sábado, 20 de junho de 2015

Uma Espiritualidade ecológica

Uma espiritualidade Ecológica – Laudato Si (2015)

Faustino Teixeira


Ainda sob o impacto da nova encíclica de Francisco, Laudato Si, cujas repercussões estamos sentindo por todo lado. Vejo a iniciativa como a força de uma voz profética que se levanta contra a indiferença que vemos por toda parte. Como indica Francisco, há infelizmente uma “indiferença geral” face a tantas tragédias que vêm ocorrendo em tantas partes do mundo. “A falta de reação – sublinha – face a estes dramas de nossos irmãos e irmãs é um sinal da perda daquele sentido de responsabilidade para com nossos semelhantes”.

 Corajosamente propõe, não o crescimento, mas o decrescimento (ou como se diz na Itália, a “decrescita felice”). Urge reagir contra os efeitos nefastos provocados pelos humanos no antropoceno (LS 34) e buscar uma nova perspectiva, que envolve também uma nova espiritualidade: uma espiritualidade ecológica (LS 216) que favoreça uma nova “reverência pela vida” (LS 207); uma sobriedade pautada pela convicção de que “quanto menos, tanto mais mais” (LS 222); um retorno à simplicidade (LS 222) e humildade: valores que não gozaram de de positiva consideração no último século (LS 224).

A nova espiritualidade provoca uma revirada no modo de ser, favorecendo o caminho de uma “paz interior” (LS 225) e de uma nova atenção e cuidado para com o ambiente, de forma a “recuperar a serena harmonia com a criação”. O desafio é saber perceber que tudo está inteligado em nosso tempo (LS 16), e que nós – habitantes dessa “casa comum” – somos terra e o nosso corpo “é constituído pelos elementos do planeta” (LS 2).

Na verdade, o Mistério habita em todas as coisas (LS 233). Traço importante na nova encíclica de Francisco é o resgate da “interação bíblica entre o ser humano e a natureza”. Há um lirismo muito peculiar na reflexão de Francisco. Sua fala vem pontuada pela consciência da presença do Mistério no Universo: “há um mistério a contemplar numa folha, numa vereda, no orvalho, no rosto do pobre” (LS 233). Para Francisco “cada criatura é objeto da ternura do Pai que lhe atribui um lugar no mundo. Até a vida efêmera do ser mais insignificante é objeto do seu amor e, naqueles poucos segundos de existência, Ele envolve-o com o seu carinho. Dizia São Basílio Magno que o Criador é também a ´bondade sem calculo`, e Dante Alighieri falava do ´amor que move o sol e as outras estrelas`. Por isso, das obras criadas pode-se subir ´à sua amorosa misericórdia`” (LS 77).

O universo material, em toda a sua grandeza, traduz “uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus” (LS 84). O humano se integra nesse cosmos como um irmão, segundo o caminho apontado pelo poverello de Assis. Tudo está conectado, tudo está em relação (LS 16 e 92), e tudo converge para um Mistério sempre maior, na linha de Teilhard de Chardin, também lembrado por Francisco (LS 83, n. 53). Não se trata, porém, de um Mistério que se reduz à transcendência, mas uma dinâmica amorosa que pode ser encontrada em todas as coisas (LS 233), como nas montanhas ou vales cantados por João da Cruz, essas grandezas em que o Amado se diafaniza (LS 234)

Uma nova tomada de consciência vem reforçada por Francisco: a de que “precisamos uns dos outros”, que “temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo” e que “vale a pena ser bons e honestos” (LS 229). Só assim poderemos transmitir um horizonte distinto para aqueles que virão, para as crianças que estão crescendo. Há que se preocupar com as futuras gerações, adverte Francisco, pois o que está em jogo “é a dignidade de nós mesmos” (LS 160).



(Publicado no Facebook em 18/06/2015)


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