Contaminados pelos Encontros: caminhos dialogais
Faustino Teixeira
IHU/Paz e Bem
Incrível como o tema do diálogo aparece em tantos lugares. Estudando os fungos, vejo pistas muito interessantes para ajudar nessa reflexão. Como exemplo, vemos que os cogumelos matsutake "são os corpos frutificados de um fungo subterrâneo que se associa a certas árvores da floresta"[1]. São cogumelos muito apreciados, e que são encontrados poucos centímetros abaixo da superfície. Só os catadores experientes conseguem perceber a sua presença, olhando com atenção as sutis elevações do solo. São cogumelos extremamente resistentes. Basta saber que depois da destruição de Hiroshima, o primeiro ser vivo que emergiu das ruínas foi um cogumelo matsutake.
A vida dos cogumelos é um exemplo concreto da “abundância de vida” que existe abaixo de nossos pés. No mundo subterrâneo invisível processam-se outras formas de fazer mundo, que quebram com a ideia de que as histórias bonitas são sempre regidas por “heróis humanos”. Ao contrário, existe muita vida em movimento. Anna Tsing abre uma pista importante: “Siga os fungos até essa cidade subterrânea e você encontrará os estranhos e múltiplo prazeres da vida interespécies”[2]. Temos aqui um aprendizado importante nesse entrelaçamento interespécies: a vida sempre está a requerer a interação entre os seres.
Abaixo de nossos pés temos uma verdadeira metrópole cosmopolita habitada por um emaranhado de relações micorrízicas. São as micorrizas que facultam a "infraestrutura de interconexão entre as espécies", como aponta a antropóloga Anna Tsing em seu livro: O cogumelo no fim do mundo. Os fungos que se frutificam em cogumelos obtêm “seus carboidratos a partir de relações mutualísticas com as raízes de suas árvores hospedeiras, param quem eles também fornecem nutrientes”[3]. São eles, junto com as bactérias, que propiciam o solo necessário para o crescimento das plantas.
Enquanto o ser humano não pode desenvolver novos membros, os fungos, ao contrário, são marcados por indeterminação. Eles continuam sempre crescendo, e mudam de forma dependendo de seus encontros e ambientes[4]. Trata-se de um tema que se mostra muito importante para pensar o diálogo.
O estudo dos fungos nos ajuda a perceber que "somos contaminados por nossos encontros"[5]. Não é possível a "pureza". O que ocorre sempre é a presença de uma precariedade que nos convoca ao outro. Somos todos vulneráveis e precisamos das relações. Sobretudo em tempos marcados pela perturbação humana, o tempo do antropoceno, somos tomados pela desorientação e angústia. Caminhos dialogais se fazem cada vez mais necessários.
Não há como escapar dessa precariedade, que é em verdade um "estado de reconhecimento de nossa vulnerabilidade aos outros". Não há como sobreviver sozinhos. Estamos ligados a uma rede fundamental. Como indica Tsing, “a sobrevivência sempre envolve alteridade”[6].
É rico o conceito de assembleia para nos ajudar a compreender a dinâmica de tecer mundos. Para além da ideia de uma "comunidade ecológica", que ainda carrega algo de fixo e limitado, a noção de assembléia evoca agrupamentos mais abertos[7], o que é bem interessante.
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