sábado, 21 de setembro de 2013

Em torno do "Pensamento no Deserto" de L.F. Pondé


Em torno do “Pensamento no Deserto” de L.F. Pondé

Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF

Depois de escrever o meu texto sobre L.F. Pondé[1], voltei a retomar contato com outro livro dele, de 2009: “Do pensamento no deserto: ensaios de filosofia, teologia e literatura” (Edusp). Debrucei-me mais na rica e complexa introdução, que aborda a atitude teológica e no capítulo dois, que trata “O pensamento no deserto – do método negativo em filosofia da religião”.

Os textos confirmam os traços da reflexão que pontuei no meu artigo. Trazem, porém, alguns outros elementos de reforço e ampliação do posicionamento do autor. O livro é, na verdade, uma coletânea de artigos escritos entre os anos de 2000 e 2006.

Pondé fala que esta obra é “uma espécie de acerto de contas com uma obsessão filosófica dos últimos trinta anos”, ou seja, a sensação de pessimismo e de “inviabilidade estrutural da espécie humana”. Pondé não se reserva a tratar apenas da filosofia, mas também da teologia: da questão de Deus que o tem ocupado nos últimos anos.

O especialista em epistemologia dura, com seu corolário de ceticismo, abre-se para reconhecer algo estranho, que denomina “visitas” ou “assaltos de Deus”. A consciência dessa presença operou para ele como “uma espécie de ´super-ego` epistemológico”.

Sublinha que não pertence a nenhuma tradição confessional, embora comungue de um vocabulário que se insere na tradição judaico-cristã. Seu perfil é de filósofo, embora vague também pelos caminhos do Sinai. Por “competência cognitiva” define-se como um trágico ou nihilista, mas percebe a presença de brechas em sua vida onde experimenta “a fina materialidade da beleza”, trazida pelos sopros da ortodoxia cristã, do judaísmo hassídico ou da mística apofática.

É essa presença de Beleza, essa Visita do Mistério, que temperam com doçura sua percepção da “dinâmica infernal do mundo”, apontando caminhos inusitados de “transfiguração” dessa dinâmica de sub-solo.

O relato de seu itinerário intelectual-existencial aparece no denso texto sobre o “Pensamento no deserto”. Começa falando de sua passagem pela medicina, quando se dá conta da “efemeridade obscena de tudo que é vivo”, do traço inevitável da impermanência, apesar de toda prática nominalista da medicina em querer escamotear essa “dissipação inevitável”. Sublinha que abandonou a medicina “não pelo que ela é, mas pelo que falta nela, isto é, a capacidade de fazer daquela percepção latente uma consciência filosófica”.

Da medicina foi para a Psicanálise, quando então se deu conta com mais força da “desqualificação ontológica do homem”. O contato com o pensamento freudiano impediu qualquer acordo com a medicina, da qual Pondé custava a se libertar, e o levou para os caminhos da filosofia.

Com a filosofia, o contato com Nietzsche, esse “trágico alegre”. Não tinha ainda na ocasião um instrumental mais aprofundado para tratar a questão da religião ou de Deus. Tudo isso se revolvia, como lembra, naquele “beabá” da crítica à religião feita pelos mestres da suspeita. A questão da “necessidade de Deus” revelava-se para ele como algo estranho e distante. Os estudos de Henri Bergson abriram outras portas, levando-o a um “desvio inesperado”, que envolvia a temática da mística. O percurso bergsoniano significou, na verdade, um “esforço de pensar transcendentalmente”.

 Essa “intrusa”, a mística,  ganhará depois um lugar “nuclear” em sua reflexão, quando se depara com Pascal e Meister Eckhart. Como ele mesmo sublinha, esse contato vai “redimensionar” seu pensamento. Com a ajuda de Rosenzweig, pôde descobrir o que significou essa presença dos “assaltos de Deus” no período de seus estudos sobre Pascal na França: “O esforço reflexivo em se tratando do assalto que o pensamento de Deus causa no ser humano é sempre precedido pela experiência inesperada da presença irresistível de Deus”.

Não foi Pondé que buscou as questões da teologia, mas foram elas que o “visitaram”, e acabaram sendo um recurso essencial para driblar sua solidão de cético. Mas sobre essas “visitas” ele fala pouco, e novamente Rosenzwig explica a razão para isso: “É exatamente a mesma coisa quando o homem experimenta Deus: é incomunicável, e aquele que fala disso torna-se ridículo. A modéstia deve cobrir como um véu esta solidão-acompanhada”.

 Foi Pascal que lançou para Pondé “as bases de uma espiritualidade em chave psicolgic﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽e uma espiritualidade em chave psicola razr nsamento de Deus causa no ser humano  "s portas, levando-o a um "ógica apofática”. E também essa consciência de que o telos essencial do ser humano só ganha realização na medida em que ele se vê “habitado pela graça”. É o que também diz Barth, outro autor que habita o repertório intelectual de Pondé. Para Barth, em linha de continuidade com Paulo e Agostinho, “nada se sustenta na forma do mundo”.

Essa entrada de Pondé na mística não se acha em contradição com o seu ceticismo. Como ele mesmo lembra, o ceticismo – lido teologicamente -, significa “um instante essencial em qualquer procedimento teológico negativo: o místico conhece a epistemologia dura”. A mística respira bem essa atmosfera de negatividade, ela lida com facilidade com a temática do vazio: o deserto é o seu lar, como indica Pondé.

A narrativa mística expressa essa “experiência do vazio diante Daquele que não tem nome”. A “insuficiência” revela-se, assim, como uma “categoria essencialmente mística”. Sua gramática conhece bem o que significa “perder-se em Deus”.

Agora uma novidade que poucos percebem: essa imersão no vazio, essa exposição despojada no nada, acaba por provocar “uma alteração no metabolismo do místico levando-o a théosis, isto é, a capacidade de perceber (fisiologicamente) a presença contínua de Deus”. Ao final de seu belo e provocante texto, Ponde sublinha: “Essa experiência do vazio de si mesmo que retorna materializado na efemeridade de uma voz que se repete no infinito, não é apenas signo da miséria, mas também a possibilidade de descobrir que a travessia desse infinito da ausência de sentido pode ser, na realidade, um método”.



[1] Luiz Felipe Pondé: luzes do Sinai no Subsolo. IHU-Notícias, de 16 de setembro de 2013.

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