segunda-feira, 27 de abril de 2020

O cuidado com o cuidador

O cuidado com o cuidador

Faustino Teixeira

A questão do cuidado vem ganhando a cada dia maior importância na reflexão contemporânea: cuidar de si, dos outros, dos animais, do ambiente e do planeta. Aqui no Brasil quem vem se dedicando ao tema há muitos anos é Leonardo Boff, que inaugurou essa reflexão em livro que se tornou um clássico: Saber cuidar(1999). Voltou ao tema em outra obra, O cuidado necessário(2012). Nesse trabalho tratou de um tema que hoje torna-se fulcral neste tempo da pandemia do coronavírus: o cuidado com o cuidador. Dizia com razão que o operador de saúde lida com algo extremamente delicado, a saúde dos outros, e nesse sentido está sempre diante da vulnerabilidade humana. 

Em tempos normais isso já é difícil, mas em tempos de pandemia, diante de mortes que se sucedem a cada momento, o desafio torna-se muito mais difícil. Estar diante da dor do outro, das mortes em sequência, das precárias condições instrumentais, da falta de leitos ou de apetrechos para o trabalho que se exige, provoca uma profunda ansiedade, por mais que o profissional esteja preparado psicologicamente para enfrentar esses percalços. 

Nenhum profissional é onipontente, como assinalou Boff; como todos mortais, estão “sujeitos ao cansaço, ao estresse e à vivência dos pequenos fracassos e decepções”. Com o coronavírus, nada se revela pequeno, mas ganha uma dimensão tremenda, que desconcerta qualquer profissional, por mais gabaritado que seja. Daí a importância de se dedicar uma atenção muito particular ao cuidado com esses cuidadores. Diz Boff: eles precisam “se sentir acolhidos e revitalizados, exatamente como as mães fazem em relação aos seus filhos e suas filhas”. 

Firma-se a urgência de um aparato de apoio, o que Winnicot chamava de holding. Os profissionais da saúde precisam de mãos que os assegurem, que os confortem e animem. É um tratamento que singulariza a presença das mãos que afagam e sustentam. No alemão, a palavra tratamento, Behandlung, indica o exercício da mão, o acarinhamento, o cafuné espiritual. Todo tratamento, diz com acerto o filósofo Gadamer, começa com a mão. Os profissionais de saúde serão mais competentes e inteiros em seu sagrado trabalho se abrirem um espaço essencial para o cuidado de si, a busca de equilíbrio. Há que caçar essa “harmonia invisível”, a qual Heráclito percebeu uma força poderosa. Toda perturbação da saúde, que hoje está ocorrendo também com os profissionais da área, necessita de atenção e cuidado: saber o momento exato de buscar ajuda para o balanço de devido equilíbrio.

É não se deixar levar pela ideia de domínio absoluto da arte. Há que ter humildade e paciência diante do “caráter oculto da saúde”, dar-se conta de que “há limites para o ser-capaz-de-fazer”. E outra aporia importante: saber cavar o espaço de esquecimento. É necessário, para o equilíbrio interior, garantir momentos de esquecimento salutar, inclusive para favorecer um dos traços mais curativos da vida que é o de poder adormecer toda noite, sem ser tomado exclusivamente por perturbações ou preocupações. Saber perceber o momento certo para acolher  “o sono curativo do esquecer”.

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