Francisco e a atenção ao cotidiano
Faustino Teixeira
PPCIR/UFJF
O vaticanista Marco Politi
nos surpreende com uma nova e bela crônica, publicada no Jornal italiano Il
Fatto Quotidiano (27/07/2017). O tema são os sermões de Francisco proferidos em
suas missas matutinas na residência Santa Marta. Não são falas para multidões,
mas para o pequeno grupo que o acompanha a cada dia, proveniente de paróquias
romana ou então peregrinos.
Fala de um livro que acaba de
sair na Itália, publicado por Gianpiero Gamaleri, sociólogo e professor de
comunicação numa universidade leiga romana. O livro chama-se: Santa Marta:
Homilias (Libreria Editrice Vaticana, 2017). De forma reservada, a cada dia,
Francisco vai revelando o seu pensamento e o seu projeto maior de igreja.
Trata-se de um aspecto de sua vida que não vem muito evidenciado. São homilias
singulares, profundamente ricas e interessantes, inclusive para se poder captar
o “núcleo” de seu pensamento e sua visão em favor da reforma da igreja. É quando fala Francisco, o pastor e o pároco, que se voltam para o ritmo e os anseios vivos dos pequenos.
Politi sublinha que os
críticos repetem-se em dizer que Francisco é “pouco teólogo”, mas o que suas
homilias revelam é algo grandioso, traduzindo um “pensamento complexo”. Elas
indicam uma orientação distinta: “Um pensamento orientado a colher os desafios
apresentados à igreja pelas mudanças que acompanham a secularização”. Desafios
para a velha “igreja do catecismo e da tradição fossilizada”, que não
repercutem mais na sensibilidade das jovens gerações, que de forma silenciosa,
abandonam as fileiras da comunidade católica.
As homilias de Francisco
tocam a nervura do evangelho, sempre atentas aos fatos do cotidiano. Ali
aparece Francisco com toda a sua sensibilidade aos sinais dos tempos. A cada dia
uma advertência nova contra as tragédias cotidianas, indicando que a comunidade
eclesial não pode fechar os olhos se busca em verdade ser seguidora de Jesus.
É também, assinala Politi,
uma teologia que revela “a não compreensão do silêncio de Deus”, como na
mensagem dita num dos dias: “Três dias atrás morreu alguém, aqui na rua, um
sem-teto: morreu de frio. Em plena Roma, uma cidade com todas as possibilidades
de ajuda. Porque, Senhor? Nem mesmo uma carícia... Mas eu confio, porque Tu não
nos desiludes. Senhor não te compreendo. Esta é uma bela oração. Mas sem
compreender entrego-me em tuas mãos”.
Como indica Politi, Francisco
pensa numa igreja diversa, tomada pelo apelo do Reino de Deus. De uma igreja
comunidade que se constrói no dia a dia, na cotidianidade de uma entrega e
doação. O Reino é “produto de um caminho, um crescimento”. É também algo
profundamente gratuito, que rompe com qualquer rigidez ou fixismo. Não há como
pensar essa comunidade com a regra do rigorismo e da inductilidade. Na verdade,
o que deve conduzir a igreja é o Espírito, e crer no Espírito é andar sempre
com o olhar aberto, sempre adiante.
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