Paolo Dall´Oglio: o monge cristão enamorado do Islã
Faustino
Teixeira
PPCIR-UFJF
O padre jesuíta, Paolo Dall´Oglio, nascido em 1954, fundou
em 1991 no deserto de Mar Mussa (Síria), uma importante comunidade monástica
autônoma e mista, dedicada à vida espiritual e ao diálogo interreligioso. Palavras
chave presentes nesta comunidade foram sempre a acolhida e a hospitalidade.
Seguindo com radicalidade um traço da tradição mística sufi presente em
Damasco, Paolo buscou traduzir o que há de mais singelo na espiritualidade do
cotidiano, vivenciado pelos santos muçulmanos desconhecidos. Os assim chamados abdâl, aqueles “amigos de Deus”,
escolhidos para sanar as feridas do mundo mediante o dom de si. Como cerne de
sua vocação monástica, a dedicação a dois amores: Jesus Cristo e os muçulmanos.
Para essa aventura espiritual escolheu um lugar muito especial, um velho
mosteiro que estava em ruínas e que foi descoberto casualmente num guia de
turismo, em 1938. Tratava-se do Mosteiro de Mar Mussa (Mar Mussa el-Habbashi).
Com muito empenho e tenacidade restaura o mosteiro, com ajudas diversificadas,
e ali busca realizar o seu sonho de uma comunidade monástica interreligiosa. Na
bela e áspera paisagem da região tudo converge para uma experiência inédita: o
deserto, o silêncio a beleza e a hospitalidade. Para Paolo, a oração
interreligiosa tinha um lugar de destaque, envolvendo diversos níveis: das
intercessões comuns, da oração litúrgica cristã ou muçulmana, mas também da
acolhida singela do Espírito, que com sua presença inusitada anima o encontro
de irmãos e anuncia uma harmonia futura.
Marco Lucchesi, em sua notas de viagem (Os olhos do deserto
– 2000), relata o encontro que teve com Paolo dall´Oglio – “padre do deserto” –
em sua viagem a Síria. Sinaliza que o projeto do amigo estava todo voltado para
os ideais de Massignon, Gandhi e Charles de Foucauld. No cerne, a dádiva da
hospitalidade. E uma linda proposta de nova ordem religiosa, voltada para o
encontro do rosto de Cristo no Islã. Como sublinha Lucchesi, todos os hóspedes
são ali recebidos como “embaixadores de Deus”. Os novos monges encontram-se em
casa nesse exercício de amor ao outro: sentem-se orientais por vocação e árabes
por seu amor aos muçulmanos. Não visam “assimilações recíprocas” ou “equívocas
misturas”, mas um “horizonte partilhado”, um sonho comum em favor de uma nova
síntese que propicie um “pluralismo na comunhão”. A abertura ao outro, no caso
ao muçulmano, não se dá em razão de uma dúvida a respeito da fé em Jesus
Cristo, mas “em virtude da tranquilidade” que anima essa fé cristã.
Essa linda experiência comunitária e mística foi
interrompida com a expulsão de Paolo Dall´Oglio da Síria, ocorrida em 2012. Em
entrevista publicada no IHU-Notícias (janeiro de 2012), Paolo relatava as
dificuldades que a comunidade de Mar Mussa vinha enfrentando nos últimos
tempos, que coincidiam com os anos de trabalho cultural, partilhado pelos
monges, em favor da cidadania, do amadurecimento democrático e do diálogo
interreligioso. As represálias ao trabalho comunitário ganharam sinalização com
a supressão do parque natural do mosteiro, em 2010, e a suspensão de todas as
atividades promovidas pela comunidade, incluindo os congressos de diálogo
interreligioso. Em março de 2011 veio o bloqueio de autorização de permanência
de Paolo na Síria, e em novembro do mesmo ano a ameaça de sua expulsão. Conseguiu
permanecer na região, mas com a condição de baixar o perfil de sua atuação
política, evitando declarações públicas contra o regime. Ainda que mais
cuidadoso, Paolo não interrompeu suas atividades em favor da paz e o traço
profético de suas denúncias. Em 23 de maio de 2012 lança uma carta aberta a
Kofi Annan, então enviado da ONU na Síria, e isso só aquece a polêmica. Com a
intervenção do núncio apostólico da Síria, que previa sérias retaliações em
razão da mencionada carta, o jesuíta deixa o país.
Já no exterior, Paolo lançou-se a um trabalho incansável em
favor de uma intervenção não violenta de pacificação, com inúmeras propostas em
favor da resolução do conflito, como a criação de um corpo de “acompanhadores”
não violentos de várias partes do mundo, enquanto “expoentes da sociedade civil
planetária”, visando o “amadurecimento democrático da Síria”. Tais iniciativas
não vingaram, para a sua grande tristeza e revolta, também em razão da
polarização e militarização do conflito na região. Diante desta situação, os
cristãos na Síria encontram-se divididos: um importante número se inclina pelo
governo, mas há também os que se engajam nos movimentos de oposição. O cenário
é de guerra civil, com o agravante do fenômeno dos sequestros.
Uma das últimas notícias registradas pelo IHU-Notícias no
Brasil sobre o monge jesuíta, foi a proposta feita por ele de um dia de jejum e
de oração para a reconciliação e a justiça na Síria, previsto para a data de 3
de agosto de 2013, ainda no mês de Ramadã. O objetivo proposta era o de chamar
a atenção de todos para o “massacre perpetrado por um regime criminoso sob os
olhos de nossas sociedades civis”, mas também para o desastroso “jogo de
equilíbrios geopolíticos internacionais”. Seria também um grito em favor da paz
no Islã, de defesa dos refugiados sírios e da reconciliação entre sunitas e
xiitas. Tudo isso visto como um passo essencial para a paz mundial das
religiões e igrejas.
E hoje, dia 30/07/2013, em diversos periódicos italianos,
sai a publicação da notícia sobre o sequestro do padre jesuíta Paolo Dall´Oglio.
Os últimos contatos estabelecidos com ele foram através de e-mails, em 26 de
julho, quando estava em Raqqa, cidade da síria controlada pelos rebeldes.
Depois disso “algo” ocorreu com ele. Fala-se em sequestro, mas não se pode
ainda assegurar isso com toda a certeza. O “monge jesuíta” tinha retornado à
Síria, em fevereiro de 2013, depois de ter sido expulso do país em junho de
2012 pelas autoridades do regime de Damasco, quando então tinha se manifestado
a favor do plano de paz do então enviado especial da ONU para a Síria, Kofi
Annan. Seu retorno ao país onde viveu por 30 anos foi motivado por uma
“peregrinação da dor e do testemunho”, mas também de solidariedade a um povo
submetido por incessantes bombardeamentos. O possível sequestro teria sido
realizado por um grupo de milicianos
nomeado “Estado Islâmico do
Iraque e do Levante”, que envolveria militantes da Al Qaida do Iraque a outros
jihadistas da fronte al Nusra.
Paolo Dall´Oglio, que já tinha publicado recentemente os
livros Amoureux de l´Islam, crouyant en
Jésus (2009) e La sete di Ismaele (2011),
estava preparando a tradução italiano de sua última obra, também publicada na
França, sobre a sua atuação na revolução síria: La collera e la luce. Un prete cattolico nella rivoluzione siriana
(Editrice Missionaria Italiana).
(publicado no IHU-Notícias, de 31/07/2013:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522349-paolo-dalla-oglio-o-monge-cristao-enamorado-do-isla )
(publicado no IHU-Notícias, de 31/07/2013:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522349-paolo-dalla-oglio-o-monge-cristao-enamorado-do-isla )
Respeito, admiração, solidariedade e oração profunda.
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