segunda-feira, 18 de maio de 2015

O evangelho da alegria

O evangelho da alegria

Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF


Ao avaliar os dois primeiros anos do pontificado de Francisco alguns traços se evidenciam para mim. Vejo, em primeiro lugar, que Francisco recuperou para a igreja católica a alegria do evangelho, depois de mais de três décadas de período sombreado, onde os aspectos doutrinais e disciplinares da vida eclesial marcaram uma centralidade muito mais decisiva. A ênfase agora recai sobre a alegria, como vemos estampado na Evangelii Gaudium (A alegria do evangelho – EG). O que há no evangelho é um permanente convite à alegria (EG 5). O que faz Francisco, e com muita felicidade, é abrir o evangelho e narrá-lo para a igreja, recuperando a fabulosa memória e lembrança que Jesus deixou para os seus. Tudo muito simples, singelo e delicado, como está estampado na narrativa neo-testamentária. Francisco nos evidencia, com seu toque particular, que o que Jesus trouxe para todos, e contagia com vigor, é saúde e vida, no sentido de apontar a regeneração da pessoa a partir de suas raízes fundamentais. Enfatiza também que a razão de ser da missão evangelizadora da igreja é manter aceso esse espírito da alegria, e de forma simples, profunda e irradiante: levar aos outros o hálito misericordioso de Deus. A pedagogia para isso, a do Bom Pastor, “que não procura julgar, mas amar” (EG 125).  Vejo, em segundo lugar, que Francisco nos aponta para um Deus que sempre vem, que é novidade permanente e que nos convida a romper com os muros da indiferença e a nos deixar habitar pelo mistério da alteridade. Indica com alegria a presença viva de um Deus misericordioso, que está presente por toda parte, sobretudo no clamor dos que mais sofrem. Em singular discurso proferido na explanada das mesquitas, em Jerusalém (26/05/2014), Francisco assinalou que “diante do mistério de Deus somos todos pobres, e sentimos o dever de estarmos sempre prontos para sair de nós mesmos, dóceis à chamada que nos dirige, abertos ao futuro que Ele que construir para nós”. E esse Deus, diz Francisco, não é um Deus que se restringe ao Deus do mundo católico, mas um Deus Mistério - de “sabedoria infinita e multiforme”-, que se revela de forma inusitada e novidadeira nos vários ritmos da experiência da criação e do humano. E Ainda insiste Francisco na ideia de que o caminho para acessar esse Deus-sempre-aí é o caminho do despojamento e da simplicidade. Em encontro com o episcopado brasileiro, em julho de 2013, assinalou que a lição recebida pela igreja é muito simples: “Não pode afastar-se da simplicidade, caso contrário, desaprende a linguagem do Mistério”. Vejo, em terceiro lugar, a riqueza de seu espírito dialogal, e a ênfase numa igreja desafiada pelo plural. Como diz com acerto, “a diversidade é bela” (EG 230) e a variedade é sempre um enriquecimento. Sua oposição ao proselitismo é recorrente e seu apelo à abertura e ao diálogo um traço sempre sublinhado. Como disse na entrevista a Eugenio Scalfari, em outubro de 2013, “o mundo é percorrido por estradas que nos aproximam e distanciam, mas o importante é que nos levem ao Bem”. A dimensão de profundo respeito ao outro, e ao universo de sua consciência acompanham Francisco em seu itinerário apostólico. Um dos traços mais ricos e audazes de seu pensamento relaciona-se com essa clara oposição a qualquer ingerência espiritual na vida pessoal do outro. Na visão de Eugenio Scalfari, que compartilho, essa insistência de Francisco na “obediência à própria consciência” talvez seja uma das “passagens mais corajosas” defendidas pelo papa. Ao lado desses três aspectos fundamentais do pontificado de Francisco, poderia também assinalar três desafios que permanecem acesos para os próximos anos. Continuar com coragem e altivez o precioso e  paciente trabalho em favor das mudanças e reformas na igreja, imprescindíveis para retomar a sua credibilidade no tempo atual.  Manter viva e calorosa a voz profética da igreja contra as injustiças e em favor da paz, seguindo sempre com atenção o caminho indicado pelo “Príncipe da Paz”, que transforma as espadas em relhas e as lanças em podadeiras (Is 2,4). E igualmente reforçar o cuidado para com o meio ambiente e a luta em favor de sua conservação. O papa Francisco nos alerta para um risco muito presente: a perda da “atitude do encanto, da contemplação, da escuta da criação”. Na linha aberta pelo livro do Gênesis, Francisco nos adverte que a razão que motivou Deus na dinâmica da criação, foi colocar o ser humano como o guardião do cultivo e conservação de tudo o que existe (Gn 2,15). Nada mais essencial que o respeito à natureza, e quando ela vem judiada, não perdoa. Gaia não é apenas uma “mãe” bondosa, mas sabe reagir quando atacada. Os efeitos devastadores de catástrofes naturais que circundam o nosso tempo, constituem desafios à responsabilidade humana. E Francisco lembra um adágio popular: “Deus perdoa sempre, nós às vezes, mas a natureza – a criação – nunca perdoa quando é maltratada”.  A questão ecológica coloca-se assim no centro da atenção do presente pontificado. Como lembrou Francisco, em discurso de outubro de 2014 no Encontro Mundial dos Movimentos Populares, não pode haver terra, não pode haver trabalho, não pode haver teto, sem a imprescindível luta em favor da paz e da defesa do planeta. Como tarefa essencial de todos os “povos da terra”, adverte Francisco, a luta em defesa “destes dois dons preciosos: a paz e a natureza”.

(Publicado no IHU-Online n. 465 – Ano XV – 18/05/2015)



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