J. B. Libânio. A trajetória de um teólogo brasileiro. Testemunhos
" No ano do cinquentenário do início do Concílio Vaticano II e dos 40 anos do lançamento do livro Teologia da Libertação de Gustavo Gutierrez que abriu um novo e inédito panorama teológico na América Latina e no mundo, celebramos os 80 anos de vida de um teólogo brasileiro, João Batista Libânio. A sua trajetória teológica se confunde com a recepção do Concílio Vaticano II e com a Teologia da Libertação.Os testemunhos publicados nesta edição da IHU On-Line descrevem esta trajetória.Leonardo Boff, filósofo, teólogo e escritor, José Oscar Beozzo, coordenador-geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular – Cesep, Faustino Teixeira, professor do programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, Carlos Roberto Drawin, professor do Departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte, Pedro Rubens, reitor da Universidade Católica de Pernambuco – Unicap, Luiz Carlos Susin, frei capuchinho e professor na PUCRS e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – Estef, em Porto Alegre, Maria Teresa Bustamante Teixeira, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFJF e Geraldo De Mori, professor na FAJE e vice-diretor da Sociedade Brasileira de Teologia e Ciências da Religião – SOTER, são os/as que contribuem nesta edição.
J. B. Libânio narra, igualmente, a sua trajetória, na entrevista que, como tantas outras vezes, prontamente, concedeu à IHU On-Line."
A revista IHU On-Line estará disponível, nesta página, nas versões html, pdf e 'versão para folhear', nesta segunda-feira, a partir das 17h.
A versão impressa circulará, terça-feira, no campus da Unisinos. a partir das 8h.
" No ano do cinquentenário do início do Concílio Vaticano II e dos 40 anos do lançamento do livro Teologia da Libertação de Gustavo Gutierrez que abriu um novo e inédito panorama teológico na América Latina e no mundo, celebramos os 80 anos de vida de um teólogo brasileiro, João Batista Libânio. A sua trajetória teológica se confunde com a recepção do Concílio Vaticano II e com a Teologia da Libertação.Os testemunhos publicados nesta edição da IHU On-Line descrevem esta trajetória.Leonardo Boff, filósofo, teólogo e escritor, José Oscar Beozzo, coordenador-geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular – Cesep, Faustino Teixeira, professor do programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, Carlos Roberto Drawin, professor do Departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte, Pedro Rubens, reitor da Universidade Católica de Pernambuco – Unicap, Luiz Carlos Susin, frei capuchinho e professor na PUCRS e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – Estef, em Porto Alegre, Maria Teresa Bustamante Teixeira, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFJF e Geraldo De Mori, professor na FAJE e vice-diretor da Sociedade Brasileira de Teologia e Ciências da Religião – SOTER, são os/as que contribuem nesta edição.
J. B. Libânio narra, igualmente, a sua trajetória, na entrevista que, como tantas outras vezes, prontamente, concedeu à IHU On-Line."
A revista IHU On-Line estará disponível, nesta página, nas versões html, pdf e 'versão para folhear', nesta segunda-feira, a partir das 17h.
A versão impressa circulará, terça-feira, no campus da Unisinos. a partir das 8h.
Novo LIvro de Faustino Teixeira (2012): Teologia e Pluralismo Religiosohttp://nhanduti.com/NH%202012/Teixeira.PT/Teixeira.Teologia%20e%20Pluralismo%20Religioso.htmlO valioso tempo dos maduros
Mário de Andrade
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas: as primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral…
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade...
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
Marco Lucchesi na ABL: uma justa homenagem
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1450751-7823-MARCO+LUCCHESI+E+O+NOVO+IMORTAL+DA+ACADEMIA+
|
Entre o concreto e o inefável
Poemas de Mariana Ianelli, autora de \'Treva alvorada\', nascem do conflito Treva alvorada
Filipe Couto*
“Vazio de quanto amávamos,/ mais vasto é o céu.
Povoações/ surgem do vácuo./ Habito alguma?”.
Com estes versos de Carlos Drummond de Andrade, Mariana Ianelli abre o seu Treva alvorada. Feliz referência que dá ao leitor atento uma das chaves necessárias para adentrar o universo – filosófico e lírico – dessa que é uma das mais belas vozes da poesia contemporânea.
Para aproveitar plenamente a leitura dos textos de Mariana, não basta conhecer os referentes míticos (explícitos e implícitos) que permeiam os 45 poemas do seu livro. Não basta, também, deter-se nas metáforas, tão sutis quanto impactantes, que surgem naturalmente no seu texto. É preciso perceber o cuidado com que ela tece cada verso, cuidando discretamente da cadência rítmica, mesmo adotando o verso livre. É preciso perceber o aproveitamento dos elementos mais prosaicos, que criam uma ponte entre o concreto e o inefável. É preciso, sobretudo, perceber que a poesia de Mariana Ianelli nasce do conflito, do contraste.
É no tal vácuo, anunciado por Drummond na epígrafe do livro, que se encontra a motivação lírica da autora (“Deixa-me te ouvir/ No pulso do silêncio/ E que eu não perca/ Em desavença/ O indício do teu passo”). É no desejo de refletir sobre o espaço entre o ser e o não-mais-ser que nasce a sua poesia. Uma poesia que, curiosamente, observa de perto a morte para, finalmente, encontrar a vida.
É por isso que, ao lermos cada página da coletânea Treva alvorada, vivenciamos o paradoxo de tudo e nada saber: a irresistível vontade de buscar as entrelinhas, de buscar um sentido, um norte que, verdadeiramente, não há (“Eu, a quem faltava uma seta/ E sobravam direções”).
Nesse processo de “escavação do ar”, estruturalmente reforçado por uma sintaxe fragmentada, realiza-se a fusão entre a perenidade e perecimento, o que possibilita múltiplas leituras e expande as possibilidades simbólicas da produção, incentivando releituras (“Procura as mãos/ Que te cavaram para fora,/ Inaugurando o teu passado,/ Imiscuindo-te entre a fome e o frio”).
Só quando chegamos à última das nove sequências (ou “povoações”) que compõem o livro, entendemos que o percurso produzido pelo eu-lírico não é linear, mas cíclico. Não se parte de um início para se chegar a um fim. Não se propõe uma reflexão que solucione as indagações filosóficas sugeridas ao longo de toda a obra. Pelo contrário, parece haver uma negação do aprendizado recolhido, o que incita o leitor a voltar à primeira página e repetir o caminho em busca de detalhes (“Como se de novo pairasse/ No mundo/ A solidão do primeiro homem”).
É a morte que traz a vida; é a vida que traz a morte. Curiosa construção que revela, ainda mais, a capacidade da autora de sondar o íntimo do ser humano.
Isso é particularmente interessante porque a poesia contemporânea realmente carece de um teor mais humanístico.
Preocupada em ser diferente, em escrever o que ainda não havia sido escrito, ela questionou a si mesma, abraçou conteúdos críticos e sociais, experimentou novas linguagens e, pelo que se vê, deixou de lado temas clássicos, fundamentais para que o homem entenda a si mesmo e, a partir disso, ao mundo que o cerca. O amor e a morte, Eros e Tânatos, tornaram-se referentes secundários, elementos adjuntos de uma poética distante de seus princípios básicos.
Treva alvoradafaz parte de um conjunto de livros que, publicados por diferentes autores nos últimos anos, tentam resgatar, de forma consciente ou inconsciente, esses fundamentos líricos.
Num mundo cada vez mais acelerado, maquínico e mercadológico, Mariana Ianelli nos oferece a contramão, a “Absurda leveza que te faz afundar/ e não é a morte”, para que nos tornemos todos “Náufragos do tempo” (versos do poema que dá título à coletânea). É a reflexão que ela quer e que seu livro nos exige.
(Publicado no Caderno Idéias do JB, p. 5 – 17/07/2010)
BRASIL
Libertação e diálogo dá tema à tese vencedora do Prêmio Soter-Paulinas
Antonio Carlos Ribeiro
Belo Horizonte, sexta-feira, 16 de julho de 2010 (ALC) - O Concurso de Teses Doutorais foi vencido por Paulo Agostinho Nogueira Batista, aluno da mesma Universidade e do mesmo orientador que ganhou sua primeira edição em 2009.
O anúncio das 13 teses finalistas do Prêmio Soter-Paulinas de teses doutorais (veja abaixo) movimentou a noite de quarta-feira, véspera do encerramento do 23º Congresso Internacional da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter), que reuniu teólogos e cientistas da religião para discutir o tema Religiões e Paz Mundial, de desde o dia 12 de julho, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
As 13 teses concorrentes enviadas pelas Faculdades de Teologia e Programas de Pós-Graduação em Teologia e Ciências da Religião brasileiros foram apresentadas pelos professores doutores Afonso Maria Ligório Soares, presidente da Soter, Vera Bombonatto, das Edições Paulinas, Ronaldo Cavalcante, da Universidade Mackenzie, e Flávio Senra, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
A mesa informou que os avaliadores escolheram, a partir de critérios que atestam sua qualidade de pesquisa. Após o anúncio das teses concorrentes, foi informada como vencedora a tese Libertação e diálogo: a articulação entre a Teologia da Libertação e a Teologia do Pluralismo Religioso em Leonardo Boff, de Paulo Agostinho Nogueira Batista, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), orientada pelo professor Faustino Luís Couto Teixeira.
Após o anúncio e a entrega de prêmios aos concorrentes, passou-se ao lançamento do livro A Mística do Coração; a Senda Cordial de Ibn Arabi e João da Cruz, de Carlos Frederico Barboza de Souza, resultante da tese Religio cordis: um estudo comparado sobre a concepção de coração em Ibn’ Arabi e João da Cruz, apresentada na mesma universidade e orientada pelo mesmo catedrático. Autor e orientador falaram sobre o doutorado e a obra trazida a lume, e foram cumprimentados à saída. Feliz, Teixeira sorriu e disse: “São os meninos!”
As 13 teses finalistas do Prêmio Soter Paulinas de teses doutorais
em ordem alfabética por autor
1) Recomposições identitárias na integração religiosa e cultural da igreja messiânica no Brasil
Andrea Tomita – Universidade Metodista de São Paulo (UMESP)
2) Cristianismo e pluralismo religioso: o face a face das religiões na obra de Claude Geffré
Carlos Antonio da Silva – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
3) Religião e sertão: a vida, a palavra e o sagrado como veredas de leitura teológico-literária para a obra de J. Guimarães Rosa
Clademilson Fernandes Paulino da Silva – Universidade Metodista de São Paulo (UMESP)
4) A relevância teológica da história e a relevância histórica da teologia na teologia da libertação latino-americana
Claudinei Jair Lopes – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
5) Edith Stein e as questões de gênero. Perspectiva fenomenológica e teológica
Clélia Peretti – Escola Superior de Teologia (EST-RS)
6) Literatura de auto-ajuda cristã: em busca da felicidade ainda na terra e não só para o céu
Daniela Borja Bessa – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
7) São Longuinho em Freguesia: a dinâmica de uma devoção
Elam de Almeida Pimentel – Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
8) Anseio por andar diferente; leitura popular da Bíblia na ótica da hermenêutica feminista crítica de libertação
Isabel Aparecida Félix – Universidade Metodista de São Paulo (UMESP)
9) Ser nascido na Vida: A fenomenologia da Vida de Michel Henry e sua contribuição para a clínica
Karin Hellen Kepler Wondracek - Escola Superior de Teologia (EST-RS)
10) Natureza irreal ou fantástica realidade? Uma reflexão sobre a melancolia religiosa e suas expressões simbólicas na obra de Hieronymus Bosch
Lilian Wurzba Ioshimoto – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
11) O espaço da coexistência. Estudo interdisciplinar sobre ética socioambiental à luz da teologia da criação-salvação, articulada criticamente com o paradigma ecológico e com o conceito geográfico de espaço
Lúcio Flávio Ribeiro Cirne – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
12) Libertação e diálogo: a articulação entre a Teologia da Libertação e a Teologia do Pluralismo Religioso em Leonardo Boff
Paulo Agostinho Nogueira Batista – Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
13) O jornal Brasil, Urgente: Experiência de esquerda no catolicismo brasileiro (1963-1964)
Wellington Teodoro da Silva – Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
------------------------
Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC)
Edição em português: Rua Ernesto Silva, 83/301, 93042-740 - São Leopoldo - RS - Brasil
Tel. (+55) 51 3592 0416
UMA PARÁBOLA
Frei Carlos Mesters
|
Quando Deus andou no mundo, a São Pedro disse assim:
Certa vez, Jesus reuniu os discípulos e as discípulas e disse: "Quando vocês forem anunciar o Reino, não devem levar dinheiro nem comida, mas devem confiar no povo. Chegando num lugar, se vocês forem acolhidos e o povo partilhar comida e casa com vocês, e se vocês participarem da vida deles trabalhando e tratando dos doentes e do pessoal marginalizado, sem voz nem vez, então podem dizer ao povo com toda a certeza: ‘Gente! Olhe aqui! O Reino chegou! Está chegando!’” E eles foram. Jesus também foi. Andou, andou. Já era quase noite. Estava começando a escurecer, quando chegou num Terreiro. O pessoal que entrava, saudava e dizia: "Boa Noite, Jesus! Entre e sinta-se em casa. Participe com a gente!". Jesus entrou. Viu o pessoal reunido. A maioria era pobre. Alguns, não muitos, da classe média. Todo o mundo dançando, alegre. Havia muita criança no meio. Viu como todos eles se abraçavam entre si. Viu como os brancos eram acolhidos pelos negros como irmãos. Jesus, ele também, foi sendo acolhido e abraçado. Estranhou, pois conheciam o nome dele. Eles o chamavam de Jesus, como se fosse amigo e irmão de longa data. Gostou de ser acolhido assim. Viu também como a mãe-de-santo recebia o abraço de todos e como ela retribuía acolhendo a todos. Viu como invocavam os orixás e como alguns vinham distribuindo passes para ajudar os aflitos, os doentes e os necessitados. Jesus também entrou na fila e foi até a mãe-de-santo. Quando chegou a vez dele, abraçou-a, e ela disse: "A paz esteja com você, Jesus!" Jesus respondeu: "Com a senhora também!". E acrescentou: "Posso fazer uma pergunta?". E ela disse: "Pois não, Jesus!". E ele disse: "Como é que a senhora me conhece? Como é que eles sabem o meu nome?" E ela disse: "Mas Jesus, aqui todo o mundo conhece você. Você é muito amigo da gente. Sinta-se em casa, aqui, no meio de nós!" Jesus olhou para ela e disse: "Muito obrigado!". E continuou: "Mãe, estou gostando, pois o Reino de Deus já está aqui no meio de vocês!". Ela olhou para ele e disse: "Muito obrigada, Jesus! Mas isto a gente já sabia. Ou melhor, já adivinhava! Obrigado por confirmar a gente. Você deve ter um orixá muito bom. Vamos dançar, para que ele venha nos ajudar!". E Jesus entrou na dança. Dentro dele o coração pulava de alegria. Sentia uma felicidade imensa e dizia baixinho: "Pai, eu te agradeço, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste ao povo humilde aqui do terreiro. Sim, Pai, assim foi do teu agrado!". Dançou um tempão. No fim comeu pipoca, cocada e batata assada com óleo de dendê, que o pessoal partilhava com ele. E dentro dele, o coração repetia, sem cessar: "Sim, o Reino de Deus chegou! Pai, eu te agradeço! Assim foi do teu agrado!"
[Publicado em Texto-Base do 9º Encontro Intereclesial de Cebs – Cebs: vida e esperança nas massas, 1997, p.128].
|
Frei Cláudio, o pároco
|
Frei Betto *
Adital -
Pessoas não são descartáveis. Muito menos quando se trata de um frade da venerável Ordem dos Carmelitas que abandona o conforto de sua terra, a Holanda, para servir a comunidade cristã numa paróquia de Belo Horizonte.
Falo de frei Cláudio Van Balen, ordenado sacerdote há 50 anos e brasileiro de coração há 44. Ruivo, espigado, gestos decididos e orador de frases curtas e contundentes, o bom humor faz de frei Cláudio um dos melhores contadores de piadas que conheço. Talvez esse seja o segredo de sua perene jovialidade. Desde que o conheci, na década de 1970, tem a mesma alegria de viver.
Escritor profícuo, autor de inúmeras obras de espiritualidade e liturgia, pároco da igreja Nossa Senhora do Carmo, frei Cláudio jamais foi um mero burocrata da fé, como certos padres que se restringem a cumprir horários de missas dominicais e a agenda paroquial de batizados e casamentos. Quase nunca têm tempo para visitar seu rebanho, em especial a parcela mais pobre.
Há párocos do "venhais vós ao nosso reino". Jamais se preocupam de, espontaneamente, ir ao encontro de seus paroquianos. Frei Cláudio é um pastor dedicado às suas ovelhas. Visita com frequência as famílias da paróquia nos bairros Carmo e Sion. Em especial, aquelas que se encontram em dificuldades.
Quando estive preso, sob a ditadura militar, ao longo de quatro anos, frei Cláudio me animava com suas generosas cartas, publicadas em Cartas da Prisão (Agir), e visitava meus pais, seus paroquianos, quase toda semana.
Corre a notícia de que, por discordar da ação pastoral de frei Cláudio, a arquidiocese de Belo Horizonte teria dado a ele o prazo de abandonar a paróquia do Carmo até 31 de maio. Será que há diálogo entre o colégio episcopal e o conselho paroquial do Carmo?
Frei Cláudio teve oportunidade de se defender das suspeitas que pesam sobre ele (é acusado de ser demasiadamente heterodoxo em suas pregações e nos boletins dominicais) e apresentar as razões de sua inovadora ação pastoral?
A paróquia do Carmo é um dinâmico centro de evangelização e serviços prestados à população carente. Ali trabalham 82 funcionários e 316 voluntários! Entre os vários serviços destacam-se: Pastoral da Saúde, que beneficia crianças de 0 a 6 anos (e já fez quase 30 mil atendimentos); Centro de Atendimento Terapêutico (psicoterapia, orientação profissional e fonoaudiologia); Pastoral da Promoção Humana (alfabetização de adultos); Projeto Conviver (crianças e adolescentes em situação de risco); Bazar da Vovó (idosas); Clube de Mães; biblioteca; Centro de Atendimento Jurídico (às famílias pobres de vilas e favelas); Escola Profissional (informática, digitação, eletricidade, mecânica de automotores, massagem para a terceira idade etc.); ambulatório; Bazar da Família (venda de produtos a preços simbólicos); Equipe de Costura; Creche do Morro do Papagaio (65 crianças); Creche Terra Nova (100 crianças); e Instituto Zilah Spósito (334 crianças e adolescentes em situação de risco).
De janeiro a novembro de 2009, a paróquia do Carmo arrecadou - através de dízimos, alugueis, doações e eventos - R$ 1.468.026,00 e gastou, com projetos sociais e despesas administrativas R$ 1.507.745,00 Tudo ali é transparente, como os serviços e a contabilidade.
No sínodo dos bispos em 1971, em Roma, um arcebispo africano apresentou a seus pares, por documentário, a liturgia em sua diocese. O filme mostrava um tronco de árvore, cortado quase rente à raiz, como altar. Em volta, negros de tanga tocando tambores e negras, com os seios à mostra, dançando na missa. Um cardeal romano protestou indignado: "Isto é uma blasfêmia. Não é a liturgia da Igreja." O africano reagiu calmamente: "Pode não ser a de Roma, mas da Igreja é. Porque se nós africanos tivéssemos evangelizado a Europa, a esta hora todos os senhores estariam dançando desnudos em volta do altar".
Esta a questão: a atividade pastoral de frei Cláudio Van Balen contradiz a Igreja Católica? Nem o próprio Jesus quis uniformidade em sua Igreja. Não são quatro os evangelhos? Vejam as brigas entre Pedro e Paulo na Carta aos Gálatas. A pluralidade de métodos de evangelização é uma riqueza. A tolerância, uma virtude. O diálogo, a via mais fácil para as pessoas se entenderem.
(Texto publicado na Adital - 13/05/2010:
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=47737)
No Sinai
Luiz Felipe Ponde
PUC/SP
Sou alguém formado na matéria médica: corpo, doença e morte. Produto de uma família de médicos, o materialismo científico fez parte do meu cotidiano enquanto descobria o mundo entre o café da manhã, os brinquedos, a TV e a faculdade de medicina. Sou alguém que logo despertou para as misérias psicológicas da psicanálise: o homem evidentemente não é dono de si mesmo, é um barco que vaga a mercê de um oceano violento de instintos e pulsões que o consome para além de sua consciência. Além disso, o meio ambiente o devora com sua elegância mecânica e indiferente. Na faculdade de filosofia, lugar onde busquei refazer minha vida profissional, eu fui especialmente marcado pelos gregos: ceticismo e tragédia. A ruína do conhecimento e a ruína da liberdade diante de um destino esmagador – as moiras – estão no fundo de tudo que eu penso. Não se pode fugir daquilo que se é: cada vez mais percebo que sou um trágico. Vejo a dura condição humana relatada desde os hospitais, passando pelos cemitérios, pelas lágrimas, chegando a sofisticação de um Sófocles, um Lucrecio, um Schopenhauer, um Nietzsche, ou um Cioran. Como diria Freud, a felicidade não parece fazer parte dos planos da Criação. Nunca temi o niilismo porque o conheço bem, pois ele é meu íntimo. Este é quem vos escreve caro leitor, não se engane. Digo isso porque quando você chegar ao terceiro parágrafo deste texto você poderá se esquecer de quem vos fala: um cético e um trágico. E que, continua sendo quem é: um habitante de um mundo sem sentido. Nunca conheci a angústia metafísica pela falta de fé. A rigor, a fé continua sendo uma experiência estranha a minha personalidade. A devastação do mundo pra mim sempre foi um dado da ordem das coisas. Há cerca de quinze anos me bato contra uma experiência que se repete e com a qual não sei o que fazer. Desloquei todo o meu arsenal filosófico para ela e vivo com ela desde então, buscando contorná-la com meus conceitos (e de meus ancestrais), tentando harmonizá-la com o resto da minha personalidade e de minha história.
O poeta judeu-russo Joseph Brodsky, em seu monumental “Aula Inaugural”[1], afirma que sobre o Bem devemos falar sempre entre poucas pessoas. Antes de tudo porque quando falamos para muitas pessoas, a chance de que muitas delas sejam más é enorme, justamente porque são muitas. Mesmo que jurem sinceridade, ainda assim devemos desconfiar porque os sentimentos falsos são comuns nas pessoas e quando multiplicamos o número de pessoas, multiplica-se ao infinito a possibilidade de falsos sentimentos. Mas não vou falar aqui do Bem nem do Mal. Talvez haja, afinal, alguma relação entre o pequeno objeto deste prefácio e o Bem e o Mal, do contrário não teria assim pensado. Mas deixemos isso pra lá. Corramos o risco. O que nesta analogia conscientemente me importa é o número de pessoas: espero que apenas umas três ou quatro pessoas leiam este prefácio. Espero que as demais passem, como muitas vezes fazem, diretamente para os textos que importa, ainda mais se levarmos em conta que temos adiante a poesia, essa língua pura do espírito último do mundo. E por que esse meu desejo de ser lido por poucos? Porque pretendo falar de algo que não se deve falar para multidões. A delicadeza, a sofisticação da alma, o amor ao detalhe, a vontade de entender não são atributos das multidões e aqui reside grande parte de toda a miséria moderna, ser um mundo em grandes números.
Nunca deixei de ser filosoficamente ateu. A passagem entre a condição de ateu e a de não-ateu (não sou propriamente religioso) se deu assim como quem sai de casa num dia de sol e é apanhado por uma tempestade. Mas apesar de ser uma tempestade tão concreta quanto a chuva, só aprendi a nomear sua substancia quando fui a tradição: sua substancia é aquilo a que muitos místicos chamaram de misericórdia. As vezes, preciso fugir para um abrigo para respirar. Quando olho a minha volta, vejo esta estranha misericórdia sem causa escorrer pelo céu, e por alguma razão que desconheço, o cético e trágico que sou é obrigado a contemplar isso contra todas as faculdades intelectuais e volitivas que me constituem. Sou apenas alguém que, sem até hoje saber a razão, passei a ser constantemente visitado – no sentido mais comum que a expressão tem, por exemplo, na tradição do cristianismo o ortodoxo[2] – pela sensação de que o mundo é sustentado pelas mãos de uma beleza que é também uma presença que fala. Passei a estudar textos místicos para entender o que acontecia comigo. No fundo, para não me sentir só. Neste sentido é que, dentro da sorte que sempre tem marcado minha história de vida, encontrei pessoas como o Faustino Teixeira e o Marco Lucchesi. Assim como eu, formados na erudição e na academia, assim como eu, descontente com seus “grandes números” e sua quase-banalidade. Saúdo assim a poesia mística, assim como quem ouve a beleza do Misericordioso escorrendo por suas palavras e letras, e que inunda o mundo. Vejo, com estes meus olhos feitos de pó, esta beleza contemplar meu vazio. Neste momento, sinto-me no Sinai, o gosto do deserto na boca e nos elementos naturais a minha volta, que anunciam o fim de tudo que existe, a força da graça transformada em matéria.
[1] Brodsky, Joseph, “Aula Inaugural” in “Menos que um”, Cia das Letras, SP, 1986.
[2] Evdokimov, Paul, “L´Orthodoxie”, DDB, Paris, 1979.
(Publicado na Antologia de Poesia e Mística da Revista Poesia Sempre, n. 31, – Biblioteca Nacional – Janeiro 2010 – sob curadoria de Faustino Teixeira)
A espiritualidade na construção da paz
Todos os fatores e práticas nos distintos setores da vida pessoal e social devem contribuir para a construção da paz tão ansiada nos dias atuais. Os esforços seriam incompletos se não incluíssemos a perspectiva da espiritualidade.
A espiritualidade é aquela dimensão em nós que responde pelas derradeiras questões que sempre acompanham nossas indagações: De onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido do universo? Que podemos esperar para além desta vida?
As religiões costumam responder a tais indagações. Mas elas não detém o monopólio da espiritualidade. Esta é um dado antropológico de base como é a vontade, o poder e a libido. Ela emerge quando nos sentimos parte de um Todo maior. É mais que a razão, é um sentimento oceânico de que uma Energia amorosa origina e sustenta o universo e cada um de nós.
No processo evolutivo de onde viemos, irrompeu, um dia, a consciência humana. Há um momento nesta consciência em que ela se dá conta de que as coisas não estão jogadas aleatoriamente ou justapostas, ao léu, umas às outras. Ela intui que um "Fio Condutor" as perpassa, liga e re-liga.
As estrelas que nos fascinam nas noites quentes do verão tropical, a floresta amazônica na sua majestade e imensidão, os grandes rios como o Amazonas chamado como razão de rio-mar, a profussão de vida nas campinas, o vozerio sinfônico dos pássaros na mata, a multiplicidade das culturas e dos rostos humanos, a misteriosidade dos olhos de um recém-nascido, o milagre do amor entre duas pessoas apaixonadas, tudo isso nos revela quão diverso e uno é o nosso mundo universo.
A este "Fio Condutor" os seres humanos chamaram por mil nomes, de Tao, de Shiva, de Alá, de Javé, de Olorum e de outros mais. Tudo se resume na palavra Deus. Quando se pronuncia com reverência este nome algo se move dentro do cérebro e do coração. Neurólogos e neurolinguistas identificaram o “ponto Deus” no cérebro. É aquele ponto que faz subir a frequência hertz dos neurônios como se tivesse recebido um impulso. Isto significa que no processo evolutivo surgiu um órgão interior pelo qual o ser humano capta a presença de Deus dentro do universo. Evidentemente, Deus não está apenas neste ponto do cérebro, mas em toda a vida e no inteiro universo. Entretanto, é a partir daquele ponto que nos habilitamos a captá-lo. Mais ainda. Somos capazes de dialogar com Ele, de elevar-lhe nossos súplicas, de render-lhe homenagem e de agradecer-lhe pelo dom da existência. Outras vezes, nada dizemos, apenas O sentimos silenciosos e contemplativos. É então que nosso coração se dilata às dimensões do universo e nos sentimos grandes como Deus ou percebemos que Deus se faz pequeno como nós. Trata-se de uma experiência de não-dualidade, de imersão no mistério sem nome, da fusão da amada com o Amado.
Espiritualidade não é apenas saber mas principalmente poder sentir tais dimensões do humano radical. O efeito é uma profunda e suave paz, paz que vem do Profundo.
Desta paz espiritual a humanidade precisa com urgência. Ela é a fonte secreta que alimenta a paz cotidiana em todas as suas formas. Ela irrompe de dentro, irradia em todas as direções, qualifica as relações e toca o coração íntimo das pessoas de boa-vontade. Essa paz é feita de reverência, de respeito, de tolerância, de compreensão benevolente das limitações dos outros e da acolhida do Mistério do mundo. Ela alimenta o amor, o cuidado, a vontade de acolher e de ser acolhido, de compreender e de ser compreendido, de perdoar e de ser perdoado.
Num mundo conturbado como o nosso, nada há de mais sensato e nobre do que ancorar nossa busca da paz nesta dimensão espiritual.
Então a paz poderá florescer na Mãe Terra, na imensa comunidade de vida, nas relações entre as culturas e os povos e aquietará o coração humano, cansado de tanto buscar.
(junho 2010)
A espiritualidade na construção da paz
Leonardo Boff
Teólogo
Todos os fatores e práticas nos distintos setores da vida pessoal e social devem contribuir para a construção da paz tão ansiada nos dias atuais. Os esforços seriam incompletos se não incluíssemos a perspectiva da espiritualidade.
A espiritualidade é aquela dimensão em nós que responde pelas derradeiras questões que sempre acompanham nossas indagações: De onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido do universo? Que podemos esperar para além desta vida?
As religiões costumam responder a tais indagações. Mas elas não detém o monopólio da espiritualidade. Esta é um dado antropológico de base como é a vontade, o poder e a libido. Ela emerge quando nos sentimos parte de um Todo maior. É mais que a razão, é um sentimento oceânico de que uma Energia amorosa origina e sustenta o universo e cada um de nós.
No processo evolutivo de onde viemos, irrompeu, um dia, a consciência humana. Há um momento nesta consciência em que ela se dá conta de que as coisas não estão jogadas aleatoriamente ou justapostas, ao léu, umas às outras. Ela intui que um "Fio Condutor" as perpassa, liga e re-liga.
As estrelas que nos fascinam nas noites quentes do verão tropical, a floresta amazônica na sua majestade e imensidão, os grandes rios como o Amazonas chamado como razão de rio-mar, a profussão de vida nas campinas, o vozerio sinfônico dos pássaros na mata, a multiplicidade das culturas e dos rostos humanos, a misteriosidade dos olhos de um recém-nascido, o milagre do amor entre duas pessoas apaixonadas, tudo isso nos revela quão diverso e uno é o nosso mundo universo.
A este "Fio Condutor" os seres humanos chamaram por mil nomes, de Tao, de Shiva, de Alá, de Javé, de Olorum e de outros mais. Tudo se resume na palavra Deus. Quando se pronuncia com reverência este nome algo se move dentro do cérebro e do coração. Neurólogos e neurolinguistas identificaram o “ponto Deus” no cérebro. É aquele ponto que faz subir a frequência hertz dos neurônios como se tivesse recebido um impulso. Isto significa que no processo evolutivo surgiu um órgão interior pelo qual o ser humano capta a presença de Deus dentro do universo. Evidentemente, Deus não está apenas neste ponto do cérebro, mas em toda a vida e no inteiro universo. Entretanto, é a partir daquele ponto que nos habilitamos a captá-lo. Mais ainda. Somos capazes de dialogar com Ele, de elevar-lhe nossos súplicas, de render-lhe homenagem e de agradecer-lhe pelo dom da existência. Outras vezes, nada dizemos, apenas O sentimos silenciosos e contemplativos. É então que nosso coração se dilata às dimensões do universo e nos sentimos grandes como Deus ou percebemos que Deus se faz pequeno como nós. Trata-se de uma experiência de não-dualidade, de imersão no mistério sem nome, da fusão da amada com o Amado.
Espiritualidade não é apenas saber mas principalmente poder sentir tais dimensões do humano radical. O efeito é uma profunda e suave paz, paz que vem do Profundo.
Desta paz espiritual a humanidade precisa com urgência. Ela é a fonte secreta que alimenta a paz cotidiana em todas as suas formas. Ela irrompe de dentro, irradia em todas as direções, qualifica as relações e toca o coração íntimo das pessoas de boa-vontade. Essa paz é feita de reverência, de respeito, de tolerância, de compreensão benevolente das limitações dos outros e da acolhida do Mistério do mundo. Ela alimenta o amor, o cuidado, a vontade de acolher e de ser acolhido, de compreender e de ser compreendido, de perdoar e de ser perdoado.
Num mundo conturbado como o nosso, nada há de mais sensato e nobre do que ancorar nossa busca da paz nesta dimensão espiritual.
Então a paz poderá florescer na Mãe Terra, na imensa comunidade de vida, nas relações entre as culturas e os povos e aquietará o coração humano, cansado de tanto buscar.
(junho 2010)
Mística e Poesia
Cântico dos Cânticos
circa V-III a.C.
Levanta-te, minha amada,
minha rola, minha bela, e vem!
O inverno passou,
As chuvas cessaram e já se foram.
Aparecem as flores do campo,
Chegou o tempo da poda,
A rola já faz ouvir seu canto
Em nossa terra.
A figueira produz seus primeiros figos,
Soltam perfumes as vinhas em flor.
Levanta-te, minha amada,
Minha bela, e vem!
Minha rola, que moras nas fendas da rocha,
No esconderijo escarpado,
Mostra-me o teu rosto
E a tua voz ressoe aos meus ouvidos,
Pois a tua voz é suave
E o teu rosto é lindo!
Como a macieira entre as árvores dos
bosques,
assim é o meu amado, entre os moços.
À sombra de quem eu tanto desejara
me sentei,
e seu fruto é doce ao meu paladar.
Ele me introduziu na sua adega,
e a sua bandeira sobre mim é o Amor!
Tradução da CNBB
Gregorio Nazianzeno
329-390 d.C.
Tu é o além de tudo,
afinal, o que mais pode-se dizer de ti no canto?
Como poderá louvar-te a palavra?
Afinal, nenhuma palavra pode te narrar.
Como te contemplará o intelecto?
Afinal, nenhuma inteligência pode te captar.
Só tu és inefável,
pois as palavras a ti devem sua origem.
Só tu és o incognoscível,
pois os pensamentos a ti devem a origem.
Todas as coisas te cantam,
tanto as que têm voz,
quanto as que não a têm.
São comuns os desejos
de todo ser criado,
comuns os gemidos
que te cercam totalmente.
Com súplice oração
te invoca o tudo.
A ti é dirigido um hino de silêncio:
pronunciam-no todos os seres
que contemplam tua ordem.
Só por ti tudo permanece.
Só por ti tudo se move
no movimento universal.
E de todas as coisas,
tu és realização:
um, tudo, ninguém,
mesmo que não sejas nem único nem todos.
Tens todos os nomes: como te chamar,
se és o único que não se pode nomear?
Filho do céu, que intelecto
penetrará os véus
que se estendem por sobre as nuvens?
Sê benigno, tu que és o além de tudo;
afinal, o que mais poder-se-ia dizer de ti no canto?
Tradução de Ary Estevão Pintarelli
Agostinho de Hipona
354-430
Vamos, agora age, Senhor;
agita-nos, convoca-nos,
dá-nos logo tua luz, leva-nos contigo;
faze sentir teu calor e tua doçura:
depois vamos todos nos amar, e correr pelos campos
As confissões, VIII,4-9.
Tradução de Marcos Van Acker
Tarde Vos amei,
ó Beleza tão antiga e tão nova,
tarde Vos amei!
Eis que habitáveis dentro de mim,
e eu lá fora a procurar-Vos!
Disforme, lançava-me
sobre estas formosuras que criastes.
Estáveis comigo,
e eu não estava convosco!
Retinha-me longe de Vós
aquilo que não existiria
se não existisse em Vós.
Porém chamastes-me
com uma voz tão forte
que rompestes a minha surdez!
Brilhastes, cintilastes
e logo afugentastes a minha cegueira!
Exalastes perfume:
respirei-o, suspirando por Vós.
Saboreei-Vos,
e agora tenho fome e sede de Vós.
Tocastes-me
e ardi no desejo de vossa paz.
As confissões – Livro X, 27-38
Tradução de J.Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina
Al-Hallaj
858-922
Eis-me a Ti! Eis-me a Ti!
Ó meu segredo, meu confidente!
Eis-me a Ti! Eis-me a Ti!
Ó meu escopo e meu sentido!
Eu te chamo, mas és Tu em realidade
que me chamas a mim.
Não gritaria a Ti,
se não me houvesses confiado a Mim!
Ó essência essencial do meu existir,
limite extremo de todo meu anélito.
Ó minha linguagem,
meu modo de exprimir-me e balbucios!
Ó todo de meu todo, meu ouvido e minha vista!
Ó síntese minha, meu conjunto, ou parte minha!
Ó todo de meu todo, este todo é coisa ambígua,
e o meu conceito torna obscuro o Todo de Teu Todo.
Ó Tu, em que meu espírito é suspenso, arrebatado e agonizante,
e que te tornaste o penhor dos meus desejos.
Obediente,deixei a minha pátria, e choro triste,
até meus inimigos partilham o meu luto.
Possa eu avizinhar-me, que o temor se distancia,
explodindo em mim uma paixão enraizada nas vísceras.
Ó Senhor! O que posso fazer com o Amado?
Todos os médicos estão cansados do meu mal.”
Diwan de Al-Hallaj, 1
Tradução de Faustino Teixeira e João Batista Libânio
Nizami
1140-1202
Toda brisa que sopra traz-me o aroma teu;
Todo pássaro que canta brada-me o teu nome;
Todo sonho que sonho traz-me a lembrança de teu rosto;
Todo lampejo em teu rosto traz esse rosto a mim.
Seja qual for a distancia, eu sou seu, eu sou seu;
Onde quer que tu estejas, é minha, é toda minha a tua dor.
Layla & Majnun
Tradução de Marisson Ricardo Roso
Farid ud Din Attar
1140-1220
Conheço bem o meu rei,
mas, sozinha, não posso planejar encontrá-lo.
Abandonai vossa timidez, vossa presunção
E vossa descrença,
Pois quem converte em luz a própria vida
Está liberto do bem e do mal
No caminho do amado.
Sede generosos com a vida.
Ponde os pés na terra
E parti, alegres, para a corte do rei.
Temos um rei de verdade,
Que vive atrás das montanhas chamadas Kaf.
Chama-se Simurgh
E é o rei dos pássaros.
Está perto de nós,
Mas nós estamos longe dele.
O sitio que habita é inacessível,
E nenhuma língua consegue pronunciar-lhe o nome.
Diante dele pendem mil véus de luz e treva,
E nos dois mundos ninguém tem o poder
De disputar-lhe o reino. (...)
Não se manifesta abertamente
Nem mesmo no local de sua habitação,
E a esta nenhum conhecimento
E nenhuma inteligência podem chegar.
O caminho é desconhecido,
E ninguém possui constância para procurá-lo,
Embora milhares de criaturas
Passem a vida anelando por isso.
Nem mesmo a alma mais pura
É capaz de descrevê-lo,
Nem pode a razão compreendê-lo:
Esses dois olhos estão cegos.
Não é dado ao sábio
Descobrir-lhe a perfeição
Nem ao homem de entendimento
Perceber-lhe a beleza. (...)
Não imagineis que o percurso seja curto;
E cumpre ter um coração de leão
Para percorrer essa estrada insólita,
Pois ela é muito longa e o mar é fundo. (...)
Quanto a mim,
Sentir-me-ei feliz se descobrir,
Pelo menos, um vestígio dele.
A linguagem dos pássaros – Invocação
Tradução de Octávio Mendes Cajado
Ibn Arabi
1165-1240
Meu coração está aberto a todas as formas:
é uma pastagem para gazelas,
e um claustro para monges cristãos,
um templo para os ídolos,
a Caaba do peregrino,
as tábuas da Torá,
e o livro do Corão.
Pratico a religião do amor,
em qualquer direção que avancem Suas caravanas,
a religião do Amor
será minha religião e minha fé.
O intérprete dos desejos
Tradução de Arminda Eugenia Campos e Roberto S. Bartholo Jr.
Djalal ud Din Rûmî
1207-1273
A pé, amigos, partamos. É tempo de deixar este mundo
O tambor ecoa no céu; ei-lo que nos chama
Eis que o cameleiro se levantou, preparou a caravana
E quer partir: Oh viajante, porque dormes?
Diante de nós, atrás de nós, ergue-se o som das campainhas, o tumulto da partida.
A cada instante uma alma, um espírito voa para onde já não existe lugar.
Rubayat
Tradução de Luísa Feijó
Habita com teu canto os corações,
e segue alegremente noite e dia;
se cessas um instante, morreremos.
Teu canto é uma flauta embevecida
Rubayat
Tradução de M L e Rafi Moussavi
*
Hei de lançar-me bêbado sem medo
a contemplar a alma do universo:
ou meus passos se apressam ao destino,
ou perco a vida, alem do coração.
Rubayat
Tradução de M L e Rafi Moussavi
*
Teu amor chegou a meu coração e partiu feliz.
Depois retornou e se envolveu com o hábito do amor,
mas retirou-se novamente.
Timidamente, eu lhe disse: Permanece dois ou três dias!
Então veio, assentou-se junto a mim e esqueceu-se de partir
Rubayat
Tradução de Faustino Teixeira
O meu lugar é sempre o não lugar,
não sou do corpo, da alma, sou do Amado.
O mundo é apenas Um, venci o Dois.
Sigo a cantar e a buscar sempre o Um.
Primeiro e último, de dentro e fora,
eu canto e reconheço aquele que É.
Ébrio de amor, não sei de céu e terra.
Não passo do mais puro libertino.
Se houver passado um dia em minha vida
sem ti, eu desse dia me arrependo.
Se pudesse passar um só instante
contigo, eu dançaria nos dois mundos.
Diwan de Shams de Tabriz
Tradução de M L
Dentro deste mundo há outro mundo
impermeável às palavras.
Nele, nem a vida teme a morte,
nem a primavera dá lugar ao outono.
Histórias e lendas surgem dos tetos e paredes,
até mesmo as rochas e árvores exalam poesia.
Aqui, a coruja transforma-se em pavão,
o lobo, em belo pastor.
Para mudar a paisagem,
basta mudar o que sentes;
e se queres passear por esses lugares,
basta expressar o desejo.
Fixa o olhar no deserto de espinhos.
- Já é agora um jardim florido!
Vês aquele bloco de pedra no chão?
- Já se move e dele surge a mina de rubis!
Lava tuas mãos e teu rosto
nas águas deste lugar,
que aqui te preparam um fausto banquete.
Aqui, todo ser gera um anjo;
e quando me vêem subindo aos céus
os cadáveres retornam à vida.”
Diwan de Shams de Tabriz
Tradução de José Jorge de Carvalho
Dante Alighieri
1265-1321
“Na profunda e dilúcida aparência
da luz vi três anéis, tendo três cores,
mas uma só e igual circunferência.
Uma refletia no outro os seus fulgores,
Como dois Íris, e o terceiro, à frente,
De ambos colhia a um tempo os esplendores.
Ah! como é vã a voz, e incompetente,
Por demonstrá-lo! E creio ser melhor
Calar do que dizer tão pobremente!
Ó luz que vives de teu próprio ardor,
Que em ti te sentes, e és por ti sentida,
Que em ti, e só por ti, és graça e amor!”
A divina comédia, 3, 23, 115-124
Tradução de Cristiano Martins
Nicolau de Cusa
1401-1464
O teu olhar, Senhor,
é a tua face.
Por isso, quem te olha com a face amorosa
não encontrará senão a tua face
a olhá-lo amorosamente.
E com quanto mais amor
se esforçar por te olhar,
tanto mais amor descobrirá na tua face.
*
Ó quão admirável é o teu olhar,
que é theos para todos aqueles que o perscrutam!
Quão belo e digno de ser amado
por todos os que te amam!
Quão terrível é para todos os que te abandonam,
a ti, Senhor, meu Deus.
Pois com o teu olhar vivificas, Senhor
todo o espírito,
Alegras todos os bem-aventurados
e afastas toda a tristeza.
Olha, por isso, para mim
Misericordiosamente
E a minha alma será salva.
A visão de Deus
Tradução de João Maria André
Teresa d´Ávila
1401-1464
Vivo sem em mim viver,
E tão alta vida espero,
Que morro de não morrer.
Já fora de mim vivi
Desde que morro de amor;
Porque vivo no Senhor,
Que me escolheu para Si.
O coração lhe rendi,
E nele quis escrever
Que morro de não morrer.
Essa divina prisão
De amor, em que sempre vivo,
Faz a Deus ser meu cativo,
E livre meu coração;
E causa em mim tal paixão
Deus prisioneiro em mim ver,
Que morro de não morrer (...)”
Aspirações à vida eterna
Tradução de Adail Ubirajara Sobral, Maria Stela Gonçalves, Marcos Marcionilo e Madre Maria José de Jesus
Entreguei-me toda, e assim
Os corações se hão trocado
Meu Amado é para mim,
E eu sou para meu Amado.
Quando o doce Caçador
Me atingiu com sua seta,
Nos meigos braços do Amor
Minh´alma aninhou-se quieta.
E a vida em outra, seleta,
Totalmente se há trocado:
Meu Amado é para mim,
E eu sou para meu Amado.
Era aquela seta eleita
Ervada em suco de amor,
E a minha alma ficou feita
Uma com o seu Criador.
Já não quero eu outro amor,
Que a Deus me tenho entregado:
Meu Amado é para mim,
E eu sou para meu Amado
Sobre aquelas palavras “Dilectus meus mihi”
Tradução de Adail Ubirajara Sobral, Maria Stela Gonçalves, Marcos Marcionilo e Madre Maria José de Jesus
João da Cruz
1542-1591
Entrei onde não sabia
e assim fiquei não sabendo
toda ciência transcendendo
Eu não soube onde entrava
Porém quando ali me vi
sem saber onde eu estava
grandes coisas entendi
não direi o que senti
porque fiquei não sabendo
toda ciência transcendendo (...)
O que ali chega deveras
de si mesmo desfalece;
o que sabia primeiro
muito pouco lhe parece
e sua ciência tanto cresce
que nada fica sabendo,
toda ciência transcendendo.
Quanto mais alto se ousa,
tanto menos se entendia
que é nuvem tenebrosa
que à noite esclarecia;
por isso quem a sabia
fica sempre não sabendo
toda ciência transcendendo.
Este saber não sabendo
é de tão alto poder
que os sábios perguntando
jamais o podem vencer
que não chega seu saber
a não entender entendendo
toda ciência transcendendo.
E é de tão alta excelência
o vero e sumo saber
nem faculdade ou ciência
há que o possam empreender
só quem souber se vencer,
com um não saber sabendo
toda ciência transcendendo.
E se o quiserem ouvir,
consiste esta suma ciência
em um subido sentir
de mui divinal essência
obra de sua clemência
é o deixar não entendendo
toda ciência transcendendo.
Entrei onde não sabia
Tradução de Dora Ferreira da Silva
Meu Amado, as montanhas,
os vales solitários nemorosos,
as ilhas mais estranhas,
os rios sonorosos,
o sibilar dos ares amorosos;
A noite sossegada,
nos raios suavíssimos da aurora,
a música calada,
a solidão sonora,
a ceia que deleita e enamora
Cântico Espiritual – Trecho, CB XIV-XV
Tradução de M L
*
Na busca de teus rastros
acorrem as donzelas ao caminho,
ao fulgurar dos astros,
ao temperado vinho,
nas emissões de bálsamo divino.
E na adega interior
Do Amado meu bebi; quando eu saía,
De tanto resplendor,
Já nada mais sabia
E meu gado perdi, que antes seguia.
Ali me deu o seio,
ditando-me ciência saborosa
e dei-me sem receio,
oferta dadivosa,
a ali lhe prometi ser sua esposa.
Cântico Espiritual – Trecho CB XXV-XXVII
Tradução M L
*
Ó chama de amor viva,
que ternamente feres
dessa minha alma o mais profundo centro!
Se já não és esquiva,
Acaba já, se queres,
Ah! Rompe a tela deste doce encontro!
Chama da amor viva – trecho, Canção I
Tradução de M L
*
Ó noite que guiaste!,
ó noite mais amável que a alvorada!,
ó noite que justaste
Amado com amada,
amada em seu Amado transformada!
Em meu peito florido
que todo para ele eu só guardava,
ali ficou dormindo,
e eu sempre o regalava
e o ventalho de cedros brisa dava.
Da ameia a brisa amena,
quando eu os seus cabelos afagava,
com sua mão serena
o meu colo tocava
e todos meus sentidos suspendia.
Deixei-me e olvidei-me,
o rosto reclinei sobre o Amado,
cessou tudo e deixei-me,
deixando o meu cuidado
por entre as açucenas olvidado.
Noite Escura – Trecho N 5-8
Tradução de M L
Goethe
1749-1832
Dizei-me, mas só aos Sábios,
Que a turba logo caçoa!
Quero louvar o ser vivo
Que a morte-nas-chamas voa.
Nas noites frescas de amor
Que te deram e em que deste vida bela,
Que estranho sentir te assalta,
Ao ver brilhar a mansa vela !
Já não queres ficar cativa
Nas sombras da escuridão,
E ânsia nova te arrebata
Para mais alta união.
E a lonjura não te assusta,
Vens voando, deslumbrada,
E ao fim, ávida de luz,
Borboleta, cais queimada.
E enquanto não entenderes
Isto: - Morre e devém! -,
Serás só turvo conviva
Nas trevas da terra-mãe.
Nostalgia de bem-aventurança
Tradução de Paulo Quintela
Rainer Maria Rilke
1875-1926
A hora inclina-se e toca em mim
com claro bater metálico.
Os sentidos me tremem. Sinto: eu posso...
E colho o dia plástico.
Nada estava acabado antes de eu ver;
todo o devir aguardando em quietude.
Maduros meus olhares: a cada um,
como uma noiva, chega a coisa ansiada.
Nada é pequeno para mim: gosto de tudo
e tudo eu pinto sobre ouro grandeza
e bem alto levanto – sem saber de quem
vai a alma libertar.
Que vais fazer, deus, se eu morrer?
Eu sou teu cântaro (e se eu me quebrar?)
Eu sou tua água (e se eu me estagnar?)
Eu sou teu hábito e sou teu ofício;
sem mim, tu perderias a razão de ser...
Depois de mim, não terás casa em que
palavras próximas e tépidas te acolham;
Vai cair de teus fatigados pés
a sandália macia que sou eu.
Teu largo manto deixar-se-á cair.
Teu olhar, que com minhas faces eu
aqueço, como se com almofadas,
virá de longe a procurar por mim
- e ao pôr-do-sol se porá
no colo de estranhas rochas.
Que vais fazer, deus? Estou preocupado.
Da vida monástica – trecho
Tradução de Geir Campos
Teilhard de Chardin
1881-1955
Pleno da seiva do Mundo,
Subo para o Espírito que me sorri
para além de toda conquista,
vestido com o esplendor concreto do Universo.
E eu não saberia dizer,
perdido no mistério da Carne divina,
qual é a mais radiosa
dessas duas bem-aventuranças:
ter encontrado o Verbo para dominar a Matéria,
ou possuir a Matéria para alcançar
e submeter-me à luz de Deus.
A missa sobre o mundo – trecho
Tradução de Ivo Storniolo
Deus não se apresenta aos nossos seres finitos
como uma Coisa já completamente acabada
que vamos abraçar.
Deus é, antes, para nós
o eterno Descobrimento
e o eterno Crescimento.
Quanto mais julgamos compreendê-lo,
mais ele se mostra diferente do que julgávamos.
Quanto mais julgamos tê-lo agarrado,
mais ele recua,
atraindo-nos para as profundezas de Si próprio.
Quanto mais nos aproximamos dele,
por todos os esforços da natureza e da graça,
mais ele aumenta com o mesmo movimento
a sua atração sobre as nossas potencias,
e a receptividade das nossas potencias
A essa divina atração.
O meio divino - trecho
Tradução de Manuel Versos de Figueiredo
Fernando Pessoa
1888-1935
Sejamos simples e calmos,
como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos...
O guardador de Rebanhos – trecho
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei como toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
O guardador de rebanhos – trecho
E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas...
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem sei eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela terra
E levar ao solo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono
O guardador de rebanhos – trecho
Murilo Mendes
1901-1975
Meu espírito anseia pela vinda da esposa,
Meu espírito anseia pela glória da Igreja,
Meu espírito anseia pelas núpcias eternas
Com a musa preparada por mil gerações.
Eu hei de me precipitar em Deus como um rio,
Porque não me contenho nos limites do mundo.
Dai-me pão em excesso e eu ficarei triste,
Dai-me luxo, riqueza, ficarei mais triste.
Para que resolver o problema da máquina
Se minha alma sobrevoa a própria poesia?
Só quero repousar na imensidade de Deus”
Salmo nº 1
Ó Deus, fecha-me as pálpebras
À contemplação do ódio.
Espírito, abre-me as pálpebras
À renascença do mundo,
Adestra meus membros lassos
Para atravessar o céu
À procura da centelha
Que dirigirá os poetas.
Soem tambores de paz,
Descerrem-se claras cortinas,
Some, visagem do tédio,
Vive, corpo siderado
Glória da humana Maria,
Crianças dançando, flores!
Inspiração
Carlos Drummond de Andrade
1902-1987
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
Há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los .
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Procura da Poesia – trecho
Mário Quintana
1906-1994
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Os poemas
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel.
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca
soube
o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
Abraham Joshua Heschel
1907-1972
Deus me persegue em toda parte
tecendo sua teia em torno de mim,
brilhando sobre minhas costas/cegas como o Sol.
Deus me persegue como uma densa floresta.
E eu, totalmente maravilhado, sinto meus lábios emudecerem
Como uma criança vagando por um antigo santuário.
Deus me persegue em toda parte, como um tremor
O desejo em mim é por descanso; ele me convocando diz: vem!
Percebo visões vagando como mendigos pelas ruas!
Eu vou com meus devaneios
Como num corredor através do mundo,
Às vezes, vejo suspensa sobre mim a face sem face de Deus.
Deus me persegue nos bondes e nos cafés.
Oy, é somente com a parte de trás dos olhos que posso enxergar.
Como os mistérios nascem, como as visões aparecem
Deus me persegue em toda parte
Tradução de Alexandre G. Leone
Vinícius de Morais
1913-1980
Subamos!
Subamos acima
Subamos além, subamos
Acima do além, subamos!
Com a posse física dos braços
Inelutavelmente galgaremos
O grande mar de estrelas
Através de milênios de luz.
Subamos!
Como dois atletas
O rosto petrificado
No pálido sorriso do esforço
Subamos acima
Com a posse física dos braços
E os músculos desmesurados
Na calma convulsa da ascensão.
Oh, acima
Mais longo que tudo
Além, mais longe que acima do além!
Como dois acrobatas
Subamos, lentíssimos
Lá onde o infinito
De tão infinito
Nem mais nome tem
Subamos!
Tensos
Pela corda luminosa
Que pende invisível
E cujos nós são astros
Queimados nas mãos
Subamos à tona
Do grande mar de estrelas
Onde dorme a noite
Subamos!
Tu e eu, herméticos
As nádegas duras
A carótida nodosa
Na fibra do pescoço
Os pés agudos em ponta
Como no espasmo.
E quando
Lá, acima
Além, mais longe que acima do além
Adiante do véu de Betelgeuse
Depois do país de Altair
Sobre o cérebro de Deus
Num último impulso
Libertados do espírito
Despojados da carne
Nós nos possuiremos.
E morreremos
Morreremos alto, imensamente.
IMENSAMENTE ALTO.
Os acrobatas
Thomas Merton
1915-1968
Ó coração inflamado,
Neste deserto nunca visto nem imaginado,
Tu, somente Tu, és real, e aqui Te encontrei.
Aqui quero amar e louvar-Te na morte sem palavras,
Até que meus brancos ossos devotados,
Por longo tempo alvejados e polidos
Pelos ventos deste Saara,
Revivam sob o Teu comando,
Se levantem e desdobrem
As flores de sua eterna primavera.
Tradução de Fr. René Bucks
*
Seja esta a minha única consolação,
que esteja eu onde estiver,
tu, meu Senhor, és amado e louvado.
De fato, as árvores te amam sem te conhecer.
Os lírios raiados e flores do campo
lá estão proclamando que te amam,
sem ter consciência da tua presença.
As belas nuvens escuras
atravessam vagarosamente o céu
pensando em ti,
como crianças que não sabem com que sonham,
enquanto brincam.
Tradução da Companhia da Virgem
Manoel de Barros
1916
Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
Em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
O mato sair na voz.
Hoje eu desenho o cheiro das árvores
Uma didática da invenção – trecho
*
As coisas não querem mais ser vistas por
pessoas razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul –
Que nem uma criança que você olha de ave
Uma didática da invenção – trecho
Sophia de Mello Breyner Andresen
1919-2004
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro
Mar – trecho
*
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Pra poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes
Casa branca – trecho
Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.
Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.
Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa.
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser”
As fontes
Ernesto Cardenal
1925
Cantiga 42 – trecho
Somos como essas duas pombinhas de San Nicolás
que quando uma corre
a outra vai atrás
e quando esta é a que foge
aquela a segue
mas uma nunca se afasta da outra
sempre estão em parelha.
Quando Tu de mim te vais
eu sigo atrás de ti
E quando sou em quem me vou
Tu vais atrás.
Somos como essas duas pombinhas
De San Nicolás.
Tradução de Thiago de Mello
*
Nele estão concentrados
a beleza de todas as mulheres
e o sabor de todas as frutas
e a embriaguez de todos os vinhos
e a doçura e a amargura de todos
os amores da terra,
e provar uma gota de Deus
é ficar louco para sempre
Adélia Prado
1935
O homem humano
Se não fosse a esperança de que me aguardas com a mesa posta
o que seria de mim eu não sei.
Sem o Teu Nome
a claridade do mundo não me hospeda,
é crua luz crestante sobre ais.
Eu necessito por detrás do sol
do calor que não se põe e tem gerado meus sonhos,
na mais fechada noite, fulgurante lâmpadas.
Porque acima e abaixo e ao redor do que existe permaneces,
eu repouso meu rosto nesta areia
contemplando as formigas, envelhecendo em paz
como envelhece o que é de amoroso dono.
O mar é tão pequenino diante do que eu choraria
se não fosses meu Pai.
Ó Deus, ainda assim não é sem temor que Te amo,
nem sem medo
Lia Luft
1938
Canção da voz em mim
O poema abre suas câmaras de sombra:
é o tempo secreto.
Vai brotar agora mesmo a palavra exata,
A chave da minha idéia,
A moldura de minha alma desencontrada.
Não sei a forma das palavras
Nem o ritmo dos sons, mas o que tenho a dizer
Quer nascer de mim e se retorce.
Sento-me diante do silêncio
Como junto de meus mais belos sonhos:
Meus pés, minhas mãos, os meus cabelos
Estão enredados nessa teia.
Quero sair, repousar e esquecer.
Mas o poema insiste
Com a estranha sedução da minha infância”
Mariana Iannelli
1979
Absoluto
Para estar em Deus
Há que se provar pelo tato
O rancor dos temporais,
A calma gentil dos regatos,
O segredo das grutas e das ribanceiras.
Para ouvir o canto
De uma sabedoria ignorante de si mesma
E conhecer o topo da coragem
Que as ilíadas desconhecem,
Há que se amar o irracional
Em seu embrião de consciência.
Para entender a razão dos inocentes
E a vitória do instinto
Sobre a conspiração do contingente,
Há que se viver na pele de um animal
E cumprir uma existência inteira
Só pela força dos cornos e dos dentes.
Para desvendar os humores da natureza
De que se fazem as estações do tempo,
Há que se voltar para a terra, em corpo e mente,
E tirar do sal o que se dá a uma semente.
Ser em si o agora-e-sempre. Na morte, ser silêncio.”
Fontes
ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Villa Rica, 1991, p. 20.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001, p.41.
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Poemas escolhidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.50-52
ATTAR, Farid Ud-Din. A conferência dos pássaros. São Paulo: Cultrix, 1993, p. 8.
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994, p. 48-49.
BARTHOLO Jr, Roberto S. & CAMPOS, Arminda Eugênia (Orgs). Islã – o credo é a conduta. Rio de Janeiro: Iser/Imago, 1990, p.9.
BÍBLIA Sagrada. São Paulo: Ave Maria/Vozes/Salesiana/Paulus/Santuário/Paulinas/Loyola, 2001, p. 1,2.
CARDENAL, Ernesto. Vida no amor. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 54.
_ _ _ . Cântico cósmico. São Paulo: Hucitec, 1996, p. 53.
CHARDIN, Teilhard de. Hino do Universo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 34.]
_ _ _ . O meio divino. Lisboa: Presença, s/d, p. 35.
CITATI, Pietro. Israel e o Islão. As centelhas de Deus. Lisboa, Livros Cotovia, 2003, p. 10.
GOETHE, J.W. Poemas. 2 ed. Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis, 1958, p. 30.
IANELLI, Mariana. Passagens. São Paulo: Iluminuras, 2003.
[P 60-61]
IANELLI, Mariana. Fazer silêncio. São Paulo: Iluminuras, 2005.
[P 62]
IANELLI, Mariana. Almádena. São Paulo. Iluminuras, 2007.
[P 59]
JALAL UD-DIN RUMI. Poemas místicos. Divan de Shams de Tabriz. São Paulo: Attar, 1996, p. 18, 19.
JUAN DE LA CRUZ. Juan de la Cruz. Pequena antologia amorosa. Rio de Janeiro: Lacerda, 2000, p. 26-29.
LEONE, Alexandre G. A imagem divina e o pó da terra. Humanismo sagrado e crítica da modernidade em A.J. Heschel. São Paulo: Humanitas/FAPESP, 2002, p.44.
LUCCHESI, Marco. A sombra do Amado. Poemas de Rûmî. Rio de Janeiro: Fissus, 2000, p. 14,15,17.
_ _ _ & TEIXEIRA, Faustino (Orgs). O canto da unidade. Em torno da poética de Rûmî. Rio de Janeiro: Fissus, 2007, p. 11-13.
LUFT, Lya. Secreta mirada. 6 ed. São Paulo: Mandarim, 1997, p. 56.
MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 39-40.
MERTON, Thomas. Na liberdade da solidão. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 47.
MERTON, Thomas. Diálogos com o silêncio. Rio de Janeiro: Fissus, 2003, p 46.
MORAIS, Vinícius. Antologia poética. 27 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980, p. 45.
NICOLAU DE CUSA. A visão de Deus. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 21-22.
NIZAMI. Layla & Majnun. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p.7.
PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992, p. 36-38.
PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991, p. 55.
QUINTANA, Quintana. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 42-43.
RILKE, Rainer Maria. O livro de horas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993, p. 31-33.
SAN JUAN DE LA CRUZ. A poesia mística de San Juan de la Cruz. São Paulo: Cultrix, 1984, p. 25.
SANTO AGOSTINHO. Confissões. Col. Os Pensadores VI. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p.5.
_ _ _ . As confissões de santo Agostinho. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 4.
TEIXEIRA, Faustino & BERKENBROCK, Volney (Orgs). Sede de Deus. Orações do judaísmo, cristianismo e islã. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 3,6,16.
TERESA DE JESUS. Obras completas. São Paulo: Loyola, 1995, p. 23-24.
Biografias
Cântico dos Cânticos
O Cântico dos Cânticos faz parte dos livros inspirados, tanto na tradição judaica como cristã. Trata-se de um cântico de amor atribuído, tradicionalmente, ao rei Salomão (970-933 AEC[1]). Estudiosos contemporâneos situam a composição entre os séculos V e III AEC. Vem reconhecido pelos rabinos como o “santo dos santos” da Escritura, e ganhou larga difusão seja no judaísmo, como nos padres da Igreja e na mística medieval.
Gregório Nazianzeno
Doutor da Igreja oriental. Nascido em Nazianzo (Capadócia) em 330 EC, vem reconhecido como um dos maiores oradores cristãos de todos os tempos. Dentre suas obras podem mencionar-se: discursos, cartas e poesias, recolhidos na Patrologia Grega (Migne). Faleceu no ano de 390 EC.
Agostinho de Hipona
Um dos mais profícuos e influentes pensadores da era patrística, que marcou de forma decisiva o pensamento cristão e o mundo ocidental. Nasceu no ano de 354 EC na cidade de Tagaste, na Argélia (África) e morreu no ano de 430, na cidade de Hipona (África) . Dentre suas obras mais importantes: Confissões e A Cidade de Deus.
Al- Hallaj
Considerado o mártir do amor místico. Nasceu no ano de 858 EC na província de Fars (Pérsia). Morreu martirizado no ano de 922 EC, na cidade de Bagdá. De sua obra mística e poética não restaram senão vestígios, dentre os quais os poemas do Diwan e o pequeno livro dos Tâwasîn.
Nizâmî
Nizâmî de Gandje nasceu no ano de 1140, provavelmente na cidade de Gandje (atual Azerbaijão) e morreu por volta do ano de 1202. Trata-se de um dos grandes nomes da poesia persa. Além de sua obra principal, contendo 5 grandes poemas (Mathnawi), este pensador escreveu em 1188 a obra Layla & Majnun, uma clássica história de amor da literatura persa.
Farid ud Din Attar
Um dos grandes nomes da poesia mística persa. Nasceu em torno de 1142 na cidade de Nishapur e morreu por volta de 1230. O seu reconhecimento no Ocidente deve-se, sobretudo, ao seu grande poema místico A linguagem dos pássaros (Mantiq at-Tayr), que se tornou um grande clássico da literatura sufi. Pode-se ainda mencionar uma outra obra: O livro dos segredos.
Ibn ´Arabi
Uma das mais importantes figuras da espiritualidade islâmica e mundial, conhecido como o “Grandioso Mestre” (al-Shaykh al-Akbar). Nasceu no ano de 1165, na cidade de Múrcia (Espanha) e morreu em Damasco (Síria) no ano de 1240. Foi um gênio único no mundo dos ensinamentos místicos, com mais de 350 livros publicados, dentre os quais: O intérprete dos desejos ardentes (Tarjumân al-ashwâq), Os engastes da sabedoria (Fusûs al-Hikam) e As iluminações de Meca (Al-Futûhât al-Makkiyya).
Djalal ud Din Rûmî
É considerado um dos maiores expoentes da literatura mística de todos os tempos. Marcado por uma visceral paixão pela unidade, este místico é também reconhecido pela grandiosa reflexão sobre o amor e abertura para a dinâmica inter-religiosa. Nasceu em Vakhsh, nas cercanias de Balkh ( atual Afeganistão), em setembro de 1207, e morreu em 1273 (Konya). Dentre suas obras mais importantes, em prosa e poesia, destacam-se: Diwân de Shams de Tabriz, Mathnawî, Fihi-ma-Fihi e Rubâi´yât.
Dante Alighiere
Um dos maiores nomes da literatura mundial. Nasceu em Florença (Itália) no ano de 1265, e morreu em Ravena, no ano de 1321. Sua decisiva mensagem poética está inscrita na magistral obra Divina Comédia, onde emerge com clareza seu “sentimento do infinito, a paixão das alturas, a nostalgia do mais, a vontade de Deus”. O tema da Unidade é central em sua reflexão, e a referência ao Ponto, do qual dependem os Céus e toda a Natureza.
Nicolau de Cusa
Um destacado pensador europeu no limiar da modernidade. Nasceu na cidade de Cusa, na região de Mosela (Alemanha), no ano de 1401, e morreu no ano de 1464. Foi Bispo de Bressanone e Cardeal da cúria romana. Revela-se de grande importância suas reflexões sobre a teologia negativa. Dentre suas obras: De docta ignorantia, De visione Dei e De pace fidei.
Teresa d´Ávila
Com essa grande mestre espiritual espanhola, a chamada “mística nupcial” (Brautmystik) alcança a plenitude de sua riqueza simbólica. Nasceu na cidade de Ávila (Espanha) em março de 1515 e morreu em outubro de 1582. Seus livros revelam a presença de uma apaixonante aventura espiritual: das mais profundas de todos os tempos. Dentre suas obras: Livro da Vida, Caminho de perfeição e Castelo Interior.
João da Cruz
A poesia mística de João da Cruz revela-se como das mais complexas e magníficas de toda a literatura espanhola. Estudiosos como Damaso Alonso assinalam que diante dela o melhor é admirar e calar-se. O místico espanhol nasceu em 1542 na cidade de Fontiveros (Ávila) e morre na cidade de Ubeda, em dezembro de 1591, aos 49 anos de idade. Entre suas obras: Subida ao Monte Carmelo, Noite escura, Cântico Espiritual e Chama viva de amor.
Goethe
Um dos mais importantes nomes da literatura alemã. Nasceu em agosto de 1749, na cidade de Frankfurt e morreu no ano de 1832. Em sua vasta obra, destacam-se peças dramáticas, como o Fausto, além de romances, contos, poesia lírica, cartas e descrições de viagem. Vale destacar sua antologia de poemas, publicada na língua portuguesa em 1949, sob a organização de Paulo Quintela.
Rainer Maria Rilke
Grande nome da tradição poética universal. Nasceu em Praga, no ano de 1875, embora sentia-se cultural e emocionalmente alemão, como seus pais. Morreu em Valmont, na Suíça, em 1926. Dentre suas obras: Livro de horas, Sonetos a Orfeu, Poesia extrema e Elegias de Duíno.
Teilhard de Chardin
Uma das mais singulares figuras da mística e teologia cristã no século XX. Foi um pensador marcado por grande audácia e criatividade. Buscou durante toda sua vida a comunhão entre dois grandes amores: o amor a Deus e o amor ao Mundo. Nasceu na cidade de Sarcenat (nas proximidades de Clermont-Ferrand, França) em maio de 1881, e morreu na Páscoa de 1955. Dentre suas obras: O fenômeno humano, Hino do universo, O coração da matéria e O meio divino. Muito rica também sua longa correspondência.
Fernando Pessoa
Célebre e destacado nome da poesia portuguesa. Nasceu em junho de 1888 na cidade de Lisboa (Portugal) e morre em novembro de 1935. Merece destaque sua produção poética, reunida em volume único: Obra poética (Poesia de Fernando Pessoa, Ficções do interlúdio, Poemas dramáticos, Poesias coligidas e Quadras ao gosto popular).
Murilo Mendes
Segundo Manuel Bandeira, é “o mais complexo, o mais estranho e seguramente o mais fecundo poeta desta geração”. O poeta nasceu na cidade de Juiz de Fora (Minas Gerais, Brasil) no ano de 1901 e morreu em 1975. Dentre suas obras poéticas: Poemas, História do Brasil, Tempo e eternidade, A poesia em Pânico, O visionário, As metamorfoses, Mundo enigma e Poesia liberdade.
Carlos Drummond de Andrade
Na visão do crítico literário, Tristão de Athaíde, Drummond vem considerado como “uma espécie de Baudelaire de nossa poesia moderna”. Sua obra poética revela para o Brasil uma importância singular para a vivência e herança poéticas. O poeta nasceu na cidade de Itabira (Minas Gerais, Brasil) em outubro de 1902, e morreu em agosto de 1987. De sua obra poética destacam-se: Brejo das almas, Sentimento do mundo, A rosa do povo, Claro enigma, Lição de coisas e As impurezas do branco.
Mário Quintana
O traço característico da obra poética de Mário Quintana, segundo Ausgusto Meyer, é “a autenticidade e a cristalinidade de sua obra”. Trata-se de uma poesia límpida e marcada por abissal pureza e simplicidade. O poeta nasceu em julho de 1906 na cidade de Alegrete (Rio Grande do Sul) e faleceu aos 87 anos, em maio de 1994. Dentre sua obra poética: A rua dos cataventos, O aprendiz de feiticeiro, Espelho mágico, Caderno H, Apontamentos de história sobrenatural, Baú de espantos e a Cor do invisível.
Abraham Joshua Heschel
Um dos célebres nomes da mística hassídica judaica e da filosofia do judaísmo. O rabino e filósofo Heschel, nasceu em Varsóvia (Polônia), em 1907 e morreu em Nova York, em 1972. A sua reflexão mística e filosófica compagina-se com um decisivo engajamento nos movimentos sociais e nas questões políticas de seu tempo: movimento em favor dos direitos humanos, de resistência à Guerra do Vietnã e compromisso com o diálogo inter-religioso. Dentre suas obras: Deus em busca do homem, O homem à procura de Deus, O homem não está só.
Vinícius de Morais
Um dos singulares nomes da poesia brasileira, com destaque para o lirismo. Nasceu em outubro de 1913 no Rio de Janeiro (Brasil) e morreu na mesma cidade, em julho de 1980. Dentre suas obras poéticas: Novos poemas, Cinco elegias, Poemas, sonetos e baladas, Antologia poética, Orfeu da Conceição, Livro de sonetos, Para viver um grande amor e Poemas de muito amor.
Thomas Merton
Grande escritor, poeta e contemplativo do século XX. Um traço singular de sua reflexão é a articulação da vida mística com o compromisso no mundo. Nasceu no ano de 1915, na cidade de Prades (França) e morreu na cidade de Bangcoc (Tailândia), em 1968. Dentre as principais obras publicadas pelo poeta e monge trapista, destacam-se: A montanha dos sete patamares, Novas sementes de contemplação, Diálogos com o silêncio, Na liberdade da solidão, Contemplação num mundo de ação, Reflexões de um espectador culpado, Poesia e contemplação. Há que assinalar igualmente a importância de seus diários, publicados em vários volumes.
Manoel de Barros
O editor Ênio Silveira definiu apropriadamente esse poeta como um “novo alquimista do verbo”. Nasceu em dezembro de 1916 na cidade de Cuiabá (MT). De sua obra poética pode-se destacar: O livro das ignorãças, Livro sobre nada e Arranjos para assobio.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Trata-se de uma poeta que segue a trilha da grande tradição poética portuguesa. Em sua poesia ocupam lugar de destaque a paisagem, a terra, e sobretudo o mar. A poeta nasceu na cidade do Porto (Portugal) em 1919 e morreu em 2004. Dentre sua produção poética: Poesia e Poemas escolhidos.
Ernesto Cardenal
Na visão de Luce López-Baralt, o poeta vem considerado como o “fundador da literatura mística hispano-americana” e um dos “místicos cristãos mais originais do século XX”. Ele nasceu na Nicarágua, em 1925. Dentre sua obra literária destaca-se: Vida no amor, Epigramas, Cântico Cósmico e Telescópio na noite escura. Pode-se também registrar os 3 volumes de seu diário, publicados a partir de 2005.
Adélia Prado
Os poemas de Adélia Prado são marcados por dois traços consubstanciais: a atenção ao cotidiano e a simplicidade da linguagem. É uma poesia colada no tempo, e marcada por grande abertura espiritual. A poeta nasceu na cidade de Divinópolis (Minas Gerais, Brasil) em dezembro de 1935. Dentre sua obra poética: Bagagem, O coração disparado, Terra de Santa Cruz, O pelicano e A faca no peito.
Lia Luft
É uma poeta que ousa mergulhar no fundo da alma e investigar com delicadeza e atenção a solidão, os conflitos e os mistérios do humano. Ela nasceu em Santa Cruz (Rio Grande do Sul) em setembro de 1938. Além de um importante trabalho de tradução literária, ela vem se destacando no âmbito da prosa e da poesia. Entre seus trabalhos: Reunião de família, O quarto fechado, O ponto cego, o rio do meio, Mar de dentro, O silêncio dos amantes, O lado fatal, Secreta Mirada.
Mariana Ianelli
Conforme Antonio Carlos Secchin, a poesia da jovem Mariana Ianelli “apresenta uma rara conjugação entre um registro discursivo de extração clássica e uma inquietação subjacente que tensiona o clássico e o desestabiliza por meio de alta voltagem metafórica”. A poeta nasceu no ano de 1979, na cidade de São Paulo. Sua obra poética: Passagens, Fazer silêncio, Almádena.
Faustino Teixeira
Teólogo mineiro, nascido em Juiz de Fora (MG) em julho de 1954. Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisador do CNPQ. Doutorado e Pós-Doutorado na Pontifícia Universidade Gregoriana (Italia, Roma). Dentre suas publicações recentes: Ecumenismo e diálogo inter-religioso. São Paulo: Santuário, 2008 (com Zwinglio Mota Dias), O canto da unidade. Em torno da poética de Rûmî. Rio de Janeiro: Fissus, 2007 (com Marco Lucchesi), Nas teias da delicadeza: itinerários místicos. São Paulo: Paulinas, 2006 (Org.), No limiar do mistério. São Paulo: Paulinas, 2004 (Org.).
Luiz Felipe Pondé
Professor no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nascido na cidade de Recife em abril de 1959. Doutorado em Filosofia pela USP/Universidade de Paris e pós-doutorado em Epistemologia pela Universidade de Tel Aviv. Dentre suas publicações: O homem insuficiente. São Paulo: Edusp, 2001, Crítica e profecia. A filosofia da religião em Dostoievski. São Paulo: Editora 34, 2003, Conhecimento e desgraça. Ensaio de epistemologia pascaliana. São Paulo: Edusp, 2004.
Antologia organizada por Faustino Teixeira e publicada na Revista Poesia Sempre, n. 31, ano 16/2009, pp. 17-63.
Leonardo Boff
Teólogo
A espiritualidade na construção da paz
Todos os fatores e práticas nos distintos setores da vida pessoal e social devem contribuir para a construção da paz tão ansiada nos dias atuais. Os esforços seriam incompletos se não incluíssemos a perspectiva da espiritualidade.
A espiritualidade é aquela dimensão em nós que responde pelas derradeiras questões que sempre acompanham nossas indagações: De onde viemos? Para onde vamos? Qual o sentido do universo? Que podemos esperar para além desta vida?
As religiões costumam responder a tais indagações. Mas elas não detém o monopólio da espiritualidade. Esta é um dado antropológico de base como é a vontade, o poder e a libido. Ela emerge quando nos sentimos parte de um Todo maior. É mais que a razão, é um sentimento oceânico de que uma Energia amorosa origina e sustenta o universo e cada um de nós.
No processo evolutivo de onde viemos, irrompeu, um dia, a consciência humana. Há um momento nesta consciência em que ela se dá conta de que as coisas não estão jogadas aleatoriamente ou justapostas, ao léu, umas às outras. Ela intui que um "Fio Condutor" as perpassa, liga e re-liga.
As estrelas que nos fascinam nas noites quentes do verão tropical, a floresta amazônica na sua majestade e imensidão, os grandes rios como o Amazonas chamado como razão de rio-mar, a profussão de vida nas campinas, o vozerio sinfônico dos pássaros na mata, a multiplicidade das culturas e dos rostos humanos, a misteriosidade dos olhos de um recém-nascido, o milagre do amor entre duas pessoas apaixonadas, tudo isso nos revela quão diverso e uno é o nosso mundo universo.
A este "Fio Condutor" os seres humanos chamaram por mil nomes, de Tao, de Shiva, de Alá, de Javé, de Olorum e de outros mais. Tudo se resume na palavra Deus. Quando se pronuncia com reverência este nome algo se move dentro do cérebro e do coração. Neurólogos e neurolinguistas identificaram o “ponto Deus” no cérebro. É aquele ponto que faz subir a frequência hertz dos neurônios como se tivesse recebido um impulso. Isto significa que no processo evolutivo surgiu um órgão interior pelo qual o ser humano capta a presença de Deus dentro do universo. Evidentemente, Deus não está apenas neste ponto do cérebro, mas em toda a vida e no inteiro universo. Entretanto, é a partir daquele ponto que nos habilitamos a captá-lo. Mais ainda. Somos capazes de dialogar com Ele, de elevar-lhe nossos súplicas, de render-lhe homenagem e de agradecer-lhe pelo dom da existência. Outras vezes, nada dizemos, apenas O sentimos silenciosos e contemplativos. É então que nosso coração se dilata às dimensões do universo e nos sentimos grandes como Deus ou percebemos que Deus se faz pequeno como nós. Trata-se de uma experiência de não-dualidade, de imersão no mistério sem nome, da fusão da amada com o Amado.
Espiritualidade não é apenas saber mas principalmente poder sentir tais dimensões do humano radical. O efeito é uma profunda e suave paz, paz que vem do Profundo.
Desta paz espiritual a humanidade precisa com urgência. Ela é a fonte secreta que alimenta a paz cotidiana em todas as suas formas. Ela irrompe de dentro, irradia em todas as direções, qualifica as relações e toca o coração íntimo das pessoas de boa-vontade. Essa paz é feita de reverência, de respeito, de tolerância, de compreensão benevolente das limitações dos outros e da acolhida do Mistério do mundo. Ela alimenta o amor, o cuidado, a vontade de acolher e de ser acolhido, de compreender e de ser compreendido, de perdoar e de ser perdoado.
Num mundo conturbado como o nosso, nada há de mais sensato e nobre do que ancorar nossa busca da paz nesta dimensão espiritual.
Então a paz poderá florescer na Mãe Terra, na imensa comunidade de vida, nas relações entre as culturas e os povos e aquietará o coração humano, cansado de tanto buscar.
(junho de 2010)