Em torno da visita do papa Francisco ao Brasil
Entrevista concedida a Litza Mattos para o Jornal O Tempo
Faustino Teixeira (PPCIR-UFJF) – Julho de 2013
Você
considera a vinda o papa Francisco em um momento oportuno no Brasil, uma vez
que o número de católicos no país vem caindo?
Acredito
que não se deva pensar em sua vinda como uma questão de estratégia da igreja
católica. Isso vem reforçado pelo carisma mesmo do papa Francisco, que é movido
mais por dinâmica pastoral e profética. Ele não vem ao Brasil com a função de
recuperar o dado quantitativo da igreja católica, mas de sublinhar para os
católicos que vivem aqui o potencial crítico do evangelho e o desafio
fundamental de uma igreja que busca recuperar o fermento da simplicidade e da
opção pelos excluídos e empobrecidos. Ele traz consigo o carisma franciscano
que está envolvido no próprio nome que escolheu para o seu novo ministerio como
bispo de Roma.
E em
relação aos protestos. Acha que a igreja pode ser alvo?
Não
creio. A presença de Francisco deu um novo alento à Igreja Católica. Marca uma
presença muito distinta com respeito aos dois últimos papas e vem movido por
uma sede de mudança na vida eclesial, que traduz também uma indignação
profética contra determinadas situações que maculavam o tecido católico. O que
se vê nas ruas hoje no Brasil é também a expressão de uma insatisfação e uma
sede de justiça e verdade, também de “afirmação de força e fé no futuro”. São
vocalizações distintas, mas que convergem na busca de um mundo melhor e numa
representação mais digna e autêntica. Creio que Francisco será acolhido entre nós
com muita alegria e hospitalidade, e saberá também dizer uma palavra de alento
e de esperança para esses jovens que hoje tomam conta de nossas ruas por todo o
Brasil em busca de um horizonte menos sombrio e mais justo.
O que
a Igreja está fazendo para se renovar e conquistar os jovens? O papa Bento XVI
inaugurou o twitter e o papa Francisco também criou uma conta própria, mas a
igreja como um todo está ligada a esse desenvolvimento tecnológico?
Essa
sintonia com o mundo jovem é um desafio em aberto para a Igreja Católica. Ela
se distancia desse mundo quando não consegue ser envolvida pelos sinais dos
tempos, pelos grandes temas que tocam o coração dessa gente. Os jovens, com sua
vitalidade e despojamento, conseguem ouvir lindamente o canto das coisas e o apelo
inarredável da realidade. A Igreja romana ainda permanece meio ensimesmada, esquivando-se
de enfrentar com coragem os grandes temas e questões de nosso tempo. O papa
Francisco parece trazer um novo alento e uma nova esperança de sintonia com
esse tempo. Veio com a disposição de se colocar em escuta, de captar os
desafios mais candentes que se expressam também na voz desses jovens,
brasileiros e de tantas partes do mundo. E não vai desprezar os diversos
recursos, também tecnológicos, para entrar no compasso do tempo.
Como a
igreja deve se modernizar para combater perda de fieis e o crescimento das
outras igrejas?
Mais
uma vez repito, a questão hoje não é tanto a de “modernizar para combater a
perda de fiéis”, mas de encontrar uma voz singular que saiba dialogar com um
mundo que se apresenta cada vez mais diverso e plural, também no campo das
religiões. Passou o tempo de uma evangelização de conquista e dominação. A
concepção mais rica de evangelização que se firma hoje com vigor é aquela
postulada pelo papa Paulo VI, nos desdobramentos do Concílio Vaticano II
(1962-1965). Evangelizar é “tornar nova a própria humanidade” (EN 18), favorecer
um novo alento vital, de alegria e esperança para um mundo que corre o risco de
morrer de apatia ou pelo desgaste da compaixão. O testemunho fala hoje muito
mais forte do que qualquer proselitismo. É o testemunho de vida, simples e
solidário, que traduz o traço mais essencial da evangelização. As religiões são
hoje desafiadas ao exercício da partilha de dons, de compromisso comum em favor
de uma sociedade mais humana e justa, de uma terra mais habitável.
Qual
foi a Igreja Católica que o sucessor de Bento XVI, recebeu? Qual a sua
avaliação das atitudes tomadas por ele até agora?
Diria
que o papa Francisco recebeu uma Igreja em profunda crise, com problemas
internos gravíssimos e também com fraturas na sua dinâmica relacional com o
mundo e com as diversas tradições religiosas. Francisco veio com o propósito
pastoral de reconstruir esse tecido dilacerado com o fermento evangélico de
Assis. O nome que escolheu para seguir essa trajetória – Francisco - é muito
significativo: fazer renascer a esperança e facultar uma nova fragrância da
vida eclesial. Na minha avaliação, o pontificado está ainda bem no início, mas
as atitudes tomadas até agora, num jeito jesuíta e paciente, mostram uma
dinâmica que faculta a esperança.
Em uma
entrevista você disse que o novo papa deveria ser disposto a abrir a Igreja ao
debate dos temas polêmicos. O papa Francisco já mostrou que tem uma facilidade
de quebrar alguns tabus, porém tem uma postura conservadora em outros aspectos.
Acredita que o pontificado do papa Francisco será de mudança na igreja?
Não
tenho ainda condições precisas para avaliar o pontificado de Francisco. Estamos
ainda numa fase inicial de trabalhos, mas que já se revela auspiciosa. Não há
como afirmar, peremptoriamente, que ele tem uma “postura conservadora” em
aspectos específicos. Isso até pode ocorrer, e diria com todos nós. Podemos
sinalizar que ele tem uma preocupação de abertura e constância: dois aspectos
importantes para o crescimento de qualquer organismo. Como diz o profeta
Isaías, há que alargar o espaço da tenda, estender as cortinas, alongar as
cordas, mas também reforçar as estacas (Is 54,2). Não tenho dúvida alguma sobre
a dinâmica transformadora que sera empreendida por Francisco na Igreja
Católica, mas sempre apoiada no chão firme do espírito evangélico mais nobre.
Quais
as grandes questões que igreja vai/deve resolver (escândalo financeiro, uso da
camisinha, o sexo sem procriação, a ordenação de mulheres e a reinclusão dos
padres casados, pedofilia)?
O papa
Francisco tem diante de si inúmeras tarefas e desafios, entre os quais
restabelecer a credibilidade da comunidade ecclesial, abalada por inúmeros
escândalos em vários campos, como os abusos comprovados no âmbito da pedofilia
e de corrupção explicitada no Vatileaks. Com seu jeito peculiar, de traço
jesuíta, vai criando as condições para a reforma da cúria romana, sem a qual
não há mudança possível em outros diversos campos. Exerce também um papel
singular na retomada do valor da colegialidade e de sua prática efetiva; bem
como da valorização do laicato e seu protagonismo na missão eclesial.
Quais
as perspectivas futuro da igreja. Como vê a igreja daqui pra frente?
Tenho
em mim um lado otimista que agora fala mais forte com a presença de Francisco.
Ele trouxe uma esperança que estava faltando, com seus gestos simples, seu
sorriso largo, e sua ênfase na humildade
e no despojamento. Muito curioso tudo isso: quando deixamos o evangelho falar
mais forte, o que vigora é essa simplicidade, que brota da dinâmica do
nazareno. O que busca fazer Francisco, e não sei se conseguirá, dadas as
inúmeras resistências que já se anunciam, é deixar falar o Jesus menino que habita
em nossa aldeia, a “Criança Nova” que acolhe a nossa dor e desperta o nosso
olhar para as coisas do tempo, como tão bem assinalou Alberto Caeiro no Guardador de rebanhos.
(A
entrevista foi aproveitada para o Caderno Especial do Jornal O tempo – Belo Horizonte,
publicado em 21 de julho de 2013)
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