O itinerário místico de Ernesto Cardenal
Pelo Prof. Dr. Faustino
Teixeira[1]
Juiz de Fora – MG
(PPCIR – UFJF)
Síntese:
Conhecido na América Latina e no Caribe como um poeta revolucionário, Ernesto
Cardenal (1925-) produziu ao longo de sua vida, obras em prosa e em verso que
estão marcadas igualmente por significativa densidade mística. Há que buscar
captar ao longo desse singular itinerário os traços dessa presença espiritual
que talvez esteja na base da riqueza e expressividade de sua vida e produção teórica.
O poeta nicaraguense vem hoje reconhecido por vários autores como um dos mais
fecundos e originais poetas do século XX e revela-se de fundamental importância
desocultar as coordenadas contemplativas presentes na sua rica narrativa.
Palavras-Chave: América Latina, Literatura, Mística, Religião
Introdução
Em âmbito latino-americano, Ernesto
Cardenal veio sempre identificado como um poeta de viva inserção social, como
ativista revolucionário com fortes vínculos com a teologia da libertação. Aqui ficou
conhecido por seus salmos militantes,
pelo singular Evangelho de
Solentiname (1976) e pela atuação na insurreição sandinista e presença
pública no governo, depois do triunfo da revolução, em 1979. Há, porém, um
outro lado de Cardenal que nem sempre veio salientado nos trabalhos e reflexões
em torno de sua obra e trajetória. É o seu perfil espiritual e místico,
destacado precocemente por Thomas Merton, seu orientador na vida monástica,
quando passou pela Trapa, entre os anos de 1957 e 1959. No prólogo de Thomas
Merton para o livro de Cardenal, Vida no
amor, com data de 1966, ele relata que seu noviço nicaraguense já era na
verdade “um mestre” espiritual, tecido com o “sinal da sabedoria e a humildade
do amor”. Reconhece em correspondência para Cardenal, que a obra apresentada, Vida no amor, revelava-se “excelente: em
alguns aspectos igual a Teilhard de Chardin e inclusive melhor, já que ele era
somente meio poeta”[2].
Essa dimensão eclipsada de Ernesto Cardenal, “de altíssima vida espiritual”,
veio na última década destacada pela estudiosa porto riquenha, Luce
López-Baralt. Na visão dessa autora, Cardenal revela-se “um dos místicos
cristãos mais originais do século XX”, e levanta a hipótese de que ele será
conhecido pelas gerações futuras mais como um escritor contemplativo do que
como poeta revolucionário[3].
Outros trabalhos em curso encaminham-se nessa mesma direção, destacando esse
“cântico místico” de Ernesto Cardenal[4]. E
esse é também o objetivo desse artigo, destacar o itinerário místico desse
grande poeta nicaraguense através de um acompanhamento de sua trajetória
existencial.
1.
Acenos biográficos
O enraizamento poético
Ernesto Cardenal nasceu em janeiro
de 1925 na cidade de Granada, na Nicarágua. Sua primeira formação ocorreu com
os jesuítas, no Colégio Centroamérica. Prossegue seus estudos na Faculdade de
Filosofia e Letras da Universidade Autônoma do México, onde conclui sua
licenciatura em Letras, em 1947. Parte em seguida para os Estados Unidos, dando
continuidade a seus estudos nessa área, e a literatura norte-americana em
particular. Permanece em Nova York entre os anos de 1948 e 1949, na
Universidade de Columbia. Nesse período, aprofunda-se na temática da poesia
contemporânea norte-americana, sobretudo os poetas do movimento literário imagismo, com destaque para Ezra Pound,
mas também Robert Frost, Carl Sandburg, William Carlos Wiliams e Walt Whitman[5].
Os estudos críticos sobre a obra literária de Cardenal coincidem nessa
percepção do influxo de Ezra Pound em sua poesia. Foi um encontro que
proporcionou uma significativa mudança em seu estilo poético e abertura
decisiva para a compreensão da potencialidade poética de toda a realidade. A
ideia de que “em poesia cabe tudo”, como o mesmo Cardenal bem sintetizou[6].
Cardenal retorna à Nicaragua em 1950
e dá continuidade ao trabalho de tradução e divulgação da obra de grandes
poetas norte-americanos. Junto com Coronel Urtecho publica uma volumosa
coletânea: Antologia da poesia
norte-americana, publicada pela Editorial Aguillar. Dedica-se igualmente a
divulgar a poesia nicaraguense, dando a conhecer autores como Afonso Cortés,
Pablo Antonio Quadra, entre outros. Com
a parceria de Coronel Urtecho define uma nova forma de expressão poética, por
eles nomeada como “exteriorismo”. Trata-se de um novo caminho de percepção
poética, “que se faz com os elementos do mundo exterior”; uma poesia penetrada
pelos acontecimentos, coisas e pessoas[7]. O
manifesto dessa nova maneira de compor veio expresso num clássico texto de
Cardenal: Unas regras para escribir poesia[8],
que traduz de forma viva a sua percepção a respeito. Dentre suas indicações
sublinha a preferência pelo concreto, a naturalidade da linguagem falada e sua
condensação[9],
evitando o que não é absolutamente necessário, e a sensibilização tátil e
gustativa. Para Cardenal, a poesia, mais do que devedora a ideias, deve ser
receptiva a tudo o que entra pelos sentidos.
O
enraizamento amoroso
Como expressão de sua viva
experiência relacional, depois de seu retorno à Nicarágua, Cardenal escreveu
lindos epigramas amorosos. Um poeta de muitos amores, como ele mesmo destaca em
suas memórias. Esses epigramas foram escritos entre os anos de 1952 e 1956.
Cardenal relata em suas memórias, que já no tempo de seus estudos no México, as
aulas não traduziam o seu maior interesse. A vida que corria lá fora, nos cafés
e nos bares, essa sim habitava intensamente o seu coração. Ali encontrava seus
amigos e seus amores, entre os quais Conchita Mantecón e Meche, esta última
evocada no seu Cântico Cósmico[10].
Em seus epigramas aborda, sobretudo, os amores não correspondidos, que a seu
ver são mais inspiradores[11].
Relata o dilema que sempre o acompanhou: a sedução de Deus e o amor às mulheres
(suas muchachas). Ocorria-lhe, às
vezes, ter duas vidas para corresponder a esses dois amores e aplacar essa
dupla atração, irresistível, de entrega total a Deus e de entrega à união
conjugal. O dilema envolvia sua vida e seus sonhos. Sentia-se “perseguido por
Deus”, tinha plena consciência disso, e essa presença revertia-se em pânico
diante de situações concretas onde vinha convocado a tomar uma decisão mais
definitiva em sua vida. Dizia: “Deus me perseguia e eu perseguia as muchachas”[12].
Essas “muchachas em flor” estavam
sempre ao seu redor, com sua sedução e encanto. Não havia como delas se desvencilhar.
Seus nomes permeiam suas memórias: Carmen, Sylvia, Adelita, Claudia, Myriam,
Melba, Martha, Virgínia. Ao grande amor de sua vida, Carmen, dedicou um livro
de poemas, escrito entre os anos de 1943 a 1947: Carmen y otros poemas[13].
Num dos versos que revela uma sensibilidade próxima a Pablo Neruda já se
consegue vislumbrar o singular “afã espiritual” de Cardenal, capaz de
desocultar na presença de Carmen a transparência de uma alma ainda mais bela,
resguardada pelo mistério:
Porque no es
cabello solamente
no
es la sonrisa sólo; no es el labio;
ni
la nariz que al verla yo perfillo;
que
yo mismo la formo con delicia.
No
es solamente el cuerpo ni el rostro en el aire.
Debajo
de la piel hay otra niña.
Otra
muchacha bela que se esconde;
que
en la mirada muda, en el cabello
alguna
vez se puede asomar de pronto.
¡Cómo sería
entonces su beleza!
¡Oh, su cutis, su piel alegre, suave!
Sus
cabellos detrás de los cabellos.
Detrás
de ella, ella misma, ¡tan Hermosa![14]
Carmen foi seu primeiro amor, que irrompeu na cidade de Granada, quando
os dois eram ainda muito jovens: ele com dezoito anos e ela com quatorze.
Relata em suas memórias que jamais havia sentido tamanha beleza feminina e
compara a densidade desse enamoramento com a experiência de sua conversão,
ocorrida em junho de 1956, com a diferença de que em seu enamoramento ocorreu a
experiência de amor a uma muchacha e
não a Deus[15].
É no primeiro amor, sublinha Cardenal, que se dá o verdadeiro amor. Com ele, o
traço de um “verdadeiro enlouquecimento”, e que não permite a partilha de um
outro amor[16].
Dentre os epigramas
mais populares escritos por Cardenal estão aqueles dedicados a Cláudia Argüello, outro grande amor na sua vida. Um amor que acabou não
correspondido. O mais conhecido de seus epigramas, que é um dos mais singelos,
vem dedicado a ela, e foi escrito justamente depois de uma triste despedida:
Al perderte yo a tí tú y yo hemos perdido:
Al perderte yo a tí tú y yo hemos perdido:
yo
porque tú eras lo que yo más amaba
y
tú porque yo era el que te amaba más.
Pero
de nosotros dos tú pierdes más que yo:
porque
yo podré amar a otras como te amaba a ti
pero
a ti no te amarán como te amaba yo[17].
Cardenal tinha predileção pelas muchachas
mais jovens, como é o caso de Myriam, a quem dedicou também um lindo epigrama,
em que capta não apenas a beleza daquela jovem, “delicada como uma mariposa
amarela”, mas algo mais, como uma “beleza mais além de sua beleza”, como
naquele dia em que a viu entrar na catedral para a missa dominical:
Ayer
te vi en la calle, Myriam, y
te
vi tan bella, Myrian, que
(¡cómo te explico qué bella te vi!)
ni
tú, Myrian, te puedes ver tan bella ni
imaginar
que puedas ser tan bella para mí.
Y
tan bella te vi que me parece que
ninguna
mujer es más bella que tú
ni
ningún enamorado ve ninguna mujer
tan
bella, Myriam, como yo te veo a ti
y
tú misma, Myrian, eres quizás tan bella
¡porque
no puede ser real tanta belleza!
Como
yo te vi bella ayer en la calle,
o
como hoy me parece, Myriam, que te vi[18].
Outra grande paixão de Cardenal foi
Ileana, a jovem de dezoito anos que envolveu seu coração. Assim como Cardenal,
ela tinha paixão pela escultura, e os dois se encontraram nas sessões de
modelagem do barro. Dessa singela amizade brotou um grande amor, cultivado com
um respeito sagrado. Mas igualmente com ela o amor não vingou. Cardenal relata
em suas memórias que ela numa noite pediu a ele para não mais retornar sem
acrescentar nenhuma explicação. Ele a despediu com um beijo e ficaram as
lágrimas. A ela dedicou depois um epigrama, escrito numa das noites marcadas
por sua distante ausência:
Ileana: la Galaxia de Andrómeda,
a 700.000 años luz,
que se
puede mirar a simple vista en una noche clara,
está más
cerca que tú.
Otros ojos
solitarios estarán mirándome desde Andrómeda,
en la noche
de ellos. Yo a ti no te veo.
Ileana: la
distancia es tiempo, y el tiempo vuela.
A 200
millones de millas por hora el universo
se está
expandiendo hacia la Nada.
Y tú estás
lejos de mí como a millones de años.
Essa mesma Ileana esteve presente na “hora cero” de Cardenal, ou seja,
naquele momento decisivo, kairológico, de sua conversão a Deus[19],
em dois de junho de 1956, ao meio dia, quando estava em sua livraria. Ali,
naquele mesmo local, ouviu as estridentes sirenes da caravana de Somoza, dos
carros que em cortejo voltavam das bodas de Ileana, celebradas na catedral da
cidade[20].
Naquele dia e naquela hora, Cardenal rendeu-se a Deus. Esse episódio será
recordado por Cardenal trinta e sete anos depois, num poema de seu Telescopio en la noche oscura:
Mi Consuelo es recordar lo que me hiciste aquel 2 de junio
Ahora estás tan lejos de mí como Ileana ¿te acuerdas?
y la galaxia de Andrómeda.
Quando Ileana estaba más lejos de mí en la calle
Candelaria
Que la galaxia de Andrómeda.
Mi Consuelo es recorder lo que me hiciste aquel 2 de
junio
Hace 37 años[21].
Em meio a
tantos “conflitos de enamoramentos” Cardenal visualiza a presença de Deus, de
um Deus “ciumento” que não suporta partilhas. E no dilema que sempre o
acompanhou, entre a escolha do amor humano ou de Deus, esse último sai
vitorioso, tendo como ponto de arranque a experiência da conversão. Relata em
suas memórias que “estava condenado a ser de Deus”, daquele Deus que o perseguia
sempre, com artimanhas das mais diversificadas, e de um Deus que é “beleza
antiga”, mas “sempre nova”, como aponta Agostinho[22].
De forma muito curiosa, o penúltimo epigrama amoroso de Cardenal vem dedicado
“vagamente a Deus”, como ele mesmo expressa, ou como uma “queixa da alma a
Deus”. Trata-se de um epigrama muito sugestivo:
Como canta de noche la esquirina[23]
al esquirín
que está sobre otra rama:
“Esquirín,
si
quierés que vaya, iré
si
quierés que vaya, iré”
Y a su rama
la llama el esquirín:
“Esquirina,
si
querés venir, vení,
si
querés venir, vení”,
y cuando
ella se va donde él está
el esquirín
se va para otra rama:
así
te llamo yo a ti,
y
tú te vas.
Así
te llamo yo a ti,
Y
tú te vas.”[24]
A
experiência da conversão
Algo profundamente significativo
ocorreu com Cardenal em junho de 1956, e que vem identificado com sua
experiência de conversão. Foi, na verdade, um profundo êxtase místico que
transformou a sua vida. Como assinala Luce López-Baralt, “o que experimentou
Cardenal no 2 de junho de 1956 mudou sua existência para sempre: foi o que nele
detonou não apenas uma ampla experiência contemplativa mas também uma vida
inteira dedicada ao serviço de seu povo oprimido”[25].
Na visão de Cardenal, foi como uma “morte”: “Eu morri naquele 2 de junho”[26].
Em suas memórias há o relato vivo desse acontecimento arrebatador. Era um
sábado, meio dia, e se realizava uma cerimônia de casamento na catedral da Nicarágua,
e a noiva era uma ex namorada sua, Ileana. Ele estava na livraria onde
trabalhava, atendendo uma jovem, quando ouviu as estridentes sirenes da
caravana de Somoza, que retornava da cerimônia realizada na catedral,
atravessando rapidamente a Avenida Roosevelt. Para Cardenal, as rumorosas
sirenes soaram como “clarins de triunfo” e naquele momento, como num flash, sua mente vivenciou uma
“superposição de Deus e do ditador como se fossem um só”, um só a triunfar
sobre ele. Em seguida veio um grande abatimento, que ele relata como semelhante
ao expresso no salmo 130 ( De Profundis): “Das profundezas clamo a
ti, Iahweh: Senhor, ouve o meu grito!”. Foi quando então se rendeu a Deus:
Disse, do mais fundo de minha alma: Me entrego (...). Ao fazer essa entrega
senti em mim um vazio que não tenho outra maneira de qualificá-lo senão como
´cósmico`. A pobreza total dentro de mim. Estava já sem nada (...). E
senti que entrava dentro de minha alma
como uma brisa, algo sutil de que já havia provado antes um pouquinho: a paz de
santo Inácio (...)[27].
Na
medida em que se entregava a Deus, que se deixava acercar-se dele,
experimentava uma “paz muito saborosa”, um grande deleite, um prazer imenso,
que crescia em intensidade a ponto de se tornar intolerável. E sentia que Deus
instaurava uma comunicação, e dizia: “Isto é o que eu queria há tanto tempo.
Agora sim já nos unimos”. E o relato vivo de Cardenal impressiona: “E minha
alma se sentia suja, se sentia envergonhada. E enquanto me apertava cada vez
mais, era abraçado mais e mais forte por um prazer sem limite”. Roga então a Deus
para que interrompa o prazer, pois ele conduz à morte. Não há como prolongar
sem sofrimento tal gozo. E como resultado de tudo isso, que se passou tão
rapidamente, a presença de um sentimento de atordoamento, e a percepção de que
sua vida iria mudar completamente[28].
Como tende a acontecer com
experiências semelhantes vivenciadas por místicos de tradições diferenciadas,
nem sempre o relato do ocorrido vem expresso imediatamente[29].
Busca-se guardar silêncio, como uma forma de reverência ao que de sublime ocorreu
com o sujeito em dado momento de sua vida. Isso também se passou com Cardenal,
que só tratou explicitamente dessa questão bem mais tarde. Ele indica em suas
memórias que foi se consultar sobre sua vocação com seu conselheiro espiritual,
padre Elizondo e falou sobre o episódio. Foi por ele orientado a não divulgar o
ocorrido, “a não ser por razões muito especiais”, e reforçou sua posição com a
sabedoria de santa Teresa, para a qual os “segredos do Rei” devem permanecer
resguardados[30]. E Cardenal assim procedeu. Só depois de dez
anos, na sua obra Vida no amor,
expressa o significado de seu “transe extático” de julho de 1956, sem porém
revelar que ele tinha sido o sujeito de tal experiência. O relato, de uma
beleza única, fala por si:
De repente a alma sente Sua presença numa forma
em que não pode equivocar-se e com tremor e espanto exclama: ´tu deves ser
aquele que fez o céu e a terra!` E quer esconder-se e desaparecer dessa
presença e não pode, porque está como entre a espada e a parede, está entre Ele
e Ele, e não tem onde escapar, porque essa presença invade céus e terra e a
invade também a ela totalmente, e ela está em Seus braços. E a alma que
perseguiu a felicidade toda a sua vida sem saciar-se nunca e procurando todos
os instantes a beleza, o prazer e a felicidade e o gozo, querendo sempre gozar
mais e mais, agora em agonia, afogada num oceano de deleite insuportável, sem
margens e sem fundos, exclama: ´basta, basta! Não me faças gozar mais, se me
amas, porque eu morro!` Penetrada de uma doçura tão intensa que se transforma
em dor, uma dor indescritível, como algo agridoce que fosse infinitamente
amargo e infinitamente doce. Tudo é talvez em um segundo, e talvez não voltará
a repetir-se em toda a sua vida, mas quando esse segundo passou a alma entende
que toda a beleza e as alegrias e os gozos da terra ficaram desvanecidos, são
´como esterco` como disseram os santos (Skybala,
´merda`, como diz São Paulo) e já não poderá gozar jamais em nada que não seja
Isso e vê que sua vida será a partir de então uma vida de tortura e de martírio
porque enlouqueceu, está louco de amor e de nostalgia do que provou, e vai
sofrer todos os sofrimentos e todas as torturas contanto que venha provar uma
segunda vez, um segundo mais, uma gota mais, essa presença. Amizades, vinho,
mulheres, viagens, festas, tudo se desvaneceu para sempre e a alma já não
conhecerá jamais outra alegria maior do que a felicidade que sentiu[31].
A sua
experiência de conversão, aludida na obra Vida
no amor, vem extensamente descrita no seu primeiro volume de memórias. Não
queria deixar passar em branco o que lhe havia sucedido naquela ocasião, e aos
72 anos de idade busca registrar por escrito. E a mesma experiência vem
descrita com grande liberdade e em cores bem erotizadas no seu livro de poemas Telescopio en la noche oscura:
Cuando
aquel mediodía del 2 de junio, un sábado,
Somoza
García pasó como rayo por la Avenida Roosevelt
sonando
todas las bocinas para espantar el tráfico,
en ese
mismo instante, igual que su triunfal caravana
así
triunfal tú también entraste de pronto dentro de mí
y mi almita
indefensa querendo tapar sus vergüenzas.
Fue casi
violación,
pero
consentida,
no podía
ser de otro modo,
y aquella
invasión del placer
hasta casi
morir,
y decir: ya
no más
que me
matas.
Tanto
placer que produce tanto dolor.
Como una
especie de penetración[32].
A vida na
Trapa e o influxo de Thomas Merton
Após a intensa experiência daquela
sábado de junho, Cardenal buscou alimento espiritual nas páginas de João da
Cruz. Ao chegar em casa, recebido por sua avó, Agustina, com quem compartia
muitas leituras, mostrou a obra espiritual que trazia para a meditação do final
de semana. A reação imediata da avó foi assinalar que ele tinha vocação
religiosa e que deveria entrar numa ordem religiosa. E ao perguntar ele sobre a
que ordem ingressar, a resposta veio imediata: “Trapense como Thomas Merton”. E
a resposta, como um raio, produziu nele uma faísca de convicção fulminante[33].
Guarda por algum tempo essa convicção em seu coração, e quando a revela produz
surpresa e espanto tanto na família como entre os amigos. Mas segue em frente.
Antes de ingressar na Trapa recebe uma linda carta de Thomas Merton, então
mestre de noviços, tranquilizando-o face a alguns possíveis temores[34].
Dizia que o ingresso ali não significaria para ele nenhuma mudança brusca em
sua vida, e que poderia manter acesa sua “autêntica personalidade”, querida e
aceita por Deus[35].
O ingresso no noviciado da Trapa em
Gethsemani, no estado de Kentucky (EUA), ocorreu na primavera de 1957, num mês
florido de maio. No noviciado recebe o habito e também um novo nome, Frater
Lawrence. Aos poucos vai se adaptando à nova vida, bem pesada para o seu ritmo
habitual. A vida ali começava bem cedo, às quatro da manhã, com a missa
celebrada por Thomas Merton na capela do noviciado, finalizando os trabalhos às
sete da noite. E durante o dia, uma rotina pesada de leituras privadas, aulas e
práticas com o mestre de noviços, canto coral, momentos de ofício, missa solene e as aulas de latim. O ritmo de
vida no mosteiro era privado de qualquer distração. Predominava o compasso do
silêncio, ao qual Cardenal se adaptou bem, pois lhe era conatural. O mosteiro
congregava na época em torno de duzentos membros, entre os quais vinte noviços,
depois acrescidos de novos adeptos.
Mesmo na condição de mestre de
noviços, Merton levantava muitas ponderações ao estilo de vida levado na Trapa.
Suas críticas ao mosteiro e à vida monástica em geral provocavam desassossego
em Cardenal[36].
No início ele, Cardenal, estranhou a postura livre e aberta de Merton e
resistia ao traço renovador de sua atuação junto aos noviços. Essas críticas
ele não as fazia publicamente ou nas conferências aos noviços, mas privadamente
a Cardenal, com quem sentia maior familiaridade e sintonia. Dizia a ele que a
ordem trapista não era para poetas como eles, assim como os quarteis ou
academias militares. Mas por alguma razão Deus os havia escolhido para estar
ali. Cardenal relata que aos poucos foi se identificando com Merton e seu
pensamento renovador, superando assim suas inquietudes iniciais. Aos poucos
“estava já na conspiração”[37].
O grande sonho de Merton, relata
Cardenal, era uma fundação latino-americana, um mosteiro diferente:
um mosteiro pequeno, revolucionário, talvez sem
hábito, onde se pudesse ter uma vida simples e em contato com a terra, com os
índios e com Deus, e onde se pudesse cultivar as artes não como mero
´apostolado` mas por seu valor intrínseco; e onde também se pudesse manter
contato com os movimentos artísticos da capital e acolher escritores e artistas
para descansar e criar[38].
Durante os
dois anos e três meses passados na Trapa, Cardenal se encantou com Merton, com
sua simpatia, receptividade e poder de comunicação. Ele tinha um cuidado
especial com todos e um magnetismo que se irradiava por todo canto. E também um
extraordinário senso de humor. Não tinha, como informa Cardenal, “nenhuma
auréola especial de misticismo. E à primeira vista seu rosto não irradiava nada
de extraordinário. Ao contrário, o que irradiava, se assim se pode dizer, é que
era uma pessoa completamente ordinária. O que tinha de extraordinário era a
grande simpatia que comunicava desde o primeiro contato com ele; tinha o dom da
congenialidade”[39].
Para Cardenal, um dos grande
aprendizados recebidos de Merton foi a percepção de uma fina sintonia entre
vida contemplativa e vida ativa[40].
Em sua direção espiritual, Merton conseguiu destacar que a verdadeira vida
espiritual está profundamente ligada ao interesse humano. Com seu “método zen”,
Merton suscitou uma dinâmica espiritual encarnada, uma vida contemplativa
inserida no tempo. Dizia que “a vida do contemplativo era simplesmente viver,
como o peixe na água”, e que tudo que envolve a história tem um sabor de vida
espiritual, ou seja, que a vida de todo o dia é a “única vida espiritual”, não
havendo outra[41].
Percebe-se que são traços que vão acompanhar Cardenal em sua trajetória
espiritual.
Pode-se também indicar o influxo de
Merton na abertura interreligiosa de Cardenal. Este dado veio expresso por
Santiago Daydí-Tolson na introdução do livro contendo a correspondência entre
Merton e Cardenal. Esse autor fala do incentivo dado por Merton em suas lições
aos noviços da Trapa ao conhecimento e aprofundamento da espiritualidade dos
povos indígenas[42] e
da necessária abertura às religiões pré-cristãs. Mas pode-se igualmente
sublinhar uma sensibilização interreligiosa ainda mais ampla, envolvendo a
mística oriental e o sufismo[43].
A experiência na Trapa favoreceu a
Cardenal um clima essencial para seu exercício contemplativo, bem como espaço
propício para o seu amadurecimento pessoal. Os dois anos de vida monástica
proporcionaram o alimento para três obras importantes do místico nicaraguense: Vida no amor, Gethsêmani, Ky e os Salmos.
Na primeira obra, Vida no amor, que é
um breve “tratado místico em prosa”, destaca-se o convite de aperfeiçoamento do
olhar para a percepção da presença universal do amor[44].
Para que se dê essa percepção, torna-se necessário um radical exercício de
despojamento e desapego. Na verdade, indica Cardenal, o maior obstáculo para a
experiência profunda de Deus é o próprio ego com seus limites. Na segunda obra,
Gethsêmani, Ky, encontram-se poemas
que traduzem traços singulares da espiritualidade, marcados por concisão que
lembra a literatura chinesa[45].
Por fim, Os salmos, traduzem a veia
profética de Cardenal, ou seja, uma
mudança de toque poético, distinta da lírica “delicada e intimista” presente de
livros anteriores e pontuada agora por dinâmica ativa[46].
Trata-se de uma tradução atual dos salmos, profundamente atenta aos sinais dos
tempos. Em carta escrita por Merton a Cardenal sinaliza: “Teus Salmos são
estupendos”. É a versão que a seu ver deveria estar sendo cantado no coro dos
monges[47].
Os passos
sucessivos e a fundação de Solentiname
A permanência de Cardenal na Trapa
foi interrompida por questões de saúde. Em razão de problemas estomacais e de
dores de cabeça crônicas, foi aconselhado pelo médico do mosteiro a buscar um
clima diverso. Parte então para o México, em 1959, com o propósito de dar
continuidade aos seus estudos visando a ordenação sacerdotal. Permanece ali até
1961, vinculado ao mosteiro beneditino de Cuernavava. Segue depois para a
Colômbia, na cidade de La Ceja, ingressando no Seminário de Cristo Sacerdote,
indicado para as vocações tardias. O seminário estava muito bem localizado,
circundado por bela paisagem dos Andes, em meio a lindas montanhas e colinas
verdes. Pôde ali refletir com calma sobre a sua vocação, mas também sobre a sua
“vida perdida”, que deu o título ao seu primeiro volume de memórias. Medita
intensamente sobre o amor, essa breve palavra que traduz tudo aquilo que buscou
e pontuou o seu saber. Reflete sobre o seu primeiro e grande amor, Carmen,
arrancado por Deus, com quem encontrou um “amor correspondido”. E relata, com
melancolia, que foi esse amor que fez de sua vida uma “vida perdida. Perdida no
mosteiro trapista, perdida em Cuernavaca, perdida agora no seminário, e
perdida, sem remédio, para o resto da
vida”[48].
O tema vem
retomado em poema do Telescopio en la
noche oscura:
Mi felicidade fue poca. La soledad es total.
Yo quien un
día fui tan romántico enamorado:
abrazar sin
brazos, amar sin emociones.
Dulce
sería llorar pero es retórico.
Tal vez te
gustó lo romántico y enamorado.
De
entre cien mil me escogiste.
Atrás
quedaron los epigramas y las muchachas[49].
Apesar das perdas, manifesta alegria de viver essa nova experiência
espiritual, resultado de sua intensa busca anterior. Reconhece que os “beijos
limitados não saciam uma alma que quer uma eternidade de beijos”. Por decisão
pessoal tinha devotado sua vida a Deus, e por ele vestia agora uma “feia batina
preta”. Relata em suas memórias que apertava Deus junto ao peito, buscava unir
sua alma à Dele, deixando-se inundar por seu amor. E seu caso com ele era de um
ritmo de amor diferente: “um amor sem lábios, sem peitos para tocar, um amor
sem nada, o puro amor”. Ao relembrar sua ligação amorosa com as muchachas, reconhece que ali havia um
reflexo de Deus. Isso não nega em momento algum. Mas reconhece igualmente que nenhuma
delas era Deus, ainda que tão lindas. Nenhuma delas “era a beleza total, mas
apenas reflexos fragmentados dessa beleza, como pedaços de um espelho roto”.
Depois do encontro com Deus, o resplendor de seus rostos perdeu o viço, como o
brilho de uma vela diante da grandeza do sol. O que elas significavam agora era
pouco ou quase nada, depois que pôde experimentar “um gole, só um gole, do
deleite de Deus”[50]. Lembra ainda que não foi ele quem buscou a
Deus, mas foi Deus quem o escolheu muito antes, podendo agora gozar a riqueza
dessa “intimidade com o infinito”[51].
E sobre como explicar essa intimidade relata:
É uma união dentro do uno, e sem senti-lo com os
sentidos, sinto-o, sua frente sobre minha frente, seus olhos sobre meus olhos,
sua boca sobre minha boca, tão próxima de mim que já não sei qual é qual, qual
sou eu e qual é Ele, onde começa Ele e onde acabo eu, porque já Ele e eu somo
um, um só tu e um só eu, um tu que é eu e um eu que é tu. Fecho os olhos e o
sinto junto a mim, e o sinto cada vez mais perto, e está sobre mim, e seu rosto
e meu rosto transformam-se num só rosto, mas não necessito fechar os olhos para
que esteja sobre mim, mesmo que não o pense, está sobre mim, o amante sobre o
amante. E entretanto a alma está abraçada com o nada[52].
Depois de
concluir os seus estudos sacerdotais na Colômbia, Cardenal ordena-se em agosto
de 1965 em Manágua. Thomas Merton não esteve presente na cerimônia, mas mandou
uma expressiva carta, onde sinaliza que Cardeal teve uma vida abençoada, com
uma evidente vocação divina. Encoraja o místico nicaraguense a seguir firme no
seu caminho, sempre acompanhado pela presença imorredoura do Espírito. E lança
um singular desafio espiritual: manter acesa a coragem, sem temor, jogando-se
nos braços de Deus como um menino. E dessa forma, terá muito o que fazer pelo
seu país[53].
Depois de sua ordenação, Cardenal
viaja aos Estados Unidos para se encontrar com Merton e buscar orientações para
a criação de uma comunidade contemplativa na Nicarágua[54].
O seu sonho, como também de Merton, era criar uma comunidade contemplativa
leiga, enraizada no silêncio e na solidariedade. Merton não obteve autorização
para sair de sua comunidade, tendo Cardenal que levar o seu projeto sem sua
parceria. A comunidade nasce em 1966, com o nome de Nossa Senhora de
Solentiname, situada no lindo arquipélago de mesmo nome, muito pouco visitado[55].
Dizia Cardenal que o lugar era bem adequado para a presença de uma comunidade
contemplativa, fazendo recordar as “ilhas estranhas” de João da Cruz.
Seguindo a ideia dada por Merton de
que a primeira regra é “não ter regras”, Cardenal buscou uma presença diferente
de comunidade contemplativa. O hábito escolhido era uma vestimenta bem
tradicional na Nicarágua: uma bata branca de algodão, bem simples e singela. Acompanhando
essa bata, uma calça jeans e sandália. Acrescentou-se depois a boina, que
ganhou uma conotação
revolucionária. Junto com a
dinâmica espiritual e contemplativa, Solentiname representou também toda a
irradiação de um trabalho alternativo de agricultura cooperativa, bem como um
polo de vitalidade cultural, com importantes trabalhos nos âmbitos da pintura,
da poesia e do artesanato.
Alguns participantes da comunidade ficaram bem conhecidos, em razão do
livro de Cardenal El evangelio en
Solentiname: William e Teresita, Marcelino, Rebeca, Laureano, Elbis,
Felipe, Tomás Peña, Alejandro, Pancho, Julio Mairena e Óscar. Os famosos
diálogos de Solentiname, na verdade os comentários evangélicos das missas
dominicais, tecidos pelos participantes da comunidade ganharam grande
irradiação, mesmo internacional, com as traduções feitas do livro para diversos
países, incluindo o Japão e as Filipinas. Cardenal sublinha que esse livro,
publicado originalmente em inglês, em 1976[56], é a melhor de suas obras, e precisamente pelo
fato de não ter sido ele o seu verdadeiro autor, mas os membros da comunidade
de Solentiname[57].
Com o avançar do processo
revolucionário nicaraguense, a comunidade de Solentiname foi cada vez mais se
identificando e se comprometendo com a dinâmica sandinista, sendo que ao final
praticamente toda a comunidade estava nela incorporada. Foi um comprometimento
que nasceu da leitura e partilha comunitária dos evangelhos, antecendendo uma
prática que foi muito comum em toda a América Latina, com os círculos bíblicos
e as comunidades eclesiais de base. No dizer de Cardenal, foi o Evangelho mesmo
que suscitou tal radicalização, fazendo revolucionários os membros da
comunidade[58].
Em entrevista concedida a Hermann Schulz e publicada em livro no ano de 1972,
Cardenal afirma: “Na realidade, eu me politizei com a vida contemplativa. A
meditação, o aprofundamento, a mística é o que favoreceu minha radicalização
política. Não foi pela leitura de Marx, mas por Cristo. Pode-se dizer que o e
evangelho me fez marxista”[59].
Há que sublinhar que no curso desse processo, ocorreu também uma
viagem de Cardenal a Cuba, em 1970. Essa viagem vem por ele reconhecida como
lugar de uma “segunda conversão”[60],
e ocasião de verdadeira “revelação”. Foi quando se deu conta de que o marxismo
era a solução para a América Latina[61].
A comunidade de Solentiname acabou sofrendo os reveses da revolução sandinista,
sendo destruída pela Guarda de Somoza, em 1977, em represália a um assalto
realizado no quartel de uma cidade vizinha, San Carlos, em que membros da
comunidade de Solentiname tiveram participação[62].
Cardenal e outros membros da comunidade tiveram que partir para o exílio.
Alguns se tornaram “mártires da revolução”, antes mesmo de seu triunfo, como
Felipe, Elbis e Donald.
A experiência
no governo
Com a vitória da revolução
sandinista, em 1979, Cardenal foi convidado a integrar o governo como ministro
da cultura. Ele aceitou o encargo e teve uma singular atuação ao longo de seu
exercício. Cabe destacar o seu empenho em favor das oficinas de poesia e a
criação de uma espécie de regras para os aprendizes de poesi[63].
Essas oficinas representaram uma “espécie de alfabetização da poesia”, voltada
para os interessados em aprender esse ofício. Na visão de Cardenal, foi o
programa “mais importante do ministério da cultura”. Ocorreu também o
ressurgimento do folclore, o fomento da culinária popular, da cerâmica e do
artesanato. E ainda a reabertura da Escola Nacional de Música e o incentivo ao
teatro popular[64].
Em entrevista concedida a Teófilo Cabestrero, relata sua experiência no
ministério: “Agora que me coube este outro ministério, além do sacerdotal: o da
cultura, tenho como encargo promover toda a cultura do país (...). Juntamente
aos bens materiais, também são prioritários os bens espirituais. Não concebemos
o bem-estar material se não é acompanhado do bem-estar espiritual. E assim como
Cristo encarregou seus apóstolos de repartir os pães e os peixes, sinto que Ele
me encarregou de repartir a cultura[65]”.
O compromisso assumido no ministério
da cultura ocorreu com sacrifícios para Cardenal, sobretudo a renúncia à sua
atividade literária, em razão da exiguidade de tempo disponível. Isso já tinha
ocorrido antes, de certa forma, durante sua experiência na Trapa, onde também
encontrou resistências ao seu trabalho
de escritor. Mas nesse período de ação no governo a quebra no seu trabalho
literário foi muito mais marcante, com repercussões na sua produção poética[66].
A sua relação com a igreja católica
também ficou prejudicada nesse período, em razão das resistências eclesiais ao
seu empenho político oficial. Ficou conhecido o episódio da admoestação pública
de João Paulo II, durante sua visita à Nicarágua, em 1983, quando apontou
duramente o dedo para Cardenal, que estava de joelhos para saudá-lo[67].
O Vaticano queria que ele abandonasse o cargo no Ministério da Cultura. Não
tendo isso ocorrido, veio então, em 1985, a suspensão de seu sacerdócio a divinis, durante o mesmo pontificado
de João Paulo II.
A retomada
da produção literária
A atividade literária de Ernesto
Cardenal, interrompida no período em que esteve no governo sandinista, ganha novamente
lugar por volta de 1989, quando deixa o cargo de ministro da cultura. Nesse
período destaca-se a publicação de uma das mais importantes obras de seu repertório
reflexivo, Cântico Cósmico, onde
retoma o filão de seu discurso místico. Trata-se de uma obra que impressiona:
são 43 cantigas que se apresentam numa volumosa obra de quase seiscentas
páginas[68].
Veio identificada como uma “épica astrofísica”[69],
onde se percebe a presença e radicalização do pensamento Teilhardiano, numa
impressionante celebração do sentido do universo. Como indica o teólogo Jürgen
Moltmann, o livro constitui “uma maravilhosa abertura ao novo mundo invadido
pelo Espírito, aquele que nos fará redescobrir a imanência de Deus escondida na
natureza e sua presença em todas as criaturas”[70].
Destaca-se também nessa obra a ousadia literária. Se no seu primeiro tratado em
prosa, Vida no Amor, o autor
apresentava-se ainda “cauteloso em suas expressões”, nos versos do Cântico percebe-se uma viva “desnudez
expressiva”[71]. A penúltima cantiga do Cântico, de número 42, vem toda ela dedicada à experiência mística,
e é de uma beleza impar.
Quase como uma sequência ao Cântico, insere-se outra obra poética, Telescopio en la noche oscura, escrita
entre os anos 1992 e 1993. Seguindo um semelhante estilo poundiano, a nova obra
revela-se com uma “força poética extraordinária”, e com um toque místico
vivamente erotizado. O amor ao divino vem celebrado com cores vivas, com
requintes de grande e ousada intimidade:
Para mí la
gloria es
Tener a Dios
en mi cama o en la hamaca.
Gocémonos.
Los
alcaravanes van volando
Gocémonos,
amado[72].
Dedica-se
também Cardenal, nesse período, a redigir suas memórias, que serão publicadas
em três volumes. O primeiro deles, Vida
perdida (1999), traz no título uma alusão ao evangelho de Lucas: “Aquele
que quiser salvar a sua vida vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por
causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,24). Nesse primeiro volume, o tema
referencial é o de sua busca de Deus, com um vivo influxo de João da Cruz.
Relata as experiências que antecederam sua conversão, o momento crucial de seu
encontro com Deus, sua presença na Trapa, o contato e influxo de Thomas Merton
e a sequência de sua formação sacerdotal em Cuernava (México). No segundo
volume, Las ínsulas extrañas (2002),
aborda os anos de sua presença no Seminário de Cristo Sacerdote (Colômbia), sua
ordenação sacerdotal e a rica experiência contemplativa em Solentiname, na
Nicarágua. Aborda-se, ao final, o processo de ampliação da consciência crítica
vivido na comunidade e os passos de comprometimento do grupo com a revolução
sandinista. No último volume, La
revolución perdida (2004), o tema central da abordagem é o processo que
levou à vitória da revolução nicaraguense, em 1979. Um processo que teve
momentos difíceis, como a destruição da comunidade de Solentiname pelas forças
de Somoza, mas que acabou vitorioso. Uma parte importante da obra, que trata do
triunfo revolucionário como “triunfo da poesia”, acompanha a presença e os
feitos de Cardenal no ministério da cultura. Na conclusão, a descrição da
derrota da revolução sandinista, para além das predições, e a vitória de
Violeta Chamorro nas urnas (1990). Para Cardenal, foi o “maior pesadelo”, a
noite “mais obscura” de sua vida. E conclui dizendo de forma otimista que toda
revolução traduz uma aproximação do Reino dos Céus, mesmo quando é uma
“revolução perdida”. Outras revoluções virão, sentencia: “Peçamos a Deus que
seja feita sua revolução na terra como no céu”[73].
Dentre suas últimas obras
encontram-se Versos do pluriverso
(2005) e Este mundo y otro (2011). A
primera tem uma proximidade temática ao Cântico
Cósmico. Como mostra López-Baralt, “narrada sua vida, morto seu mestre e
amigo Thomas Merton, fracassada a revolução, impossibilitado ao amor humano,
Ernesto Cardenal desvia sua mirada deste mundo cheio de decepções para o
firmamento estrelado.” Dedica-se então a uma nova “meditação cosmológica”,
buscando com o instrumental da astrofísica moderna refletir sobre o sentido do
universo[74].
A segunda, apresenta textos de diferentes temas e épocas, tendo sempre como
referência o eixo central da cosmologia[75].
O autor busca acentuar o enigma de um outro mundo que habita o nosso mundo e a
força misteriosa que conecta cada indivíduo com o todo. Os humanos não são
senão “pó de estrelas” que habitam um universo em expansão cósmica, cuja base
está erguida sobre um “nada fecundo”, um vazio pleno. E o olhar religioso é
capaz de desocultar nas cores do universo a presença de uma luz, diferente da
ordinária, que abre a visão para uma nova realidade ou perspectiva: de uma luz
que revela luz.
2. Traços
de sua mística
Há que sublinhar, em primeiro lugar,
o traço da abertura ao todo. A mística de Ernesto Cardenal, como outros já
sublinharam, é uma “mística cósmica”, de abertura ao mundo e de sensibilização
ao real. Se o sentido etimológico da palavra mística (myein) envolve a ideia de fechar os olhos e a boca, há algo de
“anti-místico” no misticismo de Cardenal[76],
na medida em que sua perspectiva envolve um olhar profundamente aberto para a
realidade, para o cosmos e para o seu tempo. A sua mística é profundamente ativa,
compenetrada na história. Vale também insistir que toda a atividade social e
política que marcou e vem marcando a trajetória de Cardenal “nasce de uma
profunda introspecção espiritual que lhes dá sentido”[77].
É também uma mística centrada na
experiência. Aliás, esse é um traço muito presente entre os místicos das
diversas tradições. É na força da experiência, no “livro da experiência”
(S.Bernardo), que nasce toda vocação mística. A experiência de Deus está no
núcleo da trajetória espiritual de Cardenal. Trata-se do centro nevrálgico do
qual arranca sua dinâmica vital. Antes de qualquer movimento realizado pelo
místico nicaraguense, estava ali o Mistério, convocando-o à intimidade: “A água
grita ao sedento que a beba”[78].
Ele e Deus vivem a dinâmica de uma proximidade que é única e indissociável,
ineludível e incancelável[79].
Assim como na imagem dos dois esquirines expressa no penúltimo epigrama
amoroso, já citado, vale registrar também o poema das duas pombinhas de San
Nicolás, presente na cantiga 42 do Cântico Cósmico:
Somos como
essas duas pombinhas de San Nicolás
que quando
uma corre
a
outra vai atrás
e quando
está e a que foge
aquela
a segue
mas uma não
se afasta da outra
sempre
estão em parelha.
Quando Tu de
mim te vais
eu
sigo atrás de ti
e quando sou
em quem me vou
tu vais
atrás.
Somos como
essas duas pombinhas
De
San Nicolás[80].
É tal a
intimidade entre esses dois amantes que a única linguagem capaz de resgatar o
seu significado mais profundo é aquela erótica, e que está tão presente na
poética de Cardenal. Uma linguagem que escandaliza alguns, sobretudo os que não
participam da intimidade da experiência, e não alcançam a poética dos amantes:
“Y son cosas que los que se aman se dicen en la cama”[81].
Há que lembrar aqui a presença marcante do Cântico dos Cânticos tanto na sua
prosa como em sua poesia. E as imagens encontradas são muito bonitas:
Fecho os olhos
e chegas
mais perto
na noite do
nada,
como conheço
bem o teu sabor
e tu o meu,
amado e
amada, suspiros
trêmulos com
os da beira do rio,
carícia
calada
na noite
escura do nada[82].
Toda a
paisagem vem poetizada na aclimatação dos versos do clássico epitalâmio
hebraico, Cântico dos Cânticos, para
o seu cenário natal, a bela Nicarágua:
- Amado:
Vamos nos
abraçar debaixo dos ramos
daquela
árvore indiana chamada pandano.
Voltaremos
a comer maçã rosa.
Nós dois
debaixo do pandano.
Ali a flor oyién floresce escondida
e se ouve o
canto da ave kagl e da ave waugle
que sempre cantam aos casais (...).
-
Amada: teu corpo de mogno escuro torneado e polido,
tua língua
como a flor de flamboiã.
Teus dentes
uma fileira de garças na ribeira de Ulalali.
Teus peitos
são da cor da nêspera
e seu sabor
de níspero leitoso.
Que belo o
colar de begônias rosadas em teu pescoço.
Entre os saúcos amarelos te amarei (...).
Amada:
Já estão
floridos os aromos alaranjados como chamas,
as
frutas-pão estão maduras,
as
oropêndolas estão gritando nos mamoeiros.
Os icacos das ilhas já estão rosados.
Os macacos
estão guinchando nas árvores de mogno
e o tucano
canta entre os abacates.
Vêm
à aldeia.
- Em minha cama de folhas de coqueiro
meu amado é
como o negro peixe-ura
tatuado como o peixe negro de Ifaluk.
Como o escuro peixe-ura
ele veio de uma ilha distante (...)[83].
O que une
Amado e amante é algo difícil de expressar em palavras, como indica Cardenal:
“Eu tive uma coisa com ele e não é um conceito”[84].
Ao encontrar o Amante, que tanto procurou no universo, a alegria é profunda e,
ao mesmo tempo, muito cotidiana:
Que um dia tu e eu nos acariciemos
Como o fazem
com olhos cerrados gemendo os amantes,
num lugar
infinito e numa data eterna
mas tão real
como dizer esta noite às 8[85].
O processo
que leva à intimidade exige tempo. Há que tecer com paciência a dinâmica desse
vínculo que descentra o sujeito de si e o faz perceber que no núcleo mesmo de
sua vida, não é mais ele que vigora, mas um Outro. Mesmo quando Cardenal viveu
irrupção daquela Presença avassaladora, em junho de 1956, reconhece que ainda
não estava “enamorado”. O processo é mais sutil, delicado e exige tempo. Mas
reconhece em dois trechos de seu poema que é bonito quando o outro é capaz de
expressar com sentido o nome de seu amado:
Me eriza pensar
cómo será
que dices
cuando dices
mi nombre[86].
Estás más cerca de mí que yo mismo.
Por eso pues
pareces tan lejos.
Imagino
que me tendrás mucha lástima.
Como será
aquel día cuando dirás Ernesto[87].
O
itinerário que leva ao encontro com o Amado, como expresso na poesia de
Cardenal, não segue o roteiro previsto presente na dinâmica tradicional: via
purgativa, iluminativa e unitiva. O que preside é uma lógica bem diferente, que
não dá para aprisionar em esquemas, e Cardenal não está nada interessado neles:
´Oración de
quietude`, después de ´union`...
Santa Teresa
tiene el Vademécum.
Rompé
conmigo tus esquemas
Aunque
tengamos una relación clandestina, ilícita[88].
Para Cardenal, o que conta mesmo é o
desfrute dessa beleza e desse amor que tomou conta de sua vida, que produziu
tal alegria na alma que tudo o mais se desvanece, e luta com todas as suas
forças para sorver novamente ao menos “uma gota dessa presença”:
´No entende como entiende` disse Santa Teresa
si es
oración o no es oración qué importa.
Simplesmente
mi alma está acostada boca arriba
Esperando
que te eches sobre mí[89].
Outro traço
que transparece na mística de Cardenal é o despojamento para a acolhida do
Mistério. A experiência mística, como mostrou com acerto Michel de Certeau,
envolve sempre a narração de uma perda, de uma “ausência que multiplica a
produção do desejo”[90].
No itinerário espiritual de Cardenal essa perda foi dolorosa, envolvendo
bonitas histórias humanas de amor que se romperam para abrir lugar a uma
experiência distinta. E Cardenal lamenta com Deus essa perda:
Me quitaste
todo,
Dáteme todo
pues[91].
A passagem para esse “amor
transcendido” não foi nada fácil para Cardenal. Passar de um amor sensível,
pontuado pelo vigor e força dos sentidos, para um “puro amor”, “sem lábios” e
“peitos para tocar”, como ele mesmo sublinha, exigia uma maturidade espiritual
singular[92].
Em momento algum ele descaracteriza a riqueza que envolve o amor humano,
expressão viva do reflexo de Deus. Mas sinaliza que esse amor traduz ainda um
“reflexo fragmentado” dessa beleza maior e totalizante. O amor humano é visto,
sim, como ponte para um amor maior. Animado com um “coração enamorado” –
sublinha ele - o ser humano tem mais condições de viver a experiência amorosa
transcendida[93].
Num poema enigmático de Cardenal ele diz:
El mar, la rosa, la mujer
toda cosa
nos habla de Dios.
Pero la
mujer con bikini en el mar
también nos
dice que nos es Dios.
Todo ser es
transparente, pero
la
transparencia no es otra cosa
sino un no
ser para que passe la luz[94].
Em rica
interpretação dessa difícil passagem de Cardenal, Arianna Fabbri aponta uma
pista que é decisiva. Indica como no poema não se dá uma negação ou recusa da
materialidade, vista sempre por Cardenal – bom teilhardiano – como santa e
positiva. O problema está no risco de um ensimesmamento na matéria, quando ela
ganha uma tal proporção que passa a ocupar todo o espaço com si mesma,
impedindo a percepção daquilo que nela
transparece. A reificação da matéria torna-se, na verdade, um sério obstáculo
para a percepção da luz que a invade e habita, da luz que é a manifestação
divina. A transparência implica em avançar para além da materialidade e ver ali
a presença da luz[95].
E aqui se toca dum dos pontos
nucleares da compreensão da experiência mística de Cardenal. Sua experiência de
Deus implica o mergulho no vazio, mas de um vazio pleno de sentido. A beleza
visível é sempre uma “pauta” de acesso ao Mistério maior, que é sem atributos.
E essa beleza vale para as muchachas,
mas também para os vales, oceanos, mariposas etc. Deus envolve tudo isso, mas
os ultrapassa infinitamente. Ver a Deus, como mostra Michel de Certeau, “é em
definitivo, não ver nada (nulla), é
não perceber coisa alguma particular, é participar de uma visibilidade
universal que não comporta mais o fracionamento de cenas singulares, múltiplas,
fragmentárias e móveis que compõem as nossas percepções”[96].
Em seu Cântico Cósmico, na cantiga 42, Cardenal visualiza essa pista, ao
indicar o caminho do “Grande Nada”, em profunda sintonia com a mística de
Mestre Eckhart. Mostra como o maior empecilho para o encontro amoroso é o apego
do eu: “Entre Tu e eu há um eu sou que me atormenta”. Mas superado esse
obstáculo, abre-se o caminho de um encontro essencial: “Amada na amada grande
nada transformada!”. Lança o desafio de abismar-se nesse Nada, num desnudamento
que envolve Amado e amante. E assinala:
Algo
dentro de mim, não em meu corpo, mais dentro
e
abraçado, abraça e é abraçado,
unidos
havendo de algum modo dois em um, dois um,
doçura
com doçura, numa só doçura,
gozo
de outro gozo, os dois gozos um
sem
que nada se sinta sensivelmente conste:
é
como que abracei a noite
negra
e vazia
e estou vazio de tudo
e
nada quero
é
como se me houvesse penetrado
o
Nada[97]
.
(Publicado
na Revista Eclesiástica Brasileira, v. 73, n. 290, abril 2013, p. 381-408)
Endereço
residencial do Autor:
Rua Antônio
Carlos Pereira, 328
Condomínio
Tiguera
36.071-120
– Juiz de Fora, MG
E-mail: fteixeira@uaigiga.com.br
[1] Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade
Gregoriana de Roma. Pesquisador do CNPQ e professor no Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG.
[2] Thomas MERTON & Ernesto CARDENAL. Correspondencia (1959-1968). Madrid:
Trotta, 2003, p. 164 (carta de 18/01/1966).
[3] Lúce LÓPEZ-BARALT. El cántico espiritual de Ernesto
Cardenal. Hacia la fundación de la literatura mística hispano-americana. In:
____. & Lorenzo PIERA (Orgs). El sol
a medianoche. La experiencia mística: tradición y actualidad. Madrid:
Trotta, 1996, p. 25-26; Ernesto CARDENAL. Telescopio
en la noche oscura. Madrid: Trotta, 1993, p. 11-12 (prólogo de Luce
López-Baralt).
[4] Ariana FABBRI. “E
son cosas que los que se aman se dicen en la cama”. La poesia mística de
Ernesto Cardenal. Tesi dottorale. Dipartimento di Lingue e Letteratura
Straniere Moderne. Università di Bologna, 2007; Sylma García GONZÁLEZ. “Yo tuve una cosa con él y no es un concepto”.
Originalidad y modernidade en la literatura mística de Ernesto Cardenal.
Madrid/Frankfurt am Main: Iberoamericana/Vervuert, 2011; Luce LÓPEZ-BARALT. El cántico místico de Ernesto Cardenal.
Madrid: Trotta, 2012.
[5] Sylma González chama a atenção para o impacto
exercido por Whitman em Cardenal, de modo particular a força simbólica das
imagens eróticas de sua poesia mística. Os dois comungam de uma mesma “paixão
erótica”, que desborda explicitamente no repertório poético de ambos: Sylma
García GONZÁLEZ. “Yo tuve una cosa con él
y no es un concepto”, p. 82 e127.
[6] Sylma García GONZÁLEZ. “Yo tuve una cosa con él y no es un concepto”, p. 11, 36 e 59; Ariana FABBRI. “E son cosas que los que se aman se dicen en la cama”, p. 7-8.
[7] Mario BENEDETTI. Ernesto Cardenal: evangelio y
revolución. Apud Sylma García GONZÁLEZ. “Yo
tuve una cosa con él y no es un concepto”, p. 38.
[8] Apud Ariana FABBRI. “E son cosas que los que se aman se dicen en la cama”, p. 6-7.
[9] Como sublinha Ariana Fabbri, o exteriorismo –
enquanto marcado pelo influxo poundiano, opta pela “essencialidade das
palavras”, bem como pela inserção de traços não propriamente literários na
composição poética: Ariana FABBRI. “E son
cosas que los que se aman se dicen en la cama”, p. 9.
[10] Ernesto CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1. Madrid: Trotta, 2005, p. 41-42.
[11] Ibidem, p.21.
[12] Ibidem, p. 49.
[13] Lúce LÓPEZ-BARALT. El cántico místico de Ernesto Cardenal, p. 17. Esse livro de poemas
vai ser objeto do estudo de Luz Marina Acosta: La obra primigênia de Ernesto Cardenal. Managua, Anama, 2000.
[14] Apud Lúce LÓPEZ-BARALT. El cántico místico de Ernesto Cardenal, p. 17-18. Nesse artigo, os
poemas de Cardenal que não foram ainda traduzidos em português, como nos Epigramas e no Telescopio en la noche oscura, estarão sempre registrados na língua
original. Os outros poemas ou passagens em prosa, já traduzidos em português,
estarão versadas na língua portuguesa. Esse foi o critério adotado aqui.
[15] Ernesto CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p. 385-386.
[16] Ibidem, p. 36.
[17] Ernesto CARDENAL. Epigramas.
Madrid: Trotta, 2001, p. 13; Ernesto CARDENAL. Vida perdida. Memorias 1, p. 27-31.
[18] Ernesto CARDENAL. Epigramas,
p. 32; Ernesto CARDENAL. Vida perdida.
Memorias 1, p. 32-36.
[19] Tema que será objeto do próximo tópico.
[20] Ernesto CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p. 67-75.
[21] Ernesto CARDENAL. Telescopio
en la noche oscura. Madrid: Trotta, 1993 , p. 50.
[22] Ernesto CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p. 60-61.
[23] São como pequenas corujas.
[24] Ernesto CARDENAL. Epigramas,
p.58. Ver também: Ernesto CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p.74. Como assinala López-Baralt, o epigrama sobre os
esquirines aponta para um “Amado muito elusivo, como aquele cervo do ´Cântico
Espiritual` pelo qual clamava a ´branca palomita` que representava a desejosa
amada”: Luce LÓPEZ-BARALT. El cántico
místico de Ernesto Cardenal, p.
[25] Luce LÓPEZ-BARALT. El cántico místico de Ernesto Cardenal, p. 34.
[26] Ernesto CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p. 90. A experiência mística, como indica Michel de
Certeau envolve um “golpe”, sua ação é “devastadora” para o sujeito. Ela cava
uma tal situação no sujeito, que ele não pode mais prescindir da Presença que
ali se instalou. Só num segundo momento, depois do aniquilamento, é que se dá o
processo de reconstrução e restabelecimento do sujeito, mas agora sob novas
bases: Michel DE CERTEAU. Sulla mística.
Brescia: Morcelliana, 2010, p. 59.
[27] Ernesto CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p. 75.
[28] Ibidem, p. 75-76.
[29] A experiência de encontro com o Mistério é algo muito
difícil de expressar. E o místico tem dificuldade de falar sobre isso. O que
muitas vezes ocorre, como sinaliza Michel de Certeau, é uma “descrição que
percorre ´sensações`”, na tentativa de ao menos balbuciar algo da verdade que a
experiência provocou no sujeito e que pode ser traduzido em linguagem: Michel
DE CERTEAU. Sulla mística, p. 55.
[30] Ibidem, p. 77. Relatou também para Thomas Merton, já
na Trapa, o que lhe havia ocorrido em junho de 1956, e Merton ficou
impressionado com a descrição. No prefácio que Merton escreveu para outra obra
de Cardenal, Gethsemani, Ky, ele
assinala que Cardenal se resguardava de divulgar os “aspectos mais íntimos e
pessoais de sua experiência contemplativa”. Cf. Ernesto CARDENAL. Vida perdida. Memorias 1, p. 78. Em
passagem de seu Cântico Cósmico, na
cantiga 2, dirá Cardenal: “Meu segredo é só para o meu amado”: Ernesto
CARDENAL. Cântico Cómico. São Paulo:
Hucitec, 1996, p. 22. Ver ainda: Luce
LÓPEZ-BARALT. El cántico místico de
Ernesto Cardenal, p. 99-100; Ariana FABBRI. “E son cosas que los que se aman se dicen en la cama”, p. 48.
[31] Ernesto CARDENAL. Vida
no amor. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 63-64.
[32] Ernesto CARDENAL. Telescopio
en la noche oscura, p. 67-68. Assinala ainda, em poema na mesma obra que
naquele meio dia de junho de 1956, quando se viu penetrado por Deus, não estava
ainda enamorado: ibidem, p. 54.
[33] Ernesto CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p. 79.
[34] Como sinaliza Santiago Daydí-Tolson na introdução ao
livro que resgata a correspondência entre Merton e Cardenal, o influxo de
Merton sobre Cardenal remontava aos tempos de presença de Cardenal na
Universidade de Columbia, quando ali descobre a poesia de Merton. Sublinha
algumas coincidências que uniam os dois: ambos tinhas estudado em Columbia,
partilhavam o mesmo desejo de experimentar a vida até o fundo e eram poetas e
espíritos religiosos em busca permanente: Thomas MERTON & Ernesto CARDENAL.
Correspondencia (1959-1968). Madrid:
Trotta, 2003, p. 13-14.
[35] Ernesto CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p. 93.
[36] Em certa ocasião, Merton chegou a comparar o mosteiro
com um circo, e a vida no mosteiro como a de um asno numa arena, repetindo
sempre a mesma volta: Ernesto CARDENAL. Las
ínsulas extrañas. Memorias
2.
[37] Ernesto CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p. 142-143.
[38] Ibidem, p. 141. Merton chegou a aventar a
possibilidade de uma fundação na Nicarágua, ou também na Venezuela ou Colômbia:
cf. Ibidem, p. 138.
[39] CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p. 171.
[40] Maria Enrica CASTIGLIONI. “¿Para qué metáforas?” La poetica di Ernesto Cardenal. Firenze, La Nuova
Italia, 1990, p. 67 (Pubblicazioni della Facoltà di Lettere e Filosofia
dell´Università degli Studi di Milando, 138).
[41] CARDENAL. Vida
perdida. Memorias 1, p. 144 e 204.
[42] Santiago DAYDÍ-TOLSON. Introdução. In: Thomas MERTON
& Ernesto CARDENAL. Correspondencia
(1959-1968), p. 24. Cardenal sublinha em suas memórias que foi sob influxo de
Merton que se abriu para “a sabedoria, a espiritualidade e o misticismo dos
índios da América – da Américas”: Ernesto CARDENAL. Las ínsulas extrañas. Memorias
2. Madrid: Trotta, 2002. E sobre o tema também escreveu um livro de poemas:
Ernesto CARDENAL. Homenaje a los índios
americanos. Buenos Aires: Carlo Lohlé, 1972.
[43] Ariana FABBRI. “E
son cosas que los que se aman se dicen en la cama”, p. 18.
[44] Trata-se, como bem mostrou Sylma González, do
“primeiro livro de tema puramente místico” de Cardenal: Sylma García GONZÁLEZ. “Yo tuve una cosa con él y no es un concepto”,
p. 54.
[45] Thomas MERTON & Ernesto CARDENAL. Correspondencia (1959-1968), p. 53.
[46] Ariana FABBRI. “E
son cosas que los que se aman se dicen en la cama”, p. 49.
[49] Ernesto CARDENAL. Telescopio
en la noche oscura, p. 56.
[50] Mas o amor foi essa ponte. Exclama Cardenal: “Hiciste
que las amara tanto, para que después, con este corazón enamorado, te amara más
a Vos. Vos que tanto tempo has soñado conmigo”: Ernesto CARDENAL. Las ínsulas extrañas. Memorias
2, p. 31.
[51] Ernesto CARDENAL. Las
ínsulas extrañas. Memorias
2, p. 30-32. São páginas de extrema beleza e intensa profundidade espiritual.
[52] Ibidem, p. 32.
[53] Thomas MERTON & Ernesto CARDENAL. Correspondencia, p. 69-70.
[54] O encontro entre os dois se dá no eremitério de
Merton e seu relato encontra-se no segundo volume de memórias de Cardenal: Las ínsulas extrañas. Memorias 2, p. 80-84, e na sequência, a carta escrita por Merton e
endereçada ao papa Paulo VI, solicitando autorização para dar sequência ao seu
trabalho contemplativo na Nicarágua. Essa autorização não lhe foi concedida.
[55] O arquipélago de Solentiname compunha-se de trinta e
oito ilhas, algumas bem pequenas. Só as maiores estavam habitadas.
[56] A primeira tradução espanhola saiu publicada em 1983,
em quatro volumes, na Nicaragua. E mais recentemente, uma nova edição
espanhola, publicada pela editora Trotta, em 2006.
[57] Ernesto CARDENAL. El
evangelio en Solentiname. Madrid: Trotta, 2006, p. 12. Ao comentar sobre
este livro, Cardenal relata que os diversos comentários expressam a
peculiaridade de cada um dos participantes. Alguns falavam com mais frequência,
como Marcelino (bem místico), e seus comentários eram, segundo Cardenal, os
mais ricos: Cardenal: Las ínsulas extrañas. Memorias 2, p. 105.
[59] Ernesto CARDENAL. La
santidade de la revolucion. Salamanca: Sigueme, 1976, p. 20.
[61] Ernesto CARDENAL. La
santidade de la revolucion, p. 27. Sua viagem a Cuba será relatada no
livro: En Cuba, publicado em 1972.
Dirá em entrevista concedida a Teófilo Cabestrero que “não foi levado ao
marxismo pela leitura de Marx mas pela leitura do Evangelho”: Teófilo CABESTRERO.
Ministros de Deus, ministros do povo.
Petrópolis: Vozes, 1983, p. 38.
[62] Veja a respeito: Ernesto CARDENAL. La
revolución perdida. Memorias 3, p. 29s.
[63] Essas regras se tornaram bem conhecidas. Cardenal
relata em suas memórias que um periodista do The Tablet, de Londres, ficou assombrado com a forma simples e
sensível com que Cardenal traduziu complexas normas poéticas para os operários
e camponeses da Nicarágua: Ernesto
CARDENAL. La revolución perdida. Memorias 3. Madrid:
Trotta, 2004, p. 354.
[64] Ernesto CARDENAL. La revolución perdida. Memorias 3, p. 353s.
[65] Teófilo CABESTRERO. Ministros de Deus, ministros do povo, p. 24-25.
[66] Ibidem, p. 25 e também: Maria Enrica CASTIGLIONI. “¿Para qué metáforas?” La poetica di Ernesto Cardenal,
p. 65-66.
[67] Sobre as tensões envolvendo a visita do papa João
Paulo II à Nicaragua cf. Ernesto CARDENAL. La revolución perdida. Memorias 3, p. 301s.
O episódio específico da advertência feita pelo papa a Cardenal, rogando-lhe
“regularizar a sua situação” está na p. 302.
[68] Isso na primeira edição publicada em Manágua (1989).
A segunda edição, publicada em 1992 pela editora Trotta (Madrid) soma 410
páginas. O livro ganhou também uma edição brasileira em 1996, pela Hucitec, com
tradução do poeta Thiago de Mello, que aliás tinha sido também o tradutor de Vida no Amor (Civilização Brasileira,
1979).
[69] O tema da astrofísica aparece como nuclear nas
cantigas de Cardenal. Com um impressionante aparato multidisciplinar, que vai
da teoria da relatividade à mecânica quântica, busca estabelecer singulares
relações entre ciência e misticismo: Lúce LÓPEZ-BARALT. El cántico místico de Ernesto Cardenal, p. 66.
[70] Jürgen MOLTMANN. Dio nel progetto del mondo moderno. Brescia: Queriniana, 1999, p.
25 (e também p. 64).
[71] Sylma García GONZÁLEZ. “Yo tuve una cosa con él y no es un concepto”, p. 109.
[72] Ernesto CARDENAL. Telescopio
en la noche oscura, p. 55.
[73] Ernesto CARDENAL. La revolución perdida, p. 473.
[74] Lúce LÓPEZ-BARALT. El cántico místico de Ernesto Cardenal, p. 107. Como indica Sylma
González, Cardenal busca com essa obra “expressar poeticamente o cosmos”, e o
plural do título – pluriversos – quer expressar o traço multiforme e infinito
desse cosmos em seu mistério: Sylma García GONZÁLEZ. “Yo tuve una cosa con él y no es un concepto”, p. 138.
[75] Ernesto CARDENAL. Este
mundo y otro. Madrid: Trotta, 2011. Além de textos de índole mais
cosmológica, há neste livro outros textos que tratam de temas como: a
reinterpretação da filosofia grega, Heráclito luminoso e Lao Tzé, profeta de
Cristo.
[76] É o que sugere Arianna Fabbri em sua tese doutoral: “E son cosas que los que se aman se dicen en
la cama”, p. 105 (e também p. 19).
[77] Lúce LÓPEZ-BARALT. El cántico místico de Ernesto Cardenal, p. 16.
[78] Ernesto CARDENAL. Cântico Cósmico, p. 392.
[79] Para usar duas expressões queridas a Michel de
Certeau. Dirá num dos versos de seu Telescopio:
“Hay infinitos Amados, uno para cada uno. / Yo lo sé. Yo tengo el mío. / Yo lo
conosco, y él infinitamente / me conoce”: Telescopio
en la noche oscura, p. 35.
[80] Ernesto CARDENAL. Cântico Cósmico, p. 391. Muito rica
essa imagem das “palomitas de San Nicolás” para expressar a intimidade da união
mística de Cardenal com Deus. Linda e muito musical a versão original em
espanhol: Ernesto CARDENAL. Cántico
Cósmico. 3 ed. Madrid: Trotta, 1999, p. 391.
[81] Ernesto CARDENAL. Telescopio
en la noche oscura, p. 31.
[82] Ernesto CARDENAL. Cântico Cósmico, p. 390.
[83] Ibidem, p. 366-367.
[84] Ibidem, p. 385.
[85] Ibidem, p. 389.
[86] Ernesto CARDENAL. Telescopio
en la noche oscura, p. 59
[87] Ibidem, p. 55.
[88] Ibidem, p. 52.
[89] Ibidem, p. 49.
[90] Michel DE CERTEAU. Sulla mística, p. 155. Ver também Arianna FABBRI. “E son cosas que los que se aman se dicen en
la cama”, p, 200.
[91] Ernesto CARDENAL. Telescopio
en la noche oscura, p. 36. Em diversos momentos, em sua prosa e poesia,
Cardenal lamenta essa perda, como na clássica passagem da “aparição de
Hamburgo”, quando vislumbra numa jovem que assistia a seu recital de poesia, a
mesma jovem que trinta anos antes tinha sido objeto de seu amor: “Quem me diria
que tu estarias outra vez, a que Ele, com maiúscula, arrancou de meus braços, a
que eu larguei para abraçar o Invisível (...)”:Ernesto CARDENAL. Cântico
Cósmico, p. 297.
[92] E dribla essa dor recorrendo muitas vezes ao humor,
típico de sua poesia: “En la hamaca sentí que me decías / no te escogí porque
fueras santo / o con madera de futuro santo / santos he tenido demasiados / te
escogí para variar”: Ernesto CARDENAL. Telescopio
en la noche oscura, p. 47. Para esse tema do humor na poesia de Cardenal
ver: Sylma García GONZÁLEZ. “Yo tuve una
cosa con él y no es un concepto”, p. 134-135.
[93] Ernesto CARDENAL. Las
ínsulas extrañas. Memorias
2, p. 31. Cardenal retoma aqui uma ideia já apontada em seu livro Vida no amor: das paixões e afetos como
“combustível do amor a Deus”, que inflamam no sujeito o amor a Deus. Id. Vida no amor. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1979, p. 75.
[94] Ernesto CARDENAL. Telescopio
en la noche oscura, p. 43.
[95] Ariana FABBRI. “E
son cosas que los que se aman se dicen en la cama”, p. 228-229.
[96] Michel DE CERTEAU. Sulla mística, p. 185.
[97] Ernesto CARDENAL. Cântico
Cósmico, p. 386.
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