma teologia que revela “a não compreensão do silêncio de Deus”, como na mensagem dita num dos dias: “Três dias atrás morreu alguém, aqui na rua, um sem-teto: morreu de frio. Em plena Roma, uma cidade com todas as possibilidades de ajuda. Porque, Senhor? Nem mesmo uma carícia... Mas eu confio, porque Tu não nos desiludes. Senhor não te compreendo. Esta é uma bela oração. Mas sem compreender entrego-me em tuas mãos”.


Como indica Politi, Francisco pensa numa igreja diversa, tomada pelo apelo do Reino de Deus. De uma igreja comunidade que se constrói no dia a dia, na cotidianidade de uma entrega e doação. O Reino é “produto de um caminho, um crescimento”. É também algo profundamente gratuito, que rompe com qualquer rigidez ou fixismo. Não há como pensar essa comunidade com a regra do rigorismo e da inductilidade. Na verdade, o que deve conduzir a igreja é o Espírito, e crer no Espírito é andar sempre com o olhar aberto, sempre adiante.

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